terça-feira, 27 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11987: Efemérides (139): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte III)



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, apoio da CM Lourinhã.   A seguir às cerimónias militares junto ao monumento (das 9h30 às 11h00), realizou.se missa, às 11h30,  na igreja do Castelo (séc  XII/XIV). Na foto supra, uma imagem da fantástica rosácea que encima a parede onde onde se abre o arco triunfal, virada para poente. [A Igreja de Santa Maria do Castelo encontra-se num local onde os árabes haviam construído um castelo, dentro de nuralhas (hoje desaparecidas),  dominando o braço mar que ia até à atual Praia do Areal, a sul da Praia da Areiua Brana.

É um magnífico templo gótico, dos meados do século XIV. A sua construção realizou-se em duas fases, a primeira foi atribuída a D. Jordan (cavaleiro franco que ajudou D. Afonso Henriques na Reconquista, e primeiro donatário da Lourinhã) e a segunda a D.Lourenço Vicente (arcebispo de Braga, natural da Lourinhã e seu donatário. Outra igreja da Lourinhã digna de visia é a do antigo Convento de Santo António, começada a construir no início do Séx. XVII, também monumento nacional].



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Foto de grupo. Ver mais fotos do evento no sítio da AVECO.



Louirnhã > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 25 de agosto de 2013


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2013). Todos os direitos reservados






Vídeo (''53): Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes


Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, com apoio da CM Lourinhã. Final da missa dita pelo jovem padre Ricardo, pároco local, na igreja do Castelo (ou de Santa Maria do Castelo).





Vídeo (2' 15''): Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Organização da AVECO, apoio da CM Lourinhã. Cerimónia no cemitério local de homenagem aos mortos da guerra colonial. Visita às campas de José António Canoa Nogueira e do Arsémio Bonifácio bem como ao talhão dos combatentes. Largadas pétalas de flores em memória do José Henriques Mateus, desaparecido na Guiné, no decurso da Op Pirilampo, em 10 de setembro de 1966, no sul da Guiné, igualmente no setor de Catió, na região de Tombali, (O corpo nunca foi encontrado; stá prevista, para breve, uma homenagem ao Mateus, por parte dos seus conterrâneos da povoação da Areia Branca, freguesia da Lourinhã).



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Visita à campa do José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro lourinhanense a morrer na Guiné, em Ganjola, setor de Catió, região de Tombali. em combate. Foi no dia 23 de janeiro de 1965. Era soldado apontador de morteiro, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66). Era meu primo, em 3º grau, tal como o Arsénio Bonifácio, morto em Angola, era primo (direito) do Jaime Bonifácio Marques da Silva


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

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Guiné 63/74 - P11986: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte II)



Vídeo (11' 23''). Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes


Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Segunda e última parte do discurso do Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex- alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72), e hoje professor de educação física refomado, natural do Seixal, Lourinhã, e residente em Fafe. Há 8 anos atrás, o Jaime, mais o João Delgado e o João Picão foram os principais elementos dinamizadores da comissão "ad hoc" que pensou, planeou e executou este monumento, dentro do pacote financeiro disponibilizado pela CML (cerca de 30 mil euros).

A iniciativa destas comemorações foi da AVECO, com apoio da CM Lourinhã. Vídeo de Luís Graça



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013.  Da esquerda para a direita, o Jaime Bonifácio Marques da Silva e o João Delgado, dois elementos da comissão "ad hoc" que há 8 anos atrás concretizou o sonho dos combatentes  da Lourinhã. Falta aqui o José Picão de Oliveira, de férias fora do concelho.



Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013.  Coroa de flores depositada na base do monumento pelos dirigentes da AVECO.


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2013). Todos os direitos reservados





Vídeo (1' 03''). Luís Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Entoação do hino nacional pelos presentes, no final das cerimónias militares.

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Nota do editor:

Último poste da série >  Guiné 63/74 - P11983: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte I)

Guiné 63/74 - P11985: Bom ou mau tempo na bolanha (29): Herói Combatente (Tony Borié)

Vigésimo nono episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



A avioneta do furriel Honório, o “Pardal”, como era conhecido no aquartelamento, sobrevoou a tal mangueira, árvore de grande porte que existia no aquartelamento, que por uns metros sobreviveu ao arame farpado, pois os postes de cimento passaram junto a ela, enquanto que algumas gaiolas de macacos e periquitos foram desviadas para o outro lado da árvore, fazia os animais fazerem algum barulho, tal como se fosse o carteiro, a tocar a corneta da sua bicicleta, quando andava na distribuição, na aldeia do vale do Ninho d’Águia, de onde o Cifra era oriundo, e era sinal que lá vinha correio. Passado pouco tempo havia a sua distribuição, e desta vez, vinham duas cartas para o Cifra, uma dos primos de Lisboa e outra da mãe Joana, onde dizia mais ou menos, depois de desejar muitos beijinhos e xi-corações, que estivesse bem, e todas aquelas coisas que as mães sempre desejavam:

“Olha, o senhor Manuel Manco, que vivia no mato, naquela casa sozinha, quase a seguir ao caminho para o Gravanço, morreu, foi encontrado morto, coitadinho, tão boa pessoa...”, e depois explicava mais alguns pormenores.

Então o Cifra fechou por momentos os olhos, lembrando-se do senhor Manuel, que devia de ter outro sobrenome, mas era conhecido por Manuel Manco, porque tinha só uma perna. Tinha sido casado, a esposa morreu com a doença do “tifo”, e tinha uma filha que foi “casada de encomenda” para o Brasil.
O povo dizia “casada de encomenda”, que era quando um português, “muito rico”, lá no Brasil, que andasse muito ocupado na “roça”, na “xácra”, no “açougue”, na “padaria”, no “botequim”, na “birosca” ou no “boteco”, mandava uma carta, normalmente ao senhor Regedor ou a Vossa Reverência, o senhor Abade da freguesia, a pedir esposa que soubesse cozinhar, lavar e engomar, que fosse donzela, estivesse vacinada e que fosse boa parideira.
Continuando, essa filha, foi para o Brasil e nunca deu sinal de si. O senhor Manuel Manco era um sobrevivente de guerra, pois fez parte do Corpo Expedicionário Português que esteve presente na Frente de Flandres, onde muitos militares portugueses foram mártires.

Havia um dia no ano em que vinham buscá-lo num automóvel preto, que tinha uma placa na frente, quase junto à manivela que o fazia começar a trabalhar, que dizia, “Propriedade do Estado”, e que parava quase junto à casa onde vivia o Cifra, que nessa altura era o Tó d’Agar, lá na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia, vindo buscá-lo ao seu casebre, trazendo-o ao colo até ao carro, indo em seguida para a vila, com três ou quatro medalhas no peito, sobre um fato velho e preto, com um chapéu de aba larga, e um sapato, também preto no pé, que às vezes era o do outro pé, da perna que lhe tinham cortado.
Iam exibi-lo, ou seja mostrá-lo, como exemplo de coragem e bravura do Estado Novo, davam-lhe de comer, do bom e do melhor naquele dia, tiravam-lhe fotografias, de diversos ângulos, mostrando as medalhas, e onde aparecia, quase sempre a sorrir, mas em segundo plano, pois na frente e em grande plano, eram as caras rosadas e gordas das pessoas importantes da vila.

Ao fim da tarde vinha o motorista, que era o “Zica”, que dava sempre cinco tostões ao Tó d’Agar, por segurar na porta do carro, enquanto carregava o senhor Manuel Manco para fora do carro, e o ia “despejar” no seu casebre, dizendo:
- Até ao ano, Ti Manel

Durante o ano devia comer o que arranjava e das esmolas que a mãe Joana e as vizinhas lhe levavam. Elas lavavam-lhe também os trapos da sua roupa. Deslocava-se de um lado para o outro, à volta do seu casebre, com a ajuda de um pau que arranjou algures, parecendo-se com uma muleta. Tinha uma pequena horta e uma “arma de caça”, das pequenas de carregar pela boca, que usava para se defender dos lobos, que naquele tempo por lá havia, e também para matar coelhos. Diziam que tinha uma grande pontaria, pois tinha sido um COMBATENTE.

Na boca do povo, era um herói COMBATENTE, da Primeira Grande Guerra, cheio de medalhas, que tinha estado ainda jovem, com saúde e as suas duas pernas, num cenário de guerra, defendendo a sua bandeira e a sua Pátria, mas que agora vivia sozinho, arrastando-se só com uma perna.
Morreu sozinho, quase abandonado!

O Cifra, acredita que já viu este cenário, em tempos recentes, mas deve de estar confundido.

Ah..., deve de estar mesmo confundido, pois já não tem idade e não tem a companhia do furriel miliciano para fumar um cigarro feito à mão!

Tony Borie,
Setembro de 2011.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11962: Bom ou mau tempo na bolanha (28): O José que já foi "Arroz com pão" (Toni Borié)

Guiné 63/74 - P11984: Parabéns a você (618): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série 25 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11975: Parabéns a você (617): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11983: Efemérides (138): 8º aniversário do monumento aos combatentes da Lourinhã, 25/8/2013 (Parte I)



Vídeo (2' 28'').Luis Graçºa (2013).  Alojado em You Tube > Nhabijoes.

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Discurso inaugural do presidente da direção da AVECO -Associação dos Veteranos de Guerra do Oeste, com sede na Lourinhã,  Amércio Remédios [Maçarico], 1º tenente da marinha, reformado, natural de Ribamar, Lourinhã.


Vídeo (2' 40'').Luis Graça (2013).  Alojado em You Tube > Nhabijoes.

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. Palavras de boas vindas aos presentes, militares e civis, incluindo as associações de militares, e de homenagem aos combatentes da Lourinhã, apresentadas pelo vice-presidente da Câmara Municipal da Lourinhã, engº João Duarte.



Vídeo (1'  41''). Lu+is Graça (2013). Alojado em You Tube > Nhabijoes

Comemorações do 8º aniversário da inauguração do Monumento aos Combatentes do Ultramar, Lourinhã, 25 de agosto de 2013. António Basto, dirigente da AVECO, faz a chamada dos 20 camaradas lourinhanenses, mortos em combate., em Angola, Guiné e Moçambique. Vídeo de Luis Graça, promotora da inciati8va com o apoiod a Câmara Municipal da Lourinhã.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11953: Efemérides (137): 8º aniversário do Monumento aos Antigos Combatentes, Lourinhã, domingo, 25 de agosto de 2013 (AVECO - Associação de Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhã)

Guiné 63/74 - P11982: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (5): Uma noite em Tangali com ataque ao Xitole, o quico do furriel Fevereiro e o meu baptismo de... voo em 1971

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Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > "... 58, 59 ... 70, 71...89, 90... 98... 99... 100!  Cem canhoadas em dez  minutos no ataque ao aquartelamento do Xitole".

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados


1. Texto do David Guimarães (ex-Fur Mil Guimarães, CART 2716, Xitole, 1970/72) [, foto à esquerda, Saltinho, 2011]. Continuação da série Estórias do Xitole (*),  a partir de postes da I Série do nosso blogue:

Era costume nós irmos fazer protecção nocturna à tabancas. Era também uma forma de acção psico... Um dia lá fui eu e o [furriel] Fevereiro (**) a comandar uma secção do 3º grupo de combate. Tangali era o nome da tabanca, a última que estava à guarda do Xitole. Ficava na estrada Xitole-Saltinho (os da CCAÇ 12 muitas vezes passaram por ela).

Bem, saímos pelo fim da pista do Xitole, com dois Unimogs 411 e lá fomos. Era mesmo chato, ir dormir para a tabanca e logo para aquela:
─ Pôça, eles até eram todos de lá!  ─ pensei eu, pouco ou nada confiante na lealdade da população local para com as NT.

Na realidade, os de Tangali [, a seguir a Cambesse, na estrada para o Saltinho] jogavam para os dois lados, conforme as conveniências... Bem, lá fomos e ao fim de 7 Km lá estávamos nós.... Nisto, diz-me o Fevereiro:
─ Porra, Guimarães, perdi o meu quico!

Entretanto, vejo e ouço toda aquela gente alarmada:
─ Furriel, furriel, manga de ronco lá para o lado do Xitole!... Muito tiro, muito tiro.
 Transmissões, liga para o quartel, pergunta o que houve ─ ordeno eu.
─ Furriel, ninguém atende, não consigo nada, porra para isto!
─ Bem, nós estamos aqui, amanhã veremos o ronco  arrematei  eu.

Nessa noite não dormimos tão descansados:
─ Porra, ronco e tiros, sei lá, vamos mas é ficar atentos...

A noite nunca mais acabava... De manhã cedo, bem formados e atentos, lá fomos estrada fora, de regresso ao Xitole e entrámos pelo fundo da pista de aviação... Bem, buracos no chão não faltavam. Diz-me o Fevereiro:
 ─ Guimarães, olha ali o meu quico!
 Boa ─ disse eu tiveste  sorte, ele apareceu.

Ele pega no quico e mesmo no local da nuca estava um furo:
 ─ Já viste ─  exclama o Fevereiro para mim  ─ se eu tinha a cabeça aqui dentro!...

Bem, lá chegámos ao aquartelamento [do Xitole]:
─ Tanto buraco!
É, pá, os gajos apontaram para aqui e até parecia que disparavam em rajada os canhões sem recuo... Vinha daquele lado do Corubal...


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Xitole, Cambesse (ou Cambéssé) e Tangali, na estrada que conduzia ao Saltinho.

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)

Tarefa matutinal: ver os estragos e contar as canhoadas; sim, as marcas bem visíveis e os cotos das granadas bem enterradas no chão como se fossem setas de índios:
─ Olha, esta entrou no depósito de géneros... vamos ver!

Depois de bem contados, parece que só se tinham partido 4 garrafões de vinho... Coitados dos garrafões, do mal o menos...
 ...58, 59 ... 70, 71.... porra e mais aqui ... 89, 90... 98... 99.... e esta também ... 100!!!

O ataque tinha demorado... dez minutos!
 Porra, porra!  ─ ainda dizia o Fevereiro, a olhar para o estado lastimoso em que ficou o seu quico.

Nessa altura tinha chegado ao Xitole um morteiro de calibre 107 mm  [, ou 10.7,  vd. imagem à esquerda, retirada do blogue do nosso camarada Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74].

Para dar instrução sobre esse morteiro tinha vindo um primeiro sargento especialista de armas pesadas, ex-cabo e ex-comandante de um posto qualquer da GNR lá na Metrópole.

Experimentou-se o dez sete, assim chamávamos ao morteiro.... Poça, parecia uma arma de artilharia, boa não há dúvida, pelo menos muito barulho fazia....

De manhã, o 1º sargento costumava dar as aulas teóricas sobre o funcionamento da coisa e não é que, por ironia do destino, muitas noites e algumas seguidas éramos atacados sempre de canhão sem recuo.... A certa altura o homem do bar dizia:
─ Fui eu, ao bater a porta do frigorifico...

É que que esse barulho punha-nos todos a caminho do abrigo... Tantas vezes ele repetiram aquelas flagelações e o dez sete a funcionar... Logo de manhã, as aulas práticas e, à tarde, a teóricas...

Até que se aproximou o dia da minha licença disciplinar de 30 dias... Sim, aquilo que chamávamos férias.... Bem, mas antes teria que se ir a Satecuta [uma das bases do PAIGC, junto ao Rio Corubal, a oeste do Xitole]... Aquilo parecia uma cidade, já tinha sido visto de avioneta....

Na primeira ida, ficou a companhia de formação e comando e fiquei eu. Não relatarei o que disseram, relatarei apenas o que vi do aquartelanmento... Enfim, sem querer ser herói, percebi quanto um jogardor de futebol sofre quando está na bancada... Era o caso: a certa altura naquele dia, uma avioneta lá londe começou a andar em círculo, por baixo os jagudis na mesma em círculo, ouviam-se tiros e mais tiros, rebentamentos e mais rebentamentos. Um inferno!
─ Ai, como estarão eles, coitados, que coisa ─  dizia eu cá para mim.

A certa altura, inesperadamente a avioneta (uma DO) afasta-se e os tiros terminam. E os jagudis também desaparecem.... Por fim, todos sujos, cagados, os bravos voltam:
─ Não, não deu para entrar....

Em cada operação em que havia tiros, que coisa, vínhamos todos enfarruscados....
─ Bem, tudo muito bem, mas eles não deixaram, recebemos ordem de retirar pelo Comandante... Ninguém ficou ferido, ao menos isso... Enfim, desta vez ao menos as balas do inimigo nos acertaram.
─ Ainda bem, disse eu cá para os meus botões. Agora, Guimarães, vais até à metrópole, num voo TAP e pela agência Costa... E que tal? De avioneta até Bissau, que luxo!!!

Ai, era o meu baptismo de voo. Porreiro, o meu cu já tinha calos do Unimog...
─  Mas isto é mesmo bem bom... Adeus, Xitole, adeus,  camaradas, adeus, Fevereiro!... Até daqui a um mês!.

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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série:

(...) Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
─ Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar. (...)


12 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11556: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (3): Era do caraças o paludismo

(...) Nós sabemos o que era uma coluna logística, uma operação de reabastecimento, mas outros nem calculam o que seja... O vai haver coluna já era uma grande chatice... Andar até ao Jagarajá, à Ponte do Rio Jagarajá, a pé e a picar, não era pera doce... E depois? Se acaso acontecia mais algo a seguir? (...)

(...) Até que enfim!... Acho que sim — não poderá haver tabus e ainda bem que o Zé Neto, o Zé Teixeira, o Jorge Cabral e o Luís são, afinal, os responsáveis por quebrarem o tabu... Falaram de algo que também é guerra... Foi e marcou a nossa guerra: a lavadeira, o cabaço, etc, etc... Ai, ai, ai, que começo a falar demais, ou talvez não...

Creio que nunca houve grandes abusos nesse sentido, nunca foi preciso apontar a G3 a nenhuma bajuda, já uns pesos, enfim ... Que mal fazia, se era dinheiro de guerra?!...(...)


18 de novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha

(...) Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.
Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá (...).


(**) Fevereiro é pseudónimo. Lista dos sargentos da CART 2716 / BART 2917 (1970/72):

1º Sargento de Artilharia JOSÉ CARREIRA PEREIRA SANTOS 50453411
2º Sargento de Artilharia FIRMINO AUGUSTO PIRES 51106111
Furriel Mil. Alimentação JOAQUIM HORÁCIO OLIVEIRA MARQUES 01234769
Furriel Mil. Mecânico Auto ADELINO CABETE FONSECA 08792869
Furriel Mil. Enfermeiro ANTÓNIO REGO MEIRINHO 10725369
Furriel Mil. Transmissões FERNANDO SEVERO MENDES SILVA 02890068
Furriel Mil. Op. Especiais JOSÉ MARIA CARDOSO MARTINS 17221369
Furriel Mil. Atirador FRANCISCO MANUEL ESTEVES SANTOS 18613169
Furriel Mil. Atirador ELÍSIO MANUEL PINTO REI 01752169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ TRIGUEIRO PEREIRA LEONES 08514269
Furriel Mil. Atirador JÚLIO MANUEL AUGUSTO 02131169
Furriel Mil. Atirador JOSÉ DANIEL ALVES RIBEIRO 10186669
Furriel Mil. Armas Pesadas DAVID JORGE PINTO BARROS GUIMARÃES 17345368
Furriel Mil. Atirador DIAMANTINO ENCARNAÇÃO FERREIRA 07995869
Furriel Mil. Atirador JOAQUIM MANUEL PALMA QUARESMA 03818069
Furriel Mil. Armas Pesadas JOSÉ CARLOS FIGUEIREDO HENRIQUES 03299869

Guiné 63/74 - P11981: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O Jorge Ribeiro era um "gentleman"

1. Em mensagem do dia 22 de Agosto de 2013, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta "boa memória da sua guerra", apimentada qb, mas com a chancela de qualidade "Silva da CART".


Memórias boas da minha guerra

30 - O Jorge Ribeiro era um “gentleman”

Espinho, fora da época balnear, era uma espécie de aldeia grande onde nada faltava e onde se vivia aparentemente bem. Então, a praia estava sempre livre, os cafés sempre abertos, as lojas (modernas!), o Casino, os cinemas, os restaurantes e tascos também. Por isso, Espinho era muito frequentado pelos jovens das povoações vizinhas, que prolongavam desta forma as saudosas conquistas de verão e, também, pelos mais idosos que “arrastavam” consigo as famílias para se descontraírem. Enquanto os maridos se concentravam nos tascos para as várias “provas”, as esposas passeavam de montra em montra, fazendo contas para mais uns pequenos “investimentos” no guarda-roupa. Entretanto, os filhos divertiam-se (supostamente) próximo da avenida e as mães, já bem instaladas nas esplanadas, bebiam chá frio, servido de requintados bules de porcelana, acompanhado de guloseimas. Assim, iam esperando o regresso dos “provadores” retardados.

O regresso a casa era, naturalmente, mais difícil devido ao excesso das “provas” (normalmente referidas como encontros de interesse comercial com clientes ou pessoas de influência proveitosa) e ao excesso de chá frio. Os filhos (normalmente filhas) acumulavam mais algumas histórias de namoricos ou capítulos de um romance que pretendiam tomasse a direcção do... altar.

Como eu vivia a cerca de 8 quilómetros, gostava muito do mar e daquele ambiente cosmopolita, também dava tudo para ir a Espinho. Inicialmente, eu e os meus amigos, esforçávamo-nos para arranjar boleias na ida e, assim, garantirmos, com alguma segurança, o regresso. Muitas vezes, perdíamos mais tempo nestas tarefas do que na desejada estadia.

Na foto, a partir da esquerda: Ribeiro, Rita, Piteira e Silva

Conheci o Jorge Ribeiro em Vendas Novas durante o Curso de Sargentos Milicianos. Como éramos poucos “cá do Norte”, não foi difícil descobri-lo dentro do grupo dos “morcões”. Como era de Guimarães, também tinha “a pronúncia do Norte”.

Ele era um Senhor. Pose (quase) aristocrática, de relacionamento fino, bastante educado e muito ponderado. Sempre limpinho e bem passado a ferro, fumava com estilo, e aparentava uma certa independência financeira.

Mais tarde caímos em Espinho (Paramos), no GACA-3, a colaborar na formação (de recrutas), em várias “fornadas de carne para canhão”. A aprendizagem considerada essencial era pôr os magalas a desfilar no seu juramento de bandeira. O trabalho dos graduados era, depois, avaliado essencialmente pela demonstração de “cagança” exibida pelo seu grupo no respectivo desfile.

Era quase o início do verão de 1966. Sempre que estávamos livres, corríamos para Espinho, onde o ambiente balnear era já bastante atractivo. Como ele era um jogador de xadrês de topo, a nível nacional, sentia necessidade de prática continuada. Como não tinha com quem jogar, incentivava-me a aprender e a enfrentá-lo, segundo os seus ensinamentos. Cheguei a segurar-me até aos 10/12 lances.
Depois, era só penar.

Silva vai ao banho

Num desses serões encontrei a Lenita, uma vizinha que estava a estudar em Espinho, hospedada em casa particular. Estava acompanhada da Geninha, uma amiga dela, de Espinho. Enquanto que a Lenita, bastante vivida, já estava comprometida com um rapaz que estava em Moçambique, a Geninha era mais jovem e inexperiente nestas coisas de relacionamentos amorosos...

Convivemos em Espinho, onde a maior parte das vezes era usada a clássica “estratégia” de “vamos ver a sardinha a saltar” que consistia em visitar a zona dos pescadores (extremo sul) para ver a labuta na recolha das redes, puxadas por bois, que era um espectáculo!
Esta era uma pequena deslocação da “zona controlada”, que as mães toleravam. O “problema” é que, com aquela excitação, aliada ao desejo de conquista, terminava, muitas vezes com um “pequeno afastamento” até às dunas, que se seguiam. E não demorou muito tempo a seguirmos todo esse percurso.

A jovem Geninha, sem ser uma sereia daquelas de deslumbrar o picadeiro da avenida, não deixava de ser uma mocetona. Aloirada, sardenta e de olhos verdes, atraía bastante. Mas, o que a fazia destacar mais era um bom par de mamas, bem arredondadas e firmes, que causavam os mais atrevidos olhares e os mais pecaminosos pensamentos. Talvez por isso e porque a sua família a protegia bastante, a miúda retraia-se muito no seu relacionamento.

Enquanto o Ribeiro me fazia o favor de acompanhar a “comprometida” Lenita, eu lá me ia entusiasmando não só com os olhos verdes da Geninha mas, para ser franco, cada vez mais obcecado pelo escultural e sagrado “par de jóias”. Logo que tropeçámos nas dunas, pus em prática todos os predicados copiados do Clarke Gable, do RocK Hudson, do Burt Lancaster e do Rodolfo Valentino. Porém, por mais que me esforçasse, ela não afastava os cotovelos da “área de investimento”. Foram momentos de muitos risinhos e gritinhos abafados, mas também de muita luta. E como nestas coisas do amor, não se deve forçar, o escasso tempo disponível terminou rapidamente com um grito da Lenita, aflita com o nosso desaparecimento do seu campo visual.

Passaram-se uns dias, sem que eu mostrasse entusiasmo na companhia da Geninha. Apenas demos um pequeno passeio na direcção da Praia Azul, por detrás da Piscina. E foi nessa altura que surpreendi o Ribeiro e a Lenita que se derretiam em “marmelada”. Logo que se encontrou comigo a sós, ela desculpou-se:
- Ele está para lá para Moçambique e não vai passar sem fazer umas “coisas”. Eu tenho o mesmo direito de me ir divertindo.

A Lenita como merecia toda a confiança da família da Geninha, assumiu a responsabilidade de a levar para sua casa em Feirães, para passar um fim-de-semana. O que ninguém imaginava era que as duas amigas se disporiam a ir para o Porto passar a noitada de S. João.

Estacionámos o carro em frente à cervejaria da CUF, mesmo junto das bombas de gasolina. Dali seguimos para a Baixa e subimos a Rua de Sto. António, também conhecida pela Rua 31 de Janeiro como homenagem aos revoltosos do Porto, ali vencidos em 1891…

Cerca da meia-noite e na Rua Sta. Catarina já era um turbilhão de gente a descer e outro a subir. E com a entrada dos que subiam a Rua de Stº António, as correntes misturavam-se e provocavam encontros e desencontros forçados.

O Ribeiro ia na frente e eu atrás, presos pelas mãos. Eu conhecia aquilo de anos anteriores mas, como costumava ir “desacompanhado”, não senti problemas. Porém, desta vez, quando me apercebi de tanta gente a “ajudar”, puxando pela Geninha, dei tudo para não a largar. O problema é que os gajos empurravam-me e eu fiquei “em suspensão” na corrente que descia.

Já eram cerca das 3 horas da manhã quando os encontrei de novo. Estavam sentados nos degraus da igreja de Santo Ildefonso, ali a... pouco mais de 50 metros. Tentei animá-los e apontei o objectivo: sardinhas e caldo verde nas Fontaínhas (zona mais escura e mais romântica...).

Seguimos pela “corrente” da Batalha e, logo ali, frente à Messe de Oficiais e, apesar de convicto que a cena não se repetiria, voltei a ficar isolado. Incrível! Ainda os procurei durante mais de uma hora, mas em vão. Cansado e com os pés pisados, vim para junto do carro, onde os esperei até cerca das 7 horas! Já era dia.

Chegaram esgotados e a cambalear, a queixarem-se de dores nos pés. Deitei os olhos às mamas da Geninha, bem guarnecidas por uma fina camisola branca com duas flores dilatadas com a pressão interior, e pareceu-me rever ainda a quantidade de mãos compridas e dedos esticados a apalpá-las selvaticamente. Então ela, olhando candidamente para um vasinho de manjerico, que trazia, disse:
- Nunca mais venho ao S.João.
- Eu também não. Juro! – complementei.

E o Ribeiro confessou-me baixinho:
- Eu nunca casarei com uma mulher que tenha ido ao S. João do Porto.

Mais tarde, já em casa, ao mexer nos bolsos dei com uma pequena cartolina amarela, com a seguinte quadra:

Fui contig’ao S.João 
Pronta pra me divertir 
Com o pássaro na mão 
Morcão, deixast’o fugir.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10186: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (29): O Floriano "Florita" e o tio que pescava

Guiné 63/74 - P11980: Notas de leitura (514): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo ao relato que o investigador Piero Gleijeses fez à presença cubana na Guiné-Bissau.
Cabral foi o único político africano que pareceu importante a Che Guevara.
A ajuda cubana materializou-se a nível de bolsa de estudo, abastecimentos básicos, formação militar e assistência médica, sobretudo quando Fidel Castro visita Conacri em 1972 move-o a necessidade de apoiar quem apoia o PAIGC, é hoje matéria inequívoca. A maior parte destes voluntários cubanos guardou as melhores recordações em ter combatido ao lado das formações do PAIGC.
É impossível estimar-se a importância do apoio cubano, mas sabe-se que foi determinante no campo da saúde e nas tarefas indispensáveis em termos da regulação de tiro em artilharia.

Um abraço do
Mário


Os cubanos na Guiné (2)

Beja Santos

“Misiones en Conflicto”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro que estamos presentemente a analisar e onde se carateriza a presença cubana na luta armada, a partir de 1966.

Acerca da assistência médica feita por cubanos, Luís Cabral escreveu na “Crónica da Libertação”: “Os cuidados médicos aos nossos combatentes e às populações das zonas libertadas alcançaram um nível inteiramente novo com a chegada dos primeiros médicos cubanos em 1966”. Não havia médicos guineenses, com a exceção do Dr. Baticã Ferreira, natural de Canchungo. Alguns enfermeiros guineenses aderiram à luta armada, mas em número insuficiente. Os médicos cubanos chegaram a acompanhar os combatentes, mas regra geral permaneciam nos hospitais improvisados, a população estimava-os muito. Mário Moutinho Pádua, médico português, trabalhava em Ziguinchor. Havia também um médico panamiano, Hugo Spadafora que trabalhou no interior da Guiné cerca de 9 meses, e mais outro, o jugoslavo Ivan Mihajlovic; e um outro mais, o doutor Binh, um professor vietnamita da Universidade de Hanoi.

Entre 1966 e 1974, houve, em média, 15 a 20 médicos enfermeiros cubanos que serviram no interior da Guiné e em Boké, na República da Guiné Conacri. A importância da sua contribuição é relevante, recorde-se que durante toda a guerra não excedeu o número de 12 os médicos não cubanos que prestaram serviço médico durante a guerra. É claro que se foram formando guineenses no decurso da guerra, como foi o caso de Paulo Medina, que se graduou em 1969 na Universidade Patrice Lumumba, de Moscovo. Foi Paulo Medina que informou Piero Gleijeses que durante a guerra se tinham formado oito médicos guineenses, todos eles em Moscovo. O PAIGC só passou a ter médicos guineenses a partir de 1968.

Tanto os médicos como os militares eram voluntários, de pele escura, como especificamente pedira Cabral. O que os motivava? Era a mística da guerra de guerrilhas, como um deles contou ao autor: “Sonhávamos com a revolução, desejávamos fazer parte dela. Eramos jovens e filhos de uma revolução”. Altruístas e aventureiros, quiseram ir para o estrangeiro defender a sua própria revolução. Não podiam receber elogios públicos em Cuba. Partiam sabendo que a sua história iria permanecer em segredo. Não ganharam medalhas nem recompensas materiais. Uma vez regressados, não podiam contar as suas façanhas, era este o pacto que tinham subscrito, diziam sempre que tinham estado a estudar na União Soviética. Houve uma cubana que esteve na Guiné-Bissau, Concepción Dumois, que ali passou 4 ou 5 meses, em 1967. Foi a primeira mulher cubana que combateu em África.

A vida destes voluntários era muito austera. Tinha acesso a comida enlatada, arroz, açúcar, feijão, óleo e azeite e até recebiam algum dinheiro para comprar alimentos frescos. Mas quando a comida chegava, era sempre repartida com outros guineenses. Um deles tentou fazer batota com guerrilheiros muçulmanos, disse-lhes que as conservas eram de carne de porco, mas eles replicaram que não havia problema, Alá não podia ver dentro da mata tão fechada… A média de permanência destes voluntários rondava os 18 meses. O local de descanso era Boké, uma pequena povoação de 2 a 3 mil habitantes.

A Guiné-Bissau era o único lugar do mundo em que combatiam os cubanos, em Maio de 1972, quando Fidel Castro visitou pela primeira vez África. Era também o único lugar do continente em que um movimento guerrilheiro desafiava com sucesso um regime colonial. Nesse tempo, a CIA escrevia que num futuro relativamente próximo o PAIGC poderia ser o primeiro movimento de libertação subsariano a ganhar uma guerra contra um regime branco. Castro esteve na Guiné-Conacri e Argélia, a caminho da Europa Oriental e da URSS. A Argélia era importante para restabelecer vínculos estreitos após a saída do poder de Ben Bella, a Guiné-Conacri era a retaguarda indispensável do PAIGC. Castro garantiu apoio a Sékou Touré, em Agosto desse ano partiram para Havana 133 estudantes, no ano seguinte mais 100.

Ao tempo em que Castro visita Conacri o PAIGC ganhava internacionalmente mais terreno, basta pensar na visita da missão especial do Comité de Descolonização das Nações Unidas. Em 14 de Novembro desse ano, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu o PAIGC como único representante legítimo. A situação tornara-se irreversível quando em 2 de Novembro de 1973 a mesma Assembleia aprovou uma resolução condenando a “ocupação ilegal pelas foças militares portuguesas de alguns setores da República da Guiné-Bissau e os atos de agressão cometidos contra o povo da República”. Um militar cubano escreveu no início de 1974: “Prevemos que os portugueses não estão em condições de resistir a uma ofensiva do PAIGC por mais de um ano”.

Refletindo sobre o PAIGC vitorioso, o autor refere o rigor de apreciação que Cabral fazia sobre os apoios que recebia. Uma visita que ele fez em 1972 à RDA disse sem papas na língua: “A Suécia ajuda-nos mais que um bom número de países socialistas juntos”. No entanto, foi o bloco soviético que lhe ofereceu a ajuda decisiva: armas e munições, bolsas de estudo, apoio material e político. Cuba foi igualmente um fornecedor de treino militar, abastecimentos e bolsas de estudo. E deu-lhes combatentes e médicos, como o jornal do PAIGC sempre referiu: “Nos momentos mais difíceis da nossa guerra de libertação, alguns dos melhores filhos da nação cubana estiveram junto dos nossos guerrilheiros, não se pouparam a sacrifícios para que a liberdade e a independência chegasse ao nosso país”. Como observa o autor, o PAIGC não era um movimento marxista e os seus líderes decidiram que a Guiné-Bissau iria figurar entre os países não-alinhados.

A União Soviética começou a ajudar o PAIGC em 1962. A presença militar cubana, a partir de 1966, complementou e ampliou o aporte soviético, os cubanos estiveram na preparação das armas de tecnologia que cada vez mais complexa que eram enviadas pela URSS. Mas na Guiné-Bissau, Cuba seguia a sua própria política. As origens da relação de Cuba com o PAIGC nada tiveram a ver com a União Soviética, eram o resultado da viagem de Guevara ao continente africano, foram intensificadas pela presença de Cabral na Conferência Trilateral. Guevara ficara desiludido com o que vira no Zaire e mesmo com o MPLA. Cuba via na luta contra as colónias portuguesas um caminho para enfraquecer o Ocidente e trazer-lhe novos amigos. Morreram 9 cubanos na guerra da Guiné e 1 foi capturado (capitão Rodríguez Peralta). Do mesmo modo que Havana não obedecia à pressão soviética enquanto ajudava o PAIGC, também os voluntários cubanos viveram a guerrilha pela sua própria determinação. O autor regista depoimentos de antigos combatentes cubanos que se diziam enamorados pelas gentes e o território.
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Nota do editor

Vd. poste de 23 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P11979: Memória dos lugares (246): Livro da 1.ª Classe do PAIGC recolhido nas matas do Cantanhez (2) (António Teixeira)

1. Dizia-nos o nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) na sua mensagem de 24 de Agosto de 2013:

O PAIGC E A INSTRUÇAO PRIMARIA*

Durante a minha "estadia" na CCaç 6, em Bedanda, e numa das várias operações que fizemos em pleno Cantanhês, numa altura em que se resolveu abrir uma estrada entre Cadique e Guilege (que nunca chegou a acabar), de forma a desbaratar a mata do Cantanhês, onde o PAIGC "passeava" e tinha diversas bases logisticas, numa dessas operações dizia eu, assim de repente, demo-nos em pleno centro duma dessas bases, na altura já abandonada, embora há muito pouco tempo.
Nesse local, onde havia uma escola e uma espécie de hospital de campanha, foi recolhido algum material, entre eles um livro de instrução da 1ª classe.

Hoje, ao remexer em algumas das minhas memórias, encontrei esse livro. Não perdi tempo e digitalizei algumas das suas páginas, onde é por demais evidente, a propaganda politica e pré militar que era incutida às suas crianças.

Assim, e sem mais delongas, quero com vocês partilhar esse achado. Em algumas das páginas sublinhei certas palavras ou frases que achei importante.
Finalmente podem reparar na conta capa, que este livro foi feito em Uppsala, na Suécia.

Um grande abraço a todos
António Teixeira











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Nota do editor

(*) Vd. poste anterior de 25 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11977: Memória dos lugares (245): Livro da 1.ª Classe do PAIGC recolhido nas matas do Cantanhez (1) (António Teixeira)

domingo, 25 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11978: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (4): O diacho da cicatriz

1. Em mensagem do dia 19 de Agosto de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:


O PÓS-GUINÉ 65/67

4 - O DIACHO DA CICATRIZ

E quando contei o acontecido ao meu "velho" ele apenas disse, lá do alto da sua sabedoria:
- Então não és tu, quem está sempre a ajudar os mais pobres do que nós? - E não é ao marido duma dessas, que dás as tuas roupas, mesmo já gastas?

Esclareço que o meu PAI era Homem trabalhador, Técnico Superior na área da construção civil e sem a sua mestria não se fariam ou consertavam casas.
Várias vezes o vi a preparar a massa de cimento, a que adicionava areia qb e água, que misturava com a enxada e a força dos seus braços. A pasta daí resultante, colava os tijolos um a um. Feita, pegava nela em baldes de lata, que transportava aos ombros e vertia junto aos pedreiros.

E estes sempre a pedir mais:
- Ó Manecas traz massa...
- Se queres pressas, vem fazê-la... porra.(não era bem esse o termo que utilizava, só que a minha "superior" cultura não me permite dizer a verdadeira palavra... começada por éfe).
Também caiava casas e ensinou a conduzir, pois que tinha sido condutor na tropa.

No dia em que regressei da minha Guiné, fez questão de fazer uma festa e convidar os que por mim lhe haviam perguntado e até o Senhor Padre Frederico esteve presente, vejam bem !!!
Comeram-se uns barbos apanhados à rede e à socapa, no rio Sôr, umas galinhas assadas na brasa de lenha de azinheira e até uns coelhos mansos, à caçadora, (com sabor a bravos que lhes era e é dado pela carqueja) nascidos e criados à moda antiga lá na capoeira do nosso quintal, onde e para além disso, também tínhamos umas rolas que tão boas eram, fritas em banha.

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Aqui na Enciclopédia que é e será o nosso Blogue, tenho aprendido (e só vou a meio)... muito e devido às publicações de quem por aqui vai dissertando.
Há quem opine, há quem descreva o que passou o que não é fácil... há quem discorde e quem concorde com a guerra, QUE NÃO FOMOS NÓS A INICIAR e também os que nunca desembainharam a espada e dizem o pior dos piores dos que lhe protegeram a vida.

Eu que e apesar de não ter sido voluntário, mas obrigado, (e como eu mais um milhão dos jovens que nunca admitimos a deserção embora o pudéssemos ter feito), apenas cumpri o Dever imposto e com muito gosto.
O que ansiava era regressar para junto das família que deixara aqui e tive sempre presente a frase um Senhor chamado De Gaulle, (pessoa que sendo tão alta, eu nunca convidaria para apanhar figos comigo) qu'até chefiou os destinos da França e que quando da partida das tropas francesas para a Argélia, disse:
- Na guerra, ou matas ou morres.

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E A GUINÉ... SEMPRE PRESENTE

Ao proceder a uns arrumos de caixotes de pau feitos, cheios de teias de aranhas (e até uma centopeia com mais ou menos 15 centímetros de lá saltou e que esmaguei impediosamente com o pé esquerdo pois que o direito mal mexe) encontrei duas fantásticas peças, sendo uma delas importante e de tal maneira me salvou de problemas, que julgo ter de lhe dedicar umas escassa palavras.

Então lá vai:

Quando pediram à minha CCAÇ 1422, para salvar a Pátria e nos colocaram no K3, foram-nos distribuídas armas novas em folha, desde a G3 especial distribuída aos graduados que era aquela, qu'até tinha bipé e fazia de metralhadora, e também virgens eram, os morteiros 60 de origem espanhola e que se revelaram falsos com'ó caraças.
Para quem não saiba, particularmente para os que nunca foram ao mato (mas que tão importantes foram, porque uma guerra sem uma boa retaguarda, não ata nem desata) e nem sequer usaram armas ou meteram uma bala na câmara (não deviam era orgulhar-se disso e há quem o faça) para esses sempre vos digo que o morteiro era:

Assim uma espécie de tubo, fechado num dos lados, e que fazia atirar para cima, uma granada (uma espécie de supositório, mas muito maior) depois de a pousarmos nas bordas desse mesmo tubo e a largarmos e no lado que estava aberto, naturalmente.
Ao chegar lá abaixo e já devidamente programada com uns adicionais para que fosse cair no chão e no local que pretendíamos, ou seja a 100 e por aí fora, metros, ao chegar lá abaixo, repito e ao bater num pinchavelho mais conhecido por percutor, ela (a granada) saía disparada que nem ginjas e lá ia na sua nobre missão de nos defender, qual remédio contra melgas, mosquitos e outros parasitas incomodativos assim "tipo" o IN.

Ao sair provocava um típico ruído, tal e qual como quando descalçamos um sapato apertado... daqueles que fazem calos no dedo mindinho. Era pressuposto fazer tiro a tiro e nunca tiro de rajada.
Devia estar assente em qualquer coisa rija mas não o prato base, qu'era pesado e não levávamos e por isso usávamos o capacete, embora nas bolanhas de pouco servisse, pois que mesmo assim acabava por se enterrar naquela porcaria lamacenta.

Pois e de acordo como lá em cima referi "falsos com'ó caraças", quis eu dizer que o percutor, que nos modelos que usara em treinos na Metrópole era b'óptimo, este, partia à terceira granada disparada, quando não logo à primeira, o que obstaculizava a eficiência da defesa, dado que tínhamos de mudar o dito cujo, usando para isso a tal peça com 10 centímetros de comprimento, que servia para desatarraxar o fundo e colocar um novo e que encontrei, guardei e a quem devo se calhar o facto de estar ainda por aqui.

Vai acompanhar-me d'ora em diante, aqui na minha pasta qu'uso a tiracolo.


FALEI-VOS DA MINHA AMADA CHAVE DE FENDAS.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11951: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (3): O bi-fascita da cicatriz

Guiné 63/74 - P11977: Memória dos lugares (245): Livro da 1.ª Classe do PAIGC recolhido nas matas do Cantanhez (1) (António Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73) com data de 24 de Agosto de 2013:

O PAIGC E A INSTRUÇAO PRIMARIA

Durante a minha "estadia" na CCaç 6, em Bedanda, e numa das várias operações que fizemos em pleno Cantanhês, numa altura em que se resolveu abrir uma estrada entre Cadique e Guilege (que nunca chegou a acabar), de forma a desbaratar a mata do Cantanhês, onde o PAIGC "passeava" e tinha diversas bases logisticas, numa dessas operações dizia eu, assim de repente, demo-nos em pleno centro duma dessas bases, na altura já abandonada, embora há muito pouco tempo.
Nesse local, onde havia uma escola e uma espécie de hospital de campanha, foi recolhido algum material, entre eles um livro de instrução da 1ª classe.

Hoje, ao remexer em algumas das minhas memórias, encontrei esse livro. Não perdi tempo e digitalizei algumas das suas páginas, onde é por demais evidente, a propaganda politica e pré militar que era incutida às suas crianças.

Assim, e sem mais delongas, quero com vocês partilhar esse achado. Em algumas das páginas sublinhei certas palavras ou frases que achei importante.
Finalmente podem reparar na conta capa, que este livro foi feito em Uppsala, na Suécia.

Um grande abraço a todos
António Teixeira














(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11965: Memória dos lugares (244): Hospital Militar de Bissau: não há duas memórias iguais (Mário Beja Santos)