1971, Norte de Angola, na zona de Nambuangongo, no final de uma operação e à espera do heli: o alf mil pqdt Jaime Silv, comandante do 3º Pel / 1ª CCP / BCP 21 (Angola, fev 70 / jul 72) com o Lopes dos Santos, na altura 2º srgt pqdt, hoje capitão pqdt na reforma
Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci (5) > a mina A/P que ceifou a perna do soldado radiotelegrafista Santos, alentejano
por Jaime Silva
Não esqueci o primeiro estropiado do meu Pelotão, o soldado radiotelegrafista Santos. Esta tragédia aconteceu durante uma operação, na zona de Santa Eulália, no norte de Angola. Ele pisou uma mina antipessoal, logo minutos depois dos helicópteros nos terem lançado no alto de um morro.
Estou a ver o momento em que descemos a encosta do morro correndo. E, indo eu na frente, ao deparar com um trilho, ordenei que o grupo progredisse fora do mesmo, em virtude de ter detetado sinais evidentes de poder haver minas antipessoal dissimuladas.
Minutos depois, há um rebentamento na curva do trilho, por onde eu e mais três paraquedistas tínhamos passado. Nessa altura, oiço o Santos a gritar:
– Eu vou morrer. Ai, minha mãe, eu vou morrer!
– Eu vou morrer. Ai, minha mãe, eu vou morrer!
Foi mesmo assim! Foi a primeira vez que vi a perna de um homem esfacelada: a perna tinha desaparecido abaixo do joelho. O enfermeiro injetou-o logo com morfina, um camarada levou-o às costas, morro acima, mas enquanto eu contactava o helicóptero, via rádio, para o evacuar, olhava, incrédulo, o que restava da tíbia e do perónio daquele meu camarada, cujo sangue jorrava e deixava um rasto vermelho no capim verde.
Vinte minutos depois, empurrãmos o Santos para dentro do heli e, lembro-me, de lhe gritar:
– Aguenta, já te safaste!
O Santos, safou-se.
Fonte: Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 84-86.
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
– Aguenta, já te safaste!
O Santos, safou-se.
E, entre muitas outras coisas da sua vida, casou e tem duas filhas. Vive no Alentejo.
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor LG:


4 comentários:
Jaime, acho que nunca falámos esta operação... Tu já falaste. Mas eu nunca tive oportunidade de te pôr a questão que agora me ocorre: sem o telegrafista do pelotão (só levarias um, julgo eu, tal como só levarias um enfermeiro), ficaria seriamente comprometida a operação, ou pelo menos a missão que te cabia nessa operação...
O telegrafista, o enfermeiro e o comandante de pelotão eram 3 peças-chave de qualquer grupo de combate.
Um alfabravo. Luís
Eh, pá! Isto aconteceu na minha zona (salvo seja)! Pelo que me recordo da região, que conheci quase palmo a palmo, isto deve ter acontecido algures entre Santa Eulália e Quipedro (que em 1961 os paraquedistas conquistaram à UPA, saltando de paraquedas), a norte de Santa Eulália.
Um ou dois anos depois deste infeliz incidente e ainda no início da sua comissão militar, um primeiro-cabo da minha companhia também pisou uma mina, a alguns quilómetros de Santa Eulália, e ficou sem um pé. Não se podia facilitar, de maneira nenhuma. O mais pequeno descuido podia ter consequências gravíssimas.
Luís os oficiais e sargentos atiradores não sabiam grafia, mas sabiam usar os rádios em fonia embora sem saberem os códigos confidenciais. Abraço.
Jaime Silva (by email)
2 dez 2025 18:46
Luís, lembro-me como se fosse hoje: a operação não parou e decorreu durante três dias. Um outro soldado transportou o rádio que, por sorte, ficou intacto, e fui eu que assumi as transmissões. O trivial nestas circunstâncias da guerra!...
Ao que chegámos naquele nosso tempo de juventude !... O teu camarada ficou estropiado para a vida e tu continuas como se nada acontecesse!... e, sempre, na convicção de que a seguir podias ser tu!...
Já lá vão 55 anos e a filha da mãe daquela guerra não desgruda.
Abraço para todos os nossos camaradas combatentes naquela guerra
Jaime
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