Poemombro ou o ombro amigo
Para o Zé Belo,
nestes dias
em que o absurdo lhe bateu à morte;
em memória de Britt-Marie (*)
Às vezes a gente pensa
que o mundo vai desabar.
Às vezes a gente teme
que o céu vá cair
em cima das nossas cabeças.
Às vezes a gente deixa de ver,
e de sentir.
E até de pensar.
Às vezes a gente vê que não há luz,
que estamos num túnel, escuro,
que não há luz ao fundo do túnel,
que há alguém que te diz,
perentório, seguro:
– É o fim! Acabou-se!
Ou então:
– É bom que esqueças,
desiste, parte para outra!
Às vezes a gente tem dúvidas.
E pergunta se vale a pena.
Se valeu a pena,
a vida, em retrospetiva.
Às vezes a gente até duvida do amor e da amizade
dos que nos amam e gostam de nós.
Às vezes a coisa parece que está feia,
às vezes parece que tudo é feio.
Que a coisa está preta e feia,
a vida, o país, o mundo à nossa volta,
os outros,
o marido ou a mulher.
os filhos,
os amigos,
os colegas de trabalho,
os vizinhos,
os concidadãos,
os homens e as mulheres do teu país,
a humanidade, por fim globalizada.
Às vezes dá-te uma enorme vontade de chorar.
E de parar no caminho.
E de chorar numa pedra do caminho.
Às vezes a gente quer desistir de caminhar.
A gente sente que lhe faltam as forças,
e que já que foi longe de mais.
Que não nascemos para caminhantes,
que já fizemos a nossa parte,
que já cumprimos o nosso papel,
que as pernas estão cansadas.
As pernas.
O corpo.
A alma.
Os músculos.
Os neurónios.
Os ossos.
Que andamos a caminhar há muito tempo,
que já demos a volta ao mundo não sei quantas vezes.
Às vezes a gente apercebe-se
que tem uma enorme vontade de chorar.
Mas que não tem lágrimas para o fazer,
não tem sequer forças para o fazer.
E é então que nos dá uma raiva danada,
telúrica, fulminante, brutal,
uma raiva de vulcão.
E descobrimos, então,
o terrível vulcão que há em nós.
E a gente, de repente,
dá de novo à chave de ignição.
... E retoma o caminho.
Querido amigo:
eu sei que não podemos competir com os vulcões,
que só explodem de mil em mil anos,
ou de cem mil em cem mil, tanto faz.
E que são uma força bruta da natureza.
Brutal.
Fulminante.
Telúrica.
Mas temos o direito de explodir,
de dizer o que nos vai na alma.
Temos o direito ao nosso vulcão,
tu tens direito ao teu vulcão,
tens direito mesmo ao teu vulcãozinho.
O direito de mostrar o que te dói no corpo e na alma.
De explodir.
De chorar.
De chorar de raiva.
Ou mesmo baixinho.
A única diferença, além da escala de tempo,
é que os vulcões não têm uma ombro amigo.
Para chorar.
Para encostar a cabeça e chorar.
Hoje ou amanhã,
(...) Comentário de L.G.:
Meu querido Zé Belo:
Ainda há dias falavas da tua casa na Lapónia com candura, ternura e uma estranha ponta de saudade, premonitória…
Às vezes a gente teme
que o céu vá cair
em cima das nossas cabeças.
Às vezes a gente deixa de ver,
e de sentir.
E até de pensar.
Às vezes a gente vê que não há luz,
que estamos num túnel, escuro,
que não há luz ao fundo do túnel,
que há alguém que te diz,
perentório, seguro:
– É o fim! Acabou-se!
Ou então:
– É bom que esqueças,
desiste, parte para outra!
Às vezes a gente tem dúvidas.
E pergunta se vale a pena.
Se valeu a pena,
a vida, em retrospetiva.
Às vezes a gente até duvida do amor e da amizade
dos que nos amam e gostam de nós.
Às vezes a coisa parece que está feia,
às vezes parece que tudo é feio.
Que a coisa está preta e feia,
a vida, o país, o mundo à nossa volta,
os outros,
o marido ou a mulher.
os filhos,
os amigos,
os colegas de trabalho,
os vizinhos,
os concidadãos,
os homens e as mulheres do teu país,
a humanidade, por fim globalizada.
Às vezes dá-te uma enorme vontade de chorar.
E de parar no caminho.
E de chorar numa pedra do caminho.
Às vezes a gente quer desistir de caminhar.
A gente sente que lhe faltam as forças,
e que já que foi longe de mais.
Que não nascemos para caminhantes,
que já fizemos a nossa parte,
que já cumprimos o nosso papel,
que as pernas estão cansadas.
As pernas.
O corpo.
A alma.
Os músculos.
Os neurónios.
Os ossos.
Que andamos a caminhar há muito tempo,
que já demos a volta ao mundo não sei quantas vezes.
Às vezes a gente apercebe-se
que tem uma enorme vontade de chorar.
Mas que não tem lágrimas para o fazer,
não tem sequer forças para o fazer.
E é então que nos dá uma raiva danada,
telúrica, fulminante, brutal,
uma raiva de vulcão.
E descobrimos, então,
o terrível vulcão que há em nós.
E a gente, de repente,
dá de novo à chave de ignição.
... E retoma o caminho.
Querido amigo:
eu sei que não podemos competir com os vulcões,
que só explodem de mil em mil anos,
ou de cem mil em cem mil, tanto faz.
E que são uma força bruta da natureza.
Brutal.
Fulminante.
Telúrica.
Mas temos o direito de explodir,
de dizer o que nos vai na alma.
Temos o direito ao nosso vulcão,
tu tens direito ao teu vulcão,
tens direito mesmo ao teu vulcãozinho.
O direito de mostrar o que te dói no corpo e na alma.
De explodir.
De chorar.
De chorar de raiva.
Ou mesmo baixinho.
A única diferença, além da escala de tempo,
é que os vulcões não têm uma ombro amigo.
Para chorar.
Para encostar a cabeça e chorar.
Hoje ou amanhã,
em qualquer dia do ano ou da semana
Sempre que te apetecer,
sempre que te der raiva de chorar.
Se os amigos têm algum préstimo
é justamente para saber ouvir.
Ouvir, escutar, entender.
Mais do que falar,
analisar,
explicar
ou compreender.
Para estar contigo.
Simplesmente para estar ao pé de ti.
Ou para te segredar ao ouvido
qualquer coisa que te faça sorrir.
Sempre que te apetecer,
sempre que te der raiva de chorar.
Se os amigos têm algum préstimo
é justamente para saber ouvir.
Ouvir, escutar, entender.
Mais do que falar,
analisar,
explicar
ou compreender.
Para estar contigo.
Simplesmente para estar ao pé de ti.
Ou para te segredar ao ouvido
qualquer coisa que te faça sorrir.
Mesmo que seja um sorriso amargo.
Ao ouvido, baixinho.
E sobretudo para te oferecer o ombro amigo:
pode até ter pouco préstimo,
mas sempre é mais macio e quente
do que a pedra do caminho.
Ao ouvido, baixinho.
E sobretudo para te oferecer o ombro amigo:
pode até ter pouco préstimo,
mas sempre é mais macio e quente
do que a pedra do caminho.
Luís Graça (**)
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14257: In Memoriam (217): Britt-Marie, esposa do nosso camarada José Belo, faleceu no passado dia 12 de Fevereiro
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14257: In Memoriam (217): Britt-Marie, esposa do nosso camarada José Belo, faleceu no passado dia 12 de Fevereiro
Meu querido Zé Belo:
Ainda há dias falavas da tua casa na Lapónia com candura, ternura e uma estranha ponta de saudade, premonitória…
Falavas dessa casa, no passado… ”Para a minha família, esta casa mais não é que um refúgio de paz. Para a manter com os níveis de conforto, modernidade e funcionalidade neste isolamento extremo, é claro que se torna necessário um custo económico considerável e, não menos, um planeamento contínuo e sempre bem antecipado. As profissões, tanto da minha mulher como a minha, permitiram, felizmente, os largos períodos em que aqui nos refugiámos. “…
Alguns dias depois do teu escrito, largamente comentado, em tom descontraído, ligeiro e bem-humorado, morre a tua companheira de uma vida, e a mãe dos teus filhos!...
Acabo de ler a brutal notícia no nosso blogue, num dia em que, ao mesmo tempo, celebramos com alegria os 100 anos de uma mulher grande, a decana da nossa Tabanca Grande, que há um ano perdeu o seu filho mais novo, o nosso saudoso Pepito.
Zé, ficamos aparvalhados, desarmados, despidos, indefesos, perante uma notícia tão devastadora como é a perda do amor da nossa vida. Sei que não somos deuses, não somos imortais, mas nunca estamos (nem estaremos) preparados para receber, assim, de chofre a notícia da morte de quem amamos…
Zé, apesar da distância física, apesar do sofrimento por que estás a passar, tu e os teus filhos, fica com a certeza de que, na tua pátria, por muita madrasta que ela tenha sido contigo, tens bons amigos e camaradas que estão contigo, nesta hora de provação. São muitos os ombros amigos com que podes contar na nossa Tabanca Grande, e onde podes reclinar a cabeça e chorar, porque só os homens choram, de dor, de raivo e de impotência, quando o absurdo lhes bate à porta …
O absurdo tocou-te à porta, meu bom amigo.
Saibamos honrar a memória da tua Britt-Marie que , para além de te ter dado um lugar no seu coração, dei-te também uma segunda pátria, um doce lar e uma família maravilhosa.
Zé, acabei de chegar ao Porto, vindo do meu refúgio em Candoz, e fiquei destroçado ao saber esta notícia. Recebe um xicoração apertado, meu, do João e do resto da minha família, a Alice e a Joana. (...)
Alguns dias depois do teu escrito, largamente comentado, em tom descontraído, ligeiro e bem-humorado, morre a tua companheira de uma vida, e a mãe dos teus filhos!...
Acabo de ler a brutal notícia no nosso blogue, num dia em que, ao mesmo tempo, celebramos com alegria os 100 anos de uma mulher grande, a decana da nossa Tabanca Grande, que há um ano perdeu o seu filho mais novo, o nosso saudoso Pepito.
Zé, ficamos aparvalhados, desarmados, despidos, indefesos, perante uma notícia tão devastadora como é a perda do amor da nossa vida. Sei que não somos deuses, não somos imortais, mas nunca estamos (nem estaremos) preparados para receber, assim, de chofre a notícia da morte de quem amamos…
Zé, apesar da distância física, apesar do sofrimento por que estás a passar, tu e os teus filhos, fica com a certeza de que, na tua pátria, por muita madrasta que ela tenha sido contigo, tens bons amigos e camaradas que estão contigo, nesta hora de provação. São muitos os ombros amigos com que podes contar na nossa Tabanca Grande, e onde podes reclinar a cabeça e chorar, porque só os homens choram, de dor, de raivo e de impotência, quando o absurdo lhes bate à porta …
O absurdo tocou-te à porta, meu bom amigo.
Saibamos honrar a memória da tua Britt-Marie que , para além de te ter dado um lugar no seu coração, dei-te também uma segunda pátria, um doce lar e uma família maravilhosa.
Zé, acabei de chegar ao Porto, vindo do meu refúgio em Candoz, e fiquei destroçado ao saber esta notícia. Recebe um xicoração apertado, meu, do João e do resto da minha família, a Alice e a Joana. (...)