quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20180: Fotos à procura de... uma legenda (120): Seleção das minhas fotos do Festival Todos 2019... Parte III: enquanto fui ali e já vim... Ou, ainda, cumprindo a obra de misericórdia, "dar de beber a quem tem sede"... (Luís Graça)


Foto nº  283


Foto nº 366



Foto nº 367


Foto nº 370


Foto nº 288


Foto nº  285



Foto nº 300 


Foto nº 281


Festival Todos 2019, Lisboa, São Vicente: Largo da Graça e imediações. Animação de rua, pelo grupo de teatro O Bando...Largo da Graça, 22 de setembro de 2019: Aguadeiros Caminhantes

"Em trânsito por ruas circundantes ao Largo da Graça, um espetáculo do Teatro O Bando resultante de um processo de criação com os Confrades, formandos das oficinas teatrais que a companhia desenvolve em Palmela desde 2006, e com elementos do grupo de teatro do projeto Eu Amo SAC, baseado em Santo António dos Cavaleiros, Loures.

"Como se vindos de um outro tempo, aí estão os aguadeiros, saciando a sede a quem passa e tentando lembrar-nos desse instante único que, como a água, está sempre em transformação" (Fonte: Agenda cultural de Lisboa)


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Tenho um enorme respeito pela água (potável). E não gosto de a desperdiçar e nem de a ver desperdiçada... Seguramente lembranças da Guiné e das operações militares que fizemos... Levávamos dois cantis de água, para um dia... em operações de dois e três dias, em que o reabastecimento era sempre problemática... 

Algumas situações que lá passamos,  tiveram a ver, obviamente, com  cenas de guerra, pura e dura, mortos e feridos, situações-limite de vida ou de morte, mas também com insolações, ataques de abelhas "assassinas" ou de formigas "carnívoras"... E sobretudo de sede, muita sede... Com a fome lidava-se bem, mas com a sede, era outra história... E não havia cristãos ali por perto, muito menos galegos e escravos negros,  que nos dessem de beber, umas das 14 obras de misericórdia... Por isso chegavamos a beber o próprio mijo...

Estas negras lembranças vieram-me à memória, no Festival Todos 2019, ao observar e fotografar algumas sequências desta animação de rua... Vários pares de aguadeiros, caminhando pelo largo da Graça e suas imediações, ofereciam água, transportada em bilhas de barro vermelho e bebidas em canecas, também  de barro...Os pares estavam vestidos com trajes oitocentistas.

Curiosa a reação do público: uns alinhavam na brincadeira, outros recusavam liminarmente a oferta. Os turistas, sobretudo, deviam pensar que era uma "cena dos apanhados".. Por outro lado, o material em barro já não lhes é familiar... A olaria é essencialmente mediterrânica.

O rapaz transportava a bilha, a rapariga a caneca, aliás, tinha uma saca de canecas, que eram depois oferecidas... Ninguém se dava conta de que a caneca tinha um orifício, de lado, junto ao fundo, por onde a água se esvaía enquanto se tentava beber... 

Se quisermos, esta "brincadeira aparentemente  inocente"  era também um teste à nossa capacidade de empatia,  tolerância, descoberta, confiança e aceitação do outro que é diferente de nós... Eu também na Guiné ou em Angola, tenho dificuldade em pegar no copo ou numa garrafa, aberta,  que me oferecem com água, sumo ou refrigerante... "Nada de sumos naturais... (a cabaceira ,  a farroba, o veludo, o fole, o maboque) é a primeira recomendação da consulta do viajante... Aparentemente,  as razões são de saúde pública e segurança alimentar... Ou serão também outras, mais de natureza cultural ? Ou até social ?  

O Festival Todos (*)  é também um pequeno laboratório social onde as nossas (dis)semelhanças se confrontam e se misturam...  Mas, à partida, todos nós somos  "etnocêntricos", dos chineses aos portugueses, dos guineenses aos sírios... Em todo o caso, provei, mais uma vez, este ano, sem preconceito, as comidas do mundo, algumas elaboradas por refugiados (por exemplo, sírios) que estão aqui a viver, em Lisboa... E, claro, não faltou a mulher grande guineense com a sua banca de sumos naturais, onde não faltava a cabaceira... (Confesso que não os provei...). LG

PS - Regressei ontem da clínica... Correu tudo bem. Posso, pois, dizer que "já lá fui e já vim", tudo por mor do meu joelho esquerdo e da minha mobilidade... Fica aqui um especial agradecimento aos cirurgiões João Correia e Francisco Silva  (,membro da nossa Tabanca Grande,) e ao anestesista Verdelho da Costa e demais equipa do bloco operatório da Clínica da Reboleira (ou Clínica de Santo António / Grupo Lusíadas Saúde), extensivo ao restante pessoal de enfermagem e auxiliar do edifício A, 3º piso.

Guiné 61/74 - P20179: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte II


Foto 1 – Estado em que ficou a GMC da CCAÇ 423 (São João e Tite: de 22Abr1963 a 29Abr1965) por efeito do rebentamento de uma mina/fornilho [a segunda da historiografia da Guerra], colocada na estrada Nova Sintra - Fulacunda, accionada em 18 de Julho de 1963 (5.ª feira), de que resultou a morte do Ten Mil Inf Carlos Eduardo Afonso de Azevedo, natural de Nossa Senhora do Carmo, Luanda (Angola).

Recorda-se que a primeira mina/fornilho accionada no CTIG ocorreu às 09h00 do dia 03 de Julho de 1963 (4.ª feira), no mesmo itinerário acima, no sítio de Bianga, tendo-se verificado quatro baixas no contingente da CCAÇ 423, a saber: 1.º cabo António Augusto Esteves Magalhães, natural de Amares; soldado Alberto dos Santos Monteiro, de Soutelo, Rio Tinto, Gondomar; soldado José Isidro Marques, de Alguber, Cadaval, e o fur Inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural de Nossa Senhora das Dores, Ilha do Sal (Cabo Verde). Este último militar seria evacuado para o HMP, em Lisboa, vindo aí a falecer em 16 do mesmo mês. Foi sepultado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa [Poste P17522]


Mapa do itinerário entre Nova Sintra e Fulacunda, assinalando-se BIANGA como sendo o local onde foi accionada a primeira mina/fornilho da historiografia da Guerra no CTIG.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem 225 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE II)


1. – INTRODUÇÃO

No poste  P20126 (*)  demos início à divulgação e análise dos primeiros resultados obtidos no novo projecto de investigação, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

Recordo que,  para além da colecta e organização quantitativa dos dados, um outro objectivo incluía a possibilidade de os completar com partes de algumas narrativas históricas, produzidas por cada um dos sujeitos nelas envolvidas, com recurso às memórias postadas no blogue e a outras que, por via do seu aprofundamento, encontrámos em diversos lugares. Estas serão abordadas nos diferentes fragmentos.

A opção por esta "especialidade" do organograma da organização militar foi influenciada pelo facto da primeira morte em combate ter sido a de um "condutor auto rodas" – Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca – episódio ocorrido durante o ataque ao aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, quando este cumpria o seu serviço de vigia noturno, contexto abordado no primeiro poste.

Porque se trata, como referido, de um "ensaio", o resultado final pode vir a ser alterado em função de outras informações complementares que possam surgir após a avaliação realizada por cada um de vós. A esta situação acresce, ainda, o facto de existirem registados, nos Dados Oficiais, óbitos onde consta somente o posto do militar falecido.

2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

A análise demográfica desta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu sobre os casos de mortes de militares do Exército da especialidade de "condutor auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), e identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

O tratamento estatístico, iniciado no primeiro fragmento, continuará a ser representado por gráficos e
quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. 

Considerando a análise apresentada no primeiro fragmento, o estudo mostra que dos 191 indivíduos que constituíram a população deste estudo, 178 (93.2%) dos casos eram soldados, enquanto 13 (6.8%) casos eram 1.ºs Cabos [gráfico acima].

Deste grupo populacional, verifica-se que o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram no CTIG (1963-1974), 171 (89.5%) eram militares continentais, enquanto 20 (10.5%) eram do recrutamento local. Quanto ao número de continentais, 162 (94.7%) eram soldados e 9 (5.3%) eram 1.ºs cabos. No âmbito do recrutamento local, 16 (80%) eram soldados, enquanto 4 (20%) eram 1.ºs cabos. (Gráfico a seguir)



3. – ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste ponto, em homenagem a todos os camaradas que tombaram em campanha - reforçada com os comentários do poste anterior - foram recuperadas algumas narrativas históricas sobre cada um dos cinco "casos" identificados neste fragmento (do total de trinta e três casos), bem como dos seus contextos conhecidos. 

Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.

Do total de 191 mortes de condutores auto rodas apuradas no período em análise (1963-1974), (n=112) tiveram origem no conceito de "combate" (58.6%), dividido por três categorias: (n=67) em "contacto" (emboscadas…) (59.8%), (n=33) por "minas" (engenhos explosivos…) (29.5%) e (n=12) em "ataque ao quartel" (aquartelamento, destacamento..) (10.7%), conforme se indica no quadro abaixo. [Nota: este quadro foi corrigido em função da análise dos registos oficiais quando comparados com a descrição das narrativas].




Quadro 1 – Quadro das causas de morte em "combate" de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (1963-1974) – (n=112)




Lista dos trinta e três "condutores auto rodas" que tombaram por efeito de "minas e/ou explosivos" durante o período em análise.


3.1 - 05 DE NOVEMBRO DE 1963: A PRIMEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA A/C - O CASO DO SOLDADO DOMINGOS RODRIGUES TORRES, DA CCAÇ 510, ENTRE XITOLE E BAMBADINCA

A primeira morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro [categoria de "minas"], foi a do soldado Domingos Rodrigues Torres, natural de Santa Maria Maior, Viana do Castelo, ocorrida em 05 de Novembro de 1963, 3.ª feira, no itinerário entre o Xitole e Bambadinca (Sector L1).

Pertencia à CCAÇ 510, do Cap Inf João Fernandes da Ressurreição, cuja comissão decorreu entre 20Jul63, chegada a Bissau, e 07Ago65, embarque para a Metrópole (Lisboa). Do ponto de vista da missão, esta Unidade, em 10Ago63, assumiu a responsabilidade do sector de Xitole, então criado, com um Gr Comb destacado em Saltinho, tendo substituído os efectivos da CCAÇ 412 (09Abr63-29Abr65, do Cap Inf Manuel Joaquim Gonçalves Braga) ali estacionados e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 506 e depois do BCAÇ 697. Por períodos variáveis, destacou forças para guarnecer outras localidades e pontos sensíveis da sua zona de acção [ZA], nomeadamente Quirafo, Camamungo, Cossé, Galomaro e a ponte do rio Pulom, entre outras. Os seus Grs Comb tomaram parte em acções de reforço das guarnições de Canquelifá, Ponta Varela e Ponta do Inglês. Em 16Jul65, foi rendida pela CCAÇ 818 [26Mai65-08Fev67, do Cap Inf José Manuel Pires Ramalho (1º) e do Cap Inf Humberto Amaro Vieira Nascimento (2º)], recolhendo a Bissau, onde permaneceu até ao embarque.

Porque nada consta no espólio de memórias publicadas no blogue, acerca da CCAÇ 510, tomei a iniciativa de recuperar uma imagem do mesmo itinerário Bambadinca-Xitole onde ao longo do conflito foram accionadas várias minas, como foi o exemplo seleccionado.


Foto 2 – Uma viatura civil, na Estrada (de terra batida) Bambadinca-Mansambo-Xitole, transportando cunhetes de granadas e, em cima, pessoal civil.

[Nessa mesma estrada, em 18 de Setembro de 1969, 5.ª feira, uma GMC da CCAÇ 2590 (CCAÇ 12; do camarada Luís Graça), com três toneladas de arroz, foi destruída por uma mina anticarro na ponte do rio Jago. Este itinerário, com cerca de trinta quilómetros, era a única via terrestre por onde se faziam as colunas logísticas de reabastecimento. [Poste P7354 e foto do Humberto Reis, com a devida vénia].


3.2 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' PAULO LIMA, DO PRECD 1129, EM 12.FEV.68, ENTRE CHÉ-CHE E CANJADUDE


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Paulo Lima, do Pelotão de Reconhecimento Daimler 1129, ocorrida em 12 de Fevereiro de 1968, 2.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, accionada no itinerário entre o Ché-Che e Canjadude (Sector Leste), consta do espólio de memórias publicadas no blogue [P13437], sendo considerada, do ponto de vista cronológico, como a décima sexta baixa registada na categoria de "minas".
Tendo em consideração os objectivos do presente trabalho, recuperámos, a propósito desta ocorrência, o que consta no "Diário da CART 1742", da autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, à qual lhe adicionámos mais algumas informações consideradas complementares.

Nos seus registos do dia 12Fev68, é referido o seguinte:

"Chegou a companhia [CART 1742, "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, de Set67 a Mai69, sob o comando do Cap Mil Inf Álvaro Lereno Cohen] da escolta a Béli, que fica na zona de Madina [do Boé]. No regresso, hoje de manhã, entre o Ché-Che e Canjadude, uma mina rebentou debaixo de uma das Daimler [do PRecD 1129; Nova Lamego, Ago66 a Mai68]. Morreu o condutor [Paulo Lima, natural de Cepões, Lamego] e o apontador ficou gravemente ferido, eram do pelotão Daimler [1129], que estavam prestes a ir embora. O IN não ataca a escolta, porque a aviação faz [fez] segurança voando sobre o trajecto que era percorrido pela companhia."



Foto 3 - A Daimler do P13437, com a devida vénia.


3.3 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARMINDO RIBEIRO DE SOUSA, DA CÇAÇ 1792, EM 14.JUL.68, ENTRE ALDEIA FORMOSA E BUBA


De acordo com o tratamento de dados realizado neste "ensaio", a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Armindo Ribeiro de Sousa, natural de Caramos, Felgueiras, pertencente à CCAÇ 1792 [02Nov67-20Ago69; do Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques (1.º)], ocorrida em 14 de Julho de 1968, domingo, no decurso da coluna de reabastecimentos entre Aldeia Formosa e Buba, foi a décima nona baixa na categoria de "minas" e aconteceu a quinhentos metros de Uane, na Região de Tombali.

A descrição desta ocorrência consta na resenha histórica do Batalhão de Caçadores 2834 [BCAÇ 2834; Buba (15Jan68-23Nov69) do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], em documento elaborado pelo 1.º Cabo Escriturário Francisco dos Santos Gomes, e disponível no sitio: https://guine6869. wordpress.com/historia-do-bcac2834/

Nele encontrámos o seguinte relato:

"Em 14 de Julho de 1968 [domingo], durante a coluna de reabastecimentos Aldeia Formosa/ /Buba/Aldeia Formosa, foi accionada pela 1.ª viatura da CCAÇ 1792 uma mina anticarro, na estrada Sare Donha causando 3 mortos (1 Sarg) e três feridos às NT e a destruição da viatura. [Os mortos foram: Soldado "CAR" Armindo Ribeiro de Sousa; Fur Inf Carlos Alberto de Sampaio e Melo Valente, de Izeda, Bragança e o Caç Nat Mamadu Uri Bari, de Aldeia Formosa]. Quanto às causas da morte do Caç Nat é mencionado de que este accionou uma mina anticarro, com dispositivo antipessoal, ficando pulverizado."



No decurso da presente investigação, encontrámos no poste  P5304 «As minhas memórias da guerra» do camarada Arménio Estorninho, uma fotografia de Aldeia Formosa, com data de Julho de 1968, pertencente à CCAÇ 1792, com uma viatura destruída por mina anticarro.



Foto 4 – Aldeia Formosa (Quebo) – Julho de 1968. A viatura destruída por mina a/c. Esta (?) era a da Rádio de Transmissões, tendo ocasionado a morte do Operador [Será que foi o Soldado Radiotelegrafista Joaquim Barreira, do PRecFox 2022? Na sua ficha de óbito consta a data de 24/07/68, um dia antes da indicada no poste. Era natural da Freguesia do Socorro, Lisboa. É referido, ainda, que a mina anticarro foi accionada em Bolola]. Será que estamos a sinalizar a mesma situação? 


3.4 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL JOSÉ COELHO PARREIRA, DA CART 2439, EM 07.OUT.69, ENTRE DUNANE E CANQUELIFÁ

Este episódio, de que resultou a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel José Coelho Parreira, natural de Faro do Alentejo, Cuba, da CART 2439 [Canquelifá; 15Nov68-05Out70, do Cap Mil Art António Regêncio Martins Ferreira (1.º)] – a vigésima quinta baixa de um 'CAR' na categoria de "minas" – é-nos relatado pelo furriel João Maria Pereira da Costa, da CCS/BART 2857 (Piche; 15Nov68-05Out70, do TCor Art José João Neves Cardoso), nos seguintes termos:

"No dia 07 de Outubro de 1969 [3.ª feira], pelas 06h30, saiu de Canquelifá para Dunane, uma coluna, como sempre, precedida por uma equipa de picadores, acompanhada de dois Grs Comb da CART 2479, um que ficou ao longo do itinerário montando segurança, outro que acompanhou até ao limite do subsector. Nada de anormal foi notado, tendo a coluna e o pessoal da segurança, regressado ao Aquartelamento, cerca das 12h00.

"Às 15h00, nova coluna saiu de Canquelifá para Dunane, decorrendo o percurso sem incidentes. Mas, no regresso, a cerca de 2 km do Aquartelamento, uma segunda viatura accionou uma mina anticarro reforçada, tendo ficado quase destruída, e gravemente feridos todos aqueles que nela seguiam. O rebentamento foi ouvido no Aquartelamento cerca das 16h30..


Foto 5 – Blogue do BART 2857, com a devida vénia


"Depois chegava uma viatura GMC que vinha à testa da coluna, e que passara no local sem accionar a mina, informando do que sucedera e pedindo socorros, pelo que saiu, imediatamente uma força constituída por um Gr Comb, duas Secções de Picadores e Pessoal de Enfermagem, tendo-se cruzado com um Unimog que trazia alguns feridos, pois ficara um, no local do desastre, entalado debaixo da viatura. Montada a segurança, iniciou-se uma picagem da zona, ao mesmo tempo que se libertava dos destroços, o ferido que faltava socorrer.

"Depois, já quase noite, ao reorganizar-se a coluna de regresso, um Unimog accionou outra mina anticarro, não detectada, sobre a qual já haviam passado várias viaturas, daí resultando mais feridos e a destruição daquela. Finalmente posta em movimento, uma coluna regressou ao Aquartelamento pelas dezanove horas, com cinco baixas, quatro da CART 2439, sendo um o soldado condutor Manuel José Coelho Parreira e os restantes, o 1.º cabo enf.º José Manuel Justino Laranjo, de São José da Lameirosa, Coruche; o soldado Joaquim Teixeira de Carvalho, de Solveira, Montalegre; e o soldado Manuel de Jesus Ferreira, de Cristelo, Barcelos, e, ainda, o soldado de Recrutamento Local, Satoné Colubali, natural de Bentém, Nova Lamego, da CART 2479."-



Foto 6 – Blogue do BART 2857,  com a devida vénia.


3.5 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL GUERREIRO JORGE, DA CCS/BCAÇ 2852, EM 16.OUT.69, ENTRE FINETE E MISSIRÁ

Esta última circunstância, seleccionada para constar no presente fragmento, está relacionada com a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel Guerreiro Jorge, natural de Santana da Serra, Ourique, ocorrida no dia 16 de Outubro de 1969, 5.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, na zona de Canturé, na Estrada Finete-Missirá, durante o regresso de uma coluna de reabastecimento realizada pelo PCaçNat 52, entre o destacamento de Missirá e Bambadinca.
O condutor Manuel Jorge pertencia à CCS/BCAÇ 2852 [30Jul68-16Jun70, do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º)], unidade que, ao render o BART 1904 (18Jan67-31Out68, do TCor Art Fernando da Silva Branco), em 16Out68 assumiu a responsabilidade pelo Sector L1, com sede em Bambadinca, abrangendo os subsectores de Xime, Xitole e Bambadinca. Este condutor estava em missão de serviço do PCaçNat 52, cujo Cmdt era, então, o Alf Mil Beja Santos (Missirá e Bambadinca, 1968/1970), que seguia nessa coluna e que viveu um "monumental sobressalto", como se pode inferir da descrição que o próprio partilhou no blogue no P2270 «Operação Macaréu à vista – Parte II: e de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos…». 

Sugiro a sua leitura na íntegra, pela impossibilidade de a repetir neste contexto. 


Foto 7 – O Beja Santos, Cmdt do PCaçNat 52, acompanhado com mais alguns militares da sua unidade, num Unimog conduzido por um dos condutores auto rodas da CCS do BCaç 2852, dias antes da ocorrência. Foto do P2270, do camarada Beja Santos, com a devida vénia.

Do "diário" desse dia, elaborado pelo camarada Beja Santos, retive o seguinte:

"A 16 de Outubro [de 1969], a coluna que parte de Missirá para Bambadinca vai à procura de mantimentos e combustível, para que não haja problemas logísticos momentosos para quem nos vem substituir. Prevê-se a chegada iminente do PCaçNat 54; um Gr Comb da CCaç 12 vai nesse dia a Mato de Cão; as populações civis de Missirá e Finete estão sem arroz; muitos dos soldados do PCaçNat 52 andam à procura de quartos em moranças na tabanca de Bambadinca; passo horas a apresentar-me junto dos senhorios e dos comerciantes locais como fiador na compra de camas e colchões. (…) É uma manhã que pronuncia o fim das chuvas, um céu azul de cobalto e despido de quaisquer nuvens caindo ao fundo na cobertura vegetal cor garrafa escuro, as picadas estão secas, o capim ergue-se louro como se fosse trigo. (…) Passa-se por Canturé; há árvores em flor; os picadores estão prudentes tal a densidade da vegetação; tal a poeira que se levanta no estradão. (…)

"Passamos a manhã numa roda-viva; sou fiador não sei quantas vezes; subo ao quartel; há conversas na engenharia; requisitam-se peças para o 'burrinho' [Unimog] (…). Depois é a compra de comida; deixo o Alcino Barbosa a regatear com os vagomestres. Logo a seguir ao almoço vou a Afiá comprar arroz, regresso com oito sacos. Junto ao paiol, pegamos em vários cunhetes de munições; as nossas operações logísticas estão finalmente concluídas. (…)

"No regresso: a travessia da bolanha é penosa; o "404" vai ajoujado com bidões, sacos de arroz, caixas de tudo, desde cerveja a esparguete. O entardecer encaminha-se perigosamente para o ocaso. O condutor Manuel Guerreiro Jorge, que veio esbaforido desde o Geba até Finete, sempre a fintar os buracões da bolanha com um peso anormal de mercadorias, fuma nervosamente um cigarro e pede-me para partirmos cedo, estamos mesmo a entrar no lusco-fusco. (…) No guincho à frente está Cherno Suane; sigo ao lado de Manuel Guerreiro Jorge [o condutor]; estamos ladeados por Alcino Barbosa e Arlindo Bairrada. No alto, sentado no bidão vai Mamadu Djau com a bazuca nas pernas. O condutor está cada vez mais nervoso com a semiescuridão que desce. Apaga o último cigarro e pergunta-me: - A que velocidade vamos, meu alferes? 

Peço-lhe, atendendo à segurança que julgo existir, "que vá a toda a velocidade até um pouco depois de Canturé; a seguir é que temos problemas, a picada está escorregadia até ao pontão de Caranquecunda. E a viatura parte à desfilada. Exactamente quando a recta de Canturé está no fim, um estrondo medonho levanta o "404"; os fios eléctricos silvam; a viatura afocinha na agonia; oiço o primeiro urro do condutor que pisou a mina anticarro: há a surpresa dos transportados; sou cuspido; sinto os óculos voarem; uma massa quente e ácida cega-me o olho direito; quer o destino que eu salte de escantilhão com a G3 na mão direita."

Esta foi a última coluna de reabastecimento do Pel Caç Nat 52 em Missirá, pois seria substituído dias depois pelo Pel Caç Nat 54, sendo esta a vigésima sexta morte de um condutor auto rodas por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, de seu nome: Manuel Guerreiro Jorge.


Foto 8 – O Fur Op Esp Humberto Reis (à esquerda) e o Alf Mil António Manuel Carlão (à direita), do 2.º Gr Comb da CCaç 12, examinando o estado em ficou o Unimog depois de ter accionado a mina anticarro em Canturé, estrada Finete-Missirá, em 16 de Outubro de 1969, de que resultou a morte do condutor auto rodas Manuel Guerreiro Jorge, natural de Santana da Serra, Ourique. Foto do P2270, do camarada Humberto Reis, com a devida vénia.

Nota: Os cinco "casos" descritos no presente fragmento, e os que se seguirão, não respeitam a ordem cronológica global das ocorrências. Esta opção, aleatória, teve por critério de escolha as diferentes datas, locais, épocas e missões, de modo a fazer-se, se possível, uma análise comparativa entre os acontecimentos.

Continua …

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

 Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

 Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
09SET2019
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Guiné 61/74 - P20178: Recordações e desabafos de um artilheiro (Domingos Robalo, fur mil art, BAC 1 /GAC 7, Bissau, 1969/71) - Parte I: aurado para todo o serviço militar

O Domingo Robalo, no BAC1, 
Bissau, 1969
RECORDAÇÕES E DESABAFOS DE UM ARTILHEIRO >

 Parte I: apurado para todo o serviço militar

por Domingos Robalo (*)




Durante o mês de junho de 1967, á beira de fazer 20 anos de idade, estou a viver na cidade de Almada.

Estou na inspeção médica para ingressar no serviço militar obrigatório. (A ida às sortes, como se dizia na época.)

Muitos dos meus colegas de escola e de trabalho, já tinham seguido “a salto” rumo a França ou à Alemanha.

A inspeção médica decorria no antigo quartel da GNR de Almada. Pergunta o médico, ladeado de dois enfermeiros mal-encarados e embigodados com “torcidinho”:


- Então rapazola, vês bem? És saudável?

- Sim, Sr. Doutor,  está tudo bem  
respondi eu com as pernas ligeiramente trémulas e com ar enfezado.


Domingos Robalo (2019). 
Foto de Manuel Resende
- Bem!.... vamos lá ver isso.

- Que letras vês ali ao fundo naquele painel?

- A, B, X, V…..

- Agora as de baixo...

Rapa de um carimbo e estampa num papel: “Aprovado para todo o serviço militar”.

Esta cena foi comum a milhares de jovens, meus compatriotas,  que vieram, nesta ambiência, a ter o seu primeiro contacto com a tropa.

Para mim já não era assim tão estranho. Por força da profissão do meu pai, já sabia, desde tenra idade, o que era um soldado, um sargento ou um oficial.

E esta hierarquização levou-me desde muito cedo a saber responder à pergunta que se faz a todos os jovens: "O que queres ser quando fores grande?"... Quero ser capitão!" 
- respondia,  garboso.

Não era tolo,  não senhor; é que eu via o capitão ser obedecido pelos soldados, cabos e sargentos a quem todos tinham respeito e alguns até subserviência.

Se os havia absolutistas e disciplinadores ou sem condescendência, também havia capitães corretos e respeitadores da dignidade dos seus comandados. Por isso uns eram “amados” pelos seus subordinados e outros odiados,  como de fossem filhos do diabo. 

Domingos Robalo:
 foto do BI militar (1969)
Esta diferença comportamental marcou toda a minha vida e mais ainda o período em que fui militar como tantos jovens do meu tempo.

Num amanhã dos primeiros dias do mês de janeiro do ano de 1968, saio de casa pela primeira vez,  deixando em pranto a minha mãe e com o peito esmagado pelo abraço do meu pai. Do meu irmão já me tinha despedido na véspera, já que, por se encontrar a trabalhar,  tinha saído mais cedo de casa.


Apanho o comboio em direção às Caldas [, linha do Oeste], onde vou fazer a recruta para o CSM (Curso de Sargentos Milicianos). Era o primeiro recrutamento de CSM, em que todos os mancebos possuíam, como habilitação académica, o 5º ano. (Entenda-se como equivalência ao atual 9º ano.)  

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Vd.. poste de 25 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20175: Tabanca Grande (484): Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; senta-se à sombra do nosso poilão sob o nº 795

Guiné 61/74 - P20177: Os nossos seres, saberes e lazeres (356): pelas ruas do meu Porto: o edifício da Liga dos Combatentes (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)




Porto > Rua da Alegria, nº 39  >  10 de julho de 2019 > Edifício da Liga dos Combatentes, Núcleo do Porto, antigo Palacete do Visconde de Pereira Machado, adquirido para o efeito em 15 de março de 1974 pelo então presidente do núcleo, coronel Mário Fernandes da Ponte

No sítio da Liga dos Combatentes pode ler.se_ "Este palacete, construído em meados do do século XIX, tornou-se uma das residências mais requintadas da cidade do Porto, célebre pelos sumptuosos bailes e brilhantes festas. Neste edifício funciona, além da estrutura administrativa, um Museu dedicado às 1.ª e 2.ª Guerras Mundiais, à Guerra do Ultramar, uma biblioteca e o Centro de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS).

"Das características arquitectónicas do palacete, com fachada granítica, encimada por frontão com brasão, escadaria interior imponente, estuques de estilo barroco, destaca-se a existência de uma das clarabóias mais belas da cidade."

O Núcleo do Porto da LC fica na  Rua da Alegria, 39 Porto - Tel: 222006101 - Horário: Segunda a Sexta 9h30 às 12h00 e das 14h00 às 18h00.


Fotos (e legenda): © Virgílio Teixeira  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem,  com data de 11 de julho passado. do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); é economista e gestor, reformado; é natural do Porto; vive em Vila do Conde; tem mais de 130 referências no nosso blogue]

Assunto - Fotos da Liga dos Combatentes,  Núcleo do  Porto


Luís, obrigado por te lembrares de mim, enviando estas belas fotos [do Cachi] (*)., que já comentei no Poste. Não sei se era para eu dizer alguma coisa sobre elas, mas são de outras guerras que não a minha.

Tenho andado na minha senda, nas minhas rotas pelo Porto, ontem de tarde foi na Liga dos Combatentes, finalmente me autorizaram a fotografar por dentro, daquele belo Palácio! Mas não tudo pois andam agora em obras.

Só que por fora, está tudo degradado, só quem sabe se apercebe que aquele edifício é da Liga, do Porto, porque tem lá numa porta o símbolo pequeno, depois é tudo ocupado por um restaurante churrasqueira os Leitões e uma pequena Pensão explorada pela Direcção, não percebo, é triste.
Fiz mais de 80 fotos, agora me apercebo que temos um espólio urbano fantástico, nunca ligava, passava como conhecia achava normal.

Estive na Lapa, Igreja da Nossa Senhora da Lapa, o Cemitério anexo antigo só para ricos, o Hospital-Ordem da Lapa onde nasceu a minha neta mais velha, e depois o Quartel General, ainda lhe chamo isso, mas é um enorme espaço ocupado com nada...

Vim a saber depois, que está depositado em lugar de alta segurança, na Igreja da Lapa, a maior que já vi até hoje, e que por lá andei na minha juventude, um 'coração' de um rei ou rainha, que foi doado pelo próprio, à cidade do Porto, a quando da revolução dosLiberais e outros mais. A última vez que foi visto foi em 2009, rodeado de altas cautelas, pois está em mau estado, está dentro de um recipiente com clorofórmio, isto nunca me passou pela cabeça.

Tenho fotos de Monumentos, Edifícios, Igrejas e outros Locais, ' de elevado interesse histórico, cultural e arquitectónico', por dentro e por fora, que não ficam atrás dessas que são publicadas pelo amigo Beja Santos, de lugares e países que nada têm a ver connosco.

Só que é preciso legendar tudo, e falta-me 'competência histórico-cultural e arquitectónico' para tão grande tarefa. É um trabalho para muito tempo.

Mas vou continuando, enquanto tiver pernas para andar, só me faz falta uma boa máquina com lentes especiais mais abrangentes, que estão fora de causa, isto é um trabalho amador só. (**=

Um abraço,

Virgilio Teixeira
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(**) Último poste da série > 21 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20166: Os nossos seres, saberes e lazeres (355): Montechoro, Albufeira, Lagos, Sagres (1) Mário Beja Santos)

Vd. tamném poste de 4 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19947: Os nossos seres, saberes e lazeres (336): As minhas loucuras no Porto... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P20176: Parabéns a você (1686): Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38.ª CComandos (Guiné, 1972/74) e António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20168: Parabéns a você (1685): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR 16 (Guiné, 1964/66)

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20175: Tabanca Grande (484): Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; senta-se à sombra do nosso poilão sob o nº 795


BI Militar do Domingos Robalo, ex.fur muil art. BAC1 / GAC 7, Bissau, 19659/71, novo membro da Tabanca Grande


Guião do BAC [Bataria de Artilharia de Campanha] nº 1: Lema: "Os olhos na Pátria e a Pátria no coração"


Guião do GAC [Grupo de Artilharia de Campanha], nº 7. Lema: "De armas fortes e gente apercebida"

Fotos (e legendas): © Domingos Robalo 2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Domingos Robalo, membro da Tabanca da Linha, 
a partir de 19/9/2019. Foto de Manuel Resende (2019)


1. O Domingos Robalo tem página no Facebook desde março de 2009 e administra também o grupo  Artilharia de Campanha na Guiné-BAC1/-GAC7;  filho de militar, foi fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau, 1969/71; vive em Almada, está ligado à Universidade Sénior Dom Sancho I, de Almada, onde faz voluntariado, desde julho de 2013, como professor da disciplina de "Cultura e Arte Naval"; trabalhou na Lisnave: é praticante de golfe; e passou  a integrar a Tabanca Grande, com o nº 795,  desde 21 do corrente, a par do Carlos Marques de Oliveira (nº 796) (*) e do António Manuel Carlão (nº 797), este a título póstumo. (**)


Recebi, há dias, a sua resposta, por mail, ao nosso convite

Data: sábado, 21/09, 20:27
Assunto: envio de fotos [37 anexos]

Olá, camarada e amigo Luís Graça.

Em primeiro lugar, o agradecimento pelo convite para estar presente no 45.º convívio da Tabanca da Linha, na quinta feira passada, dia 19.

Gostei de te conhecer assim como ao Manuel Resende, sem esquecer outros camaradas presentes, nomeadamente o Diniz Sousa e Faro, o António Marques Duque, o José António Chaves e o João Martins que foram meus camaradas da artilharia.

Foi também com grande satisfação que reencontrei o amigo Carlos [Marques de] Oliveira, que conheci há 50 anos, faz agora em setembro. Fez parte da artilharia, por força da formação que foi necessário levar a feito na Guiné, para complementar o quadro de sargentos e oficiais subalternos para operarem com os obuses 10,5 cm que havíamos recebido da "Metrópole".

Anexo algumas fotos que são uma pequena amostra da minha passagem pelo TO. Anexo, também um texto, um pouco extenso (14 pp.), que preparei o ano passado para ser incluído na publicação de um livro alusivo à passagem da CCAV 2482 (Boinas Negras), sediada em Fulacunda, e que a artilharia reforçou com 3 obuses 10,5 cm. É um pouco extenso, mas descreve vivências da minha vida enquanto militar miliciano.

Agradeço que confirmes a receção deste e-mail

Com um abraço,
Domingos Robalo


2. Resposta do editor Luís Graça, no passado domingo, dia 20:


Domingos, já recebi o teu "material", tudo em boas condições: imagens e texto em pdf... E já li, na vertical, com muito entusiasmo, as tuas"recordações e desabafos de um combatente."... Vou abrir uma série com este título adaptado, depois de te apresentar à Tabanca Grande... O teu texto é muito bom, e espero que venhas a contribuir com mais "recordações e desabafos" do nosso tempo de tropa e de guerra, para o blogue de todos nós... Vais sentar-te à sombra do poilão da Tabanca Grande no lugar 795, ao lado do Carlos Marques de Oliveira (nº 796).

Também passei pelas Caldas (e depois por Tavira), num curso a seguir ao teu. Para já, ficamos em contacto. E espero que o Jorge Araújo um belo dia destes nos convoque para a inauguração da tão prometida Tabanca de Almada...

Um alfabravo fraterno do Luís 

3. Mensagem anterior, com data de 19,  do editor Luís Graça, endereçada ao Domingos Robalo e ao Carlos Marques de Oliveira, na sequência do 45.º Convívio da Tabanca da Linha:

Tive pena de ser tão curto o tempo para a conversa, mais longa, que gostaria de ter tido convosco. Mas deu para nos conhecermos um pouco melhor. Ficamos em contacto uns com os os outros. Eu fico a aguardar as vossas prometidas fotos do "antigamente"... Podem também mandar fotos, bonitas, de hoje, tipo passe... E contarem as "histórias" que quiserem: se der para uma série de meia dúzia ou mais, abrimos uma série especial para cada um de vocês... Tipo "Memórias do BAC 1 / GAC 7" ou "Memórias do Pel Mort 2115"... Se houver história da unidade, podemos publicá-la em sucessivos postes...

Quanto aos vossos CV militares, creio que já sei o essencial para vos poder apresentar à Tabanca Grande (onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar).. Mas nada melhor do que um textozinho da vossa lavra...

Os vossos lugares, numerados, à sombra do nosso poilão (não há tabanca sem poilão...) estão reservados e já são vossos, de pleno direito: 795 e 796, respetivamente... Como veem, estamos a chegar aos 800 camaradas e amigos da Guiné, em quinze anos de existência do nosso blogue...

Na coluna estática do blogue, do lado esquerdo, já constam os vossos nomes enquanto "marcadores" ou "descritores"... O número de referências vai aumentando com os vossos contributos (textos, fotos...).

As nossas "regras editoriais" (, ou sejam, as normas de são e bom convívio entre nós, amigos e camaradas da Guiné), constam aqui-

Uma boa noite para os nossos dois novos grã-tabanqueiros. Mantenhas. Boa saúde e longa vida.
Luís 
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Notas do editor:

(*) vd. poste de 4 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20120: Facebook...ando (53): Grande foi a abnegação dos artilheiros no CTIG, a avaliar pelo que lá vivi e testemunhei (Domingos Robalo, ex-fur mil art, BAC 1 / GAC 7, Bissau e Fulacunda, 1969/71; reside em Almada)

(**) Último poste da série > 2 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20027: Tabanca Grande (483): Lúcio Vieira, ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), natural de Torres Novas, jornalista, poeta, dramaturgo, encenador: senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 794

Vd. também poste de 21 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20164: In Memoriam (348): António Manuel Carlão (Mirandela, 1947- Esposende, 2018), ex-alf mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel, Nhabijões e Bambadinca, 1969/71... Entra para a Tabanca Grande, a título póstumo, sob o nº 797.

Guiné 61/74 - P20174: Historiografia da presença portuguesa em África (178): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2017:

Queridos amigos,
Prossegue a anotação dos textos indispensáveis para cartografar a Guiné desde a chegada dos portugueses, em meados do século XV.
Zurara é a primeira trave-mestra, impõem-se outros a seguir como André Álvares de Almada, André Donelha, Valentim Fernandes, Luís de Cadamosto, Duarte Pacheco Pereira... a literatura de viagens é vasta e exuberante, nenhum investigador da região se pode furtar à sua leitura.
Lemos Coelho é considerado por muitos como a última grande figura desta narrativa de viagens até ao século XVII, as grandes páginas virão depois do século XIX, basta pensar na monumental memória de Honório Pereira Barreto. Nesta súmula, só se pretende que o leitor se sinta atraído pela curiosidade e o elevado pendor descritivo deste aventureiro e comerciante que terá percorrido a costa da Guiné por cerca de 23 anos.

Um abraço do
Mário


Francisco Lemos Coelho, aventureiro seiscentista na Guiné (1)

Beja Santos

“Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953, é considerado por diferentes investigadores como a última grande peça da literatura de viagens em redor da costa da Guiné. Esta edição integra manuscritos inéditos dos fins do século XVII, uma descrição da costa da Guiné desde Cabo Verde à Serra Leoa com todas as ilhas e rios que os brancos navegam, datada de 1669, e uma descrição da costa da Guiné, e situação de todos os portos e rios dela, e roteiro para se poderem navegar todos os seus rios, feita pelo Capitão Francisco de Lemos em São Tiago, 1684. Segundo Damião Peres, os textos têm afinidades clamorosas, serão seguramente deste Francisco Lemos Coelho que terá andado 23 anos por estes portos e paragens. Fala de Gonçalo Gamboa, que foi Capitão-Mor de Cacheu até 1650 e mostra conhecimento pessoal de eventos ocorridos no tempo dos Capitães-Mores Manuel Dias Quatrim e António Barros Bezerra, que foi Capitão-Mor interino. Morou em Cacheu e Bissau, passou a meninice em Guinala, viajou pelo Casamansa, atravessou por terra deste rio para o rio Gâmbia, navegou pelo Geba, percorreu as ilhas dos Bijagós e explorou a costa da Serra Leoa. Estacionou quatro anos na região da Gâmbia.

Vejamos a descrição de 1669. Di-lo claramente: “É terra da Guiné de que pretendo dar notícia, toda aquela terra que se estende do Cabo Verde, o qual ficaria em altura de 14º até ao focinho da Serra Leoa que fica em 7º, que esta é a terra que é navegação dos portugueses, assim moradores que vivem por todos os rios que estão neste distrito, como os que passam a estas partes a negociar, em o qual distrito há os reinos, portos, gentes e comércio que aqui se verá”.

Inicia o seu relato nos reinos Jalofos, todos com portos no mar, dizendo que o primeiro é o de Encalhor, em o qual o primeiro desta costa junto do mesmo Cabo Verde, depois é o porto de Gaspar, para o qual se há de passar numa ilhota a que os nossos chamam Buziguiche e os Flamengos dão-lhe o nome de Guré (Goreia). Ficamos a saber que os Flamengos dispunham de duas fortalezas e de uma feitoria, com uma guarnição até 100 soldados, aqui se vêm abastecer de couros os navios de Amesterdão. Vêm também de Cacheu aqui negociar os portugueses, trazem muito marfim e cera e trocam por ferro e por fazendas da Holanda. Faz referência a Porto Dale e Joalla e depois lança-se numa saborosa descrição do rio de Gâmbia: “É o rio de Gâmbia o mais navegável que há em toda a costa da Guiné e de onde os Ingleses, Flamengos, Franceses, Curlandeses (hoje território polaco), e Castelhanos têm tirado e tiram maiores interesses do que de toda a costa da Guiné sendo o instrumento deles o Português que vive nela”. Mais adiante diz passar a dar notícia da costa observada ao longo de 23 anos em que navegou nestes rios e comerciou nos portos, e propõem-se fazer a descrição até à Serra Leoa. É minucioso na descrição do rio Gâmbia até à Serra Leoa, fala no rio de S. João, povoado por Felupes que estão presentes até Cacheu, menciona o rio Casamansa. Escreve mais adiante: “Passando o rio de Jáume, o que segue é o de Cacheu, toda a costa são Felupes, como tenho dito, entrando a barra está da banda do Norte pouco distante da água as aldeias de Bosól, Osól e Safunco, as aldeias mais grandiosas que têm estas paragens, e de onde é tanto o gentio como bichos, os homens são mui guerreiros, e muitas vezes têm guerras com os brancos de Cacheu com quem logo fazem pazes por amor do trato, e vão a ele todos os dias com as canoas carregadas de mantimentos e peixe seco e negros".

Estamos efetivamente em território guineense e adianta: “Diante de todos estes rios e portos fica a povoação de Tubabodaga, que na língua do Mandinga quer dizer aldeia de branco a qual por outro nome chamam Farim, e é porque é na terra de Farim de Braço e este cognome de Farim só quatro reinos o têm, e é como dizer imperador, que são Farim Cabo, Farim Braço, Farim Cocolim e Farim Landima”. Diz que Farim é segunda povoação onde estão os portugueses, nela está um Cabo posto pelo Capitão-Mor de Cacheu “para decidir as diferenças que houver na povoação”.

Inegavelmente, é detentor num grande conhecimento da geografia local: “Indo de Cacheu pela Costa abaixo há dois caminhos, um que chegam por fora que é ir logo às Ilhetas, e das Ilhetas a Bocis e de Bocis ao Bissau, e outro que vai correndo a terra, que chamam por dentro”. E fala nos reinos dos Papéis e dos Felupes.

Temos seguidamente a descrição de Bissau: “Esta ilha de Bissau é a maior de que há nestas paragens, tem de comprido de ponta a ponta 12 léguas e no mais largo 6, há nela os Reinos de Bium, Tor, Cachete, Bujamata, Safim e Antula, é o de Bissau que é o maior deles, é como imperador, pois todos o reconhecem por maior e lhe rendem vassalagem. Antes de passar daqui para diante me parece dar notícias das Ilhas dos Bijagós que ficam já de trás e começam de frente das Ilhetas ao mar, e vão correndo para a banda do Sul, farei sua narração, e direi primeiro o costume e natural dos negros, e o que foram, e o que são hoje do presente".

Não é por acaso que os investigadores se rendem à sua minúcia, dá-nos informações preciosas sobre a presença portuguesa na Guiné no século XVII. Vejamos o que ele escreve sobre Cacheu: “Consta a povoação de Cacheu de duas ruas, uma posta ao longo do rio que chamam a Direita, e a outra por detrás que chamam de Santo António; no princípio está a modo de um bairrozinho, que chama Vila Fria, em a qual a primeira casa é a de Sua Majestade em que assiste o Capitão-Mor, que não tem mais de forte, que o nome, está a dita casa com um cerco de mangues que é a muralha, a que chamam tabanca, a casa é de adobes, coberta de palha com um grande terraço em que está a fazendo por amor do fogo, que se chama combete, e semelhante a esta são todas as da povoação, tem pela banda do mar uma plataforma com camisa de pedra e cal em que está a artilharia que lhe põem os Capitães-Mores, segundo sua curiosidade (que apeada há muita, mal eu a conheci já, e não digo em que tempo por não envergonhar que ao Capitão-Mor que então servia) sem ter uma peça que poder disparar, e assim sem temor de haver jurado o manejo daquela praça, recebia navios de toda a nação, e tão bem a conheci em tempo do Capitão-Mor António de Barros Bezerra, com muita artilharia cavalgada, e toda a povoação mui bem atabancada e mui defensável, em a mesma Vila Fria está a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Vencimento, hoje de pedra e cal…”.

(Continua)

Mapa da Senegâmbia em 1707, retirado do Wikipédia, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20153: Historiografia da presença portuguesa em África (176): O jornal Bolamense, fonte de informação e cultura (1956-1963) (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20173: In Memoriam (350): António Manuel Carlão (1947-2018): Testemunho de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Não é impunemente que se viveu meses a fio ombro a ombro com aquele, acabamos de saber, já partiu e nós não sabíamos do passamento. A consternação é sincera, a CCAÇ 12 e o meu pelotão éramos pau para toda a colher, e não havia refilanços, era aguentar e cara alegre. Transformo esta mágoa do seu desaparecimento na recordação de um episódio um tanto brejeiro que vivi com o Carlão e daqui me curvo respeitosamente diante da sua família.

 Um abraço do
Mário


In Memoriam de António Carlão: Eu e a CCAÇ 12

Beja Santos

Foi com profundo constrangimento que recebi a notícia da perda do António Carlão, meu camarada em Bambadinca, por larguíssimos meses. Tanto quanto me recordo, a CCAÇ 12, comandada pelo Capitão Brito, chegou a Bambadinca, vinda de Contuboel, na segunda metade de 1969, ficou adstrita ao BCAÇ 2852. Os seus pelotões andaram em aperfeiçoamento operacional pelas redondezas, recebi em Missirá dois desses pelotões, andarilhámos por Mato de Cão, fomos até ao rio Gambiel e a Salá, eram os confins possíveis para patrulhamentos com caráter instrutivo, correu tudo muito bem, o que me impressionava é que aqueles soldados eram quase crianças, felizmente barulhentas e sadias.

Em novembro, o Comando de Bambadinca manda-nos para a intervenção, outro Pelotão de Caçadores Nativos, o 54, seguiu para o regulado do Cuor. Intervenção no Setor L1 significava um pequeno universo de atividades: levar munições para as milícias e populações em autodefesa, tanto podia ser em Madina Xaquili, no Cossé, como em Moricanhe, uma população sacrificada que ficava no termo de uma picada que partia de Amedalai, passava por Demba Taco e Taibatá; trazer ou levar doentes; pernoitar na ponte do rio Unduduma; passear à volta da pista de aviação, entre o anoitecer e o madrugar, uma atividade escabrosa, por ali se andava debaixo dos focos da pista, melhor posição para o tiro ao alvo não havia na região; e levar ou trazer correio, incluindo o expediente para o Comando do Agrupamento; dar assistência e continuidade nos Nhabijões, a CCAÇ 12 e o meu pelotão alinhavam de acordo com a escala; pernoitar na missão do sono no Bambadincazinho; fazer colunas ao Xitole, era uma digressão impressionante de dezenas de viaturas de civis onde se intercalavam as nossas tropas, com a GMC à frente, tudo bem planificado, picava-se daqui para ali, até Mansambo, os de Mansambo picavam até à ponte cujo nome não me ocorre, daí quem picava era a malta do Xitole, era uma viagem desabrida, nuvens de laterite evolavam-se para os céus em toda a época seca, chegava-se ao Xitole era despejar e recarregar, paragem relâmpago e regressava-se à velocidade máxima que a picada consentia; e havia outros afazeres miudinhos atinentes à escala do quartel; e deixo para o fim do cardápio a participação em operações e, coube-me no final da comissão, todo o mês de julho de 1970, a segurança ao alcatroamento da estrada entre o Xime e Amedalai.

A vida da CCAÇ 12 e do Pel Caç Nat 52 fazia-se em números de trapézio, revezávamos nesta vida de andarilhos, éramos uma CCS em permanente movimento, de armas na mão, um serviço de urgência 24 horas ao dia.

 Alf Mil Beja, CMDT do Pel Caç Nat 52

Cheguei em novembro, e continuo a olhar para esta fotografia sem perceber como um mês antes saíra vivo de uma mina anticarro, vivera meses esgotantes correspondentes a viagens praticamente diárias a Mato de Cão, estava-se na finalização das obras do porto do Xime, ninguém nos informara mas a região Leste recebia cada vez mais tropa com os inerentes reabastecimentos, eram comboios de embarcações civis com uma unidade da Armada a intimidar quem, eventualmente, do lado de Ponta Varela, quisesse bazucar. A fotografia dá-me outra dimensão: o corredor dos quartos dos oficiais, ao fundo, junto daquela barreira de bidões pintados de verde, era a nossa messe. Eu dormia num quarto com dois alferes da CCAÇ 12, camaradas de mão cheia: o Magalhães Moreira e o Abel Rodrigues, havia uma quarta cama para um qualquer oficial em trânsito. A porta que se vê no início do corredor dava frontal ao quarto do tenente da secretaria, seguia-se o quarto do médico e do capelão, que discutiam furiosamente a existência de Deus naquela guerra apoplética, depois os oficiais de transmissões e do parque automóvel, mais gente da CCAÇ 12, no fim os oficiais do Comando.

Com todos estes números de trapézio, de sair com duas secções, de patrulhar com dois pelotões, de fazer operações, era impensável não comunicar com o Carlão, exuberante, caminhando ereto para que não parecesse de estatura quase mediana. Tivemos um pequeno desaguisado, relatei-o no meu diário, e já aqui apareceu no blogue. Numa noite, já em pleno madrugar, vim da malfadada pista de aviação, e de manhã cedo estava escalado para patrulhar Samba Silate, outrora a mais populosa tabanca da Guiné, que se desfez nos finais de 1963, havia sempre fortes indícios da presença de populações que vinham seja do Buruntoni ou cambavam vindos de Madina, sonhava-se em apanhar esses civis com a boca na botija ou descobrir as canoas e rebentá-las, queria mesmo ir dormir e eis que ouvi da messe de oficiais uma voz maviosa que cantava “Bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez”. Aturdido com o fenómeno, pensando que estava a sonhar, entrei na messe, e uma rapariga rechonchuda, com as maçãs do rosto avermelhadas, um cabelo loiro corrido, era a cantadeira e o José Luís Vacas de Carvalho dedilhava, com uma pose de Raul Nery. O Carlão, cheio de garbo, veio-me apresentar a mulher, vinha para estadear. Dias mais tarde, Jovelino Sá Moniz Pamplona de Corte-Real, o Comandante, à hora do almoço, avisa-me que temos reunião aí pelas três da tarde, ele nunca recusava a sesta. E deu-me ordens, amanhã comanda a catrafilada de viaturas até ao Xitole, não se preocupe, há muita gente a picar a estrada, vai na mecha e regressa na mecha, as viaturas estão a ser revistas, para evitar pneus rebentados ou avarias estúpidas. Organize o comboio como quiser. Como é óbvio, foi anulado o meu programa da tarde, andei a conversar com meio mundo, tudo pela calada, aquelas colunas deviam ser feitas com a máxima discrição.

Ao amanhecer, com o suporte de muita gente, começou a organizar-se o enfileiramento das viaturas, muitas delas metiam dó, iam ajoujadas, eram carcaças velhas, sobreviviam milagrosamente. E é neste afã que me aparece o Carlão com a Helena, esta de camuflado, e o Carlão anuncia-me que ela vai até ao Xitole e volta comigo. De atónito com tal proposta, a voz empastelou-se-me, era inacreditável, recompus-me e disse perentoriamente que não. Deu sarrafusca, felizmente que o bom senso imperou, a Helena ficou em casa, para sossego de todos.


Foi um prazer enorme revê-lo em Fão, em 1994, foi uma reunião destes trapezistas da guerra, conseguiu-se levar um antigo 2.º Comandante que gravemente se acidentou na rampa de Bambadinca, o então Major Ângelo da Cunha Ribeiro. Passara-se um quarto de século, o Carlão surpreendeu-me com o cabelo pintado, com a franqueza do costume explicou-me que não se pode estar ao balcão com um ar de velhadas, e reconstituí com a Helena, um pouco mais rechonchuda, aquelas peripécias da coluna ao Xitole.

Quando nos desaparece mais um camarada, daqueles com quem se vivera momentos improváveis, dores de outras perdas, dá-me para reconstituir alguns desses momentos de brejeirice que se nos atravessou pelo caminho, saber que ele está na paz do Senhor, assim o constrangimento da perda é minorado e o meu abraço à Helena e aos filhos é tão familiar como as agruras e desavenças que vivemos fraternamente, no périplo de Bambadinca, entre 1969 e 1970.
Repousa em paz, António Carlão.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20169: In Memoriam (349): António Manuel Carlão (1947-2018): testemunhos e comentários (Abel Rodrigues, Fernando Calado, Arsénio Puim, Jorge Cabral, Luís Graça)