quinta-feira, 28 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25312: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIII: Cerca de 95% do total dos médicos e 75% dos professores em serviço no território eram militares...

Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) >  Bambadinca, 1970/72 > Reordenamento de Nhabijões > c. 1970 > O saudoso  alf mil médico, Joaquim Vidal Saraiva  (1936-2015) (Guileje, Bambadinca e Bissau, 1969/71) prestando cuidados de saúde

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No seu depoimento sobre a Guiné, no livro  escrito a quatro mãos, “África: a vitória traída” (Braga, Intervenção, 1977, pp. 103-142), o gen Bettencourt Rodrigues, o último Com-Chefe do CTIG, tem alguns dados “interessantes” sobre a “situação político-económico-social” do território, reportada aos princípios de 1974:

(i) nos primeiros três meses de 1974 (o último ano da guerra), destaca-se como grande acontecimento “político-social” o V Congresso do Povo (de 21 de fevereiro a 10 de abril);  mobilizou “alguns milhares de representantes das populações” (sic), tendo dado lugar a  “24 sessões de 4 reuniões cada, em 19 localidades da Guiné, além de Bissau”, espalhadas por todo o território, e sem qualquer interferência do PAIGC (pp. 107/108);

(ii) de 15 a 20 de janeiro desse ano, a Guiné recebeu a visita do Ministro do Ultramar que se deslocou a “Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Farim, no Norte, a Nova Lamego e Bafatá (viajando de automóvel entre estas duas localidades), no Leste, e a Catió e Caboxanque, no Sul” (pág. 108);

(iii) o orçamento da província nesse ano era de 380 mil contos (cerca de 20% mais do que o do ano anterior) (a preços de hoje, seriam 72,5 milhões de euros) (acrescente-se que o aumento de 1973 para 1974, não tem significado, era neutralizado pela inflação);

(iv) dava-se início ao Plano de Empreendimentos (no âmbito do IV Plano de Fomento), dotado de 155 mil contos (com incidência sobretudo nas áreas da Educação, Saúde, Vias de Comunicação, Agricultura e Melhoramentos Urbanos e Rurais (155 mil contos era um valor equivalente, a preços de hoje,  a c. 29,5 milhões de euros) (pág. 109);

(v) a população escolar era estimada em 61 mil alunos (com 2200 professores), dos quais 91,8%  no ensino primário; no ciclo preparatório e no ensino secundário, havia apenas 6,2% e 2%, respetivamente;

(vi) dos professores no ensino primário (1050, no total), 220 eram militares (c. 21%);

(vii) o território dispunha de 1 Hospital Central, 3 Hospitais Regionais, 6 Hospitais Rurais, 50 Postos Sanitários (24 com médico e enfermeiro) e 12 Maternidades (pág. 109);

(viii) os recursos humanos da saúde eram os seguintes:

  • 82 médicos (sendo 4 civis, e os restantes militares);
  • 2 farmacêuticos e 1 farmacêutico-analista;
  • 360 enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
  • 2 assistentes sociais e 1 auxiliar social; e
  • 76 parteiras e auxiliares de parteira.

(ix) em 1972, o número total de consultas (dadas a doentes civis) foi de 676 mil, mas apenas 1 em cada 4 foi prestada pelos Serviços Provinciais de Saúde, sendo as restantes (74,3%) da responsabilidade das Forças Armadas (pág. 110);

(x) no setor privado empresarial, era de assinalar a entrada em laboração de uma “fábrica de cerveja e refrigerantes” e de um “parque de armazenagem e envasilhamento de gases de petróleo liquefeito"; em fase adiantada de construção, havia uma "nova unidade hoteleira em Bissau";

(xi) a participação das Forças Armadas nas tarefas de desenvolvimento económico-social pode ser ilustrada pelos seguintes dados relativos a recursos humanos:

  • 270 militares (37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças) estavam destacados em funções exclusivamente civis;
  • em acumulação (também com funções civis), havia 137 militares (110 oficiais, 21 sargentos e 6 praças);
  • dos 82 médicos em serviço na Guiné, 76 pertenciam às Forças Armadas (e 2 dois eram seus familiares):
  • cerca de 75% dos professores eram militares ou seus familiares.

(xii) 160 mil contos (c. 38,5 milhões de euros, a preços atuais) foi a verba dispendida em 1973 pelas Forças Armadas, no âmbito do desenvolvimento socioeconómico, sob a forma de “comparticipação direta” (na saúde, educação e desenvolvimento rural) (c. 40 mil contos), e de “comparticipação indireta” (transportes e vencimentos pagos a civis, e) (c. 120 mil contos) (pág. 112).

(xiii) no Plano de Empreendimentos para 1974, cabia às Forças Armadas a construção de 1500 casas  em 44 reordenamentos, 11 postos sanitários e 30 edifícios escolares, a par da continuação da construção da estrada Aldeia Formosa-Buba (que já estava em fase adiantada);

(xiv) até ao final de 1973, as Forças Armadas tinham construído 15.700 casas, 167 escolas, 50 postos sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento de água. (pág. 115)

Acrescente-se que toda esta dinâmica  vinha já da conceção e execução da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"... 

O novo Governador limitou-se a apanhar o comboio em andamento, sem tempo, nos 7 meses do seu "consulado", para reformular as políticas e os projetos em curso, da autotia do seu antecessor.

Pora outro lado, é conveniente lembrar que havia escasser de recursos humanos na saúde (bem como na educação): por exemplo, em 3 décadas, de 1960 a 19i0, o número de médicos em Portugal quase que triplica, passando de 7,1 mil (em 1960) para 19,3 (em 1980), mas com  crescimento menor entre 60 e 70, de apenas 1,2 mil, situação  explicável pelas crises académicas,  menor acesso à universidade,  existência de apenas 3 faculdades de medicina, inexistência de carreiras médicas, serviço militar obrigatório, guerra colonial,  menor cobertura da população por  esquemas de saúde públicos e  privados, etc.

E também havia falta de enfermeiros, que passaram de 9,5 mil (em 1960) para 22,1 mil (em 1980).

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4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Estado Novo fez um esforço tardio (e inglório) no desenvolvimento socioeconómico do território guineense.

Sejamos honestos!... Spínola quis tirar o "capacho" ao PAIGC e "desarmar" o seu populismo e demagogia... O PAICC nunca teve médicos nem enfermeiros em quantidade e qualidade para acudir às necessidades de saúde das populações que dizia controlar nas "áreas libertadas".

Spínola, por sua vez, pôs a tropa a colmatar quase um século de abandono e negligência. Mas muitos dos médicos e professores militares (incluindo familiares) não tinham preparação específica: havia imensa de especialistas médicos (a começar pelos estomatologistas); e de professores com aptidão pedagógica... E o arsenal terapêutico era limitado ao Laboratório Militar...

Portanto, estes números têm que ser lidos com reservas e cautelas...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não está em causa a grande generosidade e a capacidade de superação dos nossos camaradas que exerceram, ao longo da guerra,funções como médicos, enfermeiros, professores, etc. (sem esquecer os engenheiros, os pedreiros, os carpinteiros, os condutores, etc.).

Como se costuma dizer, tirámos à boca para dar às populações... A descolonização não começou depois do 25 de Abril, começou antes com as primeiras experiências de autodeterminação, incluindo os Congressos do Povo, os reordenamentos, etc. (!).

Na capital do império havia dezenas e dezenas de milhares de portugueses a viver em barracas, sem cuidados médicos nem escola ...

A Guiné foi também, para muitos de nós, uma escola de aprendizagem da democracia, que começa com a capacidade de saber ouvir os outros, conhecer as suas necessidades, preferências e expectativas...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vidal Saraiva, o único médico que fez comigo (e o resto das NT) uma operação no mato.

No meu tempo os médicos não alinhavam no mato. Nem eram precisos. Eram mais úteis na prestação de cuidados de saúde à população e no HM 241.

... Op Tigre Vadio,finais mar/ principios abr 1970. Madina /Belel, a sudoeste de Sara. Três dias dramáticos. Ele só apareceu no segundo dia. Perdeu a boleia de helicóptero e já não pôde regressar ao quartel em Bambadinca. Vinha para ver casos de insolação/desidratação e feridos com ataques de abelha. Doriundos noato connosco e perdeu-se,como todos nós, que chegamos aos poucos ao Enxale. Eramos 250 com carregadores civis que levavam o morteiro 81 e granadas...

Convivi um pouco com ele
Irá depois para o HM 241. Foi um excelente cirurgião. Vivia em V N Gaia.

Joaquim Luis Fernandes disse...

É notável o esforço empreendido durante o consulado do General António de Spínola e continuado pelo seu sucessor, General Bethencourt Rodrigues, em prol do desenvolvimento e bem-estar das populações da Guiné, em atos de uma política social e económica, (Guiné de hoje, Guiné Melhor) que visou em primeira linha, manter as populações do lado do governo colonial e afastando-as de aderirem ao movimento independentista, mas também, constituindo uma atividade colonizadora, mesmo que condicionada pela guerra.

É frequente ouvir-se e ler-se que a colonização da Guiné ocorreu durante 5 séculos. Uma leitura mais rigorosa da história dessa colonização, leva-nos a concluir que não terá sido muito mais de 1 século, e desse, o maior esforço de desenvolvimento terá sido nos últimos 50 anos. E destes, o que de mais positivo aconteceu, e que ficou na memória das populações, foi o que se fez nos últimos anos.

Por isso, apesar da feroz propaganda do PAIGC, após a independência, contra a ação colonizadora, (lavagem cerebral às populações, especialmente aos jovens e crianças em idade escolar) e apagamento, tanto quanto possível, dos vestígios da presença dos portugueses e da história da colonização, no que teve de positivo, as populações, especialmente as que de algum modo se relacionaram com a ação benfazeja das Forças Armadas, não esqueceram o que de bom aconteceu nesse últimos anos.

Tudo isso explica, a par do bom coração dos guineenses, como somos bem recebidos e acarinhados quando visitamos a Guiné Bissau.
Eu já experimentei esse bom acolhimento quando aí fui em 2016. Era tratado como se fosse filho da Guiné e irmão dos guineenses. Em Bissau, na portaria do local onde estava alojado, o porteiro, sabendo da minha estada em Canchungo, Já me tratava com amizade, por Joaquim mandjaco.

Abraços fraternos
JLFernandes