Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > Abril de 1968 > Fase de construção do aquartelamento (que o PAIGC, através da rádio Conacri, chamava campo fortificado de Mansambo) (1)...Os Alferes Milicianos Cardoso e Rodrigues apanham banhos de luar...
Foto: © Henrique Cardoso / Carlos Marques Santos (2005)
1. Texto de Carlos Marques dos Santos
Citando L.G.:
Não me fales em PCV (Posto de Comando Volante) que eu tenho más recordações desses objectos voadores não-identificados...Tenho sempre a sensação que os turistas que iam lá em cima, no bem-bom da DO27, se riam de nós que nem uns perdidos, da tropa-macaca que andava cá por baixo, aos ziguezagues como baratas tontas... (2)
Luís:
Em relação a esta tua nota, tenho a dizer que, e ainda bem, houve um comandante da minha Companhia, a CART 2339, que ignorava liminarmente tudo o que viesse do ar. Bem bastavam os turras saberem que nós lá estávamos, por causa daqueles PCV (pseudo comandos voadores).
Cá em baixo era outra guerra e tu sabe-lo bem.
Ficção!... A realidade, dura e crua, foi a nossa juventude perdida.
2. Alferes Cardoso e Rodrigues, num hotel de muitas estrelas chamado Mansambo...
A propósito!... Sabem onde foi tirada esta foto?
Em Mansambo, a céu aberto. Camas de ferro nos fossos que iriam ser o aquartelamento fortificado de Mansambo. Data: Abril de 1968.
A foto é do Henrique Cardoso, alferes da CART 2339 e seu comandante.
Os 3 Capitães, que comandaram a Companhia anteriormente estiveram sempre doentes !!! Ele assumiu o comando. Era miliciano e responsável.
Podes publicar, se quiseres. O Cardoso autorizará. Tenho o seu aval.
CMSantos
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
28 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - CCCXCIX: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (1): a água da vida (Carlos Marques dos Santos)
(...) "Temos mais um tertuliano, na recta final do ano de 2005: é o Marques dos Santos, de Coimbra, ex-furriel miliciano da CART 2339 (Mansambo, 1968/70) , afecta ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Esta unidade foi rendida pela CART 2714 (1970/72)" (...).
29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - CD: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (2): as CART 2339, 2714, 3493 e 3494 (Manuel Cruz / Carlos Marques dos Santos)
(...) No post anterior, de 28 de Dezembro último, publicámos duas fotos relativas aos trabalhos de construção do aquartelamento de Mansambo, a cargo da CART 2339 (1968/70). Essas duas primeiras fotos são um hino à vida: (i) a abertura de um poço e a instalação da motobomba; (ii) os chuveiros e a alegria da água correndo sobre os corpos sedentos e sujos" (...).
30 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça / Carlos Marques dos Santos)
(...) "Excertos do Diário de um Tuga (L.G.): Mansambo, 17 de Setembro de 1969: Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo, eis Mansambo.
"Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação" (...).
(2) Vd. post de 23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1306: Meia Onça, Meia Operação (Carlos Marques dos Santos, CART 2339)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 23 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1310: Postais Ilustrados (12): Ponte-Cais de Bissau e estátua de Diogo Gomes (Tino Neves / Carlos Fortunato)
Guiné > Bissau > Ponte-Cais > 1969 > Postal Ilustrado, edição Foto Serra.
Foto: © Tino Neves (2006).
Giné > Bissau > 1969 > Estátua do Navegador Português Diogo Gomes, junto à ponte-cais. Foi através do sítio do Carlos Fortunato - CCAÇ 13, Leões Negros - que descobri de quem era a estátua postada frente ao cais... Pela pose só poderia ser de um navegor português... Neste caso, Diogo Gomes...
Foto: © Carlos Fortunato (2006) (com a devida vénia...)
Continuação da série Postais Ilustrados (1).
Desta vez, foi o Tino Neves (Nova Lamego, 1969/71) (2) quem me mando, entre outras imagens, este postal ilustrado da Ponte-Cais de Bissau (Edição Foto Serra, Bissau, 1969)...
Sobre Diogo Gomes, pode ler-se o seguinte no Portal da Marinha Portuguesa > N. E. Sagres > Na rota de Álvares Cabral:
"Diogo Gomes era moço da câmara do infante D. Henrique e foi também seu navegador. Para além de uma viagem à Madeira, terá participado, com Gil Eanes e Lançarote, na expedição militar à ilha de Tider.
"Numa navegação efectuada em 1456 esteve na embocadura do rio Grande (actual rio Geba, na Guiné) e terá, no regresso, subido o rio Gâmbia até Cantor, onde obteve as primeiras informações sobre as explorações mineiras no Senegal e Alto Níger, bem como acerca das rotas saharianas do ouro e do importante entreposto comercial que era Tombuctu.
"Provavelmente, no regresso desta viagem, acompanhado pelo navegador genovês Antonio da Noli, terá descoberto e desembarcado nas ilhas orientais do arquipélago de Cabo Verde, como ele próprio afirma na sua Relação. Em 1459/60 voltou à Guiné e explorou a região do rio dos Barbacins. No regresso de uma destas viagens poderá ter descoberto as ilhas Selvagens".
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1273: Postais Ilustrados (11): Um típico e colorido mercado onde as mulheres é quem mais ordenam (Beja Santos)
(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006:Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71)
Foto: © Tino Neves (2006).
Giné > Bissau > 1969 > Estátua do Navegador Português Diogo Gomes, junto à ponte-cais. Foi através do sítio do Carlos Fortunato - CCAÇ 13, Leões Negros - que descobri de quem era a estátua postada frente ao cais... Pela pose só poderia ser de um navegor português... Neste caso, Diogo Gomes...
Foto: © Carlos Fortunato (2006) (com a devida vénia...)
Continuação da série Postais Ilustrados (1).
Desta vez, foi o Tino Neves (Nova Lamego, 1969/71) (2) quem me mando, entre outras imagens, este postal ilustrado da Ponte-Cais de Bissau (Edição Foto Serra, Bissau, 1969)...
Sobre Diogo Gomes, pode ler-se o seguinte no Portal da Marinha Portuguesa > N. E. Sagres > Na rota de Álvares Cabral:
"Diogo Gomes era moço da câmara do infante D. Henrique e foi também seu navegador. Para além de uma viagem à Madeira, terá participado, com Gil Eanes e Lançarote, na expedição militar à ilha de Tider.
"Numa navegação efectuada em 1456 esteve na embocadura do rio Grande (actual rio Geba, na Guiné) e terá, no regresso, subido o rio Gâmbia até Cantor, onde obteve as primeiras informações sobre as explorações mineiras no Senegal e Alto Níger, bem como acerca das rotas saharianas do ouro e do importante entreposto comercial que era Tombuctu.
"Provavelmente, no regresso desta viagem, acompanhado pelo navegador genovês Antonio da Noli, terá descoberto e desembarcado nas ilhas orientais do arquipélago de Cabo Verde, como ele próprio afirma na sua Relação. Em 1459/60 voltou à Guiné e explorou a região do rio dos Barbacins. No regresso de uma destas viagens poderá ter descoberto as ilhas Selvagens".
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1273: Postais Ilustrados (11): Um típico e colorido mercado onde as mulheres é quem mais ordenam (Beja Santos)
(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006:Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71)
Guiné 63/74 - P1309: Verdi a régulo do Cuor, já! (Torcato Mendonça)
Guiné-Bissau > Região Leste > Bambadinca > Missirá > 1970 > Pelotão de Caçadores Nativos 54... "Antecipo o que naquela noite, lá pelas duas horas, aconteceu. Um deslumbramento. Ouve-se forte barulho de vozes, de cânticos. Levantam-se os militares. Com olhares extasiados (...)" (TM)
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Direitos reservados
Escreve-me, o fim da tarde de ontem, o Torcato Mendonça esta nota, com bonomia, sabedoria e humor:
Luís Graça:
Leio certos textos e, apesar de gostar, sinto que... não foi aquela a minha guerra.
Comento com o C. M. dos Santos, por telemóvel ou escrito. Há dias ele pedia-me para eu falar de certos assuntos. Curiosamente respondi-lhe:
- Só falado...
E o Beja Santos escreve aquele e-mail. De facto nem tudo se diz (1). Mas a História tem que ser feita: Em verdade. Os cronistas do reino finaram-se.
Li a visita do Ten-Cor Pimentel Bastos ao Cuor (2). Em Mansambo foi recebido como as imagens documentam. Dissemos-lhe:
- Viver assim é muito duro! - As imagens atestam-o.
Dedilhando a tecla, sem interesse nem intenção de enviar, acabei por escrever esse texto em anexo... Não é crítica a nada nem a ninguém. A vida da [CART ] 2339 foi dura para todos nós...
(i) Foi a intervenção – conhecíamos bem o Mato Cão e Enxalé e a última operação foi a poucos dias do embarque;
(ii) Foi a construção do quartel...
(iii) Foram as autodefesas...Foi... E ponto final.
Leio textos de gente que passou bem pior. Era a guerra!
Depois escrevo.
Um abraço,
Torcato Mendonça
Verdi a Régulo do Cuor
Antecipo o que naquela noite, lá pelas duas horas, aconteceu. Um deslumbramento.
Ouve-se forte barulho de vozes, de cânticos. Levantam-se os militares. Com olhares extasiados, a que assistem?
Vestidos de deslumbrantes fatos, seis escravos - Fulas claro - com os corpos reluzentes pelos finos óleos neles passados. Seguram, apoiando nos fortes ombros, um doirado andor. Escravas fulas, belas nos seus trajes, ladeiam-no, seis de cada lado. Seguram varas de rico pálio, em damasco e debruado a oiro. Verdi, sentado naquele andor, sorri deslumbrado.
O Régulo do Cuor segue á frente de enorme séquito. A ladeá-lo virgens empunhando archotes. Jovens cantores entoam cânticos em honra de Verdi.
A tudo, de cuecas, a maioria, assistiam atónitos os militares.
Pára o séquito. Rebentam cascatas de luz – género S. João do Porto (visto do lado de Gaia).
Acordo e grito:
- Que raio de guerra é esta? Eu nunca lá estive.
Os Deuses devem estar loucos. Nunca! Eles nunca estão loucos. Eu é que estou. O que li não está escrito. Sonhei ou, na minha loucura, não leio lendo. Melhor, junto letras e fantasio textos.
Calmamente sinto que vou adormecer. Lá muito ao fundo, ouço acordes de La Traviatta. À volta do leito, duas de cada lado, quatro escravas empunham enormes leques de plumas de Aves do Paraíso. Uma suave brisa envolve-me.
Eunucos… Paro…
- EU NÃO ESTIVE LÁ !!!
Grito:
- VERDI A RÉGULO DO CUOR JÁ!
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1308: Doces mentiras, amargas verdades (2): as nossas (in)comunicações (Beja Santos)
(2) Vd. post de 22 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Direitos reservados
Escreve-me, o fim da tarde de ontem, o Torcato Mendonça esta nota, com bonomia, sabedoria e humor:
Luís Graça:
Leio certos textos e, apesar de gostar, sinto que... não foi aquela a minha guerra.
Comento com o C. M. dos Santos, por telemóvel ou escrito. Há dias ele pedia-me para eu falar de certos assuntos. Curiosamente respondi-lhe:
- Só falado...
E o Beja Santos escreve aquele e-mail. De facto nem tudo se diz (1). Mas a História tem que ser feita: Em verdade. Os cronistas do reino finaram-se.
Li a visita do Ten-Cor Pimentel Bastos ao Cuor (2). Em Mansambo foi recebido como as imagens documentam. Dissemos-lhe:
- Viver assim é muito duro! - As imagens atestam-o.
Dedilhando a tecla, sem interesse nem intenção de enviar, acabei por escrever esse texto em anexo... Não é crítica a nada nem a ninguém. A vida da [CART ] 2339 foi dura para todos nós...
(i) Foi a intervenção – conhecíamos bem o Mato Cão e Enxalé e a última operação foi a poucos dias do embarque;
(ii) Foi a construção do quartel...
(iii) Foram as autodefesas...Foi... E ponto final.
Leio textos de gente que passou bem pior. Era a guerra!
Depois escrevo.
Um abraço,
Torcato Mendonça
Verdi a Régulo do Cuor
Antecipo o que naquela noite, lá pelas duas horas, aconteceu. Um deslumbramento.
Ouve-se forte barulho de vozes, de cânticos. Levantam-se os militares. Com olhares extasiados, a que assistem?
Vestidos de deslumbrantes fatos, seis escravos - Fulas claro - com os corpos reluzentes pelos finos óleos neles passados. Seguram, apoiando nos fortes ombros, um doirado andor. Escravas fulas, belas nos seus trajes, ladeiam-no, seis de cada lado. Seguram varas de rico pálio, em damasco e debruado a oiro. Verdi, sentado naquele andor, sorri deslumbrado.
O Régulo do Cuor segue á frente de enorme séquito. A ladeá-lo virgens empunhando archotes. Jovens cantores entoam cânticos em honra de Verdi.
A tudo, de cuecas, a maioria, assistiam atónitos os militares.
Pára o séquito. Rebentam cascatas de luz – género S. João do Porto (visto do lado de Gaia).
Acordo e grito:
- Que raio de guerra é esta? Eu nunca lá estive.
Os Deuses devem estar loucos. Nunca! Eles nunca estão loucos. Eu é que estou. O que li não está escrito. Sonhei ou, na minha loucura, não leio lendo. Melhor, junto letras e fantasio textos.
Calmamente sinto que vou adormecer. Lá muito ao fundo, ouço acordes de La Traviatta. À volta do leito, duas de cada lado, quatro escravas empunham enormes leques de plumas de Aves do Paraíso. Uma suave brisa envolve-me.
Eunucos… Paro…
- EU NÃO ESTIVE LÁ !!!
Grito:
- VERDI A RÉGULO DO CUOR JÁ!
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 23 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1308: Doces mentiras, amargas verdades (2): as nossas (in)comunicações (Beja Santos)
(2) Vd. post de 22 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
Guiné 63/74 - P1308: Doces mentiras, amargas verdades (2): as nossas (in)comunicações (Beja Santos)
Guiné-Bissau > Cacheu > Barro > 1968 > Feliz Natal..."Este é mais outro aerograma que descobri. Mandei-o, pelo Natal, em 1968. O que eu quis transmitir é que eram natais de morte e que o que procurava era esquecer, dando de beber à dor".
Aerograma:"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz e que o Ano Novo seja sepre melhor que o anterior. António Manuel... Uma ginginha!.. Pois dar de beber à dar é o melhor"...
Foto: © A. Marques Lopes (2005)
Texto do Beja Santos:
Caro Luís, caros tertulianos, só a título excepcional é que contamos uma versão integral, sincera e cabal de acontecimentos, em contexto bélico ou fora dele. Todos nós recebemos instruções para nunca falar da guerra, a quem quer que seja. O aerograma era só para mandar cumprimentos e expressar seráficos estados de alma.
Nunca respeitei esta fórmula e desobedeci através de inúmeros expedientes. À minha namorada contei sempre tudo e quase diariamente. O tudo era a meus olhos aquilo que a podia interessar quanto a uma vida que não se podia acompanhar. Daí falar-lhe de um quartel que ardia e se reconstruía, do estado de saúde dos outros, das vitórias em alcançar bem- estar para a comunidade, etc. Eram um tudo a meus olhos genuíno e que, compreensivelmente, só pedia a contrapartida afectiva.
Este diário é tão importante que sem ele se teriam perdido episódios que hoje me catapultam para escrever a realidade/ficção Operação Macaréu à Vista (1). Reduzi ao limite as doces mentiras e as meias verdades: nunca dilatei a descrição das flagelações, emboscadas, minas, mortos, estropiados e feridos ligeiros. A minha comunicação era a melhor relação possível sem sobressaltar até à dor irrepremível quem me lia, fosse qual fosse a graduação do afecto. Aliás, nós precisávamos do nosso quinhão de doces verdades e doces mentiras, era o embalo para os melhores dias de que todos suspirávamos. Ninguém projecta o dia de amanhã sem algumas ilusões e quimeras.
Obviamente que fui mais cuidadoso com a minha Mãe e outros familiares. Com os amigos, joguei sempre na autenticidade, mas procurando não os consternar com matérias que para eles eram totalmente incompreensíveis. Quando o meu querido amigo Carlos Sampaio foi para o Norte de Moçambique, em 1969, as nossas cartas eram bem verdadeiras, ali não havia nada que eu quisesse esconder, exigia a interlocução frontal. O mesmo procurei fazer com os meus antigos soldados da CCAÇ 2402, a que pertenceu o Raúl Albino (2). Mas conheci sádicos, ou talvez pessoas muitíssimo doentes, que pormenorizavam todas as situações ou, pior ainda, falavam de um mundo que não existia, refugiando-se na banalidade de um quotidiano em algodão de rama.
Considero que a nossa correspondência é fundamental para a história da guerra colonial e porventura mais significativa que a maior parte dos relatórios das operações, onde tantas vezes se mentia deliberadamente ou se atribuia importância ao insignificante . O essencial no nosso correio, como diria o poeta, era dizer: Meu amor estou bem e, acima de tudo, tu estás a receber uma carta de quem precisa do teu carinho.
Cumprimentos do
Mário Beja Santos.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post, de 22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
(2) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
Aerograma:"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz e que o Ano Novo seja sepre melhor que o anterior. António Manuel... Uma ginginha!.. Pois dar de beber à dar é o melhor"...
Foto: © A. Marques Lopes (2005)
Texto do Beja Santos:
Caro Luís, caros tertulianos, só a título excepcional é que contamos uma versão integral, sincera e cabal de acontecimentos, em contexto bélico ou fora dele. Todos nós recebemos instruções para nunca falar da guerra, a quem quer que seja. O aerograma era só para mandar cumprimentos e expressar seráficos estados de alma.
Nunca respeitei esta fórmula e desobedeci através de inúmeros expedientes. À minha namorada contei sempre tudo e quase diariamente. O tudo era a meus olhos aquilo que a podia interessar quanto a uma vida que não se podia acompanhar. Daí falar-lhe de um quartel que ardia e se reconstruía, do estado de saúde dos outros, das vitórias em alcançar bem- estar para a comunidade, etc. Eram um tudo a meus olhos genuíno e que, compreensivelmente, só pedia a contrapartida afectiva.
Este diário é tão importante que sem ele se teriam perdido episódios que hoje me catapultam para escrever a realidade/ficção Operação Macaréu à Vista (1). Reduzi ao limite as doces mentiras e as meias verdades: nunca dilatei a descrição das flagelações, emboscadas, minas, mortos, estropiados e feridos ligeiros. A minha comunicação era a melhor relação possível sem sobressaltar até à dor irrepremível quem me lia, fosse qual fosse a graduação do afecto. Aliás, nós precisávamos do nosso quinhão de doces verdades e doces mentiras, era o embalo para os melhores dias de que todos suspirávamos. Ninguém projecta o dia de amanhã sem algumas ilusões e quimeras.
Obviamente que fui mais cuidadoso com a minha Mãe e outros familiares. Com os amigos, joguei sempre na autenticidade, mas procurando não os consternar com matérias que para eles eram totalmente incompreensíveis. Quando o meu querido amigo Carlos Sampaio foi para o Norte de Moçambique, em 1969, as nossas cartas eram bem verdadeiras, ali não havia nada que eu quisesse esconder, exigia a interlocução frontal. O mesmo procurei fazer com os meus antigos soldados da CCAÇ 2402, a que pertenceu o Raúl Albino (2). Mas conheci sádicos, ou talvez pessoas muitíssimo doentes, que pormenorizavam todas as situações ou, pior ainda, falavam de um mundo que não existia, refugiando-se na banalidade de um quotidiano em algodão de rama.
Considero que a nossa correspondência é fundamental para a história da guerra colonial e porventura mais significativa que a maior parte dos relatórios das operações, onde tantas vezes se mentia deliberadamente ou se atribuia importância ao insignificante . O essencial no nosso correio, como diria o poeta, era dizer: Meu amor estou bem e, acima de tudo, tu estás a receber uma carta de quem precisa do teu carinho.
Cumprimentos do
Mário Beja Santos.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post, de 22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
(2) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
Guiné 63/74 - P1307: Doces mentiras, amargas verdades (1): Estou bem. Até ao meu regresso (Carlos Vinhal)
Guiné > Bissau > Telegrama, enviado pelo Carlos Vinhal, à sua chegada, e recebido em Matosinhos, pelos seus pais, em 20 de Abril de 1970 (1)
Foto: © Carlos Vinhal(2006). Direitos reservados.
1. Há tempos lancei mais uma prov(oc)ação ao pessoal da nossa tertúlia:
Amigos & camaradas: Quais eram as doces mentiras, as meias-verdades, as falsidades, inocentes, abertas ou veladas, que mandávamos, por aerograma ou carta, aos nossos pais e familiares, às nossas namoradas ou mulheres, aos nossos amigos ? ... Para os tranquilizar, para que eles não tivessem que viver o nosso pesadelo... Alguém quer pegar neste mote ? O Carlos Vinhal deu o pontapé de saída...
2. Mensagem do Carlos Vinhal, com data de 6 de Outubro de 2006:
Caro Luís:
Se quiseres aproveitar para os nossos arquivos, junto envio o telegrama que deu a notícia aos meus pais de que eu tinha chegado bem (!) à Guiné.
Carlos Vinhal
(2) Vd. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
Foto: © Carlos Vinhal(2006). Direitos reservados.
1. Há tempos lancei mais uma prov(oc)ação ao pessoal da nossa tertúlia:
Caro Luís:
Se quiseres aproveitar para os nossos arquivos, junto envio o telegrama que deu a notícia aos meus pais de que eu tinha chegado bem (!) à Guiné.
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
Nº Mec 19551569
CART 2732
Mansabá, 1970/72
Leça da Palmeira
Matosinhos
__________________
Notas de L.G.:
(1) Vd post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "A CART 2732 foi constituída em 23 de Fevereiro de 1970, tendo como Unidade Mobilizadora a BAG 2, sita no Pico de S. Martinho, no Funchal, Ilha da Madeira (...).
"A maior parte do seu pessoal era originário da Ilha da Madeira, com excepção dos Oficiais, Sargentos e Praças Especialistas. Em 7 de Abril de 1970, a CART2732 recebeu o seu Estandarte.
"No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia. Ao acto estiveram presentes o Governador do Distrito Autónomo do Funchal, Coronel Braancamp Sobral e o Comandante Militar da CTI da Madeira, Brigadeiro Nascimento.
"(...) Sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda (2), que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.
"A CART2732 desembarcou no cais de Bissau pelas 16H00 do dia 17 de Abril de 1970, ficando alojada em tendas de campanha no Depósito de Adidos" (...).
Nº Mec 19551569
CART 2732
Mansabá, 1970/72
Leça da Palmeira
Matosinhos
__________________
Notas de L.G.:
(1) Vd post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "A CART 2732 foi constituída em 23 de Fevereiro de 1970, tendo como Unidade Mobilizadora a BAG 2, sita no Pico de S. Martinho, no Funchal, Ilha da Madeira (...).
"A maior parte do seu pessoal era originário da Ilha da Madeira, com excepção dos Oficiais, Sargentos e Praças Especialistas. Em 7 de Abril de 1970, a CART2732 recebeu o seu Estandarte.
"No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia. Ao acto estiveram presentes o Governador do Distrito Autónomo do Funchal, Coronel Braancamp Sobral e o Comandante Militar da CTI da Madeira, Brigadeiro Nascimento.
"(...) Sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda (2), que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.
"A CART2732 desembarcou no cais de Bissau pelas 16H00 do dia 17 de Abril de 1970, ficando alojada em tendas de campanha no Depósito de Adidos" (...).
(2) Vd. post de 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
Guiné 63/74 - P1306: Meia Onça, Meia Operação (Carlos Marques dos Santos, CART 2339)
Foto: © Carlos Marques Santos (2005)
Texto do nosso camarada Carlos Marques dos Santos, coimbrão, que foi furriel miliciano, de artilharia da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69:
A Operação Meia Onça, que foi referida pelo Beja Santos (1).... Aqui vai o descritivo dessa operação inscrita no Historial da CART 2339
Operação Meia Onça
Iniciada em 13 de Outubro de 1968, às 18h00.
Duração: 2 dias.
Finalidade: atacar e destruir objectivos na região de Buruntoni – Baio.
Efectivos:
CART 1746 (Xime)
CART 2339 (Mansambo)
PEL CAÇ NAT 52 (Missirá)
PEL CAÇ NAT 53
1 Gr Comb CCAÇ 2401
4.º PEL ART
Desenrolar da acção:
A CART 2339 saíra de Mansambo em viaturas em 13 de Outubro de 1968, tendo recebido o PEL CCAÇ NAT 52 e o Gr Comb CCAÇ 2401 em Bambadinca.
AS NT seguiram para Taibatá onde se iniciou o movimento apeado às 23h00.
Os guias, logo de início, mostraram-se receosos, por causa do possível armadilhamento dos trilhos. Conduziram o Destacamento a corta-mato, mostrando-se confundidos e, em 14, às 2h30, o comandante da CART constatou que estava junto a Dembataco.
Instigando os guias, reiniciou-se o movimento constatando-se que às 4h00 se estava junto a Taibatá, ou seja, no ponto de início...
Esperou-se pelo nascer do dia e enviou-se um Grupo de Combate a Taibatá. Com uma mensagem para transmitir através de AN/GRC-9 deste destacamento em que se comunicava o sucedido.
Às 5h00 reiniciou-se o movimento.
Às 9h15 entrou-se em contacto com o PC no Xime, tendo informado do seu atraso. O PCV passou às 10h30, tendo-se ouvido a sua chamada mas não se obtendo resposta.
O PC deu ordem para continuar a marchar em direcção ao objectivo, o que se fez.
Às 13h15 as NT receberam ordem para regressar, chegando a Taibatá às 16h30, depois de terem constatado que não chegaram à nascente do Burontoni., mas sim do Gundagué.
O Destacamento foi recolhido em Taibatá, por viaturas, chegando a Bambadinca às 2015h.
PS - Não participei nesta operação pois tinha saído para férias, na Metrópole, a 4 de Outubro de 1968. Viajei no Boeing 707 – Algarve. Regressei a 10 de Novembro de 1968. A 11 houve uma operação à Ponte dos Fulas com muito, mas muito barulho. Também não estava lá ainda. Regressei a Mansambo a 13.
Comentário de L.G.:
Carlos: Quantas centenas - ou até milhares de quilómetros - não palmilhámos nós, nos penosos 21 meses de comissão ? Quantas dezenas de operações e de acções não fizemos nós, tão ineficazes e frustantes como a Op Meia Onça ? Quantas noitres, quantos dias ?... Infelizmente, operações mal planeadas, mal conduzidas!
Não me fales em PCV (Posto de Comando Volante) que eu tenho más recordações desses objectos voadores não-identificados...Tenho sempre a sensação que os turistas que iam lá em cima, no bem-bom da DO27, se riam de nós que nem uns perdidos, da tropa-macaca que andava cá por baixo, aos ziguezagues como baratas tontas...
Não me fales no Baio-Buruntoni, camarada... Ou melhor: diz-me que tudo isso não passou de um pesadelo, e que nunca aconteceu, e que nomes como Xime, Ponta Varela, Ponta do Inglês, Poindon, Gundagué Beafada, Biro, Galo Corubal, Seco Braima, Satecuta, Fiofioli, Mina, etc., nunca existiram, não existem, a não ser nas velhas cartas dos serviços cartográficos do exército colonial do tempo dos soldadinhos de chumbo e dos generais de opereta...
Obrigado, Carlos, por me teres lembrado que o Baio/Buruntoni fazia parte dos nossos percursos turísticos nos regulados do Xime e de Bissari, os pedaços de terra do Império que nos coube em sorte... (LG)
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(1) Vd. post de 14 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
"O Almeida [, cmdt do Pel Caç Nat 63,] respondeu descontraído:- Pá, eu não vou nada para Mato de Cão, eu vou para Missirá e tu vais para o Burontoni.
"Assim era, embora eu nada soubesse. Partimos para Missirá, alojei o pelotão do Almeida depois de lhe apresentar os meios de defesa, preparei 35 homens e nessa tarde apresentei-me em Bambadinca, tendo imediato pedido uma entrevista ao novo Major de operações, de nome Viriato Pires da Silva. Era um oficial extrovertido e com vozeirão:-Ah, quer saber o que vai fazer ao Burontoni, não é? Não se preocupe que daqui a um bocado vou fazer a apresentação da operação, espere um pouco. (...)
"Por volta das 6 e meia da tarde, teve lugar a apresentação da operação. Recordo que o Burontoni foi apresentado como um santuário quase inexpugnável, dotado do melhor armamento, bem posicionado dentro de uma floresta, o Baio, entre vários rios. Sei que ia dentro do destacamento A, seis pelotões, parámos em Amedalai, e em Taibatá partimos a corta-mato acompanhados por dois guias.
"Primeira surpresa: os guias informaram que não sabiam entrar na mata à noite, estavam desorientados. Irrompeu entretanto uma chuva torrencial, lá fomos a passo de caracol, de madrugada fez-se um alto para repouso e ao amanhecer continuámos a progressão. Talvez aí pelas 9 horas chegámos perto de um rio, o nosso guia disse que não podíamos passar não só porque o rio era profundo como tínhamos em frente uma ampla bolanha, havia que a flanquear dentro da mata.
"É precisamente quando estamos a entrar na mata do Baio que toda a floresta é sacudida de explosões. Parecia que uma aviação invisível lançava tapetes de bombas a 10 Km de distância. Pela rádio procurámos saber o que se passava e pouco depois a notícia chegou, estarrecedora: Mansambo estava a ser severamente flagelada. Ora toda a companhia de Mansambo estava nesta operação, o aquartelamento ficara entregue a milícias e à população civil. O estado de espírito da tropa era de cortar à faca. Do comando, por via aérea, chegou a ordem de retirar para Taibatá, o que veio a acontecer, e lá fomos a patinar na lama e depois regressámos a Bambadinca.
"Ainda hoje me interrogo sobre a forma como se preparou esta ida ao Burontoni, independentemente do triste acaso da flagelação a Mansambo, que marcou a corrente do jogo" (...).
quarta-feira, 22 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1305: Blogoterapia (3): não fugi, não emigrei, ainda cá estou (João Carvalho)
Guiné > Canjadude > 1974 > O furriel miliciano enfermeiro Carvalho, da CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos, Canjadude, 1972/74) com um guerrilheiro do PAIGC, equipado a rigor e empunhando um kalash...
Foto: © João Carvalho (2006)
Mensagam do João Carvalho, com data de hoje, que já circulou por e-mail através da tertúlia:
Olá a todos.
Peço desculpa pela a minha ausência na tertúlia. Espero voltar ao convívio.
Tenho cerca de 350 e-mails atrasados, ainda por ler.
Este e-mail destina-se só a avisar que ainda não desapareci.
Abraços para todos.
João Carvalho
Wikipedia - Guerra Colonial Portuguesa
Comentário de L.G.:
O João Carvalho é o nosso grande...wikipedista! Ele é um grande fã da Wekipédia, a enciclopédia livre, a maior enciclopédia do mundo. E está a fazer um trabalho notável, chamando a si a difícil missão de actualizar e enriquecer a entrada sobre a Guerra Colonial. A nossa Guerra Colonial. Em Português (1).
É um trabalho de formiga, de milhões de formiguinhas, em dezenas de línguas, incluindo a nossa. Não posso saber qual é contribuição específica do João, mas encontro nesta entrada sobre a Guerra Colonial algumas das suas marcas, incluindo fotos suas (2).
O João - nascido em Lisboa, a 23 de Junho de 1950, farmacêutico, de profissão - já chegou a administrador da Wiki.pt (que já tem cerca de 200 mil artigos!)... Como se pode ler lá no sítio, Administradores são wikipedistas que têm "direitos de operador de sistema (sysop)."
A Wikipédia atribui esse acesso "liberalmente a qualquer utilizador que tenha sido um contribuidor da Wikipédia durante algum tempo e seja geralmente encarado como um membro da comunidade conhecido e digno de confiança".
Os Sysops não gozam de nenhum privilégio especial, "são iguais a todos os outros em termos de responsabilidade editorial". Na prática são "utilizadores da Wikipédia a quem foram levantadas restrições de segurança e desempenho" relativamente a alguns funções do software, tendo já dado provas de confiança e idoneidade...
A entrada sobre a Guerra Colonial (ou outros temas relevantes da nossa história) espera o contributo de mais tertulianos... Aqui fica o índice do texto que está em permanente construção (mas que já faz parte da lista dos melhores artigos da Wikipédia em português):
1 Contexto político-social
1.1 Oposição
2 Antecipação casual
3 Conflito armado
3.1 Angola
3.2 Guiné-Bissau
3.3 Moçambique
4 A Organização de Unidade Africana
5 O fim da guerra
6 Consequências
6.1 Custos financeiros
6.2 Os veteranos de guerra
6.3 O 10 de Junho
7 Nas artes
7.1 No cinema
7.2 Na literatura
8 Ver também
9 Ligações externas
10 Bibliografia
... As únicas ligações externas (links) que, por enquanto, vêm no final do artigo são:
(i) o sítio do nosso amigo e camarada Jorge Santos (Guerra Colonial);
e (ii) os nossos Subsídios para a história da guerra colonial > Guiné (1963-1974) > Tertúlia
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVII: Pedido do João Carvalho, o nosso wikipedista
(2) Vd. post de 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)
Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Missirá > 1968 > O Tigre de Missirá, mais alguns dos seus homens do Pel Caç Nat 52, no famoso burrinho (o Unimog 411), com que reabriu a estrada Missirá-Enxalé antes da visita do comandante do novo batalhão (BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70).
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852, tenente-coronel Manuel Pimentel Bastos, assinalado com um círculo a verde, numa das suas primeiras visitas a uma das suas unidades de quadrícula (neste caso, a CART 2339, Mansambo, 1968/69).
Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.
Texto enviad0 em 25 de Outubro de 2006. Continuação da publicação das memórias do Mário Beja Santos, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, tens que fazer das tripas coração para ilustrar este texto: não tenho fotografias de Enxalé, mas pode ser que possas pôr Mato de Cão. Tudo o que fotografei nesta época ardeu. Tens aí em teu poder uma fotografia em que estou a dar aulas, há outra em que estou com o Quim, o Adão e outros mais. Não tenho fotografias do Pimentel Bastos. Vê o que podes fazer. Estarei em Roma até Domingo à tarde. Na terça feira de manhã, oiço aqui o Queta Baldé para ver se ele me refresca a memória. Depois será a vez do Fodé Dahaba. Por todo o cuidado que tens tido nesta odisseia recebe o reconhecimento do Mário.
A viagem triunfal do Pimbas ao Cuor
por Beja Santos
Entre Outubro e Novembro de 68, Manuel Maria Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 (ternamente conhecido na caserna pelo Pimbas, ao que consta o seu nome poético) (2), decidiu visitar os diferentes quartéis do sector, começando em Xitole e Mansambo, passando por Xime e Galomaro, depois Missirá e também Demba Taco e Taibatá e algumas tabancas em autodefesa.
O novo Comandante de Bambadinca, seguramente por decisão do Comando-Chefe, procedia a auscultações dos régulos da região a que não era alheia o fenómeno do reagrupamento de populações e o reforço das tabancas em autodefesa. Notificado da visita ao Cuor, após consulta dos Furriéis, do régulo e dos comandantes de milícia de Missirá e Finete, tomei as seguintes disposições para aprimorar o programa:
(i) visita a Finete e recepção do régulo que acompanharia o Comandante na visita ao aquartelamento e tabancas, destacando a importância estratégica e a debilidade do sistema defensivo;
(ii) montagem de patrulhamentos entre Missirá e Finete para permitir uma progressão rápida entre quartéis;
(iii) recepção em Missirá, cerimónia do içar da bandeira, visita aos melhoramentos e ao sistema defensivo, seguindo-se uma reunião com régulo e furriéis, bem como os comandantes das respectivas milícias;
(iv) depois da pernoita do comandante em Missirá, trazê-lo de volta a Bambadinca na manhã seguinte, montando os mesmos dispositivos de segurança na estrada até Finete, desde o amanhecer.
Em meados de Outubro, o Pimbas informou-me que se faria acompanhar do David Payne Pereira (3), o médico que começava a ganhar aura de santidade entre as nossas populações civis. Os preparativos incidiram sobre a limpeza das moranças civis e abrigos, metais brunidos, bota luzídia e farda a condizer. Doutor e Umaru Baldé estagiaram na messe de oficiais para conhecer os gostos gastronómicos do ilustre hóspede, procurando reproduzi-los à justa medida. Estava lançado um plano de azáfama, arranjos urgentes, reparação de móveis e alguns toques de estilo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Dezembro de 1969 > A equipa de futebol de oficiais de Bambadinca que acabara de jogar contra uma equipa de sargentos. Na fotografia aparece, na segunda fila, de pé - devidamente assinalado com um círculo a azul - o médico David Payne (já falecido), tendo a seu lado, à direita, o major Cunha Ribeiro, 2º comandante do BCAÇ 2852 e, à sua esquerda, o capitão Brito, comandante da CCAÇ 12. O Payne acompanhou o Pimbas na visita ao regulado do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Um homem culto, um melómano,
Pimentel Bastos era um homem de cultura, loquaz até à exaustão, um comunicador habituado aos salões, vivendo longe das vicissitudes do nosso teatro de guerra. Nos primeiros encontros que travámos descobrimos rapidamente afinidades que tanto passavam pelo Jorge Amado e Carlos de Oliveira como por Bizet, Verdi e Brahms no tocante a música coral, ópera e sinfonia. Logo comecei a idealizar seja um concerto de música por mandingas seja um serão musical, em Missirá. Quando o sondei, abriu-me os olhos com cupidez e perguntou-me:
-Ouve lá, tu não sabes como eu gostaria de ouvir ópera no mato profundo, deixo o programa ao teu critério. Só com uma ressalva, não me vais obrigar a ouvir uma ópera do Wagner por inteiro. O resto é à tua discrição.
É exactamente neste período de azáfama que uma manhã, pelas 5 e meia, acordando e estando em ângulo recto na cama a olhar os pés inchados e besuntados com Lauroderme, ganhando energia para mais uma viagem a Mato de Cão quando os meus olhos caíram na minha mais que apodrecida carta de 1:50000, juntei-lhe a carta do Enxalé e disse para mim:
-E se voltássemos a abrir a estrada, indo com as viaturas, picando cuidadosamente de Saliquinhé a São Belchior e daqui a Enxalé?
Querendo medir a insensatez da temeridade, e verificar se a hipótese era concretizável, chamei os três cabos mais antigos do pelotão, o Paulo Ribeiro Semedo, o Domingos Silva e o Zé Pereira, gente educada em Bissau, formados em Bolama, em 1964, e já conhecedores do Enxalé. Quando lhes falei da possível visita, trataram o possível acontecimento com a maior das naturalidades:
-E porque não? No passado, quando viemos de Porto Gole para Enxalé, fazíamos regularmente a estrada. Depois começaram as minas e as emboscadas e o nosso alferes Zagalo desistiu. Devíamos era ir pelotão e meio, mais gente a picar, deixávamos depois em Mato de Cão meio pelotão em patrulhamento, picávamos bem até lá e vínhamos depois a correr para impedir qualquer emboscada.
São Belchior, o mais importante entreposto do Rio Geba, depois de Bissau
Do imaginado ao realizado a distância foi curta. Todos pareciam voluntários, pois a maioria do pelotão tinha passado por Enxalé, onde igualmente habitavam fulas e mandingas. Houve imediatamente pedidos da população civil e num ápice apareceram sacos à cabeça, gente com Mausers, vontades adormecidas de comerciar e trocar. Os Unimog estavam reparados e atestados, juntou-se combustível suplementar à cautela. A louca viagem ia começar. E, quando em Mato de Cão passou um comboio de três embarcações onde os tripulantes olhavam surpresos aquele estranho aparato, já um grupo de seis picadores se lançava a espiolhar as condições da estrada.
Saliquinhé tinha sido uma ponta com boas moradias e muito terreno lavrado. Atravessámos um grande palmeiral e depois a extensa bolanha junto do rio de Ganturandim. A seguir, avistámos os vestígios imponentes do que fora S. Belchior. Quem já estudou a história da Guiné do séc. XIX, sabe que S. Belchior foi o mais importante entreposto do Rio Geba depois de Bissau, foi mesmo o limite da presença portuguesa, já que o território a seguir andou permanentemente em litígio até Teixeira Pinto. Tudo em ruínas agora, mas não escondendo o bulício e os negócios de envergadura do passado.
Uma hora depois avistámos copas frondonsas de bissilões e Quebá Soncó, o irmão do régulo, que seguia imponente levando o seu chapéu à turca com estrela de prata, anunciou a proximidade do aquartelamento. Fomos recebidos em Enxalé com muita cortesia e não menos surpresa. Não se duvide que eu estava em transgressão, ultrapassar o meu sector, o alferes do Enxalé começou por suspeitar que se tratava de uma rendição ou operação conjunta, até à despedida tomou esta visita como uma rematada loucura que ele premiou com um almoço de galinha frita regada com vinho do Dão.
Regressámos a toda a brida, as viaturas roncando em estradas completamente esquecidas do que é presença humana e juncadas de restos de viaturas e os mais diversos sinais de civilização abandonada. Resta dizer que, quando ao anoitecer entrámos em Missirá com a alegria estampada do inédito da aventura e o fim dos temores de quem nos esperava, começaram a troar rebentamentos das forças de Madina/Belel [, base do PAIGC, a noroeste].
Seguramente que os sentinelas advertiram de Sinchã Corubal, os de Madina ficaram alarmados julgando tratar-se de uma coluna militar se deslocava a partir do Enxalé, sabe-se lá para onde. Mais tarde, Madina voltou a advertir que estas incursões não eram desejadas: Missirá e Finete serão flageladas, a primeira ao de leve, a segunda para deixar pesadas feridas. Depois falaremos destes acontecimentos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969> A nova mesquita local. Era também aqui, em Missirá, que vivia o régulo do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
O que interessa agora dizer é que numa manhã cheia de luz, a tropa escoifada e com expressão festiva acompanhou o Comandante de Bambadinca na cambança do Geba, uma viagem de burrinho pela bolanha de Finete, onde teve lugar uma recepção onde não faltaram reverências das mulheres grandes dos Soncó e dos Mané. Pelo caminho ocorreram acidentes como Ussumane Baldé, que ia num brinco, e caiu desamparado dentro da água lamacenta.
O Pimbas sorria, de vez em quando pedia uma garrafa de água, fazia exclamações, estava excitado com aquela pequena mas tocante apoteose. A viagem até Missirá nunca mais a esqueci, pois falámos de tudo menos de guerra., como dois cavalheiros num clube. Quando lhe falei das ruínas monumentais da Aldeia de Cuor, o Pimbas, acicatado pela curiosidade, quis lá ir. Fui peremptório na negativa, sugerindo que tínhamos ali um aliciante para a próxima visita.
Na porta de armas, foi tratado como uma marechal de campo que viesse em visita aos mais destemido dos exércitos. Passeou-se e deslumbrou-se com os elementos de conforto como a messe, o balneário, os arranjos à volta da mesquita, a progressiva segurança dos abrigos. Mas não ignorou a fragilidade, a falta de electricidade, a incapacidade de sermos uma força ofensiva, pondo o inimigo permanentemente a respeito.
A tarde finava-se, o Pimbas preferiu uma bonita alocução aos militares e aos civis. Na messe, conversou com todos, tudo perguntava, parecia que tudo era completamente novo e digno de curiosidade naquele ermo do mundo. Seguiu-se o inacreditável jantar, e ainda hoje pergunto se é verdade que o Umaru serviu com luvas brancas, entregando um trinchante aos convivas, servindo o vinho, a água como se estivesse habituado a banquetes em Missirá (mal sabia o Pimbas que nesse dia faltaram bandejas e outras peças da baixela a Bambadinca...).
Antes do serão musical mostrei-lhe a morança onde ele ia dormir, perguntando se estava tudo a seu gosto. Como não sabia, nem ninguém me explicou se um Comandante no mato faz as suas necessidades como qualquer mortal, mandei comprar um penico no estanco do Zé Maria. O David Payne também foi instalado noutro abrigo, e pareceu-me satisfeito com aquele precário serviço de hotel.
O insólito: A Aída e a Traviata em Missirá
Chegámos agora ao clímax. Proponho em primeiro lugar ouvir árias por vozes sublimes: Maria Callas, Elena Suliotis, Regine Crespin, George London e Giuseppe Di Stefano. No intervalo, enquanto suas excelências beberricavam uísque puro, anunciei o Requiem de Mozart. A proposta foi aprovada com entusiasmo. E quando eu julgava que não teria sentido pelas 10 horas da noite convidá-los aos 4 actos da Aída, os ilustríssimos convidados mostraram a excitação ao rubro. Entrávamos na noite de ópera, como se estivéssemos no Scala ou no Convent Garden.
Ouviu-se a Aída com volume de som desmesurado, duvido que alguém pudesse estar a dormir com o Franco Corelli a protestar amor eterno à escrava etíope.
Encurtando razões, quando os heróis estão agonizantes no termo do 4º Acto, sendo já meia noite, na perspectiva de uma noite em vigilância, propondo ao Pimbas que se recolhesse de acordo com a sua condição, então não é que o David Payne que remexia no vinil e estava esgazeado com La Traviata , cantada por Joan Sutherland, Carlo Bergonzi e Robert Merrill, num elenco de nomes gigantescos, numa versão que ainda hoje continua no top das execuções sublimes, me pediu com aquela delicadeza que lhe era peculiar:
-Não te importas que quando o nosso Comandante se for deitar vamos ouvir a Traviata - Pedi-lhe que tivesse dó por um desgraçado que ia iniciar o turno da noite. Ele conformou-se e ouviu La Traviata sozinho. Pela hora do almoço, despedi-me do Pimbas na outra margem do Geba e ele exclamou para quem o quisesse ouvir:
-Menino, foi uma noite de estalo, quero que se repita por muitas e boas!
O Pimbas só voltará a Missirá nas circunstâncias dramáticas da Op Anda Cá, quando a sua estrela caminha para o ocaso. Foi uma noite tão boa e tão vibrante que quando há tempos eu ouvia o noticiário da Antena 2 que dava notícia da morte da Birgit Nilsson, a Aída daquela noite, não resisti a ir buscar o velho vinil e examinar o disco referente ao 4º Acto todo riscado por me ter levantado bruscamente quando uma morteirada caiu em cima do meu abrigo, lá para Setembro de 1969.
Entretanto, há prodígios que devem ser contados. Por exemplo, o Furriel Casanova vai tomar conta de uma criança, o Braima que morre à fome, comprando biberão e leite de fórmula, vigiando as mamadas e levando a criança ao David Payne. O Casanova que chegara cabisbaixo a Missirá, quase que renasceu com esta imprevista incumbência. Eu tenho que vos falar de Braima Mané e de uma operação em que ele recuperou alguma mobilidade num braço que parecia morto por estilhaços. Vou continuar a fazer patrulhamentos e emboscadas nocturnas. Irei a Salá, onde, do outro lado do rio, ouvirei tiros isolados de caçadores das populações civis de Madina.
Uma dessas manhãs, o Paulo Ribeiro Semedo, que estudou na missão católica de Bissau, irá perguntar-me se podermos ir à missa da capela de Bambadinca. Aproxima-se o momento de ir a Chicri e nesse dia haverá fogo de morte. Nesse dia igualmente irá surgir o primeiro dos 21 feridos graves da minha comissão. Vou procurar controlar as emoções para fazer o relato de tudo isto, do que leio, do que escrevo, dos sonhos realizados e por realizar. Quero que fiquem a saber uma coisa muito importante: estou a ler e permanentemente a reler O Delfim, do José Cardoso Pires. Exijo que partilhem comigo uma das leituras de toda a minha vida.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior, de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
(2) Sobre o tenente-coronel Pimentel Bastos (nickname, Pimbas), pode ler-se os seguintes posts:
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)
(3) Sobre o Alf Mil Medico David Payne ver os seguintes posts:
28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1238: David Payne Pereira, um gentleman luso-britânico e um grande médico em Bambadinca (Beja Santos)
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1237: Lembranças do David Payne (Torcato Mendonça / Beja Santos)
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1968 > O comandante do BCAÇ 2852, tenente-coronel Manuel Pimentel Bastos, assinalado com um círculo a verde, numa das suas primeiras visitas a uma das suas unidades de quadrícula (neste caso, a CART 2339, Mansambo, 1968/69).
Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.
Texto enviad0 em 25 de Outubro de 2006. Continuação da publicação das memórias do Mário Beja Santos, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, tens que fazer das tripas coração para ilustrar este texto: não tenho fotografias de Enxalé, mas pode ser que possas pôr Mato de Cão. Tudo o que fotografei nesta época ardeu. Tens aí em teu poder uma fotografia em que estou a dar aulas, há outra em que estou com o Quim, o Adão e outros mais. Não tenho fotografias do Pimentel Bastos. Vê o que podes fazer. Estarei em Roma até Domingo à tarde. Na terça feira de manhã, oiço aqui o Queta Baldé para ver se ele me refresca a memória. Depois será a vez do Fodé Dahaba. Por todo o cuidado que tens tido nesta odisseia recebe o reconhecimento do Mário.
A viagem triunfal do Pimbas ao Cuor
por Beja Santos
Entre Outubro e Novembro de 68, Manuel Maria Pimentel Bastos, Comandante do BCAÇ 2852 (ternamente conhecido na caserna pelo Pimbas, ao que consta o seu nome poético) (2), decidiu visitar os diferentes quartéis do sector, começando em Xitole e Mansambo, passando por Xime e Galomaro, depois Missirá e também Demba Taco e Taibatá e algumas tabancas em autodefesa.
O novo Comandante de Bambadinca, seguramente por decisão do Comando-Chefe, procedia a auscultações dos régulos da região a que não era alheia o fenómeno do reagrupamento de populações e o reforço das tabancas em autodefesa. Notificado da visita ao Cuor, após consulta dos Furriéis, do régulo e dos comandantes de milícia de Missirá e Finete, tomei as seguintes disposições para aprimorar o programa:
(i) visita a Finete e recepção do régulo que acompanharia o Comandante na visita ao aquartelamento e tabancas, destacando a importância estratégica e a debilidade do sistema defensivo;
(ii) montagem de patrulhamentos entre Missirá e Finete para permitir uma progressão rápida entre quartéis;
(iii) recepção em Missirá, cerimónia do içar da bandeira, visita aos melhoramentos e ao sistema defensivo, seguindo-se uma reunião com régulo e furriéis, bem como os comandantes das respectivas milícias;
(iv) depois da pernoita do comandante em Missirá, trazê-lo de volta a Bambadinca na manhã seguinte, montando os mesmos dispositivos de segurança na estrada até Finete, desde o amanhecer.
Em meados de Outubro, o Pimbas informou-me que se faria acompanhar do David Payne Pereira (3), o médico que começava a ganhar aura de santidade entre as nossas populações civis. Os preparativos incidiram sobre a limpeza das moranças civis e abrigos, metais brunidos, bota luzídia e farda a condizer. Doutor e Umaru Baldé estagiaram na messe de oficiais para conhecer os gostos gastronómicos do ilustre hóspede, procurando reproduzi-los à justa medida. Estava lançado um plano de azáfama, arranjos urgentes, reparação de móveis e alguns toques de estilo.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Dezembro de 1969 > A equipa de futebol de oficiais de Bambadinca que acabara de jogar contra uma equipa de sargentos. Na fotografia aparece, na segunda fila, de pé - devidamente assinalado com um círculo a azul - o médico David Payne (já falecido), tendo a seu lado, à direita, o major Cunha Ribeiro, 2º comandante do BCAÇ 2852 e, à sua esquerda, o capitão Brito, comandante da CCAÇ 12. O Payne acompanhou o Pimbas na visita ao regulado do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.
Um homem culto, um melómano,
Pimentel Bastos era um homem de cultura, loquaz até à exaustão, um comunicador habituado aos salões, vivendo longe das vicissitudes do nosso teatro de guerra. Nos primeiros encontros que travámos descobrimos rapidamente afinidades que tanto passavam pelo Jorge Amado e Carlos de Oliveira como por Bizet, Verdi e Brahms no tocante a música coral, ópera e sinfonia. Logo comecei a idealizar seja um concerto de música por mandingas seja um serão musical, em Missirá. Quando o sondei, abriu-me os olhos com cupidez e perguntou-me:
-Ouve lá, tu não sabes como eu gostaria de ouvir ópera no mato profundo, deixo o programa ao teu critério. Só com uma ressalva, não me vais obrigar a ouvir uma ópera do Wagner por inteiro. O resto é à tua discrição.
É exactamente neste período de azáfama que uma manhã, pelas 5 e meia, acordando e estando em ângulo recto na cama a olhar os pés inchados e besuntados com Lauroderme, ganhando energia para mais uma viagem a Mato de Cão quando os meus olhos caíram na minha mais que apodrecida carta de 1:50000, juntei-lhe a carta do Enxalé e disse para mim:
-E se voltássemos a abrir a estrada, indo com as viaturas, picando cuidadosamente de Saliquinhé a São Belchior e daqui a Enxalé?
Querendo medir a insensatez da temeridade, e verificar se a hipótese era concretizável, chamei os três cabos mais antigos do pelotão, o Paulo Ribeiro Semedo, o Domingos Silva e o Zé Pereira, gente educada em Bissau, formados em Bolama, em 1964, e já conhecedores do Enxalé. Quando lhes falei da possível visita, trataram o possível acontecimento com a maior das naturalidades:
-E porque não? No passado, quando viemos de Porto Gole para Enxalé, fazíamos regularmente a estrada. Depois começaram as minas e as emboscadas e o nosso alferes Zagalo desistiu. Devíamos era ir pelotão e meio, mais gente a picar, deixávamos depois em Mato de Cão meio pelotão em patrulhamento, picávamos bem até lá e vínhamos depois a correr para impedir qualquer emboscada.
São Belchior, o mais importante entreposto do Rio Geba, depois de Bissau
Do imaginado ao realizado a distância foi curta. Todos pareciam voluntários, pois a maioria do pelotão tinha passado por Enxalé, onde igualmente habitavam fulas e mandingas. Houve imediatamente pedidos da população civil e num ápice apareceram sacos à cabeça, gente com Mausers, vontades adormecidas de comerciar e trocar. Os Unimog estavam reparados e atestados, juntou-se combustível suplementar à cautela. A louca viagem ia começar. E, quando em Mato de Cão passou um comboio de três embarcações onde os tripulantes olhavam surpresos aquele estranho aparato, já um grupo de seis picadores se lançava a espiolhar as condições da estrada.
Saliquinhé tinha sido uma ponta com boas moradias e muito terreno lavrado. Atravessámos um grande palmeiral e depois a extensa bolanha junto do rio de Ganturandim. A seguir, avistámos os vestígios imponentes do que fora S. Belchior. Quem já estudou a história da Guiné do séc. XIX, sabe que S. Belchior foi o mais importante entreposto do Rio Geba depois de Bissau, foi mesmo o limite da presença portuguesa, já que o território a seguir andou permanentemente em litígio até Teixeira Pinto. Tudo em ruínas agora, mas não escondendo o bulício e os negócios de envergadura do passado.
Uma hora depois avistámos copas frondonsas de bissilões e Quebá Soncó, o irmão do régulo, que seguia imponente levando o seu chapéu à turca com estrela de prata, anunciou a proximidade do aquartelamento. Fomos recebidos em Enxalé com muita cortesia e não menos surpresa. Não se duvide que eu estava em transgressão, ultrapassar o meu sector, o alferes do Enxalé começou por suspeitar que se tratava de uma rendição ou operação conjunta, até à despedida tomou esta visita como uma rematada loucura que ele premiou com um almoço de galinha frita regada com vinho do Dão.
Regressámos a toda a brida, as viaturas roncando em estradas completamente esquecidas do que é presença humana e juncadas de restos de viaturas e os mais diversos sinais de civilização abandonada. Resta dizer que, quando ao anoitecer entrámos em Missirá com a alegria estampada do inédito da aventura e o fim dos temores de quem nos esperava, começaram a troar rebentamentos das forças de Madina/Belel [, base do PAIGC, a noroeste].
Seguramente que os sentinelas advertiram de Sinchã Corubal, os de Madina ficaram alarmados julgando tratar-se de uma coluna militar se deslocava a partir do Enxalé, sabe-se lá para onde. Mais tarde, Madina voltou a advertir que estas incursões não eram desejadas: Missirá e Finete serão flageladas, a primeira ao de leve, a segunda para deixar pesadas feridas. Depois falaremos destes acontecimentos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969> A nova mesquita local. Era também aqui, em Missirá, que vivia o régulo do Cuor.
Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados
O que interessa agora dizer é que numa manhã cheia de luz, a tropa escoifada e com expressão festiva acompanhou o Comandante de Bambadinca na cambança do Geba, uma viagem de burrinho pela bolanha de Finete, onde teve lugar uma recepção onde não faltaram reverências das mulheres grandes dos Soncó e dos Mané. Pelo caminho ocorreram acidentes como Ussumane Baldé, que ia num brinco, e caiu desamparado dentro da água lamacenta.
O Pimbas sorria, de vez em quando pedia uma garrafa de água, fazia exclamações, estava excitado com aquela pequena mas tocante apoteose. A viagem até Missirá nunca mais a esqueci, pois falámos de tudo menos de guerra., como dois cavalheiros num clube. Quando lhe falei das ruínas monumentais da Aldeia de Cuor, o Pimbas, acicatado pela curiosidade, quis lá ir. Fui peremptório na negativa, sugerindo que tínhamos ali um aliciante para a próxima visita.
Na porta de armas, foi tratado como uma marechal de campo que viesse em visita aos mais destemido dos exércitos. Passeou-se e deslumbrou-se com os elementos de conforto como a messe, o balneário, os arranjos à volta da mesquita, a progressiva segurança dos abrigos. Mas não ignorou a fragilidade, a falta de electricidade, a incapacidade de sermos uma força ofensiva, pondo o inimigo permanentemente a respeito.
A tarde finava-se, o Pimbas preferiu uma bonita alocução aos militares e aos civis. Na messe, conversou com todos, tudo perguntava, parecia que tudo era completamente novo e digno de curiosidade naquele ermo do mundo. Seguiu-se o inacreditável jantar, e ainda hoje pergunto se é verdade que o Umaru serviu com luvas brancas, entregando um trinchante aos convivas, servindo o vinho, a água como se estivesse habituado a banquetes em Missirá (mal sabia o Pimbas que nesse dia faltaram bandejas e outras peças da baixela a Bambadinca...).
Antes do serão musical mostrei-lhe a morança onde ele ia dormir, perguntando se estava tudo a seu gosto. Como não sabia, nem ninguém me explicou se um Comandante no mato faz as suas necessidades como qualquer mortal, mandei comprar um penico no estanco do Zé Maria. O David Payne também foi instalado noutro abrigo, e pareceu-me satisfeito com aquele precário serviço de hotel.
O insólito: A Aída e a Traviata em Missirá
Chegámos agora ao clímax. Proponho em primeiro lugar ouvir árias por vozes sublimes: Maria Callas, Elena Suliotis, Regine Crespin, George London e Giuseppe Di Stefano. No intervalo, enquanto suas excelências beberricavam uísque puro, anunciei o Requiem de Mozart. A proposta foi aprovada com entusiasmo. E quando eu julgava que não teria sentido pelas 10 horas da noite convidá-los aos 4 actos da Aída, os ilustríssimos convidados mostraram a excitação ao rubro. Entrávamos na noite de ópera, como se estivéssemos no Scala ou no Convent Garden.
Ouviu-se a Aída com volume de som desmesurado, duvido que alguém pudesse estar a dormir com o Franco Corelli a protestar amor eterno à escrava etíope.
Encurtando razões, quando os heróis estão agonizantes no termo do 4º Acto, sendo já meia noite, na perspectiva de uma noite em vigilância, propondo ao Pimbas que se recolhesse de acordo com a sua condição, então não é que o David Payne que remexia no vinil e estava esgazeado com La Traviata , cantada por Joan Sutherland, Carlo Bergonzi e Robert Merrill, num elenco de nomes gigantescos, numa versão que ainda hoje continua no top das execuções sublimes, me pediu com aquela delicadeza que lhe era peculiar:
-Não te importas que quando o nosso Comandante se for deitar vamos ouvir a Traviata - Pedi-lhe que tivesse dó por um desgraçado que ia iniciar o turno da noite. Ele conformou-se e ouviu La Traviata sozinho. Pela hora do almoço, despedi-me do Pimbas na outra margem do Geba e ele exclamou para quem o quisesse ouvir:
-Menino, foi uma noite de estalo, quero que se repita por muitas e boas!
O Pimbas só voltará a Missirá nas circunstâncias dramáticas da Op Anda Cá, quando a sua estrela caminha para o ocaso. Foi uma noite tão boa e tão vibrante que quando há tempos eu ouvia o noticiário da Antena 2 que dava notícia da morte da Birgit Nilsson, a Aída daquela noite, não resisti a ir buscar o velho vinil e examinar o disco referente ao 4º Acto todo riscado por me ter levantado bruscamente quando uma morteirada caiu em cima do meu abrigo, lá para Setembro de 1969.
Entretanto, há prodígios que devem ser contados. Por exemplo, o Furriel Casanova vai tomar conta de uma criança, o Braima que morre à fome, comprando biberão e leite de fórmula, vigiando as mamadas e levando a criança ao David Payne. O Casanova que chegara cabisbaixo a Missirá, quase que renasceu com esta imprevista incumbência. Eu tenho que vos falar de Braima Mané e de uma operação em que ele recuperou alguma mobilidade num braço que parecia morto por estilhaços. Vou continuar a fazer patrulhamentos e emboscadas nocturnas. Irei a Salá, onde, do outro lado do rio, ouvirei tiros isolados de caçadores das populações civis de Madina.
Uma dessas manhãs, o Paulo Ribeiro Semedo, que estudou na missão católica de Bissau, irá perguntar-me se podermos ir à missa da capela de Bambadinca. Aproxima-se o momento de ir a Chicri e nesse dia haverá fogo de morte. Nesse dia igualmente irá surgir o primeiro dos 21 feridos graves da minha comissão. Vou procurar controlar as emoções para fazer o relato de tudo isto, do que leio, do que escrevo, dos sonhos realizados e por realizar. Quero que fiquem a saber uma coisa muito importante: estou a ler e permanentemente a reler O Delfim, do José Cardoso Pires. Exijo que partilhem comigo uma das leituras de toda a minha vida.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post anterior, de 14 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1276: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (20): A (má) fama do Tigre de Missirá em Bambadinca
(2) Sobre o tenente-coronel Pimentel Bastos (nickname, Pimbas), pode ler-se os seguintes posts:
28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos
30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)
16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)
(3) Sobre o Alf Mil Medico David Payne ver os seguintes posts:
28 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1219: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Um médico e um amigo, o Dr. David Payne Pereira
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1238: David Payne Pereira, um gentleman luso-britânico e um grande médico em Bambadinca (Beja Santos)
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1237: Lembranças do David Payne (Torcato Mendonça / Beja Santos)
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1303: Blogoterapia (2): Convite ao António Rosinha, que viveu em Angola, de 1951 a 1974, ex-fur mil em 1961, e antigo topógrafo da TECNIL na Guiné-Bissau (1979-1993) (Luís Graça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Trabalhos de construção da estrada Bambadinca-Xime, a cargo da TECNIL... Nas duas fotos, vêm-se os trabalhos na orla da vasta bolanha de Bambadinca, sobranceira à qual se erguiam, numa pequena elevação, as instalações civis e militares (posto administrativo e Comando + CCS/BART 2917, 1970/72). A CCAÇ 12, já nos últimos meses da comissão dos seus quadros metropolitanos, fez muitas horas de segurança aos trabalhos de construção da nova estrada, de importância estratégica para a ligação do litoral com toda a Zona Leste (compreendo as actuais Regiões de Bafatá e de Gabu).
Fotos do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.
Mensagem do editor do blogue que foi enviada, em 4 de Outubro de 2006, ao António Rosinha (ex-furriel miliciano em Angola, em 1961, e antigo topógrafo da empresa TECNIL, na Guiné-Bissau, no pós-independência, de 1979 a 1993), com conhecimento ao Amílcar Mendes (38ª CCmds, 1972/74):
Amigo Rosinha, camarada Mendes:
1. Agradeço os comentário sobre o blogue (que tanto um como o outro fazem) e faço um convite ao Rosinha para se juntar a nós: temos em comum a vivência da Guiné e porventura a mesma amizade para com aquele povo e aquele país, independentemente da desgraça que tem sido a sua governação…
Em 1970 e 1971, a minha unidade, a CCAÇ 12 (uma companhia de africanos dos regulados de Badora e Cossé, sobretudo), fez segurança à TECNIL que estava a construir a nova estrada Bambadinca-Xime. Houve mortos e feridos entre os seus trabalhadores. O Rosinha veio depois, já em 1979, mas também é um amigo da Guiné, que como tal pode e deve pertencer à nossa tertúlia, se ele assim o entender…
2. Sou eu (e apenas eu, por enquanto) que faço a moderação dos comentários: Não sou (nunca tive vocação para) censor. Tenho publicado os comentários do Rosinha que são previamente sujeitos à minha apreciação. Desde que não sejam insultuosos ou não violem as nossas regras de convívio (que são mínimas), são sempre publicados. Se escapou algum, o Rosinha que volte a reenviá-lo… Mas o melhor é passar a fazer parte da nossa tertúlia, o que lhe dá o direito de escrever regularmente no blogue.. Faço questão de apadrinhar a sua admissão…
3. Neste blogue, conta sobretudo a partilha das nossas experiências na Guiné, como militares ou civis, quer tenhamos sido tugas, nharros ou turras… Em 1979 e anos seguintes o Rosinha ouviu muitas estórias e deu-se conta das sequelas do período antes e depois da independência… Ele próprio as viveu e essas estórias também nos interessam.
Amigo Rosinha, camarada Mendes:
1. Agradeço os comentário sobre o blogue (que tanto um como o outro fazem) e faço um convite ao Rosinha para se juntar a nós: temos em comum a vivência da Guiné e porventura a mesma amizade para com aquele povo e aquele país, independentemente da desgraça que tem sido a sua governação…
Em 1970 e 1971, a minha unidade, a CCAÇ 12 (uma companhia de africanos dos regulados de Badora e Cossé, sobretudo), fez segurança à TECNIL que estava a construir a nova estrada Bambadinca-Xime. Houve mortos e feridos entre os seus trabalhadores. O Rosinha veio depois, já em 1979, mas também é um amigo da Guiné, que como tal pode e deve pertencer à nossa tertúlia, se ele assim o entender…
2. Sou eu (e apenas eu, por enquanto) que faço a moderação dos comentários: Não sou (nunca tive vocação para) censor. Tenho publicado os comentários do Rosinha que são previamente sujeitos à minha apreciação. Desde que não sejam insultuosos ou não violem as nossas regras de convívio (que são mínimas), são sempre publicados. Se escapou algum, o Rosinha que volte a reenviá-lo… Mas o melhor é passar a fazer parte da nossa tertúlia, o que lhe dá o direito de escrever regularmente no blogue.. Faço questão de apadrinhar a sua admissão…
3. Neste blogue, conta sobretudo a partilha das nossas experiências na Guiné, como militares ou civis, quer tenhamos sido tugas, nharros ou turras… Em 1979 e anos seguintes o Rosinha ouviu muitas estórias e deu-se conta das sequelas do período antes e depois da independência… Ele próprio as viveu e essas estórias também nos interessam.
Há um crescente número de civis, guineenses ou portugueses, a interessar-se por esse período e que querem partilhar, connosco, o seu conhecimento sobre (e a sua experiência vivida de) a Guiné… A exposição pública dos nossos pontos de vista, das nossas estórias, etc., obriga-nos a ter mais cuidado com a linguagem, com a forma, com o conteúdo… Não se trata de enfeitar as coisas, cada um tem o seu estilo (de escrever, de apresentar) e quem mentir, deturpar ou falsear a realidade está sujeito a ser desmentido e desmascarado em público… Por isso, procuramos ser rigorosos no que diz respeito á verdade dos factos, à publicação de documentação, à fundamentação de pontos de vista, etc. O problema é que a realidade é complexa e tal como a moeda há um verso e um reverso…
Que fique claro, em contrapartida, que não há nenhum dono (nem donos) do blogue… Há um gestor editorial do blogue que sou eu… E há também pessoas que escrevem mais do que as outras… O blogue resulta da colaboração de todos, uns mais assíduos e mais activos do que outros…
Que fique claro, em contrapartida, que não há nenhum dono (nem donos) do blogue… Há um gestor editorial do blogue que sou eu… E há também pessoas que escrevem mais do que as outras… O blogue resulta da colaboração de todos, uns mais assíduos e mais activos do que outros…
Procuro fazer uma gestão equilibrada e oportuna do que me vai chegando por e-mail… De facto, não publico tudo: há coisas que só circulam por e-mail, por exemplo, assuntos relacionados com a organização e funcionamento do blogue, comentários curtos, pequenos esclarecimentos. Questões fora do âmbito do blogue também não são publicadas… Por exemplo, comentários ou opiniões sobre a actualidade política da Guiné-Bissau, o que é diferente de notícias que tenham a ver, directa ou indirectamente, com a guerra no nosso tempo, com os combatentes africanos, com a história e a cultura da Guiné, com a preservação da nossa memória comum, etc.…
4. Rosinha: Para ser admitido no Blogue, faça-me um breve apresentação da sua pessoa (a mensagem que mandou ao camarada A. Mendes serve perfeitamente, já que contem alguns elementos autobiográficos) e duas imagens digitalizadas de duas fotografias suas: uma do tempo em que esteve na Guiné, na TECNIL, e outra mais recente…Está de acordo, Rosinha ? Se entrar para a nossa tertúlia, passaremos a tratar-nos por tu, que é o tratamento usado entre camaradas (e amigos) da Guiné…
5. Obrigado ao Amílcar por me ter encaminhado esta mensagem do Rosinha.
Mantenhas para os dois.
4. Rosinha: Para ser admitido no Blogue, faça-me um breve apresentação da sua pessoa (a mensagem que mandou ao camarada A. Mendes serve perfeitamente, já que contem alguns elementos autobiográficos) e duas imagens digitalizadas de duas fotografias suas: uma do tempo em que esteve na Guiné, na TECNIL, e outra mais recente…Está de acordo, Rosinha ? Se entrar para a nossa tertúlia, passaremos a tratar-nos por tu, que é o tratamento usado entre camaradas (e amigos) da Guiné…
5. Obrigado ao Amílcar por me ter encaminhado esta mensagem do Rosinha.
Mantenhas para os dois.
L.G.
Guiné 63/74 - P1302: Blogoterapia (1): Palmas para o Amílcar Mendes, o Beja Santos e o Victor Tavares (António Duarte, CART 3493 e CCAÇ 12)
Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > O António Duarte (CART 3493 e CCAÇ 12, 1972/74), assinalado com um círculo a vermelho, na nossa mini-tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné:
(i) na primeira fila, eu próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 21969/71);
(ii) na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o já citado António Duarte, o Mário Dias (CCmds, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, 1968/70), o Francisco Baldé (1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos, 1964/66).
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Texto do António Duarte, datado de 25 de Outubro de 2006:
Terapia através da escrita. Vamos editar um livro ?
Caro Luís Graça:
Durante estes últimos anos pouco tenho falado sobre a guerra colonial com terceiros, excepto com amigos mais chegados. Reconheço que tenho (ou tinha) alguma dificuldade em abordar o tema, já que sentia alguma responsabilidade por nela ter participado (1). Claramente teria preferido não ter lá estado, já que quando embarquei não tinha grandes dúvidas sobre a quem é que interessava a dita cuja. Considero-me patriota, mas percebia que a História não estava com a postura do governo da época.
Vem esta minha lengalenga a propósito dos escritos, de altíssimo interesse, que os nossos camaradas vão escrevendo, constituindo por si só uma óptima terapia espiritual, que nos ajuda a viver com as nossas consciências. Permite-me que te diga que fico esmagado.
Pedindo desculpa a todos, gostaria de referir a qualidade e a serenidade dos textos do Beja Santos do Pel Caç Nat 52, a emotividade transmitida pelo Amílcar Mendes da 38ª CCmds e do VictorTavares da 121ª CCP, transmissão só possível por quem viveu / sofreu os factos terríveis relatados na primeira pessoa.
Por fim, e voltando a repetir-me, acho que se justifica que façamos algo no sentido de promover e perpetuar o nosso blogue através de livro. Se te parecer oportuno, lança a ideia e a caserna que emita opinião.
Um abraço para todos os membros da tertúlia.
António Duarte
Ex-Fur Mil Atir
Cart 3493 e CCAÇ 12
(Mansambo e Xime, 1972/74)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de António Duarte:
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
(i) na primeira fila, eu próprio, Luís Graça (CCAÇ 12, 1969/71), à esquerda, e a meu lado o Carlos Fortunato (CCAÇ 13, 21969/71);
(ii) na segunda fila, a contar da esquerda para a direita: o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63, 1969/71), o já citado António Duarte, o Mário Dias (CCmds, 1963/66), o José Martins (CCAÇ 5, 1968/70), o Francisco Baldé (1ª, 2ª e 3ª Companhia de Comandos Africanos, 1969/74) e o João Parreira (CART 730 e Comandos, 1964/66).
Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
Texto do António Duarte, datado de 25 de Outubro de 2006:
Terapia através da escrita. Vamos editar um livro ?
Caro Luís Graça:
Durante estes últimos anos pouco tenho falado sobre a guerra colonial com terceiros, excepto com amigos mais chegados. Reconheço que tenho (ou tinha) alguma dificuldade em abordar o tema, já que sentia alguma responsabilidade por nela ter participado (1). Claramente teria preferido não ter lá estado, já que quando embarquei não tinha grandes dúvidas sobre a quem é que interessava a dita cuja. Considero-me patriota, mas percebia que a História não estava com a postura do governo da época.
Vem esta minha lengalenga a propósito dos escritos, de altíssimo interesse, que os nossos camaradas vão escrevendo, constituindo por si só uma óptima terapia espiritual, que nos ajuda a viver com as nossas consciências. Permite-me que te diga que fico esmagado.
Pedindo desculpa a todos, gostaria de referir a qualidade e a serenidade dos textos do Beja Santos do Pel Caç Nat 52, a emotividade transmitida pelo Amílcar Mendes da 38ª CCmds e do VictorTavares da 121ª CCP, transmissão só possível por quem viveu / sofreu os factos terríveis relatados na primeira pessoa.
Por fim, e voltando a repetir-me, acho que se justifica que façamos algo no sentido de promover e perpetuar o nosso blogue através de livro. Se te parecer oportuno, lança a ideia e a caserna que emita opinião.
Um abraço para todos os membros da tertúlia.
António Duarte
Ex-Fur Mil Atir
Cart 3493 e CCAÇ 12
(Mansambo e Xime, 1972/74)
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de António Duarte:
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXI: Um periquito da CCAÇ 12 (António Duarte / Sousa de Castro)
20 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXVIII: Notícias da CART 3493 (Mansambo, 1972) e da CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1973/74) (António Duarte)
11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)
17 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P966: O Mexia Alves que eu conheci em Bambadinca (António Duarte, CCAÇ 12, 1973)
24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P984: Ainda a tragédia de Quirafo: o 'morto' que afinal estava vivo (António Duarte)
Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
Companhia Colonial de Navegação > TT Uíge > Viagem nº 127 (Bissau - Lisboa) > Bordo, 2 de Março de 1969 > Ementa do jantar e programa das distrações... Por curiosidade, a ementa desse dia era: Crème Conchita; Peixe au Meunier, Batata à Parmentier; Contre-Fillet à Maître d'Hôtel, Batata Boulanger, Alface; Bábás com Rhun; Fruta; Chá, Café...
Era caso para pensar que fomos para (e viemos de) a guerra, com chef de cuisine française atrás!... Enfim, não se pode dizer que a Pátria, através da Companhia Colonial de Navegação, não tratava bem de nós... E no programa social, não faltavam os jogos de salão, as sessões de cinema, o jantar de despedida!... Só faltou o baile de máscaras, nesta farsa carnavalesca!... Àparte isto, pergunto-me o que terão comido nessa noite os desgraçados das praças que iam no porão...
O serviço a bordo na viagem nº 127 do Uíge, nos princípios de Março de 1969, na classe turística (a dos sargentos!), era seguramente bem melhor que aquele a que iremos ter direito, no mesmo navio, dois anos depois, em Março de 1971: eu, o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Sousa, o Abel Rodrigues, o Fernandes e os demais camaradas (metropolitanos) da CCAÇ 12... A avaliar pelas ementas, os ladrões roubaram-nos as batatas à Parmentier e o fillet mignon a que tínhamos direito! (2) ...
Do programa social já não me lembro... Aliás, quando pus os pés no Uíge eu só queria esquecer a Guiné (3)... De qualquer modo, a degradação do serviço no Uíge era um sinal dos tempos: a guerra agravava-se, metade do Orçamento Geral do Estado ia para o esforço de guerra em três frentes, Portugal continuava cada vez mais isolado no seio da comunidade internacional, a Academia Militar estava às moscas, batiam-se recordes na saída da população portuguesa para o estrangeiro, o Uíge não chegava para as encomendas, e o cozinheiro francês deve ter esgotado o stock de batatas Boulanger, a pachorra e a imaginação...
A propósito dessa nossa viagem de regresso (tudo menos triunfal) a Penates, em 17 de Março de 1971, eu escrevi:
"Regressávamos da guerra, com a morte na alma e mazelas no corpo, num navio da marinha mercante da Companhia Colonial de Navegação (uma empresa, fundada em Angola em 1922, para assegurar os transportes marítimos das colónias portuguesas com a Metrópole, sendo o paqueteVera Cruz o seu navio mais emblemático, e que não teve tempo de fazer o branqueamento do seu nome, já que o termo colonial não era politicamente correcto no início dos anos 70...).
"Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king" (3)... (LG)
Fotos e texto: © Vitor Condeço (2006)
Camarada Luís Graça,
Em primeiro lugar deixe-me cumprimentá-lo e elogiar o seu muito digno e meritório trabalho que tem conseguido levar por diante no blogue.
Ter já conseguido fazer deste blogue um referencial histórico de um período da história de Portugal, escrito pelas pessoas que fizeram essa própria história, não é obra fácil.
Que tenha a saúde, a disposição e a disponibilidade de tempo suficientes para poder continuar a sua obra e que não faltem as colaborações dos nossos camaradas e amigos da Guiné.
Sou assíduo frequentador desde Março de 2006, altura em que, procurando por mapas da Guiné, me deparei com este excelente sítio. Raro é o dia que o não visite, já li também a grande maioria dos postes mais antigos, onde recordei ou fiquei sabendo de acontecimentos que já não lembrava ou nunca soubera.
Já ando há tempos para lhe escrever, tem-me faltado a coragem mas, ao ler há dias o Post 1271 e hoje o 1296 sobre O cruzeiro das nossas vidas (1) , achei que devia contribuir com algo que este blogue teve a virtude de me ajudar a redescobrir a minha velha mala de porão que não era aberta há talvez trinta anos, e que foi-o de novo.
O material digitalizado que junto em anexo, pode ajudar a ilustrar esses mesmos cruzeiros e o Luís usará como lhe aprouver se neles reconhecer algum interesse.
Trata-se da ementa do primeiro jantar de regresso da Guiné a bordo do NM Uíge e do programa de distracções para os cinco dias previstos da viagem, que afinal acabaram por ser seis.
Os passageiros eram os militares dos BART 1913 e do BART 1914.
São portanto, recordações desse cruzeiro, iniciado a 26 de Abril de 1967, quando na Rocha do Conde Óbidos embarquei no Uíge com destino à Guiné.
Já tinha quase vinte meses de tropa, já nem contava de ser mobilizado, mas fui, infelizmente todo o pessoal do meu curso foi contemplado com um destes cruzeiros.
Sou um velho combatente (63 anos feitos ontem, dia 18 de Novembro), estou aposentado, meu nome é Victor Manuel da Silva Condeço, ex-Furriel Miliciano 00698264, do Serviço de Material – Mecânico de Armamento e, por isso mesmo, sem grandes histórias de guerra para contar. Este blogue teve a virtude de me despertar recordações, umas boas, outras menos boas, mas que nem por isso deixam de ser uma forma de reviver um passado de há quase quarenta anos.
Participei na Guerra da Guiné por obrigação, como aliás quase todos nós, desde 1 de Maio de 1967 a 3 de Março de 196, fazendo parte da CCS do BART 1913 que era constituído também pelas CART 1687 (Cachil e Cufar), CART 1688 (Bissau e Biambi) e CART 1689 (Fá, Catió, Cabedú e Canquelifá).
Estive na região do Tombali na Vila de Catió, Comando de Sector, pertencente ao Comando de Agrupamento de Sectores de Bolama. As unidades deste sector eram: Bedanda, Cabedú, Cachil (i), Cufar e o destacamento de Ganjola (i), por todas passei em serviço.
Desembarquei em Catió a 2 de Maio de 1967, os vinte e um meses de comissão foram aqui cumpridos, até 20 de Fevereiro de 1969, data em que regressei a Bissau.
Um abraço Luis, por hoje é tudo.
Victor Condeço
Comentário de L.G.:
Meu caro Victor:
Julgo que tu és o primeiro especialista mecânico de armamento que aparece por estas bandas. E não penses que é uma especialidade de 2ª classe: pelo contrário, se a G3 encrava ou se o canhão sem recuo não recua, estamos todos fritos... Humor à parte, nenhum de nós vem aqui exibir o seu cardápio de roncos, o seu currículo de horrores ou o seu estojo de cruzes de guerra... Todos estivemos lá, todos somos camaradas da Guiné... É isso que nos une. Sê, portanto, bem aparecido e, quando te der jeito, manda duas chapas tuas para a fotogaleria... A gente gosta de conhecer a cara dos camaradas e de os ouvir falar dos sítios fantásticos por onde andaram e da gente simples e boa, guineense, com quem conviveram... Fala-nos de Catió, e de como eram as coisas no teu tempo... A Catió que era gozada nos programas de rádio a fingir, para a plateia da caserna: E agora um disco pedido, pelo Embaló, que tem um primo em Catió!....
Um dia destes, encontramo-nos por aí, para dar um abraço uns aos outros e beber um copo... Obrigado, pela teus recuerdos da viagem nº 127 do Uíge, a caminho de casa, depois de mais de quarenta longos meses de tropa (120o e tal dias!!!)... Ah, e já agora, um abraço de parabéns do tamanho da nossa tertúlia pelos teus belos 63 anos! (LG)
_________
(i) Estes aquartelamentos foram desmantelados e abandonados pelas NT a meio do segundo semestre de 1968, em virtude da adopção de novas estratégias pelo então Brigadeiro Spínola, Comandante Chefe do CTI da Guiné (4).
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd posts
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
(2) Vd. post de 9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(3) Vd. Blogue-Fora-Bada... e Vão Dois (Luís Graça) > post de 8 de Dezembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné
(...)
Esquecer a Guiné... por uma noite!
O sabor a sangue e a merda
Que a vida aqui tem,
Aos vinte e três anos,
Já feitos.
A merda da Guiné.
A merda que te cobre o corpo e a alma.
É mais do que a merda toda
Das bolanhas, das lalas e do tarrafo.
Podes lavar-te todos os dias
Que essa merda
Nunca mais te sai.
Nunca mais te sairá do corpo e da alma.
(...)
(4) Em Ganjolá morreu um primo meu, o soldado José António Canoa Nogueira, natural da Lourinhã, em 1965. Já aqui transcrevi uma das suas últimas cartas: vd. post de 8 de Setembro de 2005 (Guiné 63/74 - CLXXXI: Antologia (18): Um domingo no mato, em Ganjolá ).
Sobre o destacamento do Cachil, diz o oficial da Armada Marques Pinto:
(...) Percorri várias vezes o Rio Cobade, frente á Ilha do Como, lá recebi o meu primeiro abonanço de morteirada, felizmente sem consequências para o pessoal embarcado e lá fiz algumas entregas logísticas para o infelizmente célebre e tão martirizado destacamento do Cachil, que segundo me contaram pessoalmente alguns soldados tinham de fazer escolta armada para percorrerem os 300 a 400 metros que os separavam da água" (...)
Vd. post de 29 Outubro 2006 > Guiné 63/74 - P1221: Lembranças de mais um marujo (Marques Pinto)
Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
Lisboa > Mosteiro dos Jeróminos > Claustro > Uma nau portuguesa do Séc. XVI (pormenor). Foto: © Luís Graça (2006)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Marinha Portuguesa > Submarino classe Albacora. Fonte : © Marinha Portuguesa > Galeria Digital > Fotos > Submarinos (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Fragata classe João Belo (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.).
Fonte: © Marinha Portuguesa (2004) (com a devida vénia...)
Marinha Portuguesa > Corveta classe João Coutinho (foto gentilmente cedida por Pedro Lauret e adaptada por L.G.)
Texto do Pedro Lauret (membro da nossa tertúlia, foi oficial imediato da LFG Orion - Guiné, 1971/73 -, sendo hoje capitão-de-mar-e-guerra na reforma e dirigente da Associação 25 de Abril) (2)
A Marinha Oceânica na Guerra Colonial
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
por Pedro Lauret
A Marinha é um ramo das Forças Armadas que tem tradicionalmente uma postura discreta, não evidenciando muitas das suas responsabilidades nem a forma como as cumpre, talvez porque saiba que como é importante num País com a História e Geografia como o nosso.
Esta postura muitas vezes a tem prejudicado por incompreensão. Quem não questionou, ontem como hoje: submarinos e fragatas, para quê?
Tudo isto vem a propósito dos transportes de tropas (1).
Talvez nem todos saibam que 90% do reabastecimento dos três teatros de operações [ - Angola, Guiné e Moçambique - ] nos 13 anos de guerra foram efectuados por via marítima, mas é verdade!
Talvez também nem todos se tenham apercebido que as áreas oceânicas que os nossos transportes de tropas atravessavam eram contíguas a mares territoriais de países hostis, países que, em muitos casos, tinham saído recentemente de situações coloniais. Países que assumiam protagonismo internacional crescente, que se organizavam a partir de Bandung, no movimento dos não-alinhados. Países que assumiam claramente posições agressivas contra a política ultramarina/colonial de Portugal. Países que faziam ouvir as suas vozes nas posições que as Nações Unidas iam assumindo contra a política do governo do nosso país.
O conjunto de deliberações e resoluções das Nações Unidas contra Portugal começava a justificar, face ao direito internacional, acções militares contra transportes de tropas e outros transportes logísticos.
Por este motivo foi necessário, com discrição, manter abertas as linhas de comunicação: proteger os transportes de tropas e materiais destinados à Guerra.
A Marinha assumiu essa missão tendo adquirido para o efeito (2):
- 4 Fragatas classe Comandante João Belo, construídas em França, tinham consideráveis capacidades artilheiras quer anti-superfície quer anti-aéreas e ainda capacidade anti-submarina;
- 4 Submarinos classe Albacora;
- 10 Corvetas classe João Coutinho e Baptista de Andrade.
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Os transportes de tropas (TT) tinham embarcado um oficial superior da Armada: o Capitão de Bandeira, que tinha como missão superintender a disciplina a bordo e a sua articulação com os outros meios navais empenhados na sua segurança.
Os navios mercantes estavam preparados para, com facilidade, instalar peças de artilharia para auto-protecção.
Resumindo, a Marinha durante os 13 anos de guerra protegeu, discretamente, os transportes de tropas para os três teatros de operações.
Alguém pensou que sob as águas do seu transporte de tropas [ - Alfredo da Silva, Ana Mafalda, Manuel Alfredo, Niassa, Timor, Uíge -] (4), se poderia encontrar um submarino? ou que para além do horizonte poderia estar uma fragata ou corveta? Provavelmente não!
Pedro Lauret
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Notas de L.G.:
(1) Vd. por exemplo, post anterior, com data de hoje: Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
(2) Vd post de 1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(3) Vd. Portal da Marinha Portuguesa > Guerra de África
(4) Vd. posts anteriores:
20 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)
Ana Mafalda (2)
Uíge (3)
Alguns dos nossos navios da marinha mercante que foram requisitados para transporte de tropas para o TO da Guiné entre 1963 e 1974... O mais requisitado foi o Niassa. Os grandes paquetes, como o Vera Cruz (com capacidade para transportar mais de 2000 homens), não podiam operar no Porto de Bissau.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...):
As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. Em 1974, eram mais de 130 000 homens que se mantinham em pé de guerra a milhares de quilómetros da metrópole (27 000 na Guiné, 57 000 em Angola e 50 000 em Moçambique). O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.
Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.
O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.
Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mias de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.
Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.
O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia: em 1963, tinham-se efectuado 27 viagens por oito paquetes e, em 1967, 33 por nove.
Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.
A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.
Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.
O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.
Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra (2006)
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 20d e Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
(...) O imponente paquete Timor, amarelado, mais alto e corpulento do que a enorme estação fluvial, ali estava, calmo, à nossa espera, poisado nas águas paradas do Tejo. Várias escadas, longas, ligavam o cais ao bojo barrigudo mas elegante, do paquiderme, de proa arrebitada e pendão festivo, à solta.
"Não demorou muito e toda a gente estava a bordo, distribuida pelos muitos pisos, docilmente transformados em quartel. Um tremendo urro disparou nos ares e as máquinas medonhas aceleraram, lá no fundo.A água do Tejo começou a ferver em ondas de espuma, em turbilhão, à popa, empurrando o gigante para mais uma oferenda, em sacrifício, no altar da ditosa pátria" (...)
(2) Vd. post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (A. Marques Lopes)
(...) "Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejo começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXII: Caminhos entrecruzados: Ana Mafalda, Cantacunda... (Carlos Marques dos Santos)
(...) "Bravo, Marques Lopes: Afinal os nossos percursos entrecruzaram-se. Tu antes, eu depois. À tua descrição poderia só acrescentar: Faço minhas as tuas palavras e, concerteza, vivências: (i) Ana Mafalda e vómitos de 5 dias;(ii) Cantacunda e fome de 15 dias, depois de terem levado alguns, não poucos, dos nossos" (...);
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
(...) "Estas unidades navais [, as LFG,] efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.
"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal" (...).
18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
(...) "Em 7 de Abril de 1970 a CART2732 recebeu o seu Estandarte. No dia 13 de Abril realizou-se no Cais do Porto do Funchal a cerimónia de despedida da Companhia (...).
"A CART 2732, sob o comando interino do Alf Mil Art Manuel Casal, embarcou nesse mesmo dia, cerca das 12H00, no navio Ana Mafalda, que largou pouco depois com destino à Guiné. No cais ficou uma multidão de populares, familiares e amigos dos militares, que ali se deslocaram para assistirem à cerimónia de despedida, embarque e partida da Companhia.
9 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Amigos para sempre (Tony Levezinho, CCAÇ 12)
(...) "Como se tudo continuasse como dantes e a vida corresse normalmente, contra os ventos da história (como então se dizia), nessa viagem de regresso à pátria servia-se a bordo, na classe turística (reservada aos sargentos) uma sopa de creme de marisco, seguido de um prato de peixe (Pescada à baiana) e um de carne (Lombo Estufado à Boulanger)... sem esquecer a sobremesa: a bela fruta da época, o bom café colonial, o inevitável cigarro a acompanhar um uísque velho, antes de mais uma noitada de lerpa ou de king... Obrigado ao Humberto Reis e à sua já famosa "memória de elefante" por me lembrar que o 17 de Março de 1971 foi o primeiro dia do resto das nossas vidas" (...) (LG)
(4) Vd. post de 19 de Novembro e 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)
(...) "A largada foi terrível. O barco a afastar-se do cais é muito doloroso para nós, com as carpideiras que para lá eram enviadas, para nos desmoralizarem ainda mais.
"Depois do navio largar e passar S. Julião da Barra, fomos para o bar à espera que nos chamassem para o almoço. O Major Branco, que comandava interinamente o nosso Batalhão, uma vez que o nosso Comandante, Ten Cor Pimentel Bastos já tinha seguido de avião, perguntou ao nosso Capitão:- Embarcaram todos os rapazes?O Capitão respondeu de imediato:- Sim, sim, meu Comandante. Ele sabia lá!
18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVIII: Bajudas, nem vê-las! (Carlos Marques dos Santos)
(...) No final da comissão ainda houve duas saídas para Bafatá, para fim de semana. Ao meu pelotão não chegou a vez.
"Melhor ainda. Viemos embora para casa. Tinha terminado o mato. Esperava-nos Bissau e o Uíge, em contraposição com o Ana Mafalda de ida, de vómitos e sofrimento de toda a Companhia.
"Foi a minha estreia em cruzeiros. No regresso fomos tratados com senhores. Só que não vieram todos" (...).
(4) Vd. post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
(5) Segundo o Portal da TAP > História > 60 Anos na Rota do Futuro, a Linha Aérea Imperial (Lisboa-Luanda-Lourenço Marques) foi inaugurada em 31 de Dezembro de 1946: com 12 escalas, 15 dias de duração (ida e volta) e 24540 quilómetros, era "a mais extensa linha a nível mundial operada com o DC-3". Em 1964, a TAP inaugura a operação regular Lisboa-Sal-Bissau.
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