Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3286: Convívios (88): Confraternização de Asp Of Mil do 2.º Curso de Rangers de 1967, CIOE, Lamego (Idálio Reis)
1. Mensagem do nosso camarada Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317, Gandembel/Balana, 1968/69, com data de 6 de Outubro de 2008:
Assunto: Uma saudosa confraternização de aspirantes milicianos que integraram o 2.º Curso de Rangers de 1967, no CIOE em Lamego.
Indelevelmente, quanto mais este vagar do tempo se prolonga, maior um ror de saudades se nos afaga.
Essa estulta armadilha que nos agrilhoou quando muito jovens, em plena flor da idade em que se começa a tactear o destino da Vida, é espectro que jamais se sume, tantos foram os companheiros que então se nos atravessaram naquela curta encruzilhada temporal.
Efectivamente, com alguns desses sobejou laços de apertada amizade, que depois do ciclo da tropa, circunstâncias inerentes vieram a esvaecer, por força de porfiados afãs que a cada um houve então que encetar. O recomeço foi tão difícil ...
Hoje, com mais tempo livre, porventura mais propensos para readquirir essa comunhão de afinidades imperecíveis, procuramos apaziguar as dolentes saudades restadas, e assim dando azo ao reencontro, passados 41 longos anos, juntámo-nos para o amplexo do reconhecimento e da renovação, e fundamentalmente, relembrar os que foram brutalmente excluídos por um perecimento antecipado, onde uma guerra imposta fez semear dor, martírio, sangue.
Um dos elementos do grupo, o António Brandão, viria a sofrer um profundo choque, quando soube da morte do Almeida Fonseca, um cabo-verdiano com quem privara muito de próximo, e que acabaria por rumar até Moçambique. Aqui, a cerca de metade da comissão, morreria em combate no dia 5 de Janeiro de 1969, na Serra do Mapé, com mais 6 companheiros da CCaç 2321; este trágico desastre, está bem expresso no melhor Blogue referente à guerra naquela Província.
À sua memória, prometeu-lhe que haveria de raiar um dia para lhe prestar a homenagem, que em seu entendimento merecia, pois sentiu que fora injustiçado por omissão, ao ser um dos que no fim do Curso não fora merecedor da entrega do crachá "Operações Especiais".
Empenhou-se pois este velho Companheiro, que fez a sua comissão em Angola, na tarefa de ir ao encontro dos paradeiros dos que com ele tropeçaram no CIOE, ainda no quartel antigo, onde fomos então escolhidos 70 aspirantes, a dividir por 2 turmas.
Neste seu porfiar, acabou por já encontrar uma parte substantiva. E com a prestimosa ajuda do António Albuquerque, um homem do distrito, entenderam que estava chegado o o momento adequado, e vão ao encontro do Comandante da Unidade, dando-lhe a conhecer que aí desejariam perpetuar as memórias dos companheiros mortos.
E assim, no pretérito fim-de-semana, aglutinou-se um grupo de 20 cidadãos (18 ex-militares do Curso, a que com muito agrado se juntaram 2 instrutores), que foi recebido e homenageado com enorme nobreza pela Unidade, ante uma parada de honra presidida pelo seu militar mais graduado - o Comandante.
Tratou-se de um acto de sublime dignidade, perpassado por um forte e comovente sentimento de saudade, em que pudemos recordar os que tombaram em África: o Rogério de Carvalho, da CART 2338, na Guiné, em 17 de Abril de 1968 (nas imediações de Canjadude), o Almeida Fonseca e o Eusébio Silva (8 de Março de 1969) em Moçambique. Também foram lembrados os já ausentes, subtraídos pelo determinismo da força da Lei da vida.
Após este honroso acto, seguiu-se um suculento almoço, em que satisfeitos pela forma como a jornada decorrera, nos reapresentamos, e com a óbvia conclusão que os anos começavam a pesar e os cabelos a branquear, foi entendido por unanimidade, que seria de bom grado que este convívio se repetisse para sempre.
Em anexo, envio 3 fotografias: numa delas, está presente o Comandante da Unidade em amena cavaqueira com alguns (i) ; uma outra, representa o grupo que esteve presente (ii); outra, apresento à Tertúlia, um dos homens de Guileje, o alferes Torres Veiga da CCaç 2316/BCaç 2835 (iii).
Um forte abraço a todos,
do Idálio Reis.
Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 1 > O comandante da unidade em amena convaqueira com o grupo
Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 2 > O grupo de antigos Asp Of Mil do 2.º Curso de Rangers de 1967.
Lamego > CIOE - Centro de Instrução de Operações Especiais > Foto 3 > Um dos homens de Guileje, o alferes Torres Veiga, da CCaç 2316/BCaç 2835.
Fotos e legendas: © Idálio Reis (2008). Direitos reservados.
________________
Notas de CV:
(1) - Vd. postes de
5 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3113: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (4): As exéquias fúnebres (Idálio Reis)
4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2718: Fórum Guileje (11): Relembrando a velha Guileje do Zé Neto e do Eurico Corvacho, onde perdi 2 soldados em combate (Idálio Reis)
1 de Abril de 2008 > Guíné 63/74 - P2708: Construtores de Gandembel / Balana (5): Ponte Balana não era dos piores sítios do Tombali... (Idálio Reis)
26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)
3 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2326: O Hino de Gandembel e a iconografia do soldado atormentado pelo desassossego (Idálio Reis)
Guiné 63/74 - P3285: Em busca de ... ( 43): António dos Santos Maltez, cap mil Maltez, CART 2520, Xime, 1969/70 (Jorge Picado)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CART 2520 (1969/70) > 1970 > Álbum fotográfico do Renato Monteiro > Foto 21 > "Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão, por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada"...
Noutro sítio, o Renato havia escrito o seguinte sobre o comandante desta unidade, para onde ele foi recambiado, por castigo:
"Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....
"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...
"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (...).]
Foto: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.
Aveiro > 25 de Agosto de 2008 > Estátua de José Estêvão (1809-1862): Nascido em Aveiro, foi um grande jornalista e orador, político e parlamentar, considerado durante o período de 1836 a 1862 como uma das figuras preeminentes da oposição de esquerda na Câmara dos Deputados.
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem do Jorge Picado, 2 de Outubro de 2008:
Camaradas e Amigos:
Depois de mandar, por engano, para o Carlos Vinhal, "O meu Baptismo de Fogo", acabado de concluir, abri o blogue e começo a ver as fotos e a ler, claro, a respectiva prosa do Renato e do Luís (*), julgo, e qual não é o meu espanto ao deparar com o Capitão "desconhecido" [vd. foto acima].
Se não estou enganado, porque fisionomicamente me dá ares, apesar dos anos terem passado, seria o Cap Mil Maltez.
Trata-se dum contemporâneo meu, do Liceu José Estêvão, de Aveiro, licenciado em Físico-Químicas pela Universidade de Coimbra, do mesmo curso da minha falecida mulher e que foi igualmente Prof naquele Liceu juntamente com ela.[De seu nome completo, António dos Santos Maltez].
Sei que tinha feito a comissão na Guiné naquela zona, pois contou-me ele próprio. Como era de curso de COM anterior foi chamado para CPC antes de eu o ter sido (**).
Já não tenho notícias dele há longo tempo, mas creio que ainda está por cá por Aveiro onde vivia (***).
Um abraço
Jorge Picado
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3263: Álbum fotográfico do Renato Monteiro (3): Xime, o sítio do meu degredo
(**) 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)
(***) Há várias referências, no nosso blogue, ao Cap Mil Maltez, comandante da CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70] que, de resto, eu próprio conheci e com quem a minha unidade, a CCAÇ 12, fez operações em conjunto. Vd. os seguintes postes do nosso camarada Beja Santos (Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70): (Negrito meu)
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852
(...) Creio que está por fazer um conjunto de inventários: os oficiais do quadro permanente que não podiam transformar-se em oficiais prussianos e contra-guerrilheiros inflamados, por razões da trajectória profissional e moral; os oficiais milicianos, sobretudo os capitães, que eram lançados na fogueira dos acontecimentos bélicos sem qualquer preparação, pondo entre parêntesis a vida pessoal, profissional e familiar, por vezes com uma violência inaudita. Foi o que foi dado a verificar com homens como o Capitão Maltez, com quem colaborei no Xime. (...)
28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970
(...) Eu ainda não sei que este mês de Fevereiro está a levedar a minha experiência operacional mais violenta, e que tudo vai ocorrer já mês de Março. O prisioneiro que eu levara a Bissau vai fugir num patrulhamento na região do Buruntoni; em Ponta Varela o inimigo atacou com gravidade embarcações que avançavam para Bambadinca; a tabanca do Enxalé irá ficar incendiada numa flagelação; o capitão Maltez, do Xime, ficará ferido num patrulhamento na margem esquerda do rio Geba. Neste entretanto, continuarei a exercer as minhas funções de recoveiro e julguei enlouquecer quando soube da morte do meu mais querido amigo. Como irei contar. (...)
11 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2749: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (27): Quando os mortos abrem os olhos aos vivos
(...) No dia seguinte, sou chamado de urgência a Bambadinca, o major Sampaio quer uma reunião. Recebe-me com um ar grave e vai direito ao assunto:
- Consigo não faço rodeios, preciso de si a dar o seu melhor e no Xime. Tenho aquela companhia muito em baixo. No princípio do mês, foram flagelados durante uma operação, houve um morto, feridos graves e ligeiros; a seguir, ardeu a tabanca do Enxalé e logo depois um ataque a Ponta Varela fez a destruição de uma embarcação civil; em meados do mês, depois de destruírem grande quantidade de arroz numa batida, foram novamente flagelados e o capitão Maltez ficou sinistrado, embora ligeiramente. Temos de lamber as feridas e passar ao ataque. Falei com o nosso comandante e as coisas vão-se passar da seguinte maneira: V. vai planear inteiramente uma operação e logo a seguir outra; vai para o Xime e levanta o moral das tropas; não peça mais efectivos daqueles que eu posso dar, quanto muito, leva algumas secções de milícias de Finete e de Amedalai; é fundamental afastar o inimigo das proximidades do Xime e de Ponta Varela; levantar o moral das tropas tem de significar o fim desse medo em emboscadas a escassos quilómetros do quartel; limpe tudo à volta e faça com que o Poidom e Ponta Varela deixem de ser considerados invulneráveis; findo este objectivo, quero que V. percorra tudo até à Ponta do Inglês e mostre aos soldados do Xime que nós podemos ir a qualquer sítio; vem aqui para a sala, olha para o mapa o tempo que precisar, defina o que quer, escreva os efectivos que vai levar, logo a seguir dar-lhe-ei pormenores sobre as datas das operações. A primeira, a ter lugar no início de Março, é a “Rinoceronte Temível”. E nem uma palavra sobre este assunto com ninguém, nem aqui com os oficiais nem com os seus soldados. (...).
27 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!
(...) A cerca de um mês do meu casamento, disparo mensagens para Bissau e arredores: o Emílio Rosa está formalmente convidado para ser meu padrinho, oferece os seus préstimos para levar as certidões à igreja, preparar os banhos, cede a casa para a lua-de-mel; a Isabel e o David [Payne] serão os padrinhos da Cristina, receberão a Elzira e o Emílio lá em casa durante a lua-de-mel; são expedidos convites para a Inês e o Alexandre Carvalho Neto, que prontamente aceitaram; também aceitou o Rui Gamito, como o capitão Laranjeira Henriques e a mulher; o comando autorizara a deslocação de quatro praças, assentou-se no Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Cherno e Teixeira (irão igualmente aparecer o Barbosa e o capitão Maltez, do Xime, o primeiro gozava férias, o segundo fazia tratamentos). (...)
Noutro sítio, o Renato havia escrito o seguinte sobre o comandante desta unidade, para onde ele foi recambiado, por castigo:
"Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....
"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...
"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (...).]
Foto: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.
Aveiro > 25 de Agosto de 2008 > Estátua de José Estêvão (1809-1862): Nascido em Aveiro, foi um grande jornalista e orador, político e parlamentar, considerado durante o período de 1836 a 1862 como uma das figuras preeminentes da oposição de esquerda na Câmara dos Deputados.
Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.
1. Mensagem do Jorge Picado, 2 de Outubro de 2008:
Camaradas e Amigos:
Depois de mandar, por engano, para o Carlos Vinhal, "O meu Baptismo de Fogo", acabado de concluir, abri o blogue e começo a ver as fotos e a ler, claro, a respectiva prosa do Renato e do Luís (*), julgo, e qual não é o meu espanto ao deparar com o Capitão "desconhecido" [vd. foto acima].
Se não estou enganado, porque fisionomicamente me dá ares, apesar dos anos terem passado, seria o Cap Mil Maltez.
Trata-se dum contemporâneo meu, do Liceu José Estêvão, de Aveiro, licenciado em Físico-Químicas pela Universidade de Coimbra, do mesmo curso da minha falecida mulher e que foi igualmente Prof naquele Liceu juntamente com ela.[De seu nome completo, António dos Santos Maltez].
Sei que tinha feito a comissão na Guiné naquela zona, pois contou-me ele próprio. Como era de curso de COM anterior foi chamado para CPC antes de eu o ter sido (**).
Já não tenho notícias dele há longo tempo, mas creio que ainda está por cá por Aveiro onde vivia (***).
Um abraço
Jorge Picado
_________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3263: Álbum fotográfico do Renato Monteiro (3): Xime, o sítio do meu degredo
(**) 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)
(***) Há várias referências, no nosso blogue, ao Cap Mil Maltez, comandante da CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70] que, de resto, eu próprio conheci e com quem a minha unidade, a CCAÇ 12, fez operações em conjunto. Vd. os seguintes postes do nosso camarada Beja Santos (Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70): (Negrito meu)
31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852
(...) Creio que está por fazer um conjunto de inventários: os oficiais do quadro permanente que não podiam transformar-se em oficiais prussianos e contra-guerrilheiros inflamados, por razões da trajectória profissional e moral; os oficiais milicianos, sobretudo os capitães, que eram lançados na fogueira dos acontecimentos bélicos sem qualquer preparação, pondo entre parêntesis a vida pessoal, profissional e familiar, por vezes com uma violência inaudita. Foi o que foi dado a verificar com homens como o Capitão Maltez, com quem colaborei no Xime. (...)
28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970
(...) Eu ainda não sei que este mês de Fevereiro está a levedar a minha experiência operacional mais violenta, e que tudo vai ocorrer já mês de Março. O prisioneiro que eu levara a Bissau vai fugir num patrulhamento na região do Buruntoni; em Ponta Varela o inimigo atacou com gravidade embarcações que avançavam para Bambadinca; a tabanca do Enxalé irá ficar incendiada numa flagelação; o capitão Maltez, do Xime, ficará ferido num patrulhamento na margem esquerda do rio Geba. Neste entretanto, continuarei a exercer as minhas funções de recoveiro e julguei enlouquecer quando soube da morte do meu mais querido amigo. Como irei contar. (...)
11 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2749: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (27): Quando os mortos abrem os olhos aos vivos
(...) No dia seguinte, sou chamado de urgência a Bambadinca, o major Sampaio quer uma reunião. Recebe-me com um ar grave e vai direito ao assunto:
- Consigo não faço rodeios, preciso de si a dar o seu melhor e no Xime. Tenho aquela companhia muito em baixo. No princípio do mês, foram flagelados durante uma operação, houve um morto, feridos graves e ligeiros; a seguir, ardeu a tabanca do Enxalé e logo depois um ataque a Ponta Varela fez a destruição de uma embarcação civil; em meados do mês, depois de destruírem grande quantidade de arroz numa batida, foram novamente flagelados e o capitão Maltez ficou sinistrado, embora ligeiramente. Temos de lamber as feridas e passar ao ataque. Falei com o nosso comandante e as coisas vão-se passar da seguinte maneira: V. vai planear inteiramente uma operação e logo a seguir outra; vai para o Xime e levanta o moral das tropas; não peça mais efectivos daqueles que eu posso dar, quanto muito, leva algumas secções de milícias de Finete e de Amedalai; é fundamental afastar o inimigo das proximidades do Xime e de Ponta Varela; levantar o moral das tropas tem de significar o fim desse medo em emboscadas a escassos quilómetros do quartel; limpe tudo à volta e faça com que o Poidom e Ponta Varela deixem de ser considerados invulneráveis; findo este objectivo, quero que V. percorra tudo até à Ponta do Inglês e mostre aos soldados do Xime que nós podemos ir a qualquer sítio; vem aqui para a sala, olha para o mapa o tempo que precisar, defina o que quer, escreva os efectivos que vai levar, logo a seguir dar-lhe-ei pormenores sobre as datas das operações. A primeira, a ter lugar no início de Março, é a “Rinoceronte Temível”. E nem uma palavra sobre este assunto com ninguém, nem aqui com os oficiais nem com os seus soldados. (...).
27 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2797: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (29): Lá estarei em Bissalanca à tua espera!
(...) A cerca de um mês do meu casamento, disparo mensagens para Bissau e arredores: o Emílio Rosa está formalmente convidado para ser meu padrinho, oferece os seus préstimos para levar as certidões à igreja, preparar os banhos, cede a casa para a lua-de-mel; a Isabel e o David [Payne] serão os padrinhos da Cristina, receberão a Elzira e o Emílio lá em casa durante a lua-de-mel; são expedidos convites para a Inês e o Alexandre Carvalho Neto, que prontamente aceitaram; também aceitou o Rui Gamito, como o capitão Laranjeira Henriques e a mulher; o comando autorizara a deslocação de quatro praças, assentou-se no Benjamim Lopes da Costa, Domingos da Silva, Cherno e Teixeira (irão igualmente aparecer o Barbosa e o capitão Maltez, do Xime, o primeiro gozava férias, o segundo fazia tratamentos). (...)
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3284: PAIGC - Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)
Guiné > PAIGC > s/d > Retrato de Amílcar Cabral, acompanhado por Constantino Teixeira. Fotografia de Bruna Polimeni.[05361.000.009] · Documentos Amílcar Cabral (19/23).
Recorde-se que a fotojornalista italiana Bruna Polimeni é a autora de algumas das fotos mais famosas de Amílcar Cabral, do PAIGC e da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Recebeu em 2006 o Prémio Amílcar Cabral.
Guiné > PAIGC > Amílcar Cabral e outros companheiros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, Cassacá, 1964. Fotografia de Luís Cabral.[05359.000.020] · Documentos Amílcar Cabral (12/23) . Amílcar Cabral foi o grande ideólogo do PAIGC e, infelizmente, não teve substituto ao seu nível intelectual.
Fotos: © Fundação Mário Soares (2008) / Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008. (Com a devida vénia...)
Recorde-se que a fotojornalista italiana Bruna Polimeni é a autora de algumas das fotos mais famosas de Amílcar Cabral, do PAIGC e da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Recebeu em 2006 o Prémio Amílcar Cabral.
Guiné > PAIGC > Amílcar Cabral e outros companheiros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, Cassacá, 1964. Fotografia de Luís Cabral.[05359.000.020] · Documentos Amílcar Cabral (12/23) . Amílcar Cabral foi o grande ideólogo do PAIGC e, infelizmente, não teve substituto ao seu nível intelectual.
Fotos: © Fundação Mário Soares (2008) / Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008. (Com a devida vénia...)
Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.
Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.
Em Barro, na região do Cacheu, junto à fronteira com o Senegal, o A. Marques LOpes comandou um Grupo de Combate da CCAÇ 3, constituído essencialmente por balantas. Eram os famosos Jagudis (vd. foto à esquerda; o nosso camarada é o terceiro de pé, na segunda fila, a contar da esquerda).
Foto: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.
______________________
PAIGC: Instrução, táctica e logística (17) > PROGRAMA PARA A PREPARAÇÃO DO SOLDADO DAS FARP
(Reprodução de documento, interno, do PAIGC)
POLÍTICA
I PARTE – 8 horas
1.º) – Noções breves de Geografia, História e Economia da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC e a história da luta.
- A exploração do nosso Povo pelos colonialistas portugueses. A opressão. Como se fazem a exploração e a opressão. A exploração e a opressão do nosso Povo não são do interesse do povo português. Distinção entre o povo português e colonialismo português. [negrito e itálico meus - A. Marques Lopes]
2.º) – A condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do mundo. O direito do nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.
3.º) – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição da construção do Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.
4.º) – A unidade do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da Defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e unidade do Povo da Guiné e de Cabo Verde.
5.º) – Necessidade da preparação do Povo para a luta. Necessidade da mobilização. Necessidade de organização e de direcção.
6.º) – O PAIGC, partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. História breve do Partido e da luta. No Partido estão os melhores filhos do nosso Povo. Porque é que o Partido é a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.
7.º) – Hoje, o nosso Partido tem milhares de membros. O amor do Povo ao Partido é a sua força principal. O Partido é o representante legítimo do nosso Povo. A direcção do Partido é a direcção legítima do nosso Povo.
8.º) – A direcção do Partido. O Comité Central. Quem escolhe o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.
9.º) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a autocrítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negativa. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.
10.º) – O que é um responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um responsável.
II PARTE – 10 horas
11.º) – PROGRAMA DO PARTIDO
a) A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A liberdade como condição da felicidade do Povo. A INDEPENDÊNCIA.
b) A necessidade de defender permanentemente a independência depois de conquistada. A proibição das bases militares.
c) Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e Progresso para todos.
(...)
f) Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade dos povos (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.
g) Como devem ser respeitados os estrangeiros que respeitam o Povo e as Leis.
h) A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade da alfabetização das massas. A necessidade da escolarização e todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade de criação de escolas primárias, escolas técnicas, liceus e universidades. Necessidade do desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.
i) Necessidade de todo o povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas são inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.
j) Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia da independência económica e do neocolonialismo.
l) Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com a propriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.
m) Necessidade do desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.
n) Necessidade do desenvolvimento da indústria e do artesanato.
o) O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do comércio.
p) Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.
q) Necessidade de uma defesa nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das Forças Armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina das Forças Armadas. A fidelidade e a submissão das Forças Armadas à direcção política.
r) Unidade Africana. Razões. Condições.
s) Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se essa colaboração: respeito da soberania nacional, respeito da integridade territorial, não agressão, não intervenção nos assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens, coexistência pacífica.
III PARTE – O NOSSO PARTIDO E A NOSSA LUTA NO MUNDO – 2 horas
14.º) – O nosso Partido no mundo. Os povos e governos que ajudam a nossa luta. A ajuda de África. Os países vizinhos. Os países socialistas ajudam os que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anticolonialistas do mundo. Sua existência e países que ajudam os colonialistas portugueses.
13.º) – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO].
IV PARTE – O JURAMENTO DO COMBATENTE. EXPLICAÇÃO
Explicação do juramento do combatente das FARP.
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. últimop poste desta série > 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3258: PAIGC: Instrução, táctica e logística (16): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Itinerários de abastecimento (A. Marques Lopes)
Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.
Em Barro, na região do Cacheu, junto à fronteira com o Senegal, o A. Marques LOpes comandou um Grupo de Combate da CCAÇ 3, constituído essencialmente por balantas. Eram os famosos Jagudis (vd. foto à esquerda; o nosso camarada é o terceiro de pé, na segunda fila, a contar da esquerda).
Foto: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.
______________________
PAIGC: Instrução, táctica e logística (17) > PROGRAMA PARA A PREPARAÇÃO DO SOLDADO DAS FARP
(Reprodução de documento, interno, do PAIGC)
POLÍTICA
I PARTE – 8 horas
1.º) – Noções breves de Geografia, História e Economia da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC e a história da luta.
- A exploração do nosso Povo pelos colonialistas portugueses. A opressão. Como se fazem a exploração e a opressão. A exploração e a opressão do nosso Povo não são do interesse do povo português. Distinção entre o povo português e colonialismo português. [negrito e itálico meus - A. Marques Lopes]
2.º) – A condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do mundo. O direito do nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.
3.º) – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição da construção do Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.
4.º) – A unidade do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da Defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e unidade do Povo da Guiné e de Cabo Verde.
5.º) – Necessidade da preparação do Povo para a luta. Necessidade da mobilização. Necessidade de organização e de direcção.
6.º) – O PAIGC, partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. História breve do Partido e da luta. No Partido estão os melhores filhos do nosso Povo. Porque é que o Partido é a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.
7.º) – Hoje, o nosso Partido tem milhares de membros. O amor do Povo ao Partido é a sua força principal. O Partido é o representante legítimo do nosso Povo. A direcção do Partido é a direcção legítima do nosso Povo.
8.º) – A direcção do Partido. O Comité Central. Quem escolhe o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.
9.º) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a autocrítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negativa. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.
10.º) – O que é um responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um responsável.
II PARTE – 10 horas
11.º) – PROGRAMA DO PARTIDO
a) A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A liberdade como condição da felicidade do Povo. A INDEPENDÊNCIA.
b) A necessidade de defender permanentemente a independência depois de conquistada. A proibição das bases militares.
c) Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e Progresso para todos.
(...)
f) Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade dos povos (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.
g) Como devem ser respeitados os estrangeiros que respeitam o Povo e as Leis.
h) A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade da alfabetização das massas. A necessidade da escolarização e todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade de criação de escolas primárias, escolas técnicas, liceus e universidades. Necessidade do desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.
i) Necessidade de todo o povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas são inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.
j) Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia da independência económica e do neocolonialismo.
l) Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com a propriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.
m) Necessidade do desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.
n) Necessidade do desenvolvimento da indústria e do artesanato.
o) O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do comércio.
p) Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.
q) Necessidade de uma defesa nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das Forças Armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina das Forças Armadas. A fidelidade e a submissão das Forças Armadas à direcção política.
r) Unidade Africana. Razões. Condições.
s) Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se essa colaboração: respeito da soberania nacional, respeito da integridade territorial, não agressão, não intervenção nos assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens, coexistência pacífica.
III PARTE – O NOSSO PARTIDO E A NOSSA LUTA NO MUNDO – 2 horas
14.º) – O nosso Partido no mundo. Os povos e governos que ajudam a nossa luta. A ajuda de África. Os países vizinhos. Os países socialistas ajudam os que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anticolonialistas do mundo. Sua existência e países que ajudam os colonialistas portugueses.
13.º) – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO].
IV PARTE – O JURAMENTO DO COMBATENTE. EXPLICAÇÃO
Explicação do juramento do combatente das FARP.
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. últimop poste desta série > 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3258: PAIGC: Instrução, táctica e logística (16): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Itinerários de abastecimento (A. Marques Lopes)
Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71
Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > Memórias Literárias da Guerra Colonial > 9 de Outubro de 2008 > 19h00 > Apresentação, pelo seu autor, António Brito, do romance Olhos do Caçador, inspirado na experiência da guerra colonial em Moçambique (1969/71). Lídia Jorge, a consagrada escritora de A Costa dos Murmúrios (1988), recebeu com entusiasmo esta primeira (e até agora única) obra do António Brito, no programa Câmara Clara, RTP2, de Paula Moura Pinheiro, na edição de 24/2/08, que foi justamente dedicada à literatura da guerra colonial (com a co-participação de Carlos Matos Gomes).
Biografia do autor, de acordo com a sua página pessoal na Internet:
(i) António Brito nasceu em 21 de Novembro de 1949 na aldeia de S. Fagundo, concelho de Tábua, distrito de Coimbra;
(ii) É um self made man: Aos onze anos foi viver para Lisboa, onde "foi operário na construção civil, trabalhou numa oficina de carpintaria e foi engraxador nas ruas";
(iii) Aos dezoito anos, em 1968, alistou-se nas tropas pára-quedistas, onde permaneceu quatro anos;
(iv) Mobilizado para Moçambique, combateu nalgumas das mais importantes operações militares contra a FRELIMO (1969/71);
(v) De novo em Lisboa, foi trabalhador-estudante: "Nos primeiros anos, durante o dia, trabalhou como gerente de supermercados e inspector de vendas numa multinacional; durante a noite, estudou no liceu até à conclusão do 12º Ano";
(vi) Entrou para a Faculdade de Direito de Lisboa, onde concluiu a licenciatura em Direito na área de Ciências Jurídico-Económicas;
(vii) "Foi director de multinacionais com responsabilidade nacional e internacional, formador de marketing certificado pelo IEFP, consultor de gestão e organização de empresas. Integrou cursos e estágios de formação dentro e fora do país";
(viii) Colaborou em jornais de Moçambique e Portugal, escreveu para televisão, e publicou o romance Olhos de Caçador, baseado nas sua vivência de África e da guerra colonial´(Sextante, Lisboa, 2007; 2ª edição, 2008).
Título: Olhos de caçador
Autor: António Brito
Editora: Sextante
Local: Lisboa
Ano: 2007
Nº pp.: 406
Preço: 17,00 euros
Sinopse (de acordo com a página do autor)
"O livro Olhos de Caçador tem por protagonista um soldado do exército português chamado Zé Fraga, mobilizado para a guerra colonial em Moçambique. Com um passado de contrabandista e passador de emigrantes na fronteira com Espanha, vivia de expedientes e pequenos golpes, até ao dia em que é preso, alistado e mobilizado compulsivamente.
"Zé Fraga é um rebelde que escarnece da autoridade, da obediência à lei e do respeito pela propriedade alheia. Recusa fazer o serviço militar e viver dentro do seu apertado sistema de regras. Quer continuar a ser um homem livre, sem freio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se fascinado pela possibilidade de descobrir um mundo de horizontes sem fim, que só a mobilização para África lhe pode proporcionar.
"Mulherengo, brigão, malandro, Zé Fraga é um sedutor, fazendo relacionamentos e amizades com facilidade. Tendo vivido do contrabando nas serranias das Beiras, ludibriando a GNR e a Guardia-Civil, esse passado rústico de regulares confrontos com a autoridade, vai fazer dele o soldado mais adaptado que todos os outros à dureza do mato africano, sendo temido pelo inimigo, e uma referência de coragem e liderança para os soldados da Companhia".
Vd. tamnbém entrevista com o autor (Ficheiro áudio: 4' 34'') (adicionado por Terraweb)
no programa de Ana Aranha > À Volta dos Livros > Antena Um
Biografia do autor, de acordo com a sua página pessoal na Internet:
(i) António Brito nasceu em 21 de Novembro de 1949 na aldeia de S. Fagundo, concelho de Tábua, distrito de Coimbra;
(ii) É um self made man: Aos onze anos foi viver para Lisboa, onde "foi operário na construção civil, trabalhou numa oficina de carpintaria e foi engraxador nas ruas";
(iii) Aos dezoito anos, em 1968, alistou-se nas tropas pára-quedistas, onde permaneceu quatro anos;
(iv) Mobilizado para Moçambique, combateu nalgumas das mais importantes operações militares contra a FRELIMO (1969/71);
(v) De novo em Lisboa, foi trabalhador-estudante: "Nos primeiros anos, durante o dia, trabalhou como gerente de supermercados e inspector de vendas numa multinacional; durante a noite, estudou no liceu até à conclusão do 12º Ano";
(vi) Entrou para a Faculdade de Direito de Lisboa, onde concluiu a licenciatura em Direito na área de Ciências Jurídico-Económicas;
(vii) "Foi director de multinacionais com responsabilidade nacional e internacional, formador de marketing certificado pelo IEFP, consultor de gestão e organização de empresas. Integrou cursos e estágios de formação dentro e fora do país";
(viii) Colaborou em jornais de Moçambique e Portugal, escreveu para televisão, e publicou o romance Olhos de Caçador, baseado nas sua vivência de África e da guerra colonial´(Sextante, Lisboa, 2007; 2ª edição, 2008).
Título: Olhos de caçador
Autor: António Brito
Editora: Sextante
Local: Lisboa
Ano: 2007
Nº pp.: 406
Preço: 17,00 euros
Sinopse (de acordo com a página do autor)
"O livro Olhos de Caçador tem por protagonista um soldado do exército português chamado Zé Fraga, mobilizado para a guerra colonial em Moçambique. Com um passado de contrabandista e passador de emigrantes na fronteira com Espanha, vivia de expedientes e pequenos golpes, até ao dia em que é preso, alistado e mobilizado compulsivamente.
"Zé Fraga é um rebelde que escarnece da autoridade, da obediência à lei e do respeito pela propriedade alheia. Recusa fazer o serviço militar e viver dentro do seu apertado sistema de regras. Quer continuar a ser um homem livre, sem freio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se fascinado pela possibilidade de descobrir um mundo de horizontes sem fim, que só a mobilização para África lhe pode proporcionar.
"Mulherengo, brigão, malandro, Zé Fraga é um sedutor, fazendo relacionamentos e amizades com facilidade. Tendo vivido do contrabando nas serranias das Beiras, ludibriando a GNR e a Guardia-Civil, esse passado rústico de regulares confrontos com a autoridade, vai fazer dele o soldado mais adaptado que todos os outros à dureza do mato africano, sendo temido pelo inimigo, e uma referência de coragem e liderança para os soldados da Companhia".
Vd. tamnbém entrevista com o autor (Ficheiro áudio: 4' 34'') (adicionado por Terraweb)
no programa de Ana Aranha > À Volta dos Livros > Antena Um
Guiné 63/74 - P3282: O meu baptismo de fogo (5): Mansoa, 1968, ouvindo a irritante costureirinha (Paulo Raposo)
Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1968 > O Alf Mil Raposo, de óculos escuros, com o Furriel Ribas, à sua esquerda, e alguns soldados, observando uma giboia morta perlas NT.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados
1. Amigos e camaradas:
Deixem-me recuperar, do nosso blogue, I Série, este poste do nosso querido amigo e camarada Paulo Raposo que tem estado em blackout total há meses... Julgo que continua lá para o seu Alentejo profundo, na Herdade da Ameira...
Confesso que não sei por que raio comecei a usar, nesse já saudoso blogue (onde tudo começou... por volta de Abril de 2005), a numeração romana que ninguém entende, nem os romanos nem eu próprio...Aqui fica o poste, o nº 733 (*)...
Recorde-se que que o Paulo fazia parte do grupo dos baixinhos de Dulombi, juntamente com o Rui Felício, Victor David e o Jorge Rijo, todos eles Alf Mil da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852... Creio que é a única unidade que tem reunidos, na nossa Tabanca Grande, todos os seus antigos Alf Mil... São, além disso, um grupo de amigos do peito, que se encontram, com regularidade, com as respectivas caras metade... Ou já não é tanto assim, meu caros Paulo, David, Rui e Jorge ?
Devo ainda recordar que o Paulo foi o organizador do I Encontro Nacional da nossa Tabanaca Grande (nessa altura, Outubro de 2006, ainda e tão só Tertúlia)... Quero dizer ao Paulo que estamos com saudades dele... E daqui vai um grande Alfa Bravo, para ele, esperando que os negócios hoteleiros lhe estejam a correr bem... Prometo um belo dias destes fazer-lhe uma visita. Ando há tempos passar um fim de semana em Montemor-O-Novo, uma terra que merece bem uma visita prolongada pelo seu património, pelas suas gentes hospitaleiras, pela sua programação cultural e... pela sua gastronomia. L.G.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados
1. Amigos e camaradas:
Deixem-me recuperar, do nosso blogue, I Série, este poste do nosso querido amigo e camarada Paulo Raposo que tem estado em blackout total há meses... Julgo que continua lá para o seu Alentejo profundo, na Herdade da Ameira...
Confesso que não sei por que raio comecei a usar, nesse já saudoso blogue (onde tudo começou... por volta de Abril de 2005), a numeração romana que ninguém entende, nem os romanos nem eu próprio...Aqui fica o poste, o nº 733 (*)...
Recorde-se que que o Paulo fazia parte do grupo dos baixinhos de Dulombi, juntamente com o Rui Felício, Victor David e o Jorge Rijo, todos eles Alf Mil da CCAÇ 2405 / BCAÇ 2852... Creio que é a única unidade que tem reunidos, na nossa Tabanca Grande, todos os seus antigos Alf Mil... São, além disso, um grupo de amigos do peito, que se encontram, com regularidade, com as respectivas caras metade... Ou já não é tanto assim, meu caros Paulo, David, Rui e Jorge ?
Devo ainda recordar que o Paulo foi o organizador do I Encontro Nacional da nossa Tabanaca Grande (nessa altura, Outubro de 2006, ainda e tão só Tertúlia)... Quero dizer ao Paulo que estamos com saudades dele... E daqui vai um grande Alfa Bravo, para ele, esperando que os negócios hoteleiros lhe estejam a correr bem... Prometo um belo dias destes fazer-lhe uma visita. Ando há tempos passar um fim de semana em Montemor-O-Novo, uma terra que merece bem uma visita prolongada pelo seu património, pelas suas gentes hospitaleiras, pela sua programação cultural e... pela sua gastronomia. L.G.
VI parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 18-22.
Mansoa: Baptismo de fogo (*)
O sacrifício era muito. Vou contar uns episódios dos muitos que por lá passámos:
(i) Após a nossa chegada a Mansoa, foi-nos distribuído o material de guerra. Já armados, fomos para uma bolanha, nome que se dava a um grande charco de água, que enchia com a chuva.
Esta bolanha ficava para além de uma companhia de balantas, que fazia a protecção do nosso quartel. Naquela zona de Mansoa, sair fora do arame farpado tinha riscos.
Este exercício tinha como objectivo habituarmo-nos a estar debaixo de fogo. Deita-se um grupo de combate, e por cima deste, faz-se fogo.
Aconteceu que logo no primeiro exercício, quando estava o primeiro grupo de combate deitado, há um disparo que sai mais baixo e vai ferir em ambas as pernas um soldado. Depressa foi chamada uma viatura, para o levar rapidamente para o Hospital. Para aquele rapaz, a comissão terminou ali.
Este acidente foi muito desmoralizante para os restantes e mais nenhum outro exercício foi feito. Perguntei-me nessa altura como iria sair dali.
(ii) Um belo dia o meu grupo de combate estava encarregue de levar e proteger os homens que iam limpar do capim uma faixa grande de ambos os lados da estrada. Assim evitávamos que tivessemos emboscadas coladas à picada.
Dirigimo-nos para o local de trabalho em duas viaturas. Parámos precisamente no sítio aonde tínhamos terminado o trabalho no dia anterior, ou seja ainda na zona já descapinada.
Quando parámos, saltaram do capim alguns elementos IN para a estrada. Fizemos fogo, eles fugiram e não responderam. Se tivéssemos parado 50 metros mais à frente, tínhamos caído na emboscada.
Recuperados da emoção, os homens começaram o seu trabalho e eu dirijo-me para um tronco de árvore, que estava caído, para me sentar. Ao aproximar-me do tronco, este mexe-se. Era uma gibóia, com sete metros de comprido. Enfiei-lhe um carregador em cima e ela continuava bem viva. O Cabo enfermeiro Luís, agarra num tronco de um ramo verde, e, pondo-se à frente dela, bate-lhe continuamente na cabeça, até a cobra se ver perdida.
Uma vez perdida, morde-se a ela própria, para não se humilhar à mão do enfermeiro Luís.
(iii) Durante as muitas operações de patrulhamento que fazíamos, tivemos numa delas o nosso baptismo de fogo.
Depois de termos passado o dia a andar, paramos para passar a noite. Íamos a nível de companhia. Ao levantarmo-nos, de madrugada, iniciámos o regresso. Estava muito húmido.
Por cima de nós estava o PC em DO para controlar a nossa progressão.
O PC era o nome que dávamos ao Posto de Comando e o DO era um monomotor da Força Aérea, mais precisamente DO-27. Em determinadas operações um posto de comando era enviado para controlar a progressão da força no terreno, e para ter a certeza que esta atingia o objectivo da operação.
Era a maneira evoluída e mais humana do que se fazia nas guerras convencionais de trincheira.
Quando se pretendia fazer um avanço em linha nas forças inimigas a estratégia era a seguinte:
A artilharia bombardeava durante três dias as trincheiras inimigas, para as aniquilar fisicamente, criar um clima de terror e de ansiedade no inimigo, destruindo-o psicologicamente também, dado que não tinham descanso naqueles dias. De seguida dava-se ordem às nossas tropas para avançarem. Imediatamente a artilharia passava a bombardear as nossas trincheiras, para ter a certeza que ninguém ficava para trás.
Hoje, do ponto de vista comercial, os técnicos das mais avançadas empresas de Sillicon Valley dizem:
- Obtem-se o que se inspecciona, não o que se espera.
Este assunto já vem descrito na Sagrada Bíblia. Só depois do dono da seara mandar aparelhar o cavalo, é que as cotovias dizem umas para as outras:
- Agora sim, irmãs, é hora de irmos embora. - Mandar os criados : não basta, é preciso acompanhá-los.
De repente ficámos debaixo de um grande tiroteio, com a irritante costureirinha, assim lhe chamavamos, à PPSH do inimigo, a bater por cima de nós. Era uma arma automática, que tinha uma maneira muito característica de fazer fogo.
Instala-se a surpresa e o medo. Quando a nossa resposta se inicia, o medo desaparece, passamos a dominar a situação, e vá de levantar e sair rapidamente da zona de morte. Depois de tanto barulho, tiros e granadas, pensamos que haverá alguns mortos e feridos. Nada disso. Nada aconteceu. Nossa Senhora vai-nos protegendo.
Quando isto acontece na segunda vez notamos que é quase impossível haver vítimas e é então que se instala a confiança.
Havia pois três períodos distintos durante a Comissão: O primeiro, o da chegada, era o do medo do desconhecido, o medo de não sabermos controlar as situações que nos apareciam. O segundo era o da auto confiança, em que nos considerávamos os maiores. Nada nos intimidava. O terceiro era a fase final. Era o pior pois a pouco tempo do embarque e já com a comissão prestes a acabar, tínhamos medo que algo nos acontecesse. Era a fase do tirem-me daqui.
(iv) Todos os dias havia uma coluna que ia a Bissau e que era acompanhada por um grupo de combate para protecção dos carros. Na volta a coluna formava-se junto ao Hospital Militar.
Sempre que eu ia a Bissau costumava subir à enfermaria dos oficiais para saber se lá estava alguém conhecido. Numa dessas vezes entro e vejo um rapaz amigo, o Alvarez. Tinha entrado comigo para Mafra. Naquela altura, ele tinha um DKW que se via aflito para subir a ladeira de Cheleiros [, estrada de acesso a Mafra].
Era Alferes dos Comandos e, numa operação no Sul, contou-me ele, ia em terceiro lugar e deu de caras com o inimigo, num trilho. Depois da troca de tiros, há uma granada de bazuca do inimigo que explode nas árvores e os estilhaços choveram sobre ele.
Coitado, estava todo esburacado. Depois de várias operações, ficou bom e é hoje um dos melhores comandantes da TAP. Já tive a sorte de voar com ele uma vez.
____________
Nota de L.G.:
Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 18-22.
Mansoa: Baptismo de fogo (*)
O sacrifício era muito. Vou contar uns episódios dos muitos que por lá passámos:
(i) Após a nossa chegada a Mansoa, foi-nos distribuído o material de guerra. Já armados, fomos para uma bolanha, nome que se dava a um grande charco de água, que enchia com a chuva.
Esta bolanha ficava para além de uma companhia de balantas, que fazia a protecção do nosso quartel. Naquela zona de Mansoa, sair fora do arame farpado tinha riscos.
Este exercício tinha como objectivo habituarmo-nos a estar debaixo de fogo. Deita-se um grupo de combate, e por cima deste, faz-se fogo.
Aconteceu que logo no primeiro exercício, quando estava o primeiro grupo de combate deitado, há um disparo que sai mais baixo e vai ferir em ambas as pernas um soldado. Depressa foi chamada uma viatura, para o levar rapidamente para o Hospital. Para aquele rapaz, a comissão terminou ali.
Este acidente foi muito desmoralizante para os restantes e mais nenhum outro exercício foi feito. Perguntei-me nessa altura como iria sair dali.
(ii) Um belo dia o meu grupo de combate estava encarregue de levar e proteger os homens que iam limpar do capim uma faixa grande de ambos os lados da estrada. Assim evitávamos que tivessemos emboscadas coladas à picada.
Dirigimo-nos para o local de trabalho em duas viaturas. Parámos precisamente no sítio aonde tínhamos terminado o trabalho no dia anterior, ou seja ainda na zona já descapinada.
Quando parámos, saltaram do capim alguns elementos IN para a estrada. Fizemos fogo, eles fugiram e não responderam. Se tivéssemos parado 50 metros mais à frente, tínhamos caído na emboscada.
Recuperados da emoção, os homens começaram o seu trabalho e eu dirijo-me para um tronco de árvore, que estava caído, para me sentar. Ao aproximar-me do tronco, este mexe-se. Era uma gibóia, com sete metros de comprido. Enfiei-lhe um carregador em cima e ela continuava bem viva. O Cabo enfermeiro Luís, agarra num tronco de um ramo verde, e, pondo-se à frente dela, bate-lhe continuamente na cabeça, até a cobra se ver perdida.
Uma vez perdida, morde-se a ela própria, para não se humilhar à mão do enfermeiro Luís.
(iii) Durante as muitas operações de patrulhamento que fazíamos, tivemos numa delas o nosso baptismo de fogo.
Depois de termos passado o dia a andar, paramos para passar a noite. Íamos a nível de companhia. Ao levantarmo-nos, de madrugada, iniciámos o regresso. Estava muito húmido.
Por cima de nós estava o PC em DO para controlar a nossa progressão.
O PC era o nome que dávamos ao Posto de Comando e o DO era um monomotor da Força Aérea, mais precisamente DO-27. Em determinadas operações um posto de comando era enviado para controlar a progressão da força no terreno, e para ter a certeza que esta atingia o objectivo da operação.
Era a maneira evoluída e mais humana do que se fazia nas guerras convencionais de trincheira.
Quando se pretendia fazer um avanço em linha nas forças inimigas a estratégia era a seguinte:
A artilharia bombardeava durante três dias as trincheiras inimigas, para as aniquilar fisicamente, criar um clima de terror e de ansiedade no inimigo, destruindo-o psicologicamente também, dado que não tinham descanso naqueles dias. De seguida dava-se ordem às nossas tropas para avançarem. Imediatamente a artilharia passava a bombardear as nossas trincheiras, para ter a certeza que ninguém ficava para trás.
Hoje, do ponto de vista comercial, os técnicos das mais avançadas empresas de Sillicon Valley dizem:
- Obtem-se o que se inspecciona, não o que se espera.
Este assunto já vem descrito na Sagrada Bíblia. Só depois do dono da seara mandar aparelhar o cavalo, é que as cotovias dizem umas para as outras:
- Agora sim, irmãs, é hora de irmos embora. - Mandar os criados : não basta, é preciso acompanhá-los.
De repente ficámos debaixo de um grande tiroteio, com a irritante costureirinha, assim lhe chamavamos, à PPSH do inimigo, a bater por cima de nós. Era uma arma automática, que tinha uma maneira muito característica de fazer fogo.
Instala-se a surpresa e o medo. Quando a nossa resposta se inicia, o medo desaparece, passamos a dominar a situação, e vá de levantar e sair rapidamente da zona de morte. Depois de tanto barulho, tiros e granadas, pensamos que haverá alguns mortos e feridos. Nada disso. Nada aconteceu. Nossa Senhora vai-nos protegendo.
Quando isto acontece na segunda vez notamos que é quase impossível haver vítimas e é então que se instala a confiança.
Havia pois três períodos distintos durante a Comissão: O primeiro, o da chegada, era o do medo do desconhecido, o medo de não sabermos controlar as situações que nos apareciam. O segundo era o da auto confiança, em que nos considerávamos os maiores. Nada nos intimidava. O terceiro era a fase final. Era o pior pois a pouco tempo do embarque e já com a comissão prestes a acabar, tínhamos medo que algo nos acontecesse. Era a fase do tirem-me daqui.
(iv) Todos os dias havia uma coluna que ia a Bissau e que era acompanhada por um grupo de combate para protecção dos carros. Na volta a coluna formava-se junto ao Hospital Militar.
Sempre que eu ia a Bissau costumava subir à enfermaria dos oficiais para saber se lá estava alguém conhecido. Numa dessas vezes entro e vejo um rapaz amigo, o Alvarez. Tinha entrado comigo para Mafra. Naquela altura, ele tinha um DKW que se via aflito para subir a ladeira de Cheleiros [, estrada de acesso a Mafra].
Era Alferes dos Comandos e, numa operação no Sul, contou-me ele, ia em terceiro lugar e deu de caras com o inimigo, num trilho. Depois da troca de tiros, há uma granada de bazuca do inimigo que explode nas árvores e os estilhaços choveram sobre ele.
Coitado, estava todo esburacado. Depois de várias operações, ficou bom e é hoje um dos melhores comandantes da TAP. Já tive a sorte de voar com ele uma vez.
____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXIII: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (6); Mansoa, baptismo de fogo
Guiné 63/74 - P3281: Gloriosos malucos das máquinas voadoras (7): Desfazendo equívocos (Alberto Branquinho)
1. Mensagem de Alberto Branquinho, com data de 7 de Outubro:
Caros Editores:
Venho chamar a vossa atenção para a necessidade que eu sinto de que seja publicado o mail que enviei em 1OUT2008 ( "A propósito do Post 3259 de 1OUT2008" ), pois, como verificarão, nele sou pessoal e directamente interpelado (mesmo com pontos de interrogação) pelo Jorge Félix. Tenho que dar resposta pública também para não ficarem equívocos, mesmo na cabeça dele (principalmente no que respeita ao meu ponto iv).
A única correcção a esse meu mail é a seguinte - o Post 3226, nele mencionado, não é do Luis Graça mas do próprio Jorge Félix (no final do qual está o comentário do Torcato Mendonça).
O que me incomoda mais é que eles falam de gente, nomeadamente de uma mulher, que eu não conheço.
Um abraço e agradecimentos
Alberto Branquinho
2. Mensagem do Alberto Branquinho, de 7 de Outubro:
Caros Editores:
Porque sou directamente interpelado, venho solicitar a publicação da resposta/esclarecimento ao Post 3259 de 1OUT2008, de Jorge Félix, no sentido de evitar equívocos (*).
(i) Eu sabia que o Honório voava Dornier, até porque voei com ele, como consta do Blogue, nesse tipo de aeronave.
(ii) Sabia que o Honório nunca voou FIAT. Relendo agora o meu Post 3224 de 22SET2008, reconheço que possa ter ficado a ideia de que eu pensava que o Honório voava esta aeronave, mas o que eu quis transmitir foi que a tropa, que o idolatrava, pensava isso, quando via um Fiat voado em voo picado. (Só podia ser pilotado pelo Honório...)
(iii) Sempre pensei que ele voou T6 e não me enganei. A minha afirmação constante do Post 3232 de 24SET2008 foi reacção à leitura de textos posteriores ao meu inicial, cuja leitura me tinha, então, deixado dúvidas.
(iv) Quanto ao "incómodo" causado pela utilização das palavras "preto" e "mulato" no meu Post 3224 de 22SET2008 (que constam da redacção de um diálogo REAL entre soldados da minha Companhia), só o encontrei num comentário do Torcato Mendonça ao Post 3226 do Luis Graça, também sobre o Honório (e a Força Aérea). Creio que foi essa a razão por que o próprio Luis Graça criou um outro Post (3232 de 24SET2008), no qual transcreveu o referido comentário e o texto que, entretanto, eu tinha enviado e onde apresentava as minhas explicações.
Toda e qualquer interpretação ou conclusão para além do que atrás vai escrito (principalmente quanto à matéria do ponto iv) só pode ser consequência de equívoco, possivelmente resultante de leitura apressada dos Posts acima mencionados.
Um abraço para todos
Alberto Branquinho
________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes desta série:
23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3232: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (2): O Honório, meu amigo (Torcato Mendonça / Alberto Branquinho)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)
26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3245: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (4): Honório, o cow-boy dos ares (José Nunes)
30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)
1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)
Caros Editores:
Venho chamar a vossa atenção para a necessidade que eu sinto de que seja publicado o mail que enviei em 1OUT2008 ( "A propósito do Post 3259 de 1OUT2008" ), pois, como verificarão, nele sou pessoal e directamente interpelado (mesmo com pontos de interrogação) pelo Jorge Félix. Tenho que dar resposta pública também para não ficarem equívocos, mesmo na cabeça dele (principalmente no que respeita ao meu ponto iv).
A única correcção a esse meu mail é a seguinte - o Post 3226, nele mencionado, não é do Luis Graça mas do próprio Jorge Félix (no final do qual está o comentário do Torcato Mendonça).
O que me incomoda mais é que eles falam de gente, nomeadamente de uma mulher, que eu não conheço.
Um abraço e agradecimentos
Alberto Branquinho
2. Mensagem do Alberto Branquinho, de 7 de Outubro:
Caros Editores:
Porque sou directamente interpelado, venho solicitar a publicação da resposta/esclarecimento ao Post 3259 de 1OUT2008, de Jorge Félix, no sentido de evitar equívocos (*).
(i) Eu sabia que o Honório voava Dornier, até porque voei com ele, como consta do Blogue, nesse tipo de aeronave.
(ii) Sabia que o Honório nunca voou FIAT. Relendo agora o meu Post 3224 de 22SET2008, reconheço que possa ter ficado a ideia de que eu pensava que o Honório voava esta aeronave, mas o que eu quis transmitir foi que a tropa, que o idolatrava, pensava isso, quando via um Fiat voado em voo picado. (Só podia ser pilotado pelo Honório...)
(iii) Sempre pensei que ele voou T6 e não me enganei. A minha afirmação constante do Post 3232 de 24SET2008 foi reacção à leitura de textos posteriores ao meu inicial, cuja leitura me tinha, então, deixado dúvidas.
(iv) Quanto ao "incómodo" causado pela utilização das palavras "preto" e "mulato" no meu Post 3224 de 22SET2008 (que constam da redacção de um diálogo REAL entre soldados da minha Companhia), só o encontrei num comentário do Torcato Mendonça ao Post 3226 do Luis Graça, também sobre o Honório (e a Força Aérea). Creio que foi essa a razão por que o próprio Luis Graça criou um outro Post (3232 de 24SET2008), no qual transcreveu o referido comentário e o texto que, entretanto, eu tinha enviado e onde apresentava as minhas explicações.
Toda e qualquer interpretação ou conclusão para além do que atrás vai escrito (principalmente quanto à matéria do ponto iv) só pode ser consequência de equívoco, possivelmente resultante de leitura apressada dos Posts acima mencionados.
Um abraço para todos
Alberto Branquinho
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes desta série:
23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3232: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (2): O Honório, meu amigo (Torcato Mendonça / Alberto Branquinho)
24 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3234: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (3): O Honório que eu conheci... em Luanda (Joaquim Mexia Alves)
26 de Setembro de 2008 Guiné 63/74 - P3245: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (4): Honório, o cow-boy dos ares (José Nunes)
30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3256: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (5): Lembrando o Ten Pil Av Bettencourt (Henrique Matos)
1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)
terça-feira, 7 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3280: O meu baptismo de fogo (4): Como fui praxado e bem praxado na BA12, em Bissalanca, em Setembro de 1968 (Jorge Félix)
Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis,
BA 12, Bissalanca,
1968/70,
hoje residente em Braga
(Cortesia do blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74)
1. Mensagem de Jorge Félix, com data1 de Outubro de 2008:
Assunto - O meu baptismo de guerra (*)
Caro Carlos, este foi o meu primeiro, contado "40 anos depois"...
Em 23 de Setembro de 1968 "encerra-se a presente caderneta, em virtude do seu titular marchar para a BA12, conforme O.S. da D.S.P de 26 de Julho de 68".
Em 28 de Setembro já voava para Catió, pelo que a minha viagem para Bissalanca deve ter sido no dia 25.
Para fazer uma rendição individual, eu mais o Alf Pinto - já falecido - tínhamos o Ten Ruana e Ten Arada ao fundo das escadas do avião que nos transportou, montados no jipe que nos transportava na placa de Bissalanca.
O comportamento, um tanto ou quanto estranho, só o percebi alguns meses depois, quando soube o que significava a palavra "apanhado pelo clima". Apeados no Biafra, assim se chamava o Bar dos pilotos em Bissalanca, foi ter que beber, até que todos os pilotos residentes nos tivessem cumprimentado e desejado boa estadia, num local que com certeza nós "iríamos gostar muito" (sic).
Depois de devidamente apresentados, zarpámos para Bissau. A praxe continha uma visita guiada à noite da "enigmática cidade". Ao longe escutavam-se uns sons parecidos com os foguetes amorteirados das nossas aldeias. Aquilo visto de perto é que tem piada.
Eu e o Pinto, já etilicamente tratados, a tudo dizíamos sim, a tudo com respeito olhávamos. A todos éramos apresentados, com a devida bebida a acompanhar, para selar a amizade.
Regressados à Base, até à cama fomos transportados. Bem, tinha que ser. Da maneira em que nos encontrávamos não seria fácil descobrir o local onde as camas estavam quanto mais as camas.
- Durmam bem, até amanhã ! - e ali ficámos.
Eu, num quarto sozinho, sentia um fortíssimo cheiro a Lion Brand , um antirrepelente para mosquitos, O silêncio era negro, o calor doentio, a casa de banho ficava muito,muito longe. O melhor era contar carneiros e tentar adormecer.
Foi o que aconteceu. Passados algum tempo de eu ter adormecido já sonhava com a guerra. Rebentamentos por cima da minha cabeça, ruídos fortíssimos esventravam as paredes e porta do quarto, tiros e luzes fortes queimavam o meu quarto, até que. Fui acordado por gritos aflitos de um companheiro que tentava apagar o incêndio que já ia avançado do tapete, ateado por verylights que tinham sido mandados para dentro do quarto.
Acordado, reconheci o som de latas e garrafas rolando por cima do telhado zincado. Vi na cara do Arada, Ruano, Pavão, enquanto tentavam apagar o incêndio, o medo que estava destinado a mim. Rapidamente tivemos que fugir daquele ambiente de fumo e fogo, até os bombeiros chegarem. Eu, arrastado até à rua, reclamava as minhas bolachas , o IN , todos os restantes Pilotos que praxavam os periquitos, respiravam fundo por se terem safo de um assalto que podia ter acabado mal.
Eu, sendo baptizado, nem baptizado fui.
No dia seguinte comentavam, ainda praxando:
- Se não morreste ontem, tão cedo não vais morrer!!
Jorge Félix
2. Comentário de L.G.:
Meu caro Jorge: O VB, nosso querido co-editor, deu o mote, e eu lancei o desafio. Como foi isso, pá, a "primeira vez" do guerreiro ?... Uns pensavam que se borravam todos, outros que ficariam impávidos e serenos, metidos na vala ou abrigados atrás do bagabaga... Julgo que a situação da "primeira vez", o nosso baptismo de fogo, dá pano para mangas, dá histórias e estórias... E todos os registos são possíveis, dos mais dramáticos aos mais hilariantes, como o teu... Obrigado, Jorge. Vê-se mesmo que também bebeste a água da bolanha... E como o teu humor nos faz taão bem, nestes dias depressivos de outono e de maus presságios para todos nós, portugueses, guineenses, homens e mulheres de todo o mundo que apenas querem viver e trabalhar com dignidade, com decência... Imagina que hoje é o Dia Internacional do Trabalho Decente!... Um Alfa Bravo. Luís
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): O meu baptismo de fogo em Catió (Jorge Teixeira)
2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)
25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)
Ex-Alf Pilav Helis,
BA 12, Bissalanca,
1968/70,
hoje residente em Braga
(Cortesia do blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74)
1. Mensagem de Jorge Félix, com data
Assunto - O meu baptismo de guerra (*)
Caro Carlos, este foi o meu primeiro, contado "40 anos depois"...
Em 23 de Setembro de 1968 "encerra-se a presente caderneta, em virtude do seu titular marchar para a BA12, conforme O.S. da D.S.P de 26 de Julho de 68".
Em 28 de Setembro já voava para Catió, pelo que a minha viagem para Bissalanca deve ter sido no dia 25.
Para fazer uma rendição individual, eu mais o Alf Pinto - já falecido - tínhamos o Ten Ruana e Ten Arada ao fundo das escadas do avião que nos transportou, montados no jipe que nos transportava na placa de Bissalanca.
O comportamento, um tanto ou quanto estranho, só o percebi alguns meses depois, quando soube o que significava a palavra "apanhado pelo clima". Apeados no Biafra, assim se chamava o Bar dos pilotos em Bissalanca, foi ter que beber, até que todos os pilotos residentes nos tivessem cumprimentado e desejado boa estadia, num local que com certeza nós "iríamos gostar muito" (sic).
Depois de devidamente apresentados, zarpámos para Bissau. A praxe continha uma visita guiada à noite da "enigmática cidade". Ao longe escutavam-se uns sons parecidos com os foguetes amorteirados das nossas aldeias. Aquilo visto de perto é que tem piada.
Eu e o Pinto, já etilicamente tratados, a tudo dizíamos sim, a tudo com respeito olhávamos. A todos éramos apresentados, com a devida bebida a acompanhar, para selar a amizade.
Regressados à Base, até à cama fomos transportados. Bem, tinha que ser. Da maneira em que nos encontrávamos não seria fácil descobrir o local onde as camas estavam quanto mais as camas.
- Durmam bem, até amanhã ! - e ali ficámos.
Eu, num quarto sozinho, sentia um fortíssimo cheiro a Lion Brand , um antirrepelente para mosquitos, O silêncio era negro, o calor doentio, a casa de banho ficava muito,muito longe. O melhor era contar carneiros e tentar adormecer.
Foi o que aconteceu. Passados algum tempo de eu ter adormecido já sonhava com a guerra. Rebentamentos por cima da minha cabeça, ruídos fortíssimos esventravam as paredes e porta do quarto, tiros e luzes fortes queimavam o meu quarto, até que. Fui acordado por gritos aflitos de um companheiro que tentava apagar o incêndio que já ia avançado do tapete, ateado por verylights que tinham sido mandados para dentro do quarto.
Acordado, reconheci o som de latas e garrafas rolando por cima do telhado zincado. Vi na cara do Arada, Ruano, Pavão, enquanto tentavam apagar o incêndio, o medo que estava destinado a mim. Rapidamente tivemos que fugir daquele ambiente de fumo e fogo, até os bombeiros chegarem. Eu, arrastado até à rua, reclamava as minhas bolachas , o IN , todos os restantes Pilotos que praxavam os periquitos, respiravam fundo por se terem safo de um assalto que podia ter acabado mal.
Eu, sendo baptizado, nem baptizado fui.
No dia seguinte comentavam, ainda praxando:
- Se não morreste ontem, tão cedo não vais morrer!!
Jorge Félix
2. Comentário de L.G.:
Meu caro Jorge: O VB, nosso querido co-editor, deu o mote, e eu lancei o desafio. Como foi isso, pá, a "primeira vez" do guerreiro ?... Uns pensavam que se borravam todos, outros que ficariam impávidos e serenos, metidos na vala ou abrigados atrás do bagabaga... Julgo que a situação da "primeira vez", o nosso baptismo de fogo, dá pano para mangas, dá histórias e estórias... E todos os registos são possíveis, dos mais dramáticos aos mais hilariantes, como o teu... Obrigado, Jorge. Vê-se mesmo que também bebeste a água da bolanha... E como o teu humor nos faz taão bem, nestes dias depressivos de outono e de maus presságios para todos nós, portugueses, guineenses, homens e mulheres de todo o mundo que apenas querem viver e trabalhar com dignidade, com decência... Imagina que hoje é o Dia Internacional do Trabalho Decente!... Um Alfa Bravo. Luís
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): O meu baptismo de fogo em Catió (Jorge Teixeira)
2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)
25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P3279: O Nosso Livro de Visitas (32): António Manuel Mendes Rodrigues, 1.º Cabo Enf da CCAÇ 2587/BCAÇ 2885, Guiné 1969/71
1. Mensagem do nosso camarada António Rodrigues, ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2587/BCAÇ 2885, Guiné 1969/71, com data de 1 de Agosto de 2008.
Caro Luís Graça
Já há muito tempo que sou um leitor assíduo do teu/nosso blogue.
Chamo-me António Manuel Mendes Rodrigues, tenho 61 anos e estou aposentado. Trabalhava na ex-JAE (Junta Autónoma de Estradas), em Coimbra, quando esta foi extinta, passei à reforma, era assistente administrativo.
Também estive na Guiné em 1969/71, pertencia ao Batalhão dee Caçadores 2885 e estava na CCaç 2587, na zona de Mansoa e era 1.º Cabo Enfermeiro.
A partir de certa altura comecei a interesar-me e a guardar recortes de jornais e alguns livros que me chegavam à mão sobre a Guiné, (tenho pena que não fosse mais cedo) e fui pondo tudo para o monte. Depois de me reformar deu-me na cabeça de fazer um DVD da história do Batalhão, digitalizei todo o processo do Batalhão, que entretanto consegui arranjar e apliquei-lhe algumas fotografias que tinha.
Foi nesta altura que andei pelas internetes à procura de material relacionado com o Batalhão, que tive o primeiro contacto com o blogue (foi até hoje), mas sobre o Batalhão 2885 nada, mesmo sobre Mansoa pouca coisa consegui encontrar.
No principio deste ano apareceu no blogue o César Dias a perguntar pelo pessoal do Batalhão, se já tudo tinha morrido. Como já fazemos convivios a nível do Batalhão, salvo erro já vamos no 14.º, ainda hesitei em entrar em contacto com ele, porque sabia que isto nunca mais parava e como ando a tentar fazer um DVD sobre a minha cidade de Coimbra, a que chamei Coimbra antiga e onde já reuni cerca de 550 fotografias de Coimbra antiga, as mais recentes são de 1979, iria perder-me com a ligação ao blogue.
Entretanto acabei por entrar em contacto com o César Dias e o Luìs Nabais, a quem tenho mandado algumas coisas e eles têm-me instigado a falar contigo, se estarias interessado nesses trabalhos.
É nesse sentido que te mando em anexo uma pequena história da Guiné, antes da independência, poi se achares que tem interesse, vê o deves fazer.
Hoje mesmo vou mandar uma notícia que saíu num dos jornais de Coimbra ao Virginio Briote, se ele achar que a deve publicar tudo bem, já lhe mandei uma foto do granadero que ele me pediu.
Aceita as minha desculpas pelo tratamento, mas como vocês dizem no blogue toda a gente se trata por tu e por esta minha apresentação já estar muito longa.
Um abraço
António Rodrigues
2. Resposta enviada ao António Rodrigues, hoje mesmo
Caro António Rodrigues
As nossas desculpas por só agora estarmos a dar resposta à tua mensagem, mas porque a mandaste para o endereço pessoal do Luís Graça, e ele estava de férias nessa altura, ficou por lá escondida até hoje.
Deves usar preferencialmente o endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com, porque a este endereço têm acesso todos os editores do Blogue.
Em nome dos editores respondo-te, dando-te desde já as boas vindas à Tabanca Grande, onde, como sabes, temos já pessoal do teu Batalhão.
Vem a propósito dizer-te que eu próprio, melhor, a minha Companhia (CART 2732) que esteve em Mansabá entre Abr70 e Fev72, pertenceu também ao teu Batalhão, exactamente até Nov70.
Quando puderes manda as fotos da praxe (uma do tempo de tropa e outra actual, tipo passe de preferência, em formato JPEG) para seres formalmente apresentado à Tertúlia, já que no primeiro contacto és apenas considerado visita, VIP, diga-se.
A tua História da Guiné, que já espreitei, no formato em que enviaste (PP) não é muito propício para apresentar no Blogue. Terá que ser passado todo o texto para Word e as fotos exportadas para o formato JPEG. Manga de trabalho. Se um dia que estejas bem disposto, quiseres fazer isso e reenviar, nós publicaremos em dois ou três postes.
Poderás também enviar as histórias da tua guerra acompanhadas de fotos legendadas, pois como Enfermeiro terás outra visão da guerra que fizemos, mas que não foi vista nem vivida da mesma maneira por todos.
Ficamos à espera de novas notícias tuas, esperando que nos desculpes este lapso de tempo de resposta.
Recebe um abraço dos editores e de toda a tertúlia
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P3278: Tabanca de Matosinhos (3): Convite do Fernando Moita para uma incursão a Felgar, concelho de Torre de Moncorvo (José Teixeira)
1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 2 de Outubro de 2008:
Caríssimos editores.
O Moita convida e nós aceitamos o convite.
Ele quer alargar o convite, muito em especial ao Luís e co-editores e nós fazemos o convite.
Agora é só confirmar e prepararem-se para ir até Moncorvo no dia 11 - sábado
Ponto de encontro - Santuário de Nossa Senhora do Amparo, em Felgar
Fernando Moita
Telf. 279 929 155 ou Telm. 918 791 698
Junto pequeno texto sobre o Moita para publicarem se for esse o entendimento.
Fraternal abraço do
José Teixeira
A TABANCA DE MATOSINHOS VAI FAZER MAIS UMA INCURSÃO.
Por Zé Teixeira
O Fernando Moita, nascido e bem criado na freguesia de Felgar, junto a Moncorvo – Trás- os Montes, descobriu há cerca de um ano este Porto de Abrigo, em Matosinhos.
Veio experimentar, gostou e ficou. Agora sempre que pode, desce ao povoado para estar com a maralha. É sempre bem-vindo, como todo e qualquer camarada que apareça devidamente apetrechado com vontade de comer, vontade de conviver e armada do indispensável patacão.
Aproveitou para ir até à Guiné-Bissau, por ocasião do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008), matar saudades, construindo um pouco mais da sua história de vida. Foi um excelente companheiro, que o digam os camaradas de viagem. Todas as manhãs, cedinho, ligava para a Rádio do Ti João, lá na sua terrinha, onde corria o programa Como és linda, ó minha aldeia!
Foto 1 > O Moita, de camisa clara ao centro, rodeado do Paulo Santiago, Zé Teixeira, Xico Silva, João Rocha, Silvério Lobo, um camarada de Coimbra, cujo nome peço desculpa, mas não me recordo e o filho do Pires e ainda o motoqueiro que nos acompanhou em toda a viagem, a caminho da Guiné
Então, começava por transmitir as aventuras, quiçá desventuras do dia anterior. Depois armado em repórter, entrevistava o camarada que estivesse a seu lado, ou ia à pesca de algum desprevenido e lá lhe sacava a entrevista. Era um espectáculo !
Foto 2 > A felicidade do Moita ao localizar a velhinha, sua comadre, com quem conviveu em Bula, acompanhado de um dos muitos netos.
Foto 3 > A família veio toda para ficar na foto de recordação, com o Sinhor Moita
Nesta sua visita voluntária à Guiné-Bissau, ia norteado por quatro motivos base: (i) localizar uma família muito querida com quem conviveu em Bula no tempo da guerra, convivência essa que se tinha saldado por apadrinhamento de uma bebé, hoje uma senhora; (ii) o encontro com a afilhada de quem nunca mais se esquecera; (iii) o cumprimento de promessa de levar uma imagem de Nossa Senhora do Amparo, padroeira da sua aldeia, para ser colocada na Igreja de Bula; e sobretudo (iv) matar saudades do tempo que passou por lá.
Foto 4 > O Moita e o encontro com a afilhada. Que belo momento !
Foto 5 > A afilhada do Moita com a sua filhota, que o Moita quer trazer para estudar em Portugal.
Foto 6 > O Moita, em plena mata do Cantanhez, à frente do singelo monumento às vítimas das bombas de napalme que foram semeadas naquela mata, posando com um antigo guerrilheiro do PAIGC. Um encontro/ reencontro de paz.
Foto 7 > Finalmente a promessa do Moita foi cumprida. A imagem de Nossa Senhora do Amparo, transportada com todo o carinho e devoção pelo Moita desde Felgar, encontrou um altar em Bula. Testemunharam o acto o Silvério Lobo, o Álvaro Basto e o Zé Teixeira.
Creio bem que o Moita conseguiu tudo isso. No regresso era um homem feliz.
Foto 8 > A felicidade do Moita à porta da Casa Teresa para avaliar a viagem. Presentes, o Barbosa, o Xico Allen, o Álvaro Basto e o Zé Teixeira
Ultimamente o Fernando Moita andava muito triste. Queria receber pela segunda vez a Tabanca de Matosinhos na sua querida aldeia. Então, nós, adversos a tristezas, pois lá diz o ditado tristezas não pagam dívidas, decidimos fazer-lhe a vontade.
Vamos alugar um Matador e talvez uma GMC e preparamos o assalto para o dia 11 de Outubro, sábado próximo.
Ele que se prepare, com rancho melhorado, pois os camaradas da Tabanca de Matosinhos e todos quantos quiserem aparecer, vão lhe dar que fazer nesta visita à sua linda aldeia de Felgar em Moncorvo (*).
_________________
Notas de CV:
(*) Sobre Felgar:
Capela de N. Sra. do Amparo
Distância a Torre de Moncorvo: 12 km
N.º de habitantes: 1100
Área: 3623 ha
Povoações: Carvalhal, Felgar
Orago: S. Miguel.
Actividades Económicas: Agricultura, pastorícia, indústria (construção civil, extracção de inertes, mobiliário, serralharia, transformação de madeira e alimentar), comércio e serviços.
Festas e Romarias: N. Sra. do Amparo (3º domingo de Agosto), S. Sebastião (Agosto, móvel), St. Bárbara (Setembro, móvel) e St. Bárbara (Maio, móvel) em Carvalhal.
Património Cultural Edificado: Igreja matriz, capelas do Espirito Santo, de S. Lourenço, de N. Sra. do Amparo, de St. Cruz, de N. Sra. da Conceição e de St. Bárbara.
Outros locais de interesse turístico: Santuário de N. Sra. do Amparo, miradouro natural, margens do rio Sabor, praia fluvial, moinhos, ruínas da fábrica de lanifícios, forno e turismo de habitação.
OBS:- Estas e outras informações sobre Torre de Moncorvo e suas freguesias, podem ser obtidas na página da Câmara Municipal em http://www.cm-moncorvo.pt/
___________________
Vd. último poste da série Tabanca de Matosinhos de 4 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3268: Tabanca de Matosinhos (2): A Tabanca de Matosinhos mudou de abrigo (José Teixeira)
Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)
O Cor Art Ref Coutinho e Lima, espreitando por detrás de um velho Obus 11.4cm T.R. m/ 917, mais conhecido na gíria dos antigos artilheiros por Bonifácio. A foto (ccortesia do jornal Público) foi tirada na Academia Militar, Amadora, segundo informação do nosso próprio Coutinho e Lima, nosso estimado amigo, membro da nossa Tabanca Grande. Vd. artigo de Eduardo Dâmaso: Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola. PÚBLICO, Domingo, 16 de Maio de 2004. Reproduzido no nosso blogue, com revisão de L.G.: vd. poste de 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)
1. Mensagem do Coronel Art Ref Coutinho e Lima, antigo comandante do COP 5, à data de 22 de Maio de 1973
(*)
Caro amigo Luís
Assunto - A retirada de Guileje-22 Maio 1973
Junto envio um apontamento sobre o livro, que está no prelo, A RETIRADA DE GUILEJE – 22 MAIO 1973, para conhecimento dos tertulianos.
O nosso blogue é um magnífico meio de divulgar o que foram as nossas experiências em terras da GUINÉ.
Parabéns e muita força e ânimo para continuar.
Um abraço amigo do
Coutinho e Lima
2. Para os Caros tertulianos da TABANCA GRANDE
O meu livro A RETIRADA DE GUILEJE – 22 MAIO 1973 já foi entregue a: DG Edições.
A estrutura do livro é a seguinte:
Prefácio
I Parte – Da mobilização até à nomeação para o COP 5
II Parte – Comando do COP 5
III Parte – Análise e crítica do processo
IV Parte – Extra-Processo
V Parte – A retirada de GUILEJE e a Comunicação Social
VI Parte – Simpósio Internacional de GUILEDJE
Considerações Finais
Fotografias
Anexos
Logo que esteja decidida a data e local do lançamento do livro, será feito convite, por este meio, a todos aqueles que quiserem estar presentes. Nesta data, a previsão é: 2ª quinzena de Novembro ou 1ª de Dezembro, próximos.
O prefácio é do General Espírito Santo e a apresentação será feita pela Jornalista Diana Andringa e pelo General Loureiro dos Santos.
Um abraço amigo do
Coronel Alexandre Coutinho e Lima (**)
__________
Notas de vb:
(*) Coutinho e Lima, Coronel de artiharia na reforma, ingressou na Escola do Exército a 15 de Outubro de 1953; Promoção a Alferes a 10 de Setembro de 1957; Passagem à situação de reforma em 1982, como Coronel. Comissões nas antigas Províncias Ultramarinas: 3, todas por imposição, na Guiné:
1ª – Capitão, Comandante da Companhia de Artilharia nº 494. A CART 494 ocupou as seguintes posições: Ganjola (de Setembro a Dezembro de 1963); Gadamael Porto (de 17 de Setembro de 1963 a Maio de 1965);
2ª - Capitão, Adjunto de Repartição de Operações de Comando - Chefe das Forças Armadas da Guiné, em Bissau (de 24 de Julho de 1968 a 23 de Julho de 1970);
3ª – Major, em Bolama (de Setembro de 1972 a Janeiro de 1973); em Guiledje, Comandante do COP 5, de 21 de Janeiro de 1973 até 22 de Maio de 1973 (Data da retirada de Guiledje).
Prisão preventiva em Bissau, de 22 de Maio de 1973 até 12 de Maio de 1974. Auto de corpo de delito, por despacho do Sr. General António de Spínola, de 22 de Maio de 1973, com a seguinte justificação:
- Ordenou a retirada das forças sob o seu comando do quartel de Guiledje para Gadamael, sem que para tal estivesse autorizado;
- Mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições;
- Não cumpriu a missão que lhe foi atribuída.
O processo foi concluído em 10 de Abril de 1974, no Tribunal Militar Territorial da Guiné e transferido em 2 de Maio de 1974 para o 1º Tribunal Militar de Lisboa, onde se processaria o julgamento. A pena prevista para os crimes supostamente cometidos era de 6 meses a 4 anos de presídio militar. O processo foi amnistiado pelo Decreto-Lei nº 194/74 da Junta de Salvação Nacional e, por decisão unânime dos Juízes do mesmo, foi ARQUIVADO (...).
(**) Artigos relacionados em
10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local
23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima
Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Luís Graça)
Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > Memórias Literárias da Guerra Colonial > 2 de Outubro de 2008 > Conferência do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu > Apresentação do seu livro Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura ( Guerra e Paz Editores, 2007) > Na foto, da esquetrda para a direita, o autor e o anfitrião, José Paulo Sousa.
Não éramos muitos. Talvez uma dúzia, incluindo o José Paulo Sousa, o anfitrião, e a sua assistente .(Peço desculpa por não ter fixado o nome, sei apenas que nasceu na antiga Guiné Portuguesa, sendo os pais funcionários públicos). Museu-Biblioteca República-Resistência. Espaço Grandela (*). Estrada de Benfica. 419. Convenhamos que o sítio não é o mais central de Lisboa. Tramado para se estacionar. O metro mais próximo é o Alto dos Moinhos. Mesmo assim lá estivemos. O nosso blogue estava lá, se não em peso, pelo menos em maioria. Para apoiar um camarada, o António Graça de Abreu, que ia falar do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, publicado em 2007 pela Editora Guerra e Paz. Um sucesso editorial, a exigir 2ª edição.
Das nossa malta, estava lá, além do António, que trouxe o seu primo, um 1º sargento reformado da Marinha, que foi maquinista da Orion (“manga de porrada no Cacheu, nos anos de 1966 a 1968”), o Augusto Lenine (se não erro)…
- Éramos uma família nortenha, de esquerda… Tenho que aqui o meu primo, que também esteve na Guiné, e a quem o pai baptizou com o nome de Lenine…
O António (o Abreu China, de acordo o seu endereço de correio electrónico) também trouxe consigo um coronel do exército, de artilharia, reformado, o Nelson de Matos, que esteve com ele em Cufar, no CAOP 1, e na ocasião recém-promovido a major. Um homem que esteve em Caboxanque e na ocupação do mítico Cantanhez (território onde o PAIGC exerceu, de facto, a sua quase total soberania, entre 1966 e finais de 1972...).
- Era o homem que melhor conhecia o Cantanhez, reocupado por nós a partir de finais de 1972… - esclarece o António.
- Estou fora do exército há mais de trinta anos… E, de certo modo, zangado com a minha pátria. Hoje sou gestor. E passo uma larga temporada no Brasil onde os meus filhos vivem e têm negócios – confidencia-me o coronel, depois de me interrogar:
- É você que tem um blogue ?
O Fitas, claro, o Mário Fitas, não podia falar. Cufar é a sua segunda terra, e a Guiné a sua segunda pele. Recorde-se que, ele próprio, tem dois livros publicados (entre eles, a Pami Na Dono, a guerrilheira, uma notável criação da literatura da guerra colonial). Trouxe com ele um amigo de escola, paisano, a quem as histórias da Guiné e da guerra na Guiné fascinam….
Quem lá estava mais ? Sentado a meu lado, à esquerda, o Big Fernando Franco, que mora aqui ao lado, no vizinho concelho da Amadora. É o digno representante da Intendência no nosso blogue. Fez questão de frisar que a Companhia Terminal nunca teve nada a ver com o BIG. Já esclareceu isso ao telefone. Falou com o Daniel Vieira, segundo percebi.
E à minha direita, na primeira fila, ficou sentado o José Martins, outro grande companheir…aço. Aproveitou para me mostrar mais notas, frescas, sobre a misteriosa Sedengal, do subsector de Ingoré, região do Cacheu… As unidades que lá estiveram, do princípio ao fim… Os mortos, os nossos camaradas cujas vidas lá foram sacrificadas… O Zé Martins não brinca em serviço nestas coisas. Como competentíssimo técnico de contas que é, está habituado a trabalhar com uma grande massa de dados… É insubstituível, este Zé, este Gato Preto, da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70…
Também marcaram presença o Artur Conceição, que é aqui vizinho, da Damaia, Amadora. Foi homem das transmissões lá para a região de Farim. E, outra grande surpresa para mim, uma vez que não o conhecia pessoalmente, foi o Alberto Branquinho… Julgo que o António Graça de Abreu não o reconheceu. Curiosamente foi, a partir de uma observação dele, que se gerou um princípio de polémica, à volta das aeronaves abatidas pelos Strellas, em 1973…
- Houve um outro Fiat, abatido antes, em 1968, sob os céus de Gandembel – insistia o Branquinho.
- Nada disso - garantia o coronel Nelson de Matos, corroborado pelo António…
Controvérsias à parte, chegou-se rapidamente a um consenso:
- A ter sido abatido (ou caído por acidente), não o foi pelos Strella, que só apareceram de facto em 1973… - garante o António.
O José Paulo Sousa começou por explicar a origem desta iniciativa da Biblioteca-Museu, que procurou cobrir os três teatros de operações, com destaque para obras aparecidas nos últimos dez anos… Uma das questões que o intriga é a aparente ausência de obras sobre a experiência da guerra colonial em Moçambique… Esta iniciativa surgiu depois do aparecimento de um artigo do Público com referência a quatro livros recentes, dos quais de malta do nosso blogue, o António Graça de Abreu e o Mário Beja Santos… De seguida, apresentou o conferencista…
Para o António Graça de Abreu, a geração da guerra colonial, agora na casa dos 60/70 anos, tem finalmente tempo para pensar, arrumar as suas memórias, contá-las, quiçá escrevê-las… Em 1974/75, foi o silêncio… Imposto ? Auto-imposto ?
- Tive sorte em nascer em 1947… No signo no porco (shu, em chinês). É um bom signo...
Leu depois uma parte da introdução do seu livro:
"Quiseram os acasos, a sorte e o destino que a minha passagem pelos tempos finais do conflito militar se desdobrasse por três cenários de operações bem diferenciados, a região norte, em Canchungo (Teixeira Pinto), o centro, em Mansoa, e finalmente uma permanência de quase onze meses, na zona sul, em Cufar"…
Explicou-nos depois que, não tendo sido propriamente um operacional, o facto de estar integrado num Comando de Agrupamento Operacional (CAOP 1), como alferes miliciano, e de contactar todos os dias com homens e lugares onde ocorriam acções militares, permitiu-lhe “diluir-[se] no quotidiano da guerra, vivê-lo por dentro, ser testemunha e actor de um drama real que se desenrolava diante de nós, camaradas de armas e de desdita”.
Tinha já vinte e cinco anos de idade, quando foi mobilizado para a Guiné, com dois de tropa… Nunca soube (mas desconfia) do motivo por que foi mobilizado: a omnipresente PIDE/DGS sabia que ele dava aulas de português, à borla (ainda por cima!), a alentejanos e operários da Sorefame, num cooperativa da Amadora. O voluntariado, como professor, deve ter sido sinónimo de passaporte para a Guiné…
Com formação universitária, experiência de dirigente associativo (na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), e já viajado (viveu na Alemanha), decidiu escrever um diário secreto (sic) que, juntamente com as centenas de cartas e aerogramas endereçadas à companheira com quem então vivia, bem como à família e aos amigos, permitiram-lhe abalançar-se à aventura da feitura do livro a que deu o título Diário da Guiné… (A propósito, o subtítulo original era 1972/74, de imediato rejeitado pelo editor… Lama, Sangue e Água Pura foi depois a escolha final).
- Ainda pensei em “espuma das lágrimas”, mas desisti, por que me cheirava a Boris Vian (L’écume des jours, a espuma dos dias)…
Foi a publicação, em finais de 2005, do livro com os aerogramas e cartas de António Lobo Antunes escritos em Angola entre 1971 e 1973 e dirigidos à sua esposa, e que ele, António Graça de Abreu, leu de um fôlego, foi esse clique que o levou a escrever o Diário da Guiné.
Não tendo a pretensão nem a veleidade de se comparar ao grande escritor, autor de livros onde a memória da guerra colonial é omnipresente como A Memória de Elefante ou o Cu de Judas, o nosso conferencista faz questão de sublinhar que estava apenas interessado em a testemunhar uma experiência pessoal, única, intransmissível… Fez a guerra com a qual não concordava, mas sem preocupações de resistência (activa ou passiva).
- Pensei em (e tentei) escapar à tropa…Vivi na Alemanha em 1966/67… Tive uma namorada alemã. Podia lá ter ficado… Mas não, não me senti feliz. Voltei direitinho…
Confessa o seu “maoísmo idílico” (sic ) em 1969… Na altura pensava (e, de certo modo, continua a pensar) que “O poder está na ponta das espingardas” (uma típica palavra de ordem do "livrinho vermelho", tão em moda entre os maoístas, embora o António não fosse MRPP)… Havia uma onda de sinofilia, no Ocidente, nos finais da década de 1960 e princípios de 1970, na sequência da revolução cultural chineza. Não admira, por isso, que, a seguir ao 25 de Abril (tinha regressado a Portugal praticamente na véspera), dois anos depois, militante de um pequeno partido maoísta, decida conhecer a China. Uma experiência decisiva que irá marcar, para sempre, a sua vida e a sua obra literária (tem já 13 livros publicados, dos quais 4 ou 5 de poesia).
(Continua)
___________
Notas de L.G.:
(*) Leia-se o que diz o sítio da Biblioteca-Museu:
"Situado num bairro operário, do princípio deste século [XX], construído por Francisco de Almeida Grandela, o Museu da República e Resistência dedica-se ao estudo e à investigação da História Contemporânea Portuguesa, em permanente articulação com as Universidades e as Associações Culturais (...).
"No Museu encontram-se à disposição do público diversas obras e documentos que permitem um diferente olhar sobre a I República Portuguesa , para além de diversa imprensa clandestina das oposições ao Estado Novo" (...).
(**) Vd.poste de 6 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3274: Memórias literárias da guerra colonial (2): Conferência do A. Graça de Abreu: algumas fotos (José Martins)
Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > Memórias Literárias da Guerra Colonial > 2 de Outubro de 2008 > Conferência do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu > Apresentação do seu livro Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura ( Guerra e Paz Editores, 2007).
Foto e vídeo: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo (3' 55') alojado em: You Tube >Nhabijoes
Foto e vídeo: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo (3' 55') alojado em: You Tube >Nhabijoes
O poder na ponta das espingardas, segundo António Graça de Abreu > Parte I
por Luís Graça
Não éramos muitos. Talvez uma dúzia, incluindo o José Paulo Sousa, o anfitrião, e a sua assistente .(Peço desculpa por não ter fixado o nome, sei apenas que nasceu na antiga Guiné Portuguesa, sendo os pais funcionários públicos). Museu-Biblioteca República-Resistência. Espaço Grandela (*). Estrada de Benfica. 419. Convenhamos que o sítio não é o mais central de Lisboa. Tramado para se estacionar. O metro mais próximo é o Alto dos Moinhos. Mesmo assim lá estivemos. O nosso blogue estava lá, se não em peso, pelo menos em maioria. Para apoiar um camarada, o António Graça de Abreu, que ia falar do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, publicado em 2007 pela Editora Guerra e Paz. Um sucesso editorial, a exigir 2ª edição.
Das nossa malta, estava lá, além do António, que trouxe o seu primo, um 1º sargento reformado da Marinha, que foi maquinista da Orion (“manga de porrada no Cacheu, nos anos de 1966 a 1968”), o Augusto Lenine (se não erro)…
- Éramos uma família nortenha, de esquerda… Tenho que aqui o meu primo, que também esteve na Guiné, e a quem o pai baptizou com o nome de Lenine…
O António (o Abreu China, de acordo o seu endereço de correio electrónico) também trouxe consigo um coronel do exército, de artilharia, reformado, o Nelson de Matos, que esteve com ele em Cufar, no CAOP 1, e na ocasião recém-promovido a major. Um homem que esteve em Caboxanque e na ocupação do mítico Cantanhez (território onde o PAIGC exerceu, de facto, a sua quase total soberania, entre 1966 e finais de 1972...).
- Era o homem que melhor conhecia o Cantanhez, reocupado por nós a partir de finais de 1972… - esclarece o António.
- Estou fora do exército há mais de trinta anos… E, de certo modo, zangado com a minha pátria. Hoje sou gestor. E passo uma larga temporada no Brasil onde os meus filhos vivem e têm negócios – confidencia-me o coronel, depois de me interrogar:
- É você que tem um blogue ?
O Fitas, claro, o Mário Fitas, não podia falar. Cufar é a sua segunda terra, e a Guiné a sua segunda pele. Recorde-se que, ele próprio, tem dois livros publicados (entre eles, a Pami Na Dono, a guerrilheira, uma notável criação da literatura da guerra colonial). Trouxe com ele um amigo de escola, paisano, a quem as histórias da Guiné e da guerra na Guiné fascinam….
Quem lá estava mais ? Sentado a meu lado, à esquerda, o Big Fernando Franco, que mora aqui ao lado, no vizinho concelho da Amadora. É o digno representante da Intendência no nosso blogue. Fez questão de frisar que a Companhia Terminal nunca teve nada a ver com o BIG. Já esclareceu isso ao telefone. Falou com o Daniel Vieira, segundo percebi.
E à minha direita, na primeira fila, ficou sentado o José Martins, outro grande companheir…aço. Aproveitou para me mostrar mais notas, frescas, sobre a misteriosa Sedengal, do subsector de Ingoré, região do Cacheu… As unidades que lá estiveram, do princípio ao fim… Os mortos, os nossos camaradas cujas vidas lá foram sacrificadas… O Zé Martins não brinca em serviço nestas coisas. Como competentíssimo técnico de contas que é, está habituado a trabalhar com uma grande massa de dados… É insubstituível, este Zé, este Gato Preto, da CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70…
Também marcaram presença o Artur Conceição, que é aqui vizinho, da Damaia, Amadora. Foi homem das transmissões lá para a região de Farim. E, outra grande surpresa para mim, uma vez que não o conhecia pessoalmente, foi o Alberto Branquinho… Julgo que o António Graça de Abreu não o reconheceu. Curiosamente foi, a partir de uma observação dele, que se gerou um princípio de polémica, à volta das aeronaves abatidas pelos Strellas, em 1973…
- Houve um outro Fiat, abatido antes, em 1968, sob os céus de Gandembel – insistia o Branquinho.
- Nada disso - garantia o coronel Nelson de Matos, corroborado pelo António…
Controvérsias à parte, chegou-se rapidamente a um consenso:
- A ter sido abatido (ou caído por acidente), não o foi pelos Strella, que só apareceram de facto em 1973… - garante o António.
O José Paulo Sousa começou por explicar a origem desta iniciativa da Biblioteca-Museu, que procurou cobrir os três teatros de operações, com destaque para obras aparecidas nos últimos dez anos… Uma das questões que o intriga é a aparente ausência de obras sobre a experiência da guerra colonial em Moçambique… Esta iniciativa surgiu depois do aparecimento de um artigo do Público com referência a quatro livros recentes, dos quais de malta do nosso blogue, o António Graça de Abreu e o Mário Beja Santos… De seguida, apresentou o conferencista…
Para o António Graça de Abreu, a geração da guerra colonial, agora na casa dos 60/70 anos, tem finalmente tempo para pensar, arrumar as suas memórias, contá-las, quiçá escrevê-las… Em 1974/75, foi o silêncio… Imposto ? Auto-imposto ?
- Tive sorte em nascer em 1947… No signo no porco (shu, em chinês). É um bom signo...
Leu depois uma parte da introdução do seu livro:
"Quiseram os acasos, a sorte e o destino que a minha passagem pelos tempos finais do conflito militar se desdobrasse por três cenários de operações bem diferenciados, a região norte, em Canchungo (Teixeira Pinto), o centro, em Mansoa, e finalmente uma permanência de quase onze meses, na zona sul, em Cufar"…
Explicou-nos depois que, não tendo sido propriamente um operacional, o facto de estar integrado num Comando de Agrupamento Operacional (CAOP 1), como alferes miliciano, e de contactar todos os dias com homens e lugares onde ocorriam acções militares, permitiu-lhe “diluir-[se] no quotidiano da guerra, vivê-lo por dentro, ser testemunha e actor de um drama real que se desenrolava diante de nós, camaradas de armas e de desdita”.
Tinha já vinte e cinco anos de idade, quando foi mobilizado para a Guiné, com dois de tropa… Nunca soube (mas desconfia) do motivo por que foi mobilizado: a omnipresente PIDE/DGS sabia que ele dava aulas de português, à borla (ainda por cima!), a alentejanos e operários da Sorefame, num cooperativa da Amadora. O voluntariado, como professor, deve ter sido sinónimo de passaporte para a Guiné…
Com formação universitária, experiência de dirigente associativo (na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), e já viajado (viveu na Alemanha), decidiu escrever um diário secreto (sic) que, juntamente com as centenas de cartas e aerogramas endereçadas à companheira com quem então vivia, bem como à família e aos amigos, permitiram-lhe abalançar-se à aventura da feitura do livro a que deu o título Diário da Guiné… (A propósito, o subtítulo original era 1972/74, de imediato rejeitado pelo editor… Lama, Sangue e Água Pura foi depois a escolha final).
- Ainda pensei em “espuma das lágrimas”, mas desisti, por que me cheirava a Boris Vian (L’écume des jours, a espuma dos dias)…
Foi a publicação, em finais de 2005, do livro com os aerogramas e cartas de António Lobo Antunes escritos em Angola entre 1971 e 1973 e dirigidos à sua esposa, e que ele, António Graça de Abreu, leu de um fôlego, foi esse clique que o levou a escrever o Diário da Guiné.
Não tendo a pretensão nem a veleidade de se comparar ao grande escritor, autor de livros onde a memória da guerra colonial é omnipresente como A Memória de Elefante ou o Cu de Judas, o nosso conferencista faz questão de sublinhar que estava apenas interessado em a testemunhar uma experiência pessoal, única, intransmissível… Fez a guerra com a qual não concordava, mas sem preocupações de resistência (activa ou passiva).
- Pensei em (e tentei) escapar à tropa…Vivi na Alemanha em 1966/67… Tive uma namorada alemã. Podia lá ter ficado… Mas não, não me senti feliz. Voltei direitinho…
Confessa o seu “maoísmo idílico” (sic ) em 1969… Na altura pensava (e, de certo modo, continua a pensar) que “O poder está na ponta das espingardas” (uma típica palavra de ordem do "livrinho vermelho", tão em moda entre os maoístas, embora o António não fosse MRPP)… Havia uma onda de sinofilia, no Ocidente, nos finais da década de 1960 e princípios de 1970, na sequência da revolução cultural chineza. Não admira, por isso, que, a seguir ao 25 de Abril (tinha regressado a Portugal praticamente na véspera), dois anos depois, militante de um pequeno partido maoísta, decida conhecer a China. Uma experiência decisiva que irá marcar, para sempre, a sua vida e a sua obra literária (tem já 13 livros publicados, dos quais 4 ou 5 de poesia).
(Continua)
___________
Notas de L.G.:
(*) Leia-se o que diz o sítio da Biblioteca-Museu:
"Situado num bairro operário, do princípio deste século [XX], construído por Francisco de Almeida Grandela, o Museu da República e Resistência dedica-se ao estudo e à investigação da História Contemporânea Portuguesa, em permanente articulação com as Universidades e as Associações Culturais (...).
"No Museu encontram-se à disposição do público diversas obras e documentos que permitem um diferente olhar sobre a I República Portuguesa , para além de diversa imprensa clandestina das oposições ao Estado Novo" (...).
(**) Vd.poste de 6 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3274: Memórias literárias da guerra colonial (2): Conferência do A. Graça de Abreu: algumas fotos (José Martins)
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3275: Clarificar o conceito de novíssima literatura da Guerra Colonial (Beja Santos)
1. Mensagem do nosso amigo e camarada Beja Santos:
Camarada Leopoldo Amado e Queridos Amigos,
Li com muito prazer o ensaio do Leopoldo Amado em torno de alguma literatura emergente com a Guerra Colonial (*).
Sinto-me em sintonia com muitos dos pontos de vista expendidos, trago algum aditamento, na certeza certa de que o autor e todos os tertulianos anseiam para que esta problemática venha a ser desenvolvida em ulteriores investigações, seja de Leopoldo Amado ou de outros especialistas.
Primeiro, convirá distinguir a literatura publicada a “quente” ainda durante a guerra e a posteriori, daí que me parece útil clarificar o sentido de “novíssima literatura” usada pelo Leopoldo Amado.
Se é verdade que autores como Armor Pires da Mota ou Manuel Barão da Cunha escreveram durante a guerra textos ideológicos onde fazia sentido a referência à causa imperial, importa ter em conta o mais importante dos escritores desse tempo Álvaro Guerra (**) que nos seus romances e contos descreveu a guerra com outros olhos, procurando ir ao âmago da luta pela independência e dar-lhe uma interpretação. Basta ler Os Mastins e A Lebre. Álvaro Guerra foi indiscutivelmente um escritor muito apurado e com uma ideologia numa outra latitude daqueles que falavam em “turras” e “bandidos”.
Segundo, muitas das temáticas que Leopoldo Amado destaca e analisa na literatura antes do 25 de Abril vai encontrar, sem apelo nem agravo, na mais recente, escrita por combatentes que consideram que chegou a hora de pôr em cima da mesa as suas memórias, os seus relatos em detalhe ou em cinemascópio.
Há temas recorrentes como o ferido ás costas, a flagelação brutal, o camarada que nos morreu nos braços, as durezas da operação, a solidão, a emboscada sanguinolenta. Não deixa de ser altamente impressivo o quadro de sentimentos de todos os combatentes seja qual for o palco das suas lutas, em qualquer região da Guiné forçosamente os depoimentos convergem para os estados de choque, as situações delirantes, as descrições de abandono e exaustão e de profunda incerteza. Não é por acaso.
O que certamente constitui a grande diferença entre os relatos escritos na actualidade e aqueles que foram publicados durante os anos subsequentes à guerra é a distanciação. Na época era preciso contar ou para denunciar ou para exaltar: escrever era uma prática moral, não se podia esconder aos vindouros a gesta heróica ou o inferno demencial, como se estivesse a pedir uma intervenção para acabar com aquele caos. Agora, temos outro filtro do tempo, outro grau de sinceridade, outra densidade do olhar, podemos falar do nosso testemunho sem querer abrir brecha na memória dos outros, já não se procura a exemplaridade, o dado indiscutível é que vivemos e relatamos uma experiência, essa experiência é um átomo a juntar à dos outros. Um dia, o somatório possível dará ao quadro da mentalidade uma geração.
Terceiro, a vivência das tropas portuguesas e destes portugueses que escrevem como porta-vozes de múltiplos acontecimentos, carece do outro reverso da medalha: conhecer o estado de espírito dos combatentes de 1961 a 1974.
Penso que o Leopoldo Amado me dará razão, a guerra começou com Movimento de Libertação da Guiné (depois FLING), em 1961 nos ataques perpetrados no Norte (caso de S. Domingos e Susana), o PAIGC preparava-se no Sul e na região do Morés, foi uma realidade distinta, não conhecemos a literatura desses combatentes, não a podemos justapor, por ora, aos relatos dos portugueses.
Há, pois, um trabalho imenso a fazer de recuperação, de recolha de depoimentos, de um lado e de outro, é bem provável que o Leopoldo Amado esteja na primeira linha para poder investigar e prestar este relevante serviço ás nossas culturas e até mesmo ao nosso blogue.
Um abraço
Mário Beja Santos
__________
Notas de vb:
(*) Leopoldo Amado, Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras): tese de doutoramento: "Guerra Colonial da Guiné 'versus' Luta de libertação Nacional (1961 – 1974)"; membro da nossa tertúlia; editor do blogue Lamparam II.
Vd. poste de 5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)
(**) vd. poste de 28 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1323: Bibliografia de uma guerra (15): Os Mastins e o Disfarce, de Alvaro Guerra (Beja Santos)
Camarada Leopoldo Amado e Queridos Amigos,
Li com muito prazer o ensaio do Leopoldo Amado em torno de alguma literatura emergente com a Guerra Colonial (*).
Sinto-me em sintonia com muitos dos pontos de vista expendidos, trago algum aditamento, na certeza certa de que o autor e todos os tertulianos anseiam para que esta problemática venha a ser desenvolvida em ulteriores investigações, seja de Leopoldo Amado ou de outros especialistas.
Primeiro, convirá distinguir a literatura publicada a “quente” ainda durante a guerra e a posteriori, daí que me parece útil clarificar o sentido de “novíssima literatura” usada pelo Leopoldo Amado.
Se é verdade que autores como Armor Pires da Mota ou Manuel Barão da Cunha escreveram durante a guerra textos ideológicos onde fazia sentido a referência à causa imperial, importa ter em conta o mais importante dos escritores desse tempo Álvaro Guerra (**) que nos seus romances e contos descreveu a guerra com outros olhos, procurando ir ao âmago da luta pela independência e dar-lhe uma interpretação. Basta ler Os Mastins e A Lebre. Álvaro Guerra foi indiscutivelmente um escritor muito apurado e com uma ideologia numa outra latitude daqueles que falavam em “turras” e “bandidos”.
Segundo, muitas das temáticas que Leopoldo Amado destaca e analisa na literatura antes do 25 de Abril vai encontrar, sem apelo nem agravo, na mais recente, escrita por combatentes que consideram que chegou a hora de pôr em cima da mesa as suas memórias, os seus relatos em detalhe ou em cinemascópio.
Há temas recorrentes como o ferido ás costas, a flagelação brutal, o camarada que nos morreu nos braços, as durezas da operação, a solidão, a emboscada sanguinolenta. Não deixa de ser altamente impressivo o quadro de sentimentos de todos os combatentes seja qual for o palco das suas lutas, em qualquer região da Guiné forçosamente os depoimentos convergem para os estados de choque, as situações delirantes, as descrições de abandono e exaustão e de profunda incerteza. Não é por acaso.
O que certamente constitui a grande diferença entre os relatos escritos na actualidade e aqueles que foram publicados durante os anos subsequentes à guerra é a distanciação. Na época era preciso contar ou para denunciar ou para exaltar: escrever era uma prática moral, não se podia esconder aos vindouros a gesta heróica ou o inferno demencial, como se estivesse a pedir uma intervenção para acabar com aquele caos. Agora, temos outro filtro do tempo, outro grau de sinceridade, outra densidade do olhar, podemos falar do nosso testemunho sem querer abrir brecha na memória dos outros, já não se procura a exemplaridade, o dado indiscutível é que vivemos e relatamos uma experiência, essa experiência é um átomo a juntar à dos outros. Um dia, o somatório possível dará ao quadro da mentalidade uma geração.
Terceiro, a vivência das tropas portuguesas e destes portugueses que escrevem como porta-vozes de múltiplos acontecimentos, carece do outro reverso da medalha: conhecer o estado de espírito dos combatentes de 1961 a 1974.
Penso que o Leopoldo Amado me dará razão, a guerra começou com Movimento de Libertação da Guiné (depois FLING), em 1961 nos ataques perpetrados no Norte (caso de S. Domingos e Susana), o PAIGC preparava-se no Sul e na região do Morés, foi uma realidade distinta, não conhecemos a literatura desses combatentes, não a podemos justapor, por ora, aos relatos dos portugueses.
Há, pois, um trabalho imenso a fazer de recuperação, de recolha de depoimentos, de um lado e de outro, é bem provável que o Leopoldo Amado esteja na primeira linha para poder investigar e prestar este relevante serviço ás nossas culturas e até mesmo ao nosso blogue.
Um abraço
Mário Beja Santos
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Notas de vb:
(*) Leopoldo Amado, Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras): tese de doutoramento: "Guerra Colonial da Guiné 'versus' Luta de libertação Nacional (1961 – 1974)"; membro da nossa tertúlia; editor do blogue Lamparam II.
Vd. poste de 5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)
(**) vd. poste de 28 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1323: Bibliografia de uma guerra (15): Os Mastins e o Disfarce, de Alvaro Guerra (Beja Santos)
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