1. Quinta de Candoz, Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses > 29 de Agosto de 2011 > Há coisas no campo que não nos passam pela cabeça na cidade... E vice-versa. Nada como estar de férias (sem ser "turista, estúpido em férias") e ter tempo para as pequenas coisas da natureza que são sempre pequenas grandes maravilhas...
Quando se está de férias, sem relógio, sem a pressão dos horários (logo sem o constrangimento do tempo, que é o principal factor de stresse na cidade grande), aguçam-se e usam-se os cinco sentidos: (i) vê-se o nascer do sol por trás da serra, (ii) ouve-se o chilrear dos pássaros (o melro, o rouxinol, o gavião, o corvo, a andorinha, o pombo bravo, o mocho...), (iii) cheira-se o perfume da terra que é diferente com as chuvas de verão, (iv) apalpa-se os dourados e opulentos cachos de uvas do vinho verde (com as suas diferentes castas: o pedernã, o azal, o avesso, o loureiro, que a primeira vindima é já 6ª feira próxima...), (v) degusta-se o pão de milho e o anho com arroz de forno (que os portugueses, injustamente, não quiseram eleger como uma das 7 maravilhas gastronómicas desta terra maravilhosa onde nascemos)... (LG)
Foto: © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados
1. Em vias de se esclarecer a foto-mistério do poste anterior (*), deixo-vos mais um desafio, no âmbito do nosso descomprometido passatempo de verão... Este é aparentemente mais fácil:
Qual é a coisa qual é ela ? (Vide foto supra)...
Julgo que desta vez a resposta é mais fácil e rápida... Se o Kanguru Light (a minha internet móvel, passe a publicidade) for mais lesto (o que duvido) do que vocês, estarei à noite, ou amanhã de manhã, à espera dos vossos palpites...
Entretanto, ando a tentar descobrir por que raio é que o novo modo de edição de mensagens do Blogger não está a funcionar, impossibilitando-nos, a nós, pobres editores em férias, de manter o blogue actualizado como é habitual...
E tudo isto enquanto o serviço se vai acumulando, para desespero do Carlos Vinhal, e os leitores vão perdendo a paciência, habituados que estão a terem sempre entre 5 a 8 postes novos, fresquinhos, por dia... Desde Abril de 2004, este é o nº 8712...
Espero, enfim, que nos desculpem qualquer coisinha... Temos, além disso, livro de reclamações...E, já agora, se permitem, deixem-se "recitar" um dos meus textos poéticas, a que eu chamo as minhas "blogarias", escrito o ano passado em dia de namorados... Vem a propósito da aqui falada oposição campo/cidade... LG
2. História (de)vida: Vila, vida, com o mar em frente, entre cabeços
(Para a Alice, companheira de meia vida)
Luís Graça
A vida no campo não era vida,
Não era a vida a vila,
A cidade, o campo.
Nem as tuas leiras,
Os teus solcacos,
Os teus montes.
Não era a vida devida.
Querida,
Esperada,
Sonhada.
Mas o que é a vida,
Meu bem ?
Pensando bem,
A vida no campo até tem
Ou tinha
O seu lado terno,
Ma non troppo.
Eu gostava do campo,
Nas férias grandes,
Do ar puro dos pinhais e eucaliptais
Que faziam bem aos pulmões,
Dizia o João Semana
Lá na minha terra,
Bacharel de medicinas
E de ervas medicinais.
Em contrapartida,
Odiava a colher de pau,
O óleo de fígado de bacalhau.
E as bolas de carne em sangue
Enroladas em açúcar,
Metidas pela goela abaixo.
Lembrar-me-iam mais tarde a guerra,
E a anatomia dos corpos
E a fisiologia do horror.
Temia, sobretudo,
E temia que me pelava,
As bruxas, à noite,
Debaixo dos lençóis.
Ele há coisas na vida do campo
Que eu nunca saberia explicar.
A lufa-lufa, a
freima,
Os grandes trabalhos colectivos,
A ceifa,
Os miasmas das doenças,
O trabalho de sol a sol,
Trabalhar que nem um mouro,
Trabalhar que nem um boi,
Trabalhar que nem um galego,
Trabalhar que nem preto.
Temia a pata dos poderosos.
E dos seus cavalos e dos seus mastins.
Não, nunca trabalhei no campo.
Mas gostava da vida no campo
Onde não vivi.
Nasci ao som dos moínhos de vento
E do gemido nas redes dos barcos à vela.
Gosto do campo,
Quando o sol nasce,
Quando o sol se põe.
Tenho um pensamento piedoso
Para a parteira que me aparou.
E para o padre que me baptizou.
E para a professora que me ensinou
A ler, escrever e contar.
E me levou a primeira vez
À cidade.
Grande.
Gosto do campo,
Não sendo camponês
Como tu foste camponesa.
O campo,
A vindima,
A colheita,
O riacho,
As pedras no leito do rio,
O inverno,
A invernia,
O cheiro a estrume,
As batatas com pele,
A febre dos fenos,
Os amores ardentes,
Os colchões de palha,
A lareira no inverno,
Os lençóis de linho,
As tamancas,
As sardas escaladas,
As miúdas de sardas
E ranho no nariz,
Os carapaus secos,
A raia cozida,
A esterqueira,
A neve que nunca vi,
A matança do porco…
Ah! A matança do porco do teu imaginário,
Que o melhor era a bexiga do porco
Para os putos que nada sabiam da vida,
Nem das suas sete partidas.
Nem da guerra anunciada.
Para os putos jogarem à bola,
Os pés descalços
No campo da debulhadora do trigo.
A dois quilómetros da vila.
No Nadrupe.
Na Quinta do Bolardo.
No fundo, o que sabias tu da vida ?
O que sabes ?
Não é preciso ser bem pensante,
Que a vida é mal passada,
Pensada,
Prensada,
Uff! Puxá vida!
Na cidade,
Na vila,
Ou na cidade e no campo
A vida, a vila, é apenas
A estratégia da aranha,
A cilada da morte.
Por tédio,
Asfixia,
Overdose,
Aflição,
Desassossego,
Insónia,
Erosão,
Irrisão,
Depressão da paisagem
Por montes e vales.
A via estreita da vida na vila no campo
Ou na cidade.
A erecção.
A evicção.
A força centrífuga da morte
Na curva da vida.
Mal pensada a coisa
Da vida indevida,
Vida de cão na cidade das sete vidas,
Sete Colinas,
Capital,
Capitólio,
Tudo somado igual
A sete fôlegos de gato
No sobe e desce do bairro,
Entre o pau e o fogo da lareira.
Trespassa-se a vida,
Traspassa-se o corpo,
Trapaça de vida,
Em vila sossegada com vista de mar.
Prensa prensada puxada
Bem parecida a vida na vila,
Apetecida,
No campo de cebolas do talho
Que se comiam em azeite e sem alho.
Na tua terra, Candoz.
Na terra de todos nós,
O Portugal de lés a lés.
Pensando nos parentes embarcados,
Nos Brasis, nas Terras Novas,
Ganhando o pão que o diabo amassava.
Ou nos filhos mobilizados,
Feitos soldados,
P'ras guerras do império.
Índia, Angola, Moçambique, Guiné…
A malga do vinho tinto verde
Entre os camponeses do norte.
O pão, o centeio, o milho,
A casa farta,
A mesa farta,
O presunto,
O salpicão,
A salgadeira que mata.
Alguém sabia lá da cartografia da morte
No Cacheu, ou no Oio, ou no Cantanhez ?!
O sal,
O colesterol,
A tensão essencial,
A vidinha.
Pior é a saudade que rói e que mata.
E agora que não há razões para pensar
Que a vida no campo é
O corpo de delito,
Eu grito
Que a vida está pela hora da morte
Vida, morte,
ex-exaequo,
Tensão,
Macho e fêmea,
Misógina a cidade,
Macho, marialva, o campo
Ou o pré-conceito
da minha civilização judaico-cristã.
Saudades ?
A vida no campo era bem passada
Como o bife ao domingo,
Que tu ganhavas fazendo o pino
No Talho do Xico.
No tempo em que a vida no campo ou vila,
Que diferença!,
Era a tua infância.
Vida, vila com o mar em frente,
Entre cabeços.
As Berlengas ao fundo.
A eterna errância
Do mundo.
Foi lá que te vi,
Foi lá que te conheci.
Luís Graça > Blogpoesia (2010)
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Nota do editor:
Último poste da série > 27 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8710: Fotos à procura de... uma legenda (9): Foto-mistério, do álbum de Luís Graça