segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20116: Notas de leitura (1214): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1627), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Não se deve esperar desta literatura de viagens uma qualquer visualização da Guiné do século XX, tal como a conhecemos. Estes navegadores e comerciantes partiam habitualmente da ilha de Santiago e percorriam a Costa naquilo que mais tarde veio ficar a ser conhecido por Grande Senegâmbia, ou seja, Senegal, Gâmbia, a atual Guiné-Bissau, a orla da Guiné-Conacri e a Serra Leoa. Repare-se como na descrição de André Donelha se fala livremente do reino da Etiópia, aliás vários autores falarão da região guineense dando-lhe o nome de Etiópia Menor. A Serra Leoa era fundamental por causa do ouro, naquele tempo ninguém falava em diamantes. A descrição de Donelha deixa bem claro que a nossa presença o que é hoje a Guiné era francamente residual.

Um abraço do
Mário


Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (2)

Beja Santos

Dando continuidade ao que há de melhor da literatura de viagens na Costa da Guiné, desde o século XV ao século XVII, dirigimos a atenção para um relato que, não podendo competir no brilho da observação da obra de André Álvares de Almada, complementa e enriquece muita informação anterior sobre as paragens entre o rio Senegal e a Serra Leoa. O Almirante Teixeira da Mota trabalhou arduamente neste documento e na investigação sobre o autor. Vamos agora dar a palavra a Donelha, perceber como o seu sentido crítico e a sua capacidade de observação se tornaram um valioso contributo para a literatura de viagens do século XVII. Logo no capítulo 2, falando de árvores, diz que as malagueteiras são umas árvores que dão boa madeira, altas; a casca pisada serve de estopa para os navios e dela se faz morrões e mexas para escopetas de boa brasa. Os frutos são umas malaguetas compridas como dedos de galinhas; Tem por dentro sementes e pimenta. O veludo é árvore de boa altura, dá boa madeira; o fruto do tamanho de um botão de veludo preto e dessa cor e afeição, tomada nas mãos engana a muitas pessoas por ser macio e parece ser veludo, mas não se come. Diz que há na Serra Leoa um unicórnio e Teixeira da Mota comenta assim:  
“Os primeiros portugueses que viajaram ao longo da costa da Serra Leoa trouxeram de perto do Cabo do Monte um cativo africano que em Lisboa asseverava que havia unicórnios na sua terra (leia-se Cadamosto); e em 1470 alicorne era um dos produtos da Guiné declarados como monopólio real. O produto era presumivelmente o chifre do rinoceronte, ainda que seja duvidoso que algum tenha sido obtido na Guiné”.

No capítulo 7 fala dos Sossos e Comchos e dos imperadores chamados Farins que há pelo sertão do nosso Guiné e do grande Mandimansa. Diz que os Sossos são muito belicosos guerreiros. A sua terra é rica de ouro, marfim, panos, ferro, gado vacum, carneiros. São grandes frecheiros; as suas frechas são de ferro, envenenadas. Fala igualmente de Farim Cabo, é o Farim que está mais ao Norte de todos, pelo sertão do rio da Gâmbia, a mais de 120 léguas, onde está o porto de Cantor, onde há grande resgate de ouro, cera e marfim. Este Farim em Mandinga. O outro Farim chama-se Farim Brasó, está sobre o rio grande de Bonabo, é também nação Mandinga. Este Farim é senhor de diversas nações – Casangas, Banhuns, Bramos, Balantas, Beafares e outras nações. Há um outro Farim que é o Farim Cocali que está sobre os Nalus e é também terra de grande resgate de ouro. Diz que das terras destes Farins vem todo o ouro que corre pelo nosso Guiné. Todos pagam um tributo ao grande Mandimansa, que é o monarca de toda a Etiópia. A este grande rei devem obediência os Fulas, Jalofos, Berbecins, Mandingas e todos os demais reis que há para além da Serra Leoa.

Diga-se a propósito que o topónimo Serra Leoa foi empregado pelos portugueses nos séculos XVI e XVII para designar uma longa extensão de cota da Guiné, normalmente do cabo da Verga ao cabo do Monte. A descrição de Donelha prossegue no rio Sanaga, província de Jalofos e diz que o rio de Sanaga é um dos três rios maiores que há no nosso Guiné. É muito largo, alto, todo de água doce; pode-se navegar por ele com naus grossas mais de cem léguas. Deste rio Sanaga para a banda do Sul corre o reino dos Jalofos. O seu rei intitula-se Grão Jalofo. A Costa dos Jalofos corre até ao Cabo Verde. E diz que os Jalofos é gente mui guerreira, mui valentes cavaleiros e mui destros a cavalo. Estes Jalofos eram gentios: há menos de 80 anos que tomaram a lei de Mafamede. Vivem no seu reino judeus portugueses e portugueses cristãos, que andam lá lançados.

Falando no do resgate e trato comercial, Donelha refere coiros, ceras, marfim e algum ouro, se lá vai navio das ilhas de Cabo Verde, como antigamente iam quatro ou cinco navios carregados de cavalos, lá se carregavam de escravos e outras coisas. Homens e mulheres andam bem vestidos, com sapatos mouriscos calçados.

Donelha prossegue viagem e fala-nos de Cantor, terra onde há grande resgate de tudo e refere o rei Fula Dulo Demba, que chegou ao reino dos Beafares em Guinala (Quínara e Forreá), nosso porto antigo do rio Grande de Buba, o melhor e da melhor escravatura e toda a Guiné. Saiu-lhe ao encontro Famena, rei dos Beafares, os Fulas foram vencidos, o rei Dula Demba morto, ficando tantos mortos e cativos, que, por memória, dos ossos dos mortos, depois dos corpos serem gastados das aves, fizeram os Beafares uma grande cerca.

Estamos finalmente no capítulo 14, descreve-se a viagem da costa que corre do rio de Gâmbia até ao de S. Domingos, depois rio Grande de Guinala e Biguba, diz-se que se passou do rio de Casamansa cujos habitantes são os Cassangas, ali há um rei mui ufano guerreiro, amigo dos brancos, mui liberal de nome Masatamba, que conquistou o reino dos Banhuns. Descreve costumes e diz-nos depois que Cacheu é terra dos Bramos e observa que o rei dava por um cavalo, se fosse bom, 10 a 15 negros. A viagem de Donelha prossegue até Bolama e depois dá-nos uma pormenorizada descrição da Guinala de cujo reino fala com detalhe, reconhecendo-lhe a importância para o comércio.

Da leitura que se faz desta descrição de Donelha depreende-se que os navegadores e mareantes tinham uma visão bastante fluída do território desta porção da costa Ocidental africana, não há um só documento que nos deixe uma ideia clara o que se entendia por “o nosso Guiné”. Acresce que a descrição deixa na sombra a presença de outros navegadores e comerciantes, neste tempo de domínio filipino o mais poderoso adversário eram os holandeses, seguindo-se os ingleses e os franceses. Não há uma menção à presença missionária mas há referências esporádicas a lançados e aos escassos representantes da Coroa. Em jeito de conclusão, a nossa presença episódica estende-se do rio Senegal à Serra Leoa, neste tempo aquilo que virá a ser a Guiné Portuguesa é um território longínquo, não mensurável.

Mapa de África datado de 1572 
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Notas do editor

Poste anterior de 26 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20095: Notas de leitura (1212): Descrição da Serra Leoa e dos Rios da Guiné de Cabo Verde (1625), por André Donelha, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1977, prefácio de Avelino Teixeira da Mota (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20109: Notas de leitura (1213): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (21) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > Cerca de um centena de membros da família Ferreira participaram no seu 6º encontro anual (que se realiza desde 1985)... O próximo já está marcado para 29 de agosto de 2020.


A capela de Fandinhães, o que dela resta (o altar mor) (séc. XIII)






A capela de Fandinhães(séc. XIII); cachorro.apresentando um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais.




Capela de Fandinhães (séc. XIII): o adro, uma das duas tampas sepulcrais, esta  com a representação de uma espada.


Marco de Canaveses > Penha Longa e Paços de Gaiolo > Fandinhães > Rota do Românico > 35. Capela de N. Sra. da Livração de Fandinhães (c. meados séc. XIII)




"Hoje titulada Capela da Senhora da Livração, a antiga Igreja de São Martinho de Fandinhães constitui um verdadeiro enigma. Quando o visitante se aproxima, vislumbra o que parece ser um edifício arruinado. 

"A tradição refere o seu desmantelamento e a documentação não o contradiz. As escavações arqueológicas (2016) confirmam-no por terem identificado os alicerces das paredes norte e sul da nave, na continuação do atualmente visível à superfície.


"Aqui se cruzam várias influências românicas. As figuras apoiadas em folhas salientes no portal encontram-se também nas Igrejas de Travanca (Amarante) e de Abragão (Penafiel). No adro veem-se vestígios de uma cornija sobre arquinhos, motivo comum no românico da bacia do Sousa, que a esta chegou via Coimbra. Os toros diédricos nas frestas evidenciam a influência portuense, provinda da região francesa de Limousin. As "beak-heads" [cabeça de animal com um bico proeminente] na fresta lateral sul lembram a influência do românico beneditino do eixo Braga-Rates.

"Embora a maior parte dos cachorros exiba motivos geométricos, um deles apresenta um exibicionista, figura masculina representada nua e com a mão direita sobre os órgãos genitais, motivo encontrado na Igreja de Tarouquela (Cinfães).

"No adro, duas tampas sepulcrais: uma com a representação de uma espada e outra com uma cruz inscrita." (Fonte: Rota do Românico > Capela de Nossa Senhora da livração de Fandinhães, com a devida vénia...)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Pode vir a ter, talvez, no futuro,  algum interesse, documental, para a sociologia e a história da família em Portugal, as festas de família que se realizam anualmente, um pouco por toda a parte, no verão, no nosso país,em espaços públicos, ao ar livre, geralmente em parques de merendas.



Afinal, porque é que as famílias se encontram ? Para se conhecerem (os mais novos), para voltarem às "raízes" (os que vivem na cidade ou no estrangeiro), para matarem saudades (os que estão longe), para partilharem memórias e afetos, para recuperarem sabores e cheiros da infância / adolescência, para reforçarem laços de parentesco e aliança, para exercerem a arte do dom (a obrigação de dar, receber e retribuir), para dizerem bem e mal uns dos outros, para fazerem, nalguns casos, as pazes e enterrarem o machado de guerra, para conviverem, para se divertirem... enfim,  para celebrarem a vida e exorcizarem o medo da doença, da incapacidade, da dependência, da solidão,  da infelicidade e da morte...



É o caso da família Crispim & Crisóstomo (, que os nova-iorquinos João e Vilma Crisóstomo têm vindo a animar, no verão, em Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, sempre que vêm a Portugal). Ou é o caso da família Ferreira, que tem o seu núcleo duro em Candoz, Tabanca de Candoz,  Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, a que o nosso editor, por casamento, com a Maria Alice Ferreira Carneiro (n. Candoz, 1945), se veio aliar em 1976, já lá vão mais de 4 décadas.



A família, alargada, da Alice (, que é Ferreira, do lado materno, e Carneiro, do lado paterno, ) reúe-se há 35 anos, no verão. Anteontem, dia 31 de agosto, juntaram-se  4ª gerações dos Ferreira e ficaram em comunhão espiritual com mais outras 4, que nasceram e cresceram nestas terras da bacia do Tâmega e Douro, pelo menos desde 1820.

O primeiro encontro foi a 29 de setembro de 1984, em Fandinhães, Paços de Gaiolo, terra antiquíssima, freguesia do extinto concelho de Bem-Viver, onde nasceu toda a 4ª geração, incluindo a Maria Ferreira, mãe da Alice e avó do João Graça, nossos grã-tabanqueiros.




Marco de Canaveses, Paços de Gaiolo, Fandinhães > 1984 > 1º encontro da família Ferreira > Ainda eram vivos os três casais dos quatro casais da 4ª geração: (i) António Ferreira ("Vitorino") e Amélia Rocha (com residência no Alto, Paredes de Viadores); (ii) Maria Ferreira e José Carneiro (residentes em Candoz, Paredes de Viadores); e (iii)  e Ana Ferreira e Joaquim Cardoso (residentes Cacia, Aveiro e, mais tarde, Leiria)...







O segundo encontro, no ano seguinte, em 1985, foi na serra de Montedeiras, no respetivo parque de merendes (, pertencente atualmente à freguesia de Sande e S. Lourenço do Douro, Marco de Canaveses). Enfim, perto de Fandinhães.



Por causa dos sucessivos "lutos" (, dos que morreram na sua idade, e dos que decidiram apressar a morte, e já foram três ou quatro!), os encontros interromperam-se, a partir desse ano, só se realizando o terceiro, em 10 de julho de 2011, em Paredes de Viadores, no parque de merendas da igreja de N. Sra. do Socorro. (Sim, que o luto é pesado, por estas bandas!)



O quarto encontro seria no mesmo local, dois anos depois, em 7 de setembro 2013; o quinto em 25 de agosto de 2018 e, agora, o sexto, em 31 de agosto de 2019. E o 7º já está marcado para 29 de agosto de 2020, sábado. 


35 anos depois do primeiro, parte da família (os mais novos...) ainda não tinha nascido.

Da geração nascida em Fandinhães, a 4ª (a contar de 1820), para além da Maria Ferreira (1913-1995), havia ainda os manos António Nunes Ferreira (1910-1990), Rosa Ferreira (1915-1960) e Ana Ferreira (1917-1995), todos filhos de Balbina Ferreira (1876-1938), casada com José Nunes Ferreira (,de alcunha ‘Vitorino’) (1875-1948).

O mais antigo Ferreira, até agora conhecido, é o avô da Balbina Ferreira, o João Ferreira(1821-1897), casado com Mariana Soares (1822-1895) (,considerada a 1ª geração), portanto:

(i) bisavô da Maria Ferreira;

(ii) trisavô do António Ferreira Carneiro;

(iii)  e tetravô das suas filhas (que são 4: Paula, Becas, Suzana, Romi);

(iv)  e pentavô dos filhos destas (que ainda não têm filhos);

(v) e  hexavô dos bisnetos da Rosa e do Quim [, Joaquim Barbosa,]  (um) e da Lena, viúva (dois)...




São estes as antepassados comuns, da família Ferreira, de Fandinhães, os conhecidos, por documentos escritos, os mais antigos, donos originalmente  das terras de Candoz e Leiroz: João e Mariana tiveram 6 filhos, 3 Ferreira e 3 Soares...

Enfim, quando se completar a árvore genealógica, ir-se-á descobrir que uma vulgaríssima família como os Ferreira é naturalmente muito mais velha, tão velha como qualquer outra família portuguesa aqui destas terras onde nasceu Portugal... (Não é por acaso que a rota do românico passa sobretudo pelos vales do Sousa e do Tâmega).
































Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Sitio da N. Sra. do Socorro > 31 de agosto de 2019 > 6º encontro da família Ferreira > Os elementos da festa...o pão, o vinho, a alegria, a música, a reinação, as cantigas à desgarrada, a dança, as crianças, oa adolescentes, os pais. os avós e os bisavós...Cada "família" trouxe o seu pestisco, que foi partilhado à mesa... Era já noitinha quando arrumou o trouxa e voltou às suas casas, uns mais perto, outros mais longe, com vontade de voltar no próximo ano, em 29 de agosto de 2020. Afinal, a vida são dois dias e a festa da vida deviam ser três... 




Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




No sábado passado, no, 6º encontro, marcaram presença cerca de uma centena de membros da família (, não couberam todos na fotografia que acima se publica, é praticamente impossível juntar todos para a "foto de família"):



(i) representantes da 5ª geração (a contar de 1820) (ou 4ª, a mais velha das gerações vivas), como o "mano mais velho", o António Ferreira Carneiro (n. 1939), o "brasileiro", filho de Maria Ferreira e José Carneiro (1910-1996); tudo gente na casa dos 70/80;  vários membros desta geração foram mobilizados para a guerra colonial / guerra do ultramar (Angola, Guiné, Moçambique): é o caso do "mano mais velho" da Tabanca de Candoz, o António, que esteve em Moçambique(1964/66), onde foi ferido com gravidade, sendo hoje DFA...

(ii) Representantes da 6ª geração (ou 3ª geração das 4 que estão vivas), como as filhas (quatro) do António e da Graça; tudo gente na casa dos 40/50;

(iii) Representantes da 7ª geração, a dos netos do António e da Graça; tudo gente na casa dos 10/20/30...

(iv) E já temos gente da 8ª geração: por exemplo, a matriarca Lena, prima da Alice,  trisnetas de João ferreira e Mariana Soares, sendo  a mais velha dos Ferreira vivos (n. 1935,  já é duas vezes bisavó);

Da 4ª geração, os pais da Alice, gente que hoje teria mais de 100 anos, não temos infelizmente já cá ninguém. Mas estão cá os seus descendentes:

(i) O mais velho era o António Nunes Ferreira, o ‘Vitorino’, o "brasileiro", que nasceu em 1910 e casou com Amélia Rocha, pais da Lena e outros;

(ii) A mais nova era a Ana Ferreira, nascida em 1917, e que casou com Joaquim Cardoso; tem netos e bisnetos no Brasil, que este ano não virão,mas também no Porto, em Aveiro, em Leiria...

(iii) As do meio eram a Maria Ferreira, que casou com José Carneiro; tiveram seis filhos, incluindo a Alice, que vive hoje na Lourinhã;




(iv) e a Rosa Ferreira, que casou com o José Vieira Mendes…

Em 2019, no 6º encontro, estava previsto publicar-se um livrinho com a árvore genealógica da família Ferreira, em edição revista e aumentada… Mais as receitas das nossas "comidinhas", as letras e as músicas das nossas "tunas rurais", bem como os "cantaréus"... Mas não tempo para tudo... Fica para o ano...




Este ano, como é habitual, não faltaram os comes e bebes, a música, a poesia, os afetos, a alegria, a dança, as paródias, as cantigas à desgarrada, a reinação...Sobretudo, elas, as "primas", são danadas para a brincadeira---



Por mera curiosidade, e para os eventuais leitores interessados, aqui ficam as quadras populares, encadeadas, que o poeta da Tabanca de Candoz, Luís Graça,  escreveu para a ocasião... 




1. 
Em Paredes de Viadores,
Temos encontro anual,
Os pequenos e os maiores
Da família Ferrei…ral!

2. 
Da família Ferrei…ral,
Vivos são quatro gerações,
Quem veio é bestial,

Quem não veio tem suas razões.

3.
Quem não veio tem suas razões,
Saúde, amores, dinheiro,
P’ra eles xicorações,
… Mas não dançam no terreiro.

4. 
Mas não dansam no terreiro,
Só dançam os qu’ aqui ‘stão, 
Os do Porto e os d’ Aveiro,
Mais os de cá do Marão.

5. 
Mais os de cá do Marão,
De Montemuro e da Abob’reira,
Do Brasil não virão,
E da Lour’nhã, a vez primeira.

6. 
E da Lour’nhã, a vez primeira,
Os tios Alice e Luís,
Ela é Carneiro e Ferreira,
E vai ser uma avó feliz.

7.
E vai ser uma avó feliz,
Entrando p’ró clube dos avós,
É a Rosa quem o diz,
Lá na Quinta de Candoz.

8. 
Lá na Quinta de Candoz,
Deu o bicho carpinteiro,
A notícia correu veloz,
Anda tudo muito foleiro.

9. 
Anda tudo muito foleiro,
Ai o meu braço, ai o meu joelho,
Queixam–se no cab’leireiro,
Ai que horrível ‘tou ao espelho.

10. 
Ai que horrível ‘tou ao espelho,
E já sou cinquentona,
A quem hei de pedir conselho ?
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona.

11. 
À ‘nha filha qu’ stá uma mocetona,
Quer casinha para casar,
E, como é uma valentona,
Muitos gajos p’ra namorar.

12. 
Muitos gajos p’ra namorar,
Ou só um, desde que rico,
Mas não sei como é que eu fico,
Longe de me poder reformar.

13. 
Longe de me poder reformar,
Queixam-se as nossas bonecas,
No duro, a trabalhar,
As sobrinhas Paula e Becas.

14. 
As sobrinhas Paula e Becas,
Da geração terceira,
Não são nada de panquecas,
Danadas p’rá brincadeira.

15. 
Danadas p’ra brincadeira,
Tal como os primos do Alto,
Tudo com costela Ferreira,
Para o baile, isto é um assalto.

16.
Para o baile, isto é um assalto,
Qu’a vida dois dias são só,
Diz, meio-soprano, contralto,
O nosso querido doutor Jó.

17. 
O nosso querido doutor Jó,
De filhas lindas escultor,
Mas do João não tenham dó,
Que a Catarina é um amor.

18. 
Que a Catarina é um amor,
Diz a Vera, a priminha,
P’ra vida ter mais sabor,
Vai-nos dar uma Clarinha.

19. 
Vai-nos dar uma Clarinha,
Que p’ro ano vem à festa,
Por ser também Ferreirinha,
E ter estrelinha na testa.

20. 
E ter estrelinha na testa,
É o Manel, neto da Zé,
Toda lampeira e lesta,
Que o batizo amanhã é.

21. 
Que o batizo amanhã é,
E até Deus ‘tá convidado,
Por ser um lindo bebé,
Diz o bisavô babado.

22.
Diz o bisavô babado,
O nosso Joaquim Barbosa,
Aos oitentas mais cansado,
Mas a vida é sempre gostosa.

23. 
Mas a vida é sempre gostosa,
Mais no Porto que em Barcelona,
Diz a Sofia, chorosa:
“Beijos, gato, da tua gatona.”

24. 
“Beijos, gato, da tua gatona”
Só pode ser p’ro Tiago
Anda ele numa fona
Só a mamã lhe dá afago.

25. 
Só a mamã lhe dá afago,
Que a coisa custa a passar,
Mas, ó homem cum carago,
Espanta os males, põe-te a tocar

26. 
Espanta os males, põe-te a tocar,
Viola ou acordeão,
Tua tristesa há de passar,
Diz-lhe o F’lipe, que é o irmão

27. 
Diz lhe o F’lipe, que é o irmão,
Outro dos nossos tocadores,
Primos são um batalhão,
E todos bons comedores.

28. 
E todos bem comedores,
Dos Mendes aos Cardoso,
Mão se acanhem, meus amores,
Que o arroz está gostoso.

29. 
Que o arroz está gostoso,
Parabéns à cozinheira,
E p’ra quem for mais guloso,
Temos o doce da Teixeira.

30. 
Temos o doce da Teixeira,
E nos versos deste poeta 
‘Tá a família toda inteira.
… Viva a festa, o resto é treta!

31. 
Viva a festa, o resto é tretas,
Viva a Lena, a matriarca,
Sortuda, tem duas bisnetas
E grande enxoval na arca.

32.
E grande enxoval na arca,
Já não têm gajas d’hoje,
Só querem roupas de marca,
Foge, moço, delas foge!

33. 
Foge, moço, delas foge,
Não é coisa que se diga,
Cada um tem o seu alforje,
Tanto rapaz como rapariga.

34. 
Tanto rapaz como rapariga
Cá da família Ferreira,
Não tem o rei na barriga,
Mas é gente de primeira.

35.
Mas é gente de primeira,
Qu’ honra seu antepassado,
E esta quadra é a derradeira,
A todos digo… obrigado!


Paredes de Viadores, sítio da Nª Srª do Socorro, parque de merendas, 31 de agosto de 2019


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Nota do editor:

domingo, 1 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20114: Escritos do António Lúcio Vieira (4): À noite o silêncio pesa-me... [do livro "25 poemas de dores e amores", vencedor da primeira edição do Prémio Literário Médio Tejo Edições, 2017]


António Lúcio Vieira - 25 poemas de dores e amores. Abrantes: Médio Tejo Edições - Origami Livros, dezembro de 2017, 64 pp. ISBN 9789899990814.


À NOITE O SILÊNCIO PESA-ME 

por António Lúcio Vieira

[ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67); 

natural de Alcanena, vive em Torres Novas; jornalista, poeta, dramaturgo, encenador; membro da Tabanca Grande, nº 794] (*)



Nasci aqui
neste patamar do tédio
por entre ventos e mistérios.
Nasci aqui
porque aqui me trouxeram as marés
e os ventos alísios do sul e as tempestades
e os ecos do tempo. E o espanto.
Cavaram-me as trincheiras do futuro
cinco reis mouros mais D. Sebastião.
Eu não.

Ás vezes à noite o silêncio pesa-me. 

Não era bem assim que imaginava o desfazer dos dias. 
Partiram há muito os do meu sangue 
porque sou do barro o pó
e não do ouro
onde se haviam de afogar se o pó brilhasse.

Nasci aqui
coberto por dossel de espinhos
resgatado à mortalha de um calvário.
Nasci nas ruas da servidão
onde não passa a luxúria nem a suspeita
que o dia de amanhã por obra de justiça
sepulte os ferros do martírio do meu berço
onde as penas deste jugo começaram. 


Nasci aqui. 
Não vos digo quando nem porquê
que nem eu próprio aprendi
as datas e as razões de se nascer
sem se dar conta de ter aberto os olhos
nem sequer de ter gritado a raiva
por ter sido parido ao deus-dará
e deixado às hienas que me traçam o futuro

António Lúcio Vieira



[Cortesia do autor, in "25 Poemas de Dores e Amores",  
vencedor da primeira edição do Prémio Literário Médio Tejo Edições, 2017]
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Guiné 61/74 - P20113: Blogpoesia (634): "Clique!", "Âncora" e "O fluir das horas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Clique!

Súbito. Um estalido.
A escuridão morreu.
Fez-se luz.
Surgiu o tema.
Ao som da Cavalgada das Valquírias,
Espargem centelhas.
Há fogo a arder.
Labaredas. Nuvens.
Cavalos a trote.
Tinem as espadas. A ferro e a fogo.
Há vencedores e vencidos.
Impérios da sorte.
Se almejam cenários.
Despojos no chão.
Se desfraldam bandeiras.
A vitória se canta.
Há festa.
Uma madrugada feliz...

Ouvindo Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner
Mafra, 25 de Agosto de 2019
19h44m
Jlmg

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Âncora

Cabeça ao alto e pés no chão.
Segurar bem firme para navegar depois.
Escolher bem o porto.
O perigo espreita e não vai perdoar.

Uma amarra ao cais.
Uma âncora ao fundo.
Nunca é demais.
A violência do tornado pode galgar o molhe.

No mar da vida, a tempestade assola.
Se não se tomar cautela,
O naufrágio é certo.
Só boas amarras.
A ligação a Deus é a paz total...

Bar 7 Momentos, 26 de Agosto de 2019
9h52m
Jlmg

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O fluir das horas...

As horas fluem. As folhas vão caindo no fluir do tempo, certo e lento.
As notas breves se sucedem doces, em suave melodia.
Capaz de apagar as mágoas e curar todas as feridas.

Letra a letra, se vai escrevendo o livro duma vida inteira, para lembrar.
Incessante, a fonte escorre e enche, pura de água, o lago fresco.
Invisível, o vento soa e sopra as núvens que vagueiam no céu, na paz da liberdade.
Cobrem-se de verde os campos após as sementeiras.
Em compasso livre se repetem as quatro estações do ano.
Como é bom saber que a bonança vem sempre, depois da tempestade.

Bar Castelão, 28 de Agosto de 2019
10h38m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20070: Blogpoesia (633): "Desengano", "Surpresas da vida" e "Espaços quebrados", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20112: Parabéns a você (1675): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 28 de Agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20101: Parabéns a você (1674): António Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Daimler 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1. Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)

sábado, 31 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20111: Os nossos seres, saberes e lazeres (351): Tavira, a encruzilhada de civilizações (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Abril de 2019:

Queridos amigos,
Regresso sempre a Tavira com curiosidade e nunca dali saio dececionado com aquele caleidoscópio cultural, os vestígios da Antiguidade bem prezados (intriga-me o que vai ser a pesquisa arqueológica do espaço romano de Balsa, ainda não percebi onde começa a fronteira da presença romana e acaba a fantasia), as belas igrejas, os passeios ao longo do Gilão, o espaço rural envolvente... E a Ria Formosa ali ao lado, e a sucessão de povoados, como Luz de Tavira, ainda a ecoar uma vida piscatória e aquele passado em que Tavira era inevitável ponto de passagem de e para as praças do Norte de África.
À falta de frase mais imaginativa, direi que Tavira propicia uma viagem que nunca acaba, tem tais e tantos atrativos que só apetece regressar.

Um abraço do
Mário


Tavira, a encruzilhada de civilizações (3)

Beja Santos

O viandante dá-se muito bem com a História, a urbanística, a arquitetura civil, militar e religiosa, é impressionante o diálogo de confluências que aqui se estabelecem, é o peso natural de uma região onde se imanam, com flagrante coexistência, civilização e cultura. Percorre-se esta zona do rio Gilão, aqui se está extasiado com o incêndio do poente, já se foi muitíssimo mais adiante junto de ruínas de uma fortaleza, outrora importante para prevenir incursões de um vizinho hostil, sabe-se lá se até de piratas magrebinos, por ali se passeia entre muralhas que parecem ossadas jurássicas depositadas no areal, produto do assoreamento, assim se entra na cidade para este céu limpo percorrido por um cometa de fogo.


Tavira é o ponto do Algarve que mais diálogo oferece sobre civilizações, é possível entrar numa pousada e descer ao passado a falar fenício ou romano, é verdade que não há mesquitas mas a cultura árabe deixou impressionantes marcas de água, é cidade de igrejas cheias de caráter, mosteiros e ermidas, imagens preciosas a distintos cultos a santos, e há até mesmo uma ponte que parece simbolizar a ponte dessas culturas, o rio atravessa a cidade e parece não chegar ao mar, pura ilusão, cidade caleidoscópica, possuidora de uma arquitetura civil cheia de requinte, cidade de escala humana, naquele casco histórico um arranha-céus seria clara monstruosidade.




Já se disse, e qualquer viandante o pode confirmar, a arquitetura civil tavirense tem património prodigioso, próprio de uma rica burguesia argentária ou rural, não esquecer as ricas pescarias e a indústria de conservas, um mundo agonizante a caminho da Ria Formosa. O Palácio da Galeria, o mesmo é dizer Museu Municipal foi restaurado a preceito, vale a pena quem o visita deliciar-se com os seus tetos pintados. Visitar a Igreja da Misericórdia é ser confrontado com azulejaria requintada, assim como não faltam vestígios flagrantes de fenícios ou árabes, medievos ou modernos, há barroco de alta qualidade, é tudo uma questão de pedir informações sobre as igrejas, que são muitas. O viandante bem procurou uma publicação sobre casas solarengas, nada encontrou, o que não diminuiu o prazer da deambulação.



Nos escaninhos da memória, o viandante recorda o seu primeiro passeio fora de Lisboa, tinha 7 anos, a mãe comprou bilhetes na Rodarte para ir ver as amendoeiras em flor. A memória reteve campos que pareciam floridos pelos flocos de neve, isto passou-se em 1952, havia então um Algarve de quintas e muitas pitas, carroças, uma agricultura de subsistência, vendiam-se na berma da estrada figos com amêndoa, e a fruta local. Um modo de viver que entrou em ebulição na década seguinte, com a enxurrada do turismo de massas e as empreitadas para gente altamente abonada, veio a descaraterização de Olhão, Albufeira e Quarteira. Há poetas como Nuno Júdice que cantam essa maldição.




Nos arredores de Tavira, encontrou-se um parque para piquenicar, falava-se em gamos e eles apareceram, não com pezinhos de lã mas com olhar desconfiado e por ali andaram a mordiscar, a criançada em alvoroço, os gamos não lhes deram troco, foram buscar comida um pouco mais longe. A viagem chegou ao seu termo, regressa-se a Tavira e de saco às costas parte-se para a estação da CP, antes porém colhem-se duas imagens de registo antigo, com imenso prazer, é indício seguro que se descobre sempre algo de cativante, são os tais atrativos que asseguram a vontade de regressar. Como vai acontecer.



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Notas do editor

Poste anterior de 24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20090: Os nossos seres, saberes e lazeres (349): Tavira, a encruzilhada de civilizações (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20110: Os nossos seres, saberes e lazeres (350): a mítica estrada nacional, EN 304, em pleno Parque Natural do Alvão, entre Mondim de Basto e Vila Real... E finalmente conheci o "Ginho", "ao vivo e a cores", na sua terra natal, em terras de Basto, na "Casa do Lago"...(Luís Graça)