domingo, 17 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11269: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (29): 30.º episódio: Memórias avulsas (11): O porquê do abandono do K3

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 12 de Março de 2013, enviou-nos esta história de arrepiar, infelizmente não singular, para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

11 - DEIXEM QUE RECORDE MÁGOAS E EXPLIQUE O PORQUÊ DE ABANDONAR O K3

Foi-me dada a ordem para ir emboscar num local onde só deveria ser preparada tal operação, com um efectivo mínimo humano, equivalente ao d'uma Companhia (O Sr Cmdt Batalhão o dissera) e não apenas com nove homens tantos quantos constituíamos a Secção de Morteiros.

A comunicação foi-me imposta directamente pelo, DESDE HÁ DUAS HORAS, Cmdt Companhia, cargo que ocupou dado o desaparecimento físico do Senhor Capitão, vitimado que fora por traiçoeira mina comandada.

Revoltei-me inicialmente, dados os riscos e o possível desastre, mas acatei e cumpri, como não podia deixar de ser, não sem que antes recordasse a determinação superior de que "nos carreiros não menos de 150 homens a emboscar".

A progressão enviesada através da mata fez-se após preparada com redobrados cuidados. Chegados ao local, dispus as tropas em presença, ao longo de mais ou menos 50 metros e ladeando o objectivo, que ficava perpendicular à estrada que fazia a ligação do e para o K3.

Talvez uma hora depois, o "vigia" mais afastado, veio rastejando até mim e segreda-me:
- É pá, vem ali uns "zaravultos" e não são tão poucos como isso.

Desloquei-me lá e apesar da copiosa chuva, do nevoeiro e da mata cerrada, confirmei que na verdade, havia movimentações ali a 100 metros e que apesar da forma cuidadosa na deslocação, iriam cair na boca do lobo.

Alterei de imediato o dispositivo antes montado, de forma a constituir nova zona de morte para quem lá vinha (o inimigo decerto, ou muito provavelmente).

Pelas experiências antes vividas, foi minha convicção que após aí entrados, não mais de lá sairiam para contar como fora.

Passados foram minutos terríveis, os dedos já tremiam nos gatilhos, e se não liquidámos o 2º Pelotão da nossa CCAÇ 1422, foi porque ouvi do lado de lá:
- Oh Veríssimo... NÃO DISPARES... SOU EU O MACEDO.

Acontecera que, no aquartelamento e após acalorada discussão (ao que soube mais tarde), aquele Senhor Alferes Miliciano também sabedor da ordem dos 150, tomara a iniciativa de ir colaborar e ajudar no nosso regresso, não sem que antes tivesse a autorização do mandante, arrancada a ferros, dizem.

(Este acontecimento doía-me cá dentro há 47 anos mas penso que desta vez lá se vai tal "fantasma")

Crente não fui ou sou, mas naquele dia e àquela hora, Deus passou por ali, materializado naquela voz:
"OH VERÍSSIMO NÃO DISPARES"

Barro > Uma emboscada montada pela CCAÇ 3
Foto: © A. Marques Lopes. Todos os direitos reservados.

Contei metade? Está contado.

Ponderadamente pensei depois, qual a atitude a tomar e decidi ser preferível e aproveitando a oportunidade dum pedido de voluntários para a constituição duma 3ª CCOM/QG, oferecer-me para tal, em vez de continuar ali onde agora teria de, para além de combater o IN, também combater ordens como a daquele terrível dia 12 de Junho de 1966.

Só que não me foi fácil desistir daqueles camaradas e amigos... da minha 1422 que ajudara a preparar desde o RI 15... que comandei no desfile antes do embarque no Niassa e que fazia parte agora da minha família.

(continua)
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11229: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (28): 29.º episódio: Memórias avulsas (10): Ninguém me ama

Guiné 63/74 - P11268: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (41): O Chissóia e tantos outros que fomos obrigados a abandonar

 

1. Em mensagem do dia 21 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), volta a aflorar o doloroso fim de muitos dos camaradas africanos que lutaram ao nosso lado e que foram abandonados à sua sorte aquando da independência dos territórios ultramarinos.



O Chissóia

Este título encabeçava um texto que me foi enviado, há já algum tempo, via mail, por um amigo de longa data que reside, há anos, para lá da outra margem do Atlântico. Logo pensei escrever sobre tão desgraçado tema; eu estava, porém, assoberbado com outro longo assunto… trabalho do dia-a-dia, e o tempo foi passando, inexoravelmente.

Como assunto escreveu: “Homenagem de gratidão ao Chissóia e a tantos outros que fomos obrigados a abandonar”. “Malhas que o Império teceu”!

Faço agora duas perguntas:
- Quem terá sido obrigado a abandonar?
2ª - Foi obrigado por quem?

De seguida relata: extraído do livro "Quinda" de Carlos Acabado, da coleção Império, nº 3.
Mais abaixo, transcreve algumas passagens das páginas do autor acima referido, narrando um pouco da vida dos Chissóias, pai e filho

O progenitor fez-se pisteiro e caçador de elefantes - saber de experiência feito - para proteger (e não só) as culturas do povo da sua aldeia que - sabe-se lá porquê - ficavam na zona de passagem dos paquidermes, à procura da água do rio Lungwebungo, destruíam ou danificavam seriamente, em trânsito, as lavras dos seus vizinhos; com os seus estragos lançavam às malvas o trabalho estrénuo de meses. Destruídas as culturas, o povo pagava as favas… com meses de fome.

Ao mesmo tempo que protegia as sementeiras do seu povo, o pai Chissóia acompanhava também os abastados colonos da região na caça aos elefantes; a carne, às toneladas, era distribuída pela população da aldeia de Lucusse; apenas os dentes, depois de extraídos dos maxilares - tarefa de que o pai Chissóia, de bom grado, se encarregava - eram entregues aos colonos que haviam abatido os animais de… tromba.

Naqueles tempos conturbados - estávamos no início da Guerra Colonial - um grupo de gente armada, pessoas desconhecidas naquela aldeia, entrou em Lucusse para conversar com o soba. Perante a “incompreensão” daquela autoridade gentílica e até de alguma pretensa e/ou manifesta “hostilidade”, o chefe do bando armado, sem mais delongas, e perante a população aterrorizada, fuzilou o soba por ser um “chefe corrupto”; o velho Chissóia foi também barbaramente abatido, por ser “lacaio dos colonialistas”.

O filho Chissóia fugiu à pressa, embrenhando-se na selva protetora e conseguiu chegar a pé, são e salvo, à capital do distrito; procurou o chefe militar português a quem transmitiu a malvada notícia. De seguida, um destacamento militar fixou-se na aldeia e o jovem Chissóia foi colaborador dos militares, ficando para “sempre” ligado à nossa tropa; os seus conselhos e atuação eram cada vez mais imprescindíveis. Veio a ser condecorado com a Cruz de Guerra, por atos heróicos em combate, e, durante a cerimonia, ouviu do general que lha colocou no peito:
- Portugal sente orgulho por ter filhos como tu.

Os anos passaram… lentos; chegou a não menos sangrenta fase de transição para a independência; de novo ocorreram os ajustes de contas, talvez ainda em maior quantidade e, por certo, também mais atrozes.

Alguns elementos da aguerrida equipa de Chissóia foram selvaticamente abatidos; as chacinas generalizaram-se; outros companheiros, porém, tiveram tempo de se proteger na mata, às escondidas, com elevadíssimo risco, mantinham contacto com o chefe.

O Chissóia conseguiu chegar ao comando militar da zona, onde um “tenente de barbas”, depois de saber o seu nome, lhe transmitiu que isso “tinha de acontecer aos lacaios do imperialismo e traidores do povo”. O indígena sentiu o mundo cair dos eixos sobre a sua cabeça; ficou descoroçoado!

No Comando Militar, ele pensava ser absolutamente protegido; afinal ouviu do tal ”tenente de barbas” o mesmo que disseram ao seu pai antes de o fuzilarem: 
- Lacaio dos colonialistas.

Ao seu interlocutor, um militar da FAP, o Chissóia, incrédulo, referiu: 
- Mas, no caso do meu pai, os matadores eram negros… um tenente branco, ao serviço do Exército Português, não podia dizer-me o mesmo! Será que já fui riscado do rol dos portugueses para ser livremente abatido pelos africanos independentistas?!

Solicitou ao mesmo interlocutor o especial favor de, em meio aéreo, o colocar - bem como à sua família ali presente e mais duas mulheres - em determinada pista militar próxima da fronteira e já abandonada; dali eles partiriam, através da mata, ao encontro dos seus companheiros que haviam conseguido debandar antes de serem abatidos. Tinha a certeza que um dos “movimentos” estaria disponível para aproveitar a sua experiência e o seu saber fazer. Com desmedido perigo para as duas partes envolvidas na arriscada viagem, até à dita pista, o Chissóia foi ali colocado e, em poucos segundos, despareceu no soturno silêncio da brava selva africana que a todos, irmãmente, protege.

No dia seguinte, ao proceder-se à limpeza habitual do aparelho voador, alguém encontrou, por baixo do banco usado pelo Chissóia, uma Cruz de Guerra com a qual aquele herói tinha sido agraciado, anos antes. Tê-la-á perdido involuntariamente? Ou terá sido abandonada intencionalmente? Só ele e Deus o sabem. Aquela condecoração poderia ser um elemento comprometedor, pois confirmaria a sua íntima e longa ligação às Forças Armadas Portuguesas.

E mais não disse!

Como português, fiquei profundamente magoado - e como me doeu! - por ficar a saber (aliás já sabia de acontecimentos semelhantes) que alguns portugueses, embora de cor (o que nada significa) fossem maltratados, molestados, abatidos, selvaticamente chacinados, sendo tão portugueses como nós.

Quem assim agiu ou permitiu que se obrasse seria português apenas no BI ou até talvez isso; no coração a nacionalidade seria outra.

Neste momento, apetece-me perguntar às chefias, aos responsáveis no terreno, daquela época:
- Quantos Chissóias criámos nos três teatros de operações durante os longos e funestos anos da nossa guerra do Ultramar, para, no fim, serem cobardemente abandonados à sua triste sina?

A nova força africana... O major Fabião, na altura (1971/73) comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.
Autor da foto: desconhecido. (Reproduzidas com a devida vénia)

Guiné-Bissau > Região Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1970 > Pel Caç Nat 54 >
Foto: © Mário Armas de Sousa (2005). Todos os direitos reservados.
 
Militares da 1ª Companhia de Comandos Africanos, comandada pelo Capitão João Bacar Djaló
Foto retirada do nosso Blogue - Poste 6149

Estou a escrever para um blogue de ex-combatentes da Guiné. A esses eu pergunto de outro modo:

- Quantos Malans viveram, lutando sabiamente, corajosamente, lado a lado connosco, como portugueses de rija têmpera? O seu sangue, independentemente da cor da pele, que nada importa, era tão rubro, tão português como o nosso!

Quem saberá informar o que, na verdade aconteceu aos valorosos e portuguesíssimos militares do célebre Batalhão de Africanos, aquartelado em Bissau?

Citei o nome Malan, não só por ser comum na Guiné, mormente entre os mandingas, mas principalmente porque era o nome do brioso, ousado e valente guia da nossa gloriosa CCaç 675; no fim da Guerra terá sido cobardemente abandonado à sua sorte e veio a ser desumanamente fuzilado (sem qualquer sombra de julgamento) no Senegal onde se refugiara, tentando fugir ao destino que lhe traçaram.

Antes da Guerra, por ser muito conhecido e benquisto na região de Farim, o PAIGC tentou arrebanhá-lo. Impossível! O seu puro portuguesismo não o permitia!

Profundo conhecedor da maior parte do território a norte do Cacheu e de boa parte do Oio tornou-se guia da CCaç 675, a primeira companhia a sediar-se em Binta, que ficava a escassa meia dúzia de quilómetros da sua aldeia natal, Genicó Mandinga. Esta tabanca fora incendiada pelos independentistas, bem no início da Guerra e a mãe do guia foi ali cruamente abatida, porque o filho, o nosso querido Malan, não aceitou bandear-se.

Foi uma figura marcante, preponderante, e a ele devemos uma boa parte dos extraordinários sucessos operacionais da sua e nossa CCaç 675.

Com o acordo do então comandante da companhia, eu tentei conseguir, no QG, em Bissau, a necessária autorização para que o Malan pudesse vir passar seis meses na Metrópole, a expensas nossas; o Governo Português apenas seria sobrecarregado com as viagens de ida e volta em navios de transporte da tropa. O requerimento foi indeferido, alegadamente, por “motivos operacionais”. Nada mais se podia fazer!

Nos últimos dias de 1964, o indómito capitão Tomé Pinto decidiu “invadir e destruir” a base de Sambuiá, sita na Península com o mesmo nome (Península porque ficava entre os rios Sambuiá e Malibolon que são tributários do Cacheu); esta era sem dúvida a base inimiga mais poderosa a Norte do Cacheu. Deste modo, o nosso ilustríssimo capitão pretendia vingar a morte do furriel Vilhena Mesquita, abatido pelo rebentamento de uma poderosíssima mina anticarro, no dia 28 de Dezembro de 1964. Já em Janeiro de 1965, a bordo de um Dornier, o Cap. Tomé Pinto fez o reconhecimento aéreo da dita península.

O piloto Honório, homem já muito experimentado nestas andanças apercebendo-se das enormes movimentações de combatentes fortemente armados, perguntou:
- Que efetivos vão atuar nesta zona?
- A minha companhia! - Respondeu secamente o nosso valente comandante.
- Apenas uma companhia? Isso é uma temeridade!

No dia 5 de Janeiro, a CCaç 675, reforçada com alguns homens da frágil guarnição de Guidage (havia ali apenas um pelotão) calcorreou livremente (quase) aquela Península de lés-a-lés; o sucesso da operação só não foi estrondoso (como previsto) porque algo muito grave aconteceu; o Pelotão de Morteiros 980, a quem cabia a missão de proteger (impedir a fuga) a ponte de Malibolon sofreu um gravíssimo revés: um terrível naufrágio em que oito militares, na flor da idade, perderam ingloriamente as suas vidas nas revoltas águas turvas do Cacheu. Assim aquela ponte ficou sem vigilância e foi por ali que os “corajosos” donos da Guerra da base de Sambuiá se escapuliram apressadamente, antes que fosse tarde, colocando-se a seguro em terrenos próximos de Bigene ou no Senegal, ali ao lado.

Anos mais tarde, houve nova tentativa de aniquilar aquela base. O General Spínola apareceu a meio da operação para transmitir mais confiança às tropas. O governador ficou tão agradado coma a atuação do nosso guia, Malan Sissé, que de seguida o galardoou com o Prémio Governador da Guiné - um mês de férias na Metrópole (no Puto).

Os africanos beneficiários daquela benesse ficavam instalados no DGA e faziam ma série de visitas programadas para ficarem a conhecer os locais e os monumentos mais significativos da História de Portugal.
Ao segundo dia da sua estada em Lisboa, o nosso famoso guia foi “raptado” no DGA; durante uma semana ficou “adido” em minha casa; depois andou de mão em mão, sempre acompanhado pelos seus indefetíveis amigos da CCaç 675. Voltou ao DGA na véspera do seu embarque de regresso à Guiné.

Mal tu imaginavas, meu caro Malan, depois de tantos sacrifícios, tanta guerra, tanta manifestação de puro portuguesismo, que virias a ter o mesmo trágico e cobarde fim de tantos outros Malan's... e Chissóia's.

Ficam as perguntas atrás formuladas. Quem saberá responder convenientemente?

A todos um alfa bravo muito cordial neste início de novo ano (já vai ficando velho) de 2013.

Fevereiro 2013
BT
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 10 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11228: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (40): O sr. Dr. Matos

Guiné 63/74 - P11267: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (4): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes VII/VIII): Mampatá, nov / dez 1968, e Chamarra, jan 1969



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CCAÇ 2381 (1968/70) > Rescaldo do ataque á tabanca, à hora do almoço, no dia 3/11/1968. A utilizaçºão de balas incendiárias provocou a destruição de 11 moranças



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CCAÇ 2381 (1968/70) > O José Teixeira, à direita com a  "Maimuna, companheira de todos os momentos".


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2005). Todo os direitos reservados .


1. Continuação da (re)publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf José Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) (*):

Mampatá, 1 de Novembro de 1968

Comemoro seis meses que saí da Mãe Pátria. O "Bandido" quis entrar na festa e veio fazer uma visita a Mampatá. Ontem cerca das 20 horas, com seis canhões sem recuo e um morteiro, fez um belo festival nocturno enviando-nos 112 canhoadas que não causaram danos físicos nem materiais. Ripostamos com o 81 e, mal o inimigo cessou o fogo, os meus colegas e alguns soldados da Milícia saíram na sua perseguição, sem resultado porque o IN pôs- se de imediato em fuga.

Note-se a diferença de capacidade bélica. Eles trazem todo este material às costas. Isto é demais…

Fui procurado pela irmã mais velha da Fámara Baldé. Trazia-me a sua filha com oito meses que estava doente. Tinha Paludismo e estava a entrar na fase crónica, de que quase todos os adultos de raça africana sofrem. Os que conseguem escapar na sua fase mais aguda. A criança apresentava-se muito magra, com 42 graus de temperatura, diarreia e vomitava tudo o que mamava, nem forças tinha para chorar. Acabava de chegar do Hospital de Bissau, segundo me disse a mãe a chorar, sem esperança.
Todos os dias de manhã tinha sua visita.
─  Fermero parti-me mézinho para minina, na tem febre e bariga ramassa

Que fazer? Eu que apenas tinha aprendido a tratar feridos da guerra! Estes poucos meses de Guiné ensinaram-me a lutar contra o paludismo nos meus colegas e nos adultos africanos com bons resultados, mas nunca tinha deparado com uma situação tão delicada.

Pedi-lhe para voltar mais tarde que ia pensar o que fazer para salvar a bébé. Para combater o paludismo nos adultos servia-me de um antipalúdico injectável misturado com outro injectável para prever a reacção negativa do coração. Então pensei que, injectando na bebé umas milésimas destes dois produtos, talvez salvasse a criança.

Ontem assim fiz, com todo o cuidado, no posto de socorros ao ar livre, no coberto da casa da Answar. A reacção só se fez sentir cerca de um quarto de hora depois com um pulsar acelerado do coração e um avermelhamento da face. Depois a aceleração aumentou, os olhos dilataram-se e a menina ficou estática por duas ou três horas. Que momentos de ansiedade para mim e para aquela mãe que me confiou a sua filha. Esta chorava e dizia:
─  Tu mataste minina! ─ . Eu pedia-lhe para ter calma e apelava para todos os Santos. Por fim a aceleração do coração começou a baixar e temperatura registou 39 graus. Estava ganha a vida da criança. Abraçamo-nos a chorar um ao outro e a mãe ofereceu-me a menina para minha mulher quando fosse grande.

Ao fim do dia deixei-a levar a menina para a tabanca e chorei sozinho de alegria. Hoje voltou para me dizer que a minina ká na tem xoro, já não vomitou a mamada .[A recuperação foi de cerca de oito dias. Daí em diante, todos os dias a mãe trazia-me a menina: - Tua mudjer vem parte mantanhas (cumprimentar)].

Trazia-me água fresca numa cabaça, que ia buscar à bolanha a uma nascente de que se servia também o IN. (Que riscos por minha causa). Trazia-me cachos de bananas e eu tinha de todas as noites ao passar para o meu abrigo ir parte mantanhas ... à minha mulher. Se não o fizesse, a mãe chamava:
─  Fermero tu não vens ver tua mudjer e parte mantanhas a ela !

Dizia-me muitas vezes que quando eu viesse para a Metrópole tinha de trazer a minha mudjer.

Assim foi até sair de Mampatá. Tornei-me um visitante da família Baldé. Fámara, Binta Auá e Answar. A mãe era uma velhinha que só falava o seu dialeto e o pai tinha-as abandonado suponho que era gila ( contrabandista) ou IN.

[Foto à esquerda: o Zé Teixeira, em 2011, no Cantanhez]

Mampatá, 3 de Novembro de 1968

O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos "Amarelos de Mampatá" pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá.

De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN a tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário, o Régulo Alfero Aliu (Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa.

Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos cara.

Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou.

Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com "eles" junto ao arame com fogo cerrado. Chegamos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha mausers a tentarem forçar a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois… foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção. Segui-se o “chocolate” do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou.

Onze moranças ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN contava ter muito que fazer com os feridos,  talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro (apenas 2 sacos de soro).

Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista, susto e prejuízos materiais. Graças a Deus.

Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas ? Ataque combinado ? Notámos que o “catequista” muçulmano saiu de manhã cedo para a bolanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes [José] Belo depois de saber a sua ausência.

Novo ataque de. . . formigas. Dormia a bom dormir depois de uma ronda de duas horas pelos postos de sentinela. Um colega dá um grito: Aiiiiiiiii. Logo de seguida, eu, e os outros dois colegas saltamos da cama pensando que era mais uma visita do IN. Aconteceu-nos exactamente o mesmo que aos colegas do posto do morteiro. Estávamos todos cravados de formigas e o chão era um autêntico tapete preto. Iniciamos logo o combate dirigido por mim pois já tinha experiência da sessão anterior com o Rio Maior.

Quem não gostou foi Djaló, pois a palhota dele sofreu um ataque di branco e ficou sem palha. Foi a única maneira de matarmos as formigas e podermos continuar a dormir descansados.

Foi aqui que pude apreciar a sua capacidade organizativa. Com a bota esmagava um grupo delas e logo as mais fortes se dirigiam para o local fazendo como que um cerco de protecção. Mais tarde nas minhas experiências pude verificar que,  ao interromper uma a fila de formigas, todo o grupo parava até vinte / trinta metros à frente e rectaguarda e iniciavam de imediato o envolvimento à zona afectada seguindo à frente as mais fortes.


[Foto à direita: O regresso do Zé Teixeira, em 2005... Estrada Quebo-Mampatá]



Mampatá, 5 de Novembro de 1968

Atacaram Gandembel com o Morteiro 120 e,  às 3 horas da matina, Ponte Balana acordou debaixo de manga de chocolate (fogo intenso). Não sabemos se houve acidentes pessoais.

Parece incrível que a zona do Corubal que, segundo dizem é das mais lindas e mais ricas da Guiné, se encontre mal defendida. Há lá uma tabanca onde só existem três armas antigas, canhangulos. Da última vez que o IN a visitou, a população fugiu para o mato e eles entraram à vontade, roubaram o gado e incendiaram as tabancas.

Mampatá , 29 de Dezembro de 1968

Há uns tempos que não pego no Diário. Senti-me por uns tempos desorientado, mas agora estou melhor. Habituei-me ao ambiente e às situações que tenho de viver  ─ estou em guerra ─ e tudo se tornou mais fácil, apesar de começar a não entender a razão desta guerra. A população quer paz para viver e nós, ao estarmos cá, trazemos-lhe a guerra. E de facto a guerra continua, mas a situação nesta área está mais calma e a relação com os povos locais  ─ Fulas Mandingas, Fula Futas e Balantas  ─ é excelente. Estou a gostar de viver aqui.

A bajuda Jobo Ansato (Joaninha, como eu lhe chamo), começou há tempos a ter um comportamento diferente para comigo. Várias vezes me ofertou fruta, chama-me muitas vezes à noite para a porta do abrigo subterrâneo onde dorme, gosta de conversar comigo e fica ciumenta quando me vê a conversar com outras bajudas. Com a Fámara, por exemplo, que é a jovem mais linda que eu vi em toda a minha vida. Eu, embora notasse essa mudança, não conseguia compreender a sua razão de ser.

Ontem, como tantas outras vezes fui até à sua tabanca e a conversa virou para os feridos de guerra as doenças da população e a acção dos enfermeiros e fiquei espantado ao ouvi-la dizer dizer:
─  No último taque di bandido eu ver Tixera ir por Tabanca, baixo di fogo perguntá tudo dgente si ká na firido. A mim nesse dia ficá manga di contente com Tixera. Tixera i amigo di Africano.

Para meu espanto verifico que foi a partir da data do último ataque que sofremos que se deu esta mudança no seu comportamento. Como uma simples acção no cumprimento do meu dever pode influir tanto na maneira de pensar e agir de uma pessoa !



[Foto à esquerda: Bajudas de Empada, 2005. Foto do José Teixeira] 


A minha fama de curandeiro depois da recuperação da Binta, assim se chama a bebé que curei, fez-me passar por outra aventura do género. Apareceu-me na Enfermaria improvisada, ao ar livre, uma mulher que não era da localidade a pedir-me para ir ver o seu minino que ramassa (vomita) e tem corpo quente, manga d'ele (temperatura).

O menino estava numa cubata perto da Enfermaria, deitado numa esteira no chão e apresentava os mesmos sintomas da Binta, muito magro, alta temperatura, sem forças nos braços. Era um pouco mais velho, mas estava esquelético

Hesitei, tal fora o susto que tinha passado e insisti para o levar a Aldeia Formosa e daí para Bissau na avioneta que viria dois dias depois trazer o correio para os militares, dado que não havia médico nesta localidade.

Numa mistura de Português, crioulo e dialecto da etnia, a mãe só me pedia:
─  Cura minino. Dá quinino para minino ficar bom.

Preparei o medicamento,  servindo-me do mesmo sistema que utilizei na Binta, apenas em menor quantidade e dei a injecção ao miúdo, cujo nome não cheguei a saber. As reacções foram as mesmas, só que desta vez a recuperação foi mais lenta. O coração parecia um cavalo, embora o corpo estivesse como que paralisado, apenas mexia os olhos dilatados.

Para meu azar, a mãe e a proprietária da cubata entraram em pânico, mais que eu próprio e começaram a ameaçar-me que,  se o menino morresse, o marido me matava a mim, cortava-me o pescoço. Faziam o gesto com uma catana que sempre usam.

Eu só pedia calma e acompanhava o estado do bébé. Tal como da outra vez, ao fim de umas horas a temperatura baixou, a face deixou de estar avermelhada e os olhos perderam a dilatação.

Deixei a criança entregue à mãe, recomendando que lhe desse uma pequena mamada e fosse aumentando a dose conforme ele fosse reagindo. Se a temperatura subisse ou vomitasse devia chamar-me de imediato. Se não houvesse nenhuma situação anormal, eu voltaria no dia seguinte para ver o menino.

À noite rondei a casa para ver se havia alguma anormalidade e no dia seguinte dirigi-me para lá, ainda cedo, para ver o estado do bébé, mas não consegui voltar a vê-lo porque a mãe, de manhã cedo abandonou Mampatá, pelos vistos, feliz porque o seu minino já comia e não tinha o corpo quente.

De onde veio, quem era, nunca chegarei a saber, pois a dona da tabanca diz que não conhece a mudjer que esteve lá em casa com o menino, apenas lhe deu hospedagem por uma noite.

Mampatá, 5 de Janeiro de 1969

Estou de volta a Mampatá, depois de uma coluna a Buba. Se todas as colunas de abastecimento fossem como esta, não me importava de fazer colunas. Estiveram cerca de 400 homens em movimento e cerca de 30 Km de marcha (60 km em dois dias) por picada e bolanha sem que o IN desse sinal de vida. Tive assim oportunidade de conhecer mais uma tabanca, ou seja Nhala, onde encontrei amigos da CCAÇ 2382.

Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.

A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).

A Maimuna tinha oito luas [, meses,] quando cheguei a Mampatá (1)...







Guiné-Bissau > Chamarra > Novembro de 2000 > "Chamarra, o guineense, menino no tempo da guerra colonial, entre o Albano (à direita) e o Camilo (à esquerda) levou-nos ao local onde era o posto avançado de Chamarra e havia esta placa guardada religiosamente: indicava Gatos Negros, CART 1612 / BART 18...  Vestígios da presença dos tugas, a CART 1612, "bravos e leais" ... É espantosa a emoção com que se mostram (os guineenses) e se (re)descobrem (os portugueses) estes toscos marcos da nossa passagem por terras da Guiné"... 

[A CART 1612 era um das três companhias operacionais do BART 1896 (As outras duas eram a 1613 e a 1614). A CART 1612 seguiu em 13 de Dezembro de 1966 para Bissorã, actuando em Insumeté, Insantaque e Iusse. Em 27 de Julho de 1967, deslocou-se para Buba, e actuou em Nhala, Darsalame e Buba Tombo. bEm 18 de Novembro de 1967, estacionou em Aldeia Formosa, tendo actuado em Colibuia, Chamarra e Porto Balana.Finalmente em 13 de Julho de 1968, recolheu a Bissau, de onde regressou ao Continente] .


Fotos (e legendas): © Albano Costa (2006). Todos os direiitos reservados


Chamarra, 10 de Janeiro de 1969

Chamarra é o meu novo habitat desde ontem. A despedida de Mampatá foi triste, chocante mesmo. Custou-me imenso deixar aquela gente que me ensinou que o Africano, sendo compreendido e ajudado, torna-se um amigo sincero. Alguns membros da comunidade foram pedir ao Chefe de Tabanca, Alferes Aliu Baldé, para eu ficar. Este foi a Aldeia Formosa pedir ao Capitão, mas como o meu Pelotão segui para Buba e apenas ficou o 1º Pelotão em Chamarra, o Capitão autorizou que eu ficasse na Chamarra e viesse uma vez por semana a Mampatá dar apoio ao Enfermeiro da Milícia que me vai substituir, dado que a defesa de Mampatá ficou entregue a um Pelotão de milicia.  A festa de despedida foi mais uma vez chocante para mim.

Chamarra é pequenina. Só meia dúzia de moranças e os habitantes parecem que também são boas pessoas.

Chamarra, 16 de Janeiro de 1969

Gadamael foi teatro de uma das maiores lutas no Ultramar entre a Força Aérea e o IN. O resultado, pelo que dizem demonstra bem o poder da aviação e sobretudo mostra que os homens se matam sem compaixão e mesmo neste caso em que as nossas forças lutam para manter a ordem não há homem, creio eu, que não sinta o coração sangrando, quando vê o inimigo a sofrer, numa luta desigual.

Gadamael estava a ser atacada como nunca qualquer outra população da Guiné. Muitos homens, com as melhores armas, algumas utilizadas pela 1ª vez. Atacavam de longe ao ponto de os colegas de Gadamael pensarem que o ataque se dirigia a um sítio de ninguém, daí pediram à FA [Força Aérea] para bater a zona.

Quando os Fiat sobrevoaram o IN foram metralhados por uma quádrupla antiaérea. Deixaram 200 kg da sua carga mortífera e foram buscar mais. Os T 6 (Bombardeiros) apareceram também e durante duas horas foi um descarregar de bombas. Nós só víamos os aviões à distância e ouvíamos o estrondo dos rebentamentos, mas calculamos que tenha sido uma luta terrível, tal a quantidade de chocolate que estourou. Eu imagino o chão juncado de cadáveres, regado com o sangue dos mortos e feridos, imagino os gritos lancinantes dos feridos ao verem a vida a fugir-lhe. Parece-me que estou a ver os que ficaram ilesos carregar os mortos.

Dentro de mim há uma confusão tremenda. A paz consegue-se fazendo a guerra,  impondo-a até certo ponto através das armas que matam. É certo que aqueles queriam fazer guerra, estavam a atacar uma população que quer a paz, que quer ir para o seu trabalho na bolanha sem arma, sem medo que alguém lhe surja no caminho com intenções assassinas. Uma população que quer viver na sua tabanca despreocupada, sem precisar de correr a toda a hora para um abrigo e dormir debaixo de terra para não ser surpreendida, uma população que quer viver sem precisar de matar, mas haverá homens com coração de pedra que não sinta tanta morte, homens que foram levados talvez à força ou com uma dose maior de vinho de palma, como consta que acontece muita vez...

Dizem-nos que temos de fazer a guerra para impor a paz, que aqueles que morreram e os que ainda estão vivos, são um perigo para a sociedade guineense. Eu e os meus camaradas, tantos outros, já sofremos muito por sua causa. Arriscamos a nossa vida a todo o momento por causa dessas mãos assassinas, cujo prazer é matar. Um prazer cego ao ponto de verem os seus camaradas morrerem às dúzias e continuarem a luta. Será prazer, ou será a convicção da sua razão que os faz lutar ?

Porque é que estes homens querem a guerra, quando podiam viver em paz, do seu trabalho, na sua Tabanca, no seu lar com os seus filhos ? Que os faz lutar ? Que faço eu no meio disto tudo ?

Chamarra, 23 de Janeiro de 1969

É tremendamente chocante ver morrer um camarada na guerra, mas custa muito mais quando se morre por acidente, por descuido e sobretudo quando a morte é causada por vingança de outrem.

Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas  [, da CCAÇ 1792 / BCAÇ 1933:, o Manuel da Silva Carrola, natural da Covilhã; e José Pereira da Costa, de Viana do Csstelo, ] .tiveram morte imediata e houve ainda dez furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.

Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer.

Chamarra, 25 de Janeiro de 1969 

A minha Companhia está de luto. Tantas colunas de abastecimento de Aldeia Formosa para Buba e vice versa, de Aldeia para Gandembel e na última que fazia, quando se retirava para Buba, um soldado que nunca saíra para o mato por estar impedido à Secretaria [, o Russo,] morreu. Dizem que foi por descuido, pois parece que ia em cima de uma viatura quando rebentou a primeira emboscada, saltou, reagiu com os outros ao IN e saltou novamente para o Matador. Alguns metros à frente rebentou uma mina e foi projectado a grande altura, morrendo segundo consta, algumas horas mais tarde no Hospital de Bissau. Fim de Janeiro triste...

Chamarra, 30 de Janeir de 1969

Já seguiu para Bissau, sob prisão, um soldado branco suspeito de ser o causador dos mortos em Aldeia Formosa no dia 22. Afinal o Russo, impedido à Secretaria, que foi ferido na mina anticarro que destruiu o Matador, não morreu, nem ficou sem pernas. De qualquer modo segui para Bissau bastante ferido num braço. A guerra para ele acabou.

(Continua)

28 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11168: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (2): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte II): Buba-Aldeia Formosa, 39 horas dolorosas para fazer uma picada, de 35 km, em 24/25 de julho de 1968

[Originalmente publicado na I Série, vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi ]

Guiné 63/74 - P11266: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (11): Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças


1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XI) (*) [, Foto à esquerda, em Catesse, janeiro de 2012,  crédito fotográfico: Pepito]

5 de Março de 2012

O gerador avariou-se de todo no dia 1! O depósito da água, ontem, ficou vazio. Agora é mesmo estar em África! Mais uma vez tem sido a lanterna solar e a lanterna de cabeça que o Paulo me deu para a pesca que me têm valido. A Judith, uma jovem francesa da idade da minha Mariana que está em Madina (tabanca que fica a 3 km) a estudar questões genéticas dos chimpanzés, fez-me o favor de levar o computador para o carregar no painel solar. Comprei 2 litros de gasolina para a Satu pôr o pequeno gerador que tem no restaurante a trabalhar e carregar o meu telemóvel. 

A água é o mais complicado pois o poço da tabanca fica longe daqui mas os meus vizinhos já ontem providenciaram para que não me falte água em casa. Aqui, mesmo quando há água na torneira, tenho bem a noção da sua preciosidade e por isso quase toda a água é reaproveitada. É difícil tomar banho de água completamente fria e por isso todas as manhãs ponho um bidão com 10 l de água ao sol. É o termómetro, quanto mais quente está a água à noite mais quente esteve o dia. Depois ponho a água numa grande bacia e tomo banho de púcaro. A água restante vai para o balde da esfregona ou serve para pôr roupa de molho ou para regar as plantas dos meus canteiros. Só quando a água tem muito detergente é que é atirada para o terreiro. Só não costumo deitar água suja de lavar a loiça na sanita para não a engordurar mas agora tenho de repensar esta questão.

Tudo aqui tem um valor bem diferente do que tem na Europa. Há dias, um turista italiano, antes de se ir embora, ofereceu-me uns quantos sacos de plástico forte, daqueles pretos que usamos em Portugal para o lixo, mas fortes. A alegria que senti! Parecia que tinha recebido uma grande prenda! Uma garrafa de água de plástico vazia tem aqui um enorme valor, as pessoas fazem de tudo para ficarem com elas pois servem-lhes para imensas coisas. A minha saboneteira é uma caixa vazia de queijo Filadélfia que comprei em Bissau quando vim. Guardo latas (já tenho uma de leite Nido em cima da secretária com elásticos e pioneses, todas as semanas gasto duas de refrigerantes que são os cinzeiros da casa de banho e da varanda), garrafas de cerveja vazias (tenho 4 para o que der e vier), sacos de plástico que não estejam rotos (a maioria dos que há aqui rompem-se logo porque são muito rascas) são lavados e reutilizados, caixas da manteiga vazias são lavadas e guardadas (servem para dar de comer aos gatos, para levar para a pesca para pôr o isco, para o que fizer falta), o frasco do creme de dia foi bem lavado e agora está com canela. 

Diferentemente do que as pessoas fazem aqui, eu separo o lixo – queimo os papéis e cartões que não reutilizo, as beatas, garrafas, latas e plástico sem utilidade vão diretamente para o poço seco e o lixo orgânico vai para os gatos, para as cabras ou é atirado para o mato. Quero aprender a fazer composto mas sem Internet tudo é mais difícil. Creio que já convenci o Abubacar a fazermos uma pequena horta aqui ao pé de casa. O Abubacar é engenheiro agrícola, especialista em horticultura e fruticultura e é fruticultor mas ….. como não estão habituados a comer legumes não fazem horta pois a rega dá muito trabalho. Mas assim que voltarmos a ter gerador, e consequentemente água, vamos fazer os viveiros. 

Também não sei por que razão é tão difícil comprar aqui papaias. Ontem um senhor em Camucote disse-me que a papaieira não se dá muito bem nesta região. Aqui há muitos citrinos – laranjas, mandarinas, diversas variedades de limões. Se não posso comparar os citrinos com os do Algarve considero, no entanto, um privilégio tê-los com fartura. 

Tudo aqui me sabe muito bem. Aquilo que mais facilmente conservo em casa (sem frigorífico) para o pequeno-almoço é queijo de bola que mando vir de Bissau. Ah, como me sabe bem o queijo de bola! Há dias dei à Judith, a francesa que vive em Madina em condições muitíssimo piores que as minhas, um pedaço de pão com queijo! Que alegria lhe proporcionei! 

Todos os europeus deveriam passar aqui 6 meses, inclusive as crianças. Como não têm brinquedos ocupam-se a maioria do tempo a fazer algum trabalho. No sábado acordei com espírito de agricultora, mas como não podíamos ir fazer os viveiros porque não tínhamos água, resolvi limpar os canteiros de flores da minha casa e da dos meus vizinhos. Já tinham demasiadas folhas secas e os do meu vizinho outras sujidades. Passados uns minutos tinha ao pé de mim o Mamadu e o Alaje! Eu não queria que eles saltassem para dentro dos canteiros pois pisam as plantas mas tive que os pôr a fazer alguma coisa para os dominar. Assim, eu ia tirando as folhas e eles iam levá-las ao monte onde são colocadas para depois serem queimadas. Primeiro iam levá-las na bacia velha ou no balde mas depois foram buscar a carreta. E tive que pôr ordem no assunto para irem à vez com a carreta. Levar as folhas na carreta é para eles um divertimento. 

E assim passei a manhã de sábado a limpar os canteiros com os dois garotos. No fim estava imunda de suor, de terra e fui tomar um duche de água fria do chuveiro. À tarde a Mariama veio com o Gassimo limpar a minha casa e mudei o meu quarto para o detrás pois é muito mais fresco. Dormia no Tarrafe (nome de uma das minhas divisões que quer dizer mangal) e agora durmo no Tagara (nome de uma árvore). É que o calor está a começar e dou comigo a suar em bica! E isto ainda não é nada pois em Abril e Maio é que o calor é mesmo a sério. Vamos ver como me adaptarei.

A limpeza da casa, esta semana, era para ter sido feita na 6ª feira mas a nora da Mariama, a Mariatu, começou com dores de parto e a Mariama teve de ir para casa. O Arnold e a Sónia, um casal alemão que viveu aqui na Guiné nos anos 80 e que até cá tiverem um filho, estiveram cá com o Pepito assim como uma sua amiga guineense, a Luana, que vive em França há muitos anos e tinham-se ido embora depois do almoço. Assim, fiquei pelo restaurante com a Satu até que ela resolveu que iríamos ver como o parto estava a decorrer. 

Na casa da Mariama, num quarto exíguo de espaço livre, porque quase todo ocupado com uma cama de casal, encontrei deitada no chão, em cima de uma manpufa (esteira mais grossa e macia onde as pessoas se deitam), a Mariatu, completamente nua. Por detrás dela estava a Fatumata sentada e que servia para a Mariatu passar os braços por detrás dela e fazer força. À frente da Mariatu estava a matrona (parteira) a controlar o andamento do parto e a Mariama e a Duturna a massajarem as pernas da parturiente. Depois a Mariama passou também para trás da Fatumata para ser mais uma a ajudar a rapariga a fazer força. A Mariatu chorava e queria gritar mas as fulas não querem que as parturientes chorem nem gritem. A rapariga já tinha chorado no primeiro parto, o que segundo as fulas é muito mau, pois se chora no primeiro vai chorar sempre. 

A Dra. Sónia, a alemã, que é médica materno-infantil e fala crioulo, ainda foi ver a parturiente mas o parto estava demorado e eles tinham de partir para Bissau. A Mariatu chorava, baixinho, chamava pela mãe em fula (né, né), mas a mãe já faleceu. A matrona dizia que estava quase a nascer. A Satu, que está habituada a ajudar aos partos, estava numa inquietação por ouvir a jovem chorar e quando ela quis gritar a Satu quis tapar-lhe a boca com um pano. Resolvi então agarrar na Satu e vir a casa buscar cigarros. Demoramos a vir e ir uns 15 minutos e quando lá chegámos o “bichinho” já tinha nascido! Para alegria da avó nasceu um rapaz. O casal já tinha uma menina. No chão, em cima da esteira e de um pano, estava o bebé, a placenta, e um jorro de sangue no chão. 

Meu Deus, entre esta cena ou a do nascimento de um bezerro a diferença não deve ser muito grande. A matrona, que, diga-se, tinha uma luva na mão direita, cortou o cordão umbilical e de seguida lavou o bebé em água fria. Tirei então uma foto ao bebé nas mãos da matrona. A Mariatu quis fazer xixi, chegaram-lhe um penico, começou a tremer de frio, voltou a deitar-se no chão e cobriram-na. Mas não havia pressa em tratar da mãe. Peguei um bocadinho no bebé, fiz uma carícia à Mariatu, dei-lhe os parabéns, agradeci a todas as mulheres em fula (Jarama, jarama) e vim-me embora pois achei que a Mariatu precisava de ser cuidada e de sossego. 

Tive pena de não ter assistido mesmo ao nascimento pois nunca vi nenhum mas certamente terei outras oportunidades. Felizmente tudo correu bem e a moça esteve pouco mais de cinco horas em trabalho de parto. Mãe e filho estão bem. Penso que não suportaria assistir a uma cena destas que acabasse mal, como acabam muitas aqui. E ao ver tudo isto pensava-nos no hospital, rodeadas de cuidados, e tão cheias de medo. E a Mariatu deitada numa manpufa no chão.

[ Fotos, acima, Iemberém, dezembro de 2009: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11217: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (10): Nunca pensei vir a gostar deste arroz e não me aborrecer de o comer praticamente todos os dias

Guiné 63/74 - P11265: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (4): Já não sei quem sou

1. Mais um poema enviado pelo Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


Hospital Militar 241, Bissau

Porque já não sei quem sou
Já não sei p'ra onde vou
Mas também, não sei de onde venho!
Porque, aqui, já nada tenho
E não me venham com desdenho,
Dizendo que aqui é que é bom;
Só sei que tudo é efémero.
E nada muda de tom,
Aquilo que apalpo e vejo,
Tudo morre e tudo nasce
Que nada é o que parece;
Aqui me sinto enganado,
De tanta beleza enojado,
Que, como vem, desaparece;
E, ao passar para o outro lado,
Nada me acompanhará,
Deixarei tudo por cá
Para outro que virá!?
E assim parto sem saber
O que andei aqui a fazer!
E nada me fazer crer
Porque andei sempre enganado!?
marques de almeida

CCAÇ 2548
BCAÇ 2879

______________________


Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11232: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (3): Homenagem à minha lavadeira em Farim

Guiné 63/74 - P11264: Parabéns a você (548): José Armando F. Almeida, ex-Fur Mil TRMS da CCS/BART 2917 (Guiné, 1970/72)

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 15 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11253: Parabéns a você (547): António da Silva Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490 (Guiné, 1972/74)

sábado, 16 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11263: Memórias de Manuel Joaquim (10): Se em Bissau não "Tombe la Neige" pela certa "Tombe la Pluie"

1. Mensagem de Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 12 de Março de 2013:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Também eu, um dia, fui soldado-letrista. Mas o resultado não foi brilhante. As suas repercussões não passaram muito para lá do meu umbigo!
Vai aqui a "estória".
Se nela acharem alguma piada para poder ser publicada, ficam ao vosso critério, que muito respeito, o modo e os possíveis cortes que porventura achem por bem fazer.
Um afetuoso abraço
Manuel Joaquim


MEMÓRIAS DE MANUEL JOAQUIM

10 - Tombe la pluie

Tenho uma “estória” sobre uma canção famosa de Adamo, a “Tombe la Neige”

Bissau, inícios de Setembro de 1965, Quartel de Sta. Luzia.

Tinha comprado, há pouco tempo, um rádio-gravador que, de imediato, se tornou um “companheiro” imprescindível. A primeira coisa que nele gravei foi o que me apareceu à mão, quatro canções de Adamo, de entre elas a “Tombe la neige” (Cai a neve), muito na berra naquela altura.


Numa noite chuvosa passada em serviço de “sargento de dia” na Casa da Guarda ao lado da Porta de Armas, ouvindo e reouvindo Adamo, achei piada à discrepância entre as palavras da canção “Tombe la neige” (Cai a neve) e a realidade do clima tropical quente e húmido que estava a suportar naquele momento. Ao som da chuva a cair logo surgiu um título alternativo, “Tombe la pluie” (Cai a chuva). E assim arranjei um belo motivo para me ajudar a passar a noite. Umas horas depois já tinha o rascunho de uma versão da letra, adaptada ao local onde vivia.

Tempos mais tarde pedi ajuda na messe de sargentos a um furriel que por ali via frequentemente a ler em francês e lá fizemos uma versão “definitiva” que depois tentei implantar nos momentos de convívio “cantoral” mas os resultados foram desanimadores. Só se percebiam uma ou duas vozes cantando a nova letra, o resto eram confusos “lalalás” da maioria. A maior parte do pessoal não sabia o suficiente de francês para apreender o texto e assim não se saía do básico “Tombe la pluie, lalalalala …lalalalala …”. Mesmo desmotivante.

Pensei, então, em arranjar uma versão em português mas o entusiasmo passou e o interesse foi-se diluindo na variedade de chamarizes existentes em Bissau para nos preencher os tempos livres. De vez em quando, na camarata, ao ouvir-se o original saído de algum aparelho, lá vinha um “tombe la pluie” ou um “e cai a chuva” sem continuação. E a chuva como tema da canção acabou por morrer.

Adamo foi substituído no gravador por outro(s) intérprete(s) e canções. A folha com esta nova versão em francês ficou perdida, dei por isso mais tarde, entre as folhas de um livro de Jorge Amado, “Mar Morto”, livro que emprestei ao furriel Henriques, camarada da CCaç 1419, aquando duma sua “viagem” de barco a Bedanda em serviço de segurança a um batelão de abastecimentos. Entretanto a estação das chuvas foi chegando ao fim, a CCaç 1419 saiu de Bissau para Bissorã e a letra de “Tombe la pluie” andou a “marinar” no “Mar Morto” que me foi devolvido já em Bissorã, exalando um forte e especial cheiro. É que o livro tinha viajado com o saco do bacalhau que a secção do Manuel Henriques levou para comer durante a viagem. As suas folhas ficaram de tal modo impregnadas que ficaram durante muitos meses a cheirar fortemente a bacalhau, de tal modo que o seu título ficou mesmo a condizer com o objecto, cheirava a “mar morto”.

Ao retomar o livro, encontrei dentro dele a folha com a “Tombe la pluie”, folha que tinha servido para o Henriques marcar a página de leitura. Foi guardada com uma leve esperança de ainda poder vir a ser utilizada na futura estação das chuvas para reavivar a canção com a malta de Bissorã. Qual quê! Tão quietinha ficou entre outros papéis que nunca mais me lembrei dela até uns largos anos mais tarde quando, ao procurar bases para a redacção de um texto sobre a guerra colonial para o semanário “O Jornal”, a encontrei.

Achei muita graça ao facto, até pelas memórias que me trazia. Ofereci tal “obra” à minha esposa, com um bom beijinho a condizer com os termos em que está redigida. E ela gostou muito! Até me sugeriu a compra do original “Tombe la neige” para lembrar melhor os passos da canção, coisa que eu fiz. E assim demos nova vida à “Tombe la pluie”. Ainda hoje, naqueles dias chatos de chuva, nos salta um “Tombe la pluie et mon coeur s’habille de noir”.

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 25 DE NOVEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10722: Memórias de Manuel Joaquim (9): Na guerra, nunca dei um tiro!... (só dei um)

Guiné 63/74 - P11262: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (8): Terei estado no "bem-bom de São Domingos"?

1. Em mensagem do dia 9 de Março de 2013, o nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), levanta algumas dúvidas à sua própria afirmação de que no segundo trimestre de 1972 esteve estacionado em S. Domingos.


FANTASMAS DO FUNDO BAÚ

8 - São Domingos?

Caros Luís Graça/Carlos Vinhal,
Quando recebi o honroso convite de ingressar nesta "Grande Tabanca", expliquei que estou a morar no interior do Brasil, e que os meus pertences estavam em São Paulo, assim fui dispensado de na altura apresentar uma foto da Guiné.

Nós, de rendição individual, por vezes tínhamos que esperar substituto, que normalmente tardava. Como o Comandante do GAC7 (GA7) não podia ficar sem Oficiais e Sargentos, sempre que possível, enviava-nos nesse "excedente" de comissão, para um lugar de fraca ou nula atividade operacional.

Ao fim de mais de vinte meses de comissão, a maior parte deles passada em Gadamael, mandaram-me para a sede de um BCAV no Norte. Lá a atividade operacional da artilharia era nula, assim quando cheguei, falei para os Furriéis, que a minha comissão tinha terminado (21 meses), mas faltava o substituto.
Eram excelentes profissionais, tomaram conta do Pelotão e respeitaram a minha "aposentadoria" e, como eu pedi, só me chamariam quando houvesse algum problema, o que nunca aconteceu.

Entretanto, pedi ajuda à minha companheira do pós-guerra, que gentilmente me cedeu uma foto de um álbum, como não lembro datas dessa época, ela também me informou que eu voltei da Guiné em Julho 72.

Quando recebi essa primeira foto, dentro de um jipe, ao lado de outro oficial, pelo comprimento do cabelo e pelo uso de indentificação de posto, vi que era do fim da comissão, logo seria do segundo trimestre de 72. Um nome surgiu de imediato: SÃO DOMINGOS.



Resumi no P10525, os meus últimos meses na Guiné, que o editor apelidou de: "...bem-bom de São Domingos..."
Aí alguns camaradas reagiram, e disseram que São Domingos não era um "resort", mas: "...era bombardeamento diário. Não havia comida, não havia bebida ou até luz..."

Podiam ser outras datas, ou visões diferentes de uma mesma realidade, já que ela é "multifacetada" e ao fim de quarenta anos "esfumaçada".

Agora que veio outra foto dessa época, o nome que continua vindo à memória é São Domingos.

Na foto estão os oficiais do Comando do BCAV e CCS: a partir da esquerda, Capitão de uma CCAV (ou CCS), Major de Operações, Tenente-Coronel Segundo Comandante (que não queria me deixar voltar para casa ao fim de 24 meses), a partir da direita Tenente da CCS, Vasco Pires.
Os outros Oficiais lamentavelmente não consigo identificar.

Entretanto li neste Blog que a partir de certa data deixou de ser sede de Batalhão, aí surgiu a dúvida, será que eu errei "o nome do Santo"?

Cordiais saudações
VP
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11223: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (7): Fotos de um líder, do Cap Op Esp Fernando Assunção Silva

Guiné 63/74 - P11261: Do Ninho D'Águia até África (58): A tripeça (Tony Borié)

1. Quinquagésimo oitavo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:




Estava a ser difícil, mesmo muito difícil, quase penoso, o Cifra tinha momentos de completo descontrolo, não sabia quem era, nem onde estava, nada lhe importava, não tirava o cigarro da boca, acendia uns aos outros, a sua companheira de quase todos os momentos, que era a tal garrafita da coca-cola, cheia de tudo, menos coca-cola, essa, andava sempre consigo, tinha um aspecto um pouco desleixado, mas quando chegava o momento de entrar de serviço e executar as suas tarefas, apresentava-se limpo, usando a camisa comunitária, que era a que sempre estava pendurada no centro cripto, e que todos usavam para ir entregar as mensagens no comando, especialmente quando havia contacto com o comandante.


Quando estava de serviço, executava as suas tarefas com toda a precisão, fazia-lhe bem, pois andava ocupado, mas quando fora delas, tinha um problema na sua mente, era uma espécie de triângulo, era uma “tripeça”, como a que havia na casa de sua avó materna, já velha e com uma perna quase a partir, ele, também tinha uma “tripeça” na sua mente, e a velha “tripeça”, também tinha uma, ou mesmo duas pernas a partir, pois neste momento tinha três famílias, eram três queridas famílias.


A primeira família eram as pessoas amigas que viviam na tabanca com casas cobertas de colmo, um pouco ao norte do aquartelamento, onde passava quase todos os dias, que, debaixo da maior miséria que um ser humano pode viver, palhotas com chão térreo, com uma simples panela, que às vezes nem era panela, era uma lata de qualquer coisa, dormiam em cima de um lastro feito de ervas secas, coberto com um simples pano, o pouco com que se alimentavam, repartiam com os animais, que também famintos e cobertos de insectos, com o rabo entre as pernas, procuravam aproximar-se deles, e essas pessoas, vivendo miseravelmente, davam tudo ao Cifra, tudo que era possível dar, sem nunca pedirem nada em troca, sempre com um sorriso, olhando o Cifra nos olhos, sinceras e humildes, com uma maneira própria, que o Cifra, nunca tinha visto em toda a sua vida, e agora estava quase a abandoná-los, e com toda a certeza para sempre. Só de pensar ficava com lágrimas, que limpava nas costas das mãos, dizendo às vezes baixinho, só para si:
- Desejava ansiosamente o dia do meu regresso e agora quero ficar aqui para sempre.

A segunda família eram os seus companheiros, em especial o seu grupo com quem conviveu dois anos, o Curvas, alto e refilão, o Marafado, o Trinta e Seis, o Setúbal, o Mister Hóstia e o Furriel Miliciano, conheciam-se como tivessem vivido toda a vida juntos, sabiam os costumes uns dos outros, zangavam-se e estavam amigos, bebiam, fumavam, roubavam pão, vinho e álcool, quando um tinha fartura de alguma coisa, todos tinham fartura e quando não havia para um, também ninguém tinha nada, era uma família com todos aqueles problemas, que ficavam resolvidos quando se deitavam, quase sempre sobre influência, pois no dia seguinte ninguém sabia se estava vivo.

E a terceira família era a que o esperava em Portugal, que lhe mandava os aerogramas e as cartas, algumas com fotos, essa família andava sempre junto de si, no seu pensamento. Ficava por momentos a imaginar como seriam as suas caras quando os visse de novo, alguns aparentavam ser mais velhos, outros talvez não, alguns tinham nascido depois de vir embora, outros já não estavam vivos, enfim iria ser com toda a certeza uma grande surpresa, mas uma agradável surpresa, mas estas três famílias traziam a mente do Cifra confusa e um pouco angustiada.


____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 12 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11243: Do Ninho D'Águia até África (57): Andava desesperado (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11260: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (6): Vítimas da emboscada na estrada de Farim-Mansabá-Mansoa, em 15 de julho de 1973: 1 morto, 8 feridos graves, 2 viaturas danificadas




  1. Foto s/ nº >Chegada a Mansoa dos mortos na emboscada à coluna de Farim (1)


Foto s/ nº >Chegada a Mansoa dos mortos na emboscada à coluna de Farim (2)



Foto s/ nº > Evacuação dos feridos da emboscada à coluna de Farim (1)



Foto s/ nº - Evacuação dos feridos da emboscada à coluna de Farim (2)



Foto s/ nº - Constantino_Veira_da_Rocha,. sold cond auto, da 3ª CCAC/BCAÇ 4612 (1972/74), subindo para a sua Berliet


Guiné > Região do Oio > Mansoa > 1972/1974 > BCAÇ 4612 (1972/74) > Imagens da chegada de mortes e feridas, na sequência a uma emboscada a um coluna de reabstecimento, na estrada   de Mansoa-Farim, possivelmente em 15 de julho de 1973.


Fotos: © Jorge Canhão (2011). Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso amigo e camarada Jorge Canhão, que vive em Oeiras (ex-Fur Mil At Inf da 3ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).

Estas fotos, relativas a Mansoa, chegaram-nos às mãos através de outro grã-tabanqueiro, o Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), residente em Leiria. Os nossos especiais agradecimentos aos dois, e muito em especial ao nosso camarada Jorge Canhão-

Não sabemos quem é o autor (ou quem são aos autores) das fotos,,, Estas fotos constam de um CD, do Agostinho Gaspar, estão sob um ficheiro com a seguinte designação: Jorge Canhão > Vários Batalhão. Também não sabemos a que emboscada se referem. Sabemos, pela história da unidade, que houve uma violenta emboscada no dia 15/7/1973, na estrada Farim-Mansoa, no troço entre Mansabá e Mansoa...Mas nessa ocasião houve 1 morto (e não mortos) e 8 feridos graves, conforme se pode ler na HU- Cap II / Fasc VIII, pág. 60:

- (...) Às l5 de julho de 1973,  às 13h30 na região de Mansoa  8HO.65, um grupo IN estimado em 60 elementos emboscou no regresso a coluna de reabastecimento a Farim, com armas automáticas, RPG-2, Mort 60 e Granadas de Mão.

O IN iniciou a emboscada com uma granada de mão. A emboscada estava montada do lado direito da estrada Mansabá/Mansoa com um pequeno grupo IN  no lado esquerdo. As NT sofreram 1 morto (Fur Mil), 8 feridos graves (1 Oficial e 7 Praças). 2 viaturas ficaram danificadas (1 Berliet que ardeu; e Unimog 404).

O IN deixou no terreno 1 morto, fardado de amarelo e armado de LGF RPG-2, vários rastos de sangue, 2 Minas A/P PMD-6 e 2 granadas de  RPG-2. Retirou na direcção do Morés,  sendo executado tiro de artilharia sobre o itinerário de retirada. (...) 


Talvez o Jorge Canhão nos possa esclarecer a que data se referem estas fotos. Nas colunas a Farim houve diversas emboscadas de que resultaram baixas. A do 15 de julho de 1973 pareceu-me a mais grave, a avaliar pelo nº de baixas das NT e das viaturas atingidas.
____________

Nota do editor:

Últmo poste da série > 9 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11222: Álbum fotográfico do Jorge Canhão (ex-fur mil inf, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74) (5): Balantas, mandingas e mansoancas