sábado, 1 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20612: Mi querido blog, por qué no te callas?! (4): um Oscar Bravo (Obrigado) e um Alfa Bravo (Abraço) a todos os/as amigos e camaradas que se lembraram de mim, ao km 73 da minha caminhada pela picada da vida... (Luís Graça, editor)

1. Mandam as boas regras da educação, da amizade e da camaradagem que eu venha aqui agradecer, com regozijo e humildade a todos aqueles de vós que se lembraram de mim, no dia 29 de janeiro de Vinte-Vinte, ao chegar ao km 73 da minha caminhada pela picada da vida (*).

Fiz anos nesse dia  (, tal como o Virgílio Teixeira), e recebi parabéns, como simples  membro da Tabanca Grande. Muitos, no entanto,  mesmo aqueles que não me conhecem pessoalmente, "ao vivo",  fizeram questão de sublinhar a minha condição de fundador, editor, administrador e animador deste blogue que, desde 23/4/2004,   junta, debaixo de um simbólico e fraterno poilão, uma comunidade de antigos combatentes da guerra colonial, 801 (até à data) "amigos e camaradas da Guiné".

Fico feliz por, mais uma vez, ver reconhecido publicamente o papel, discreto mas meritório, deste blogue, e haver preocupações, legítimas, quanto à sua continuidade e ao seu futuro... Recusando qualquer "culto da personalidade", repito aqui o que disse ao meu "mano" Virgíio Teixeira (que faz anos no mesmo dia):

(...) Quanto ao que dizes do blogue e do meu papel, eu não posso esquecer, ignorar, escometear ou branquear o contributo, teu e dos demais 800 camaradas e amigos... Todos não somos demais. Eu dei apenas o pontapé de saída, como se costuma dizer... Tinha um blogue, desde outubro de 2003, o Blogue-Fora-Nada, onde começaram a aparecer memórias da Guiné,  a primeira em 23 de abril de 2004... Começaram a aparecer "muitos afluentes do mesmo rio"... Ao de fim dois anos e mais de 800 postes, éramos já 111 os membros desta "tertúlia"... 

Fechei a minha lojinha, arranjei uma equipa de editores e colaboradores, e todos os anos foi entrando malta nova... E cá camos, a caminho dos 16 anos, blogando e resgatando as nossas memórias daqueles nossos verdes anos passados naquela terra vermelha... Não é saudosismo: ninguém nos tira os bons e os maus momentos que lá passamos, quando tínhamos os nossos 22, 23, 24 anos... Só o Alzheimer nos pode frustrar o exercício desse direito. (...)  Bebo um copo à tua saúde e todos os demais amigos e camaradas que nos honram com a sua presença na Tabanca Grande. (...)



2. Permitam-me, entretanto,  que selecione alguns excertos e mensagens, dirigidas à minha pessoa,  que li, aqui, no blogue, no correio eletrónico e no facebook da Tabanca Grande...Não só pela sua originalidade mas também pela força que me transmitem para poder continuar a blogar, com a nossa equipa de editores e colaboradores...  

Na realidade, às vezes a gente  já começa a fraquejar e a ter dúvidas sobre o rumo certo do caminho que nos falta percorrer, havendo até, entre os nossos amigos, camaradas e familiares, quem nos reprove esta teimosia por andar a "chafurdar, há tantos anos, no lodo, na merda, no tarrafo das memórias da guerra da Guiné" (**)...

A ordem dos autores das mensagens é alfabética e a lista é meramente exemplificativa. ( A  todos/as os que se lembraram de mim, nesse dia, e foram muitas dezenas, aqui fica a minha gratidão,  uma das virtudes que eu mais prezo.)

Adriano Moreira: (...) Muito obrigado pela criação do teu/nosso blog. Foi uma grande ajuda para todos os combatentes que passaram pela Guiné e não só. Mas, para além dessa missão terapêutica, ainda serve de material de consulta para muitos estudiosos sobre o que se passou e o que se passa sobre a Guiné. (...)

Alberto Branquinho: (...) Eu, "curioso" me confesso a espreitar esta "sala de conversa" (como diz o Mário Beja Santos), "sala" que tantos "fantasmas" ajudou a exorcisar. (..)

António Carvalho: (...)  O Luís Graça, por tudo o que fez por mim e por nós, combatentes, merece um abraço muito especial. (...)


António Murta: (...) Eu só posso dizer-te: parabéns, Luís Graça. És o melhor amigo/camarada/bloguista deste Blogue! (...)

António Ramalho: (...) Aproveito esta oportunidade para uma vez mais louvar a tua iniciativa que tanto tem contribuído para o nosso enriquecimento enquanto "frequentadores" daquelas paisagens em temas que desconhecíamos, noutros avivámos a memória.(...)

Carlos Vinhal: (...) Como se diz na "tropa" e na Função Pública, duas áreas em que me movi a maior parte da minha vida, está a ser uma honra "servir sob as tuas ordens".Dizia a fadista: - Cantarei até que a voz me doa.  Nós dizemos: - Manteremos este Blogue mesmo quando a artrite nos dedos nos doa. Conta comigo. (...)

Cherno Baldé: (...) Um abraço de parabéns aos aniversariantes, em especial ao Luis Graça, meu irmão mais velho, com votos de saúde e boa disposição ao lado da familia. (...)

Ernestino Caniço: (...) Um reconhecimento especial ao Luís Graça pela dedicação expressa aos ex-combatentes da Guiné.Um grande abraço. (...)

Fernando Chapouto: (...) Não podia deixar em branco o agradecimento ao grande comandante do blogue pelo bem que proporcionou aos ex-combatentes.  Mais uma vez um forte abraço para ti" (...)

Hélder Sousa: (...) Não me alongo nos comentários que agora se deviam fazer, salientando as virtudes e qualidades do Blogue que em tão boa hora criaste e tentando exorcizar aspectos que, por vezes, criam alguma fricção. Então, caro Luís, os meus sinceros parabéns e que te mantenhas activo, física e mentalmente, para também nos "alimentares" com os teus escritos e com o que se for colocando no Blogue. (..)

João Afonso Bento Soares: (...) Das voltas que dá a vida, / Fica a ilusão perdida / De que o tempo nos faltou… / Por dele não termos conta / É que a nossa mente tonta / Assim o desperdiçou! (...)

João Crisóstomo: (...) Gostaria de ter muito mais condão de palavra para poder descrever o que sinto sobre o Luís Graça, meu camarada, meu mentor, meu amigo, meu irmão... e por mais que eu me esforce as palavras que me saem ficam sempre muito aquém daquilo que sinto e gostaria de saber comunicar. (...) O Luís Graça é um criador e construtor de obras que influenciam e marcam a vida de outros. Não precisamos de ir longe, que este seu/nosso blogue fala por si: creio que de alguma maneira todos fomos beneficiados - e alguns de nós em medida tão grande que só os próprios o podem sentir - pela criação deste salutar movimento de vivência de memórias nas diversas vertentes em que se apresenta. Veja-se o despertar de consciências que este movimento ocasionou e que continua a desafiar ainda cada dia os que dele têm conhecimento; veja-se o contributo para a história de Portugal, da Guiné; vejam-se o número de livros escritos que nunca teriam visto a luz do dia… Portugal e os portugueses, a cultura e história de Portugal tornaram-se e ficam ainda cada dia mais ricos graças a este Luís Graça, e à equipa altamente qualificada de colaboradores de que se soube rodear. (...)

Jorge Picado: (...) Fico feliz por ti, já que ainda vais ter muito tempo para manteres esta "Fonte de Conhecimento". (..:)

José Câmara: (...)Muito devo a esta página que em hora criastes. Aqui conheci novos amigos, encontrei outros. desabafei. Foi no meio de todos vós que reencontrei a minha CCaç 3327/BI17. Tudo isso tem um nome, obrigado. (...) Abraço transatlântico. (...)

José Colaço: (...)  [as palavras de apreço pelo trabalho e a criação do blogue Luís Graça & camaradas da Guiné subrepõem-se ás 73 primaveras do aniversariante  (...)

José Ferreira: (...) Parabéns para o nosso Tabanqueiro Mor (...)

Juvenal Amado: (...) quase passava em claro o aniversário do nosso irmão maior deste blogue, que activou um cortejo de memorias de há 15 anos para cá, capaz de manter viva a nossa passagem por aquelas terras tão temidas quando para lá fomos , tão detestadas quando lá estivemos e das quais temos hoje uma saudade como do perfume da nossa juventude. Que pensaste quando fizeste andar a roda? Que ia resultar nisto, ou só um cotejo de boas intenções? Como o poeta diz,  "o sonho comanda a vida " e as nossas vidas acabaram comandadas pelo o teu sonho. (...)

Luís Graça: (...) Virgílio, muita saúde, que é agora o mais essencial para nós, nesta idade, requisito para continuarmos a ser livres e felizes... E vamos pôr a felicidade, aqui e agora, onde estamos. (...)

Manuel Luís Lomba: (...) Os meus parabéns e um abraço de grande estima ao Luís Graça, o "jarga" da nossa Tabanca Grande. (...)

Mário Beja Santos: (...) Meu caro Luís, os meus votos sinceros para que restaures a tua saúde, que a cirurgia seja um êxito, precisas tu e preciso eu, e muitos de nós que andamos combalidos, que o teu entusiasmo não feneça, que continues indómito por este amor à causa. Aproveita o dia com os teus entes queridos e medita bem sobre os preparativos que devemos desenhar para o futuro do nosso blogue, justamente porque tu criaste algo que nos ultrapassa e é hoje um inquestionável património de consulta obrigatória, por investigadores e curiosos, esta nossa indefetível sala de conversa. Refletir sobre o futuro faz sempre bem e podes contar comigo. (...)

Valdemar Queiroz: (...) Para o ano há mais, e nada de 'estou a ficar velho'.

Virgílio Teixeira: (...) Também a minha curta participação no teu Blogue, fez de mim uma pessoa diferente,  passei a compreender melhor o que foi a nossa participação nesta guerra da Guiné. Fico grato por isso, e não vou esquecer, enquanto tiver memória. E assim ficaram dois anos de lembranças.
Felicidades para o teu blogue, que não tem paralelo noutras redes sociais, nem no Museu Militar. (...)

Virgínio Briote: (...) 73 anos, 73 chuvas. Que tenhas ossos e amortecedores que ainda tens muito para andar e ver a tua neta a crescer. (...)

Zé Manel Cancela: (...) Um grande abraço de parabens para o nosso timoneiro e amigo Luis Graça, com o meu muito obrigado pelo que tens feito em prol dos combatentes da Guiné. (...)

Zé Saúde: (...) Continua firme e segue em frente com a dinâmica que te é reconhecida. O nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, está-te francamente reconhecido. Eu, José Saúde, me confesso, que foi através do nosso blogue que a "inspiração" dos meus textos publicados me abriram novos rumos com mais duas obras publicadas.  Aquele "abração" deste já velho alentejano. (...)


3. Amigos e camaradas da Guiné: somos 801, ao fim de 16 anos. Infelizmente, 77 já não estão entre nós, fisicamente falando.  A "ceifeira da morte" já lhes cortou as raízes na terra. Mas fica a memória e a saudade.

Esta primeira série do nosso blogue vai de 8 de outubro de 2003 a 1 de junho de 2006. Neste espaço de tempo publicaram-se 825 postes, numerados de I a DCCCXXV (Numeração romana, que estopada!)... E, no final, contadas as cabeças, éramos exatamente 111 os amigos e camarada da Guiné. Tratávamo-nos por "tertulianos", ou sejam, membros de uma tertúlia... Aqui vai essa lista, já histórica...

 Atenção que a lista está ordenada, por ordem alfabética, não por antiguidade...(Aproveito o ensejo para lembrar com saudade o nosso camarada Zé Neto, o primeiro que a morte nos levou em 2007):

(1) A. Marques Lopes,
(2) A. Mendes,
(3) Abel Maria Rodrigues,
(4) Afonso M.F. Sousa,
(5) Aires Ferreira,
(6) Albano Costa
(7) Amaro Samúdio,
(8) Américo Marques,
(9) Ana Ferreira,
(10) Antero F. C. Santos,
(11) António Baía,
(12) António Duarte,
(13) António J. Serradas Pereira,
(14) António (ou Tony) Levezinho,
(15) António Rosinha,
(16) António Santos,
(17) António Santos Almeida,
(18) Armindo Batata,
(19) Artur Ramos,
(20) Belmiro Vaqueiro,
(21) Carlos Fortunato,
(22) Carlos Marques Santos (1943-2019),
(23) Carlos Schwarz (Pepito) (1949-2014)
(24) Carlos Vinhal,
(25) Carvalhido da Ponte,
(26) David Guimarães,
(27) Eduardo Magalhães Ribeiro,
(28) Ernesto Ribeiro,
(29) Fernando Chapouto,
(30) Fernando Franco (1951-2020),
(31) Fernando Gomes de Carvalho,
(32) Hernani Acácio Figueiredo,
(33) Hugo Costa,
(34) Hugo Moura Ferreira,
(35) Humberto Reis,
(36) Idálio Reis,
(37) J. C. Mussá Biai,
(38) J. L. Mendes Gomes,
(39) J. L. Vacas de Carvalho,
(40) João Carvalho,
(41) João S. Parreira,
(42) João Santiago,
(43) João Tunes,
(44) João Varanda,
(45) Joaquim Fernandes,
(46) Joaquim Guimarães,
(47) Joaquim Mexia Alves,
(48) Jorge Cabral,
(49) Jorge Rijo,
(50) Jorge Rosmaninho,
(51) Jorge Santos,
(52) Jorge Tavares,
(53) José Barreto Pires,
(54) José Bastos,
(55) José Casimiro Caravalho,
(56) José Luís de Sousa,
(57) José Manuel Samouco,
(58) José Martins,
(59) José (ou Zé) Neto (1929-2007) ,
(60) José (ou Zé) Teixeira,
(61) Júlio Benavente,
(62) Leopoldo Amado,
(63) Luís Carvalhido,
(64) Luís Graça
(65) Luís Moreira (V. Castelo),
(66) Luís Moreira (Lisboa),
(67) Manuel Carvalhido,
(68) Manuel Castro,
(69) Manuel Correia Bastos,
(70) Manuel Cruz,
(71) Manuel Domingues,
(72) Manuel G. Ferreira,
(73) Manuel Lema Santos,
(74) Manuel Mata,
(75) Manuel Melo,
(76) Manuel Oliveira Pereira,
(77) Manuel Rebocho,
(78) Manuela Gonçalves (Nela),
(79) Mário Armas de Sousa,
(80) Mário Beja Santos,
(81) Mário Cruz,
(82) Mário de Oliveira (Padre),
(83) Mário Dias (ou Mário Roseira Dias),
(84) Mário Migueis,
(85) Martins Julião,
(86) Maurício Nunes Vieira,
(87) Nuno Rubim,
(88) Orlando Figueiredo,
(89) Paula Salgado,
(90) Paulo Lage Raposo,
(91/92) Paulo & Conceição Salgado,
(93) Paulo Santiago,
(94) Pedro Lauret,
(95) Raul Albino,
(96) Renato Monteiro,
(97) Rogério Freire,
(98) Rui Esteves,
(99) Rui Felício,
(100) Sadibo Dabo,
(101) Sérgio Pereira,
(102) Sousa de Castro,
(103) Tino (ou Constantino) Neves,
(104) Tomás Oliveira,
(105) Torcato Mendonça,
(106) Victor David,
(107) Victor Tavares,
(108) Virgínio Briote,
(109) Vitor Junqueira,
(110) Xico Allen,
(111) Zélia Neno.


4. Em rigor foi em 1 de junho de 2006 que o Blogue-fora-nada passou a chamar-se simplesmente Luís Graça & Camaradas da Guiné, continuando "a ser o sítio (virtual) onde nos encontramos, sempre que quisermos e pudermos". 

Era descrito como "um blogue colectivo que tem por missão ajudar a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, como queiram) na Guiné, hoje República da Guiné-Bissau, nos anos quentes de 1963 a 1974".

E acrescentava o blogador-mor, nessa altura, ainda sozinho: "É um blogue, em português,  (...) sem discriminação de alguma espécie (sexo, idade, nacionalidade, etnia, orientação sexual, estado civil, religião, clube, hobby, lobby, escolaridade, título, profissão, situação na profissão, posto na tropa, estatuto sócio-económico, idiossincrasia, etc.)".

Que continue a ser um lugar de partilha de memórias (e de afetos) à volta da Guiné, e em especial da que conhecemos entre 1961 e 1974... E que continue a ser um lugar de tolerância e respeito mútuo, uma verdadeira Tabanca Grande, onde todos cabemos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos pode separar...

Entretanto, estamos a tentar arranjar uma data para voltarmos a encontrarmo-nos, este ano, no nosso convívio anual... Será o XV Encontro Nacional da Tabanca Grande. Muito provavelmente no fim do verão, em 26 de setembro de 2020. Em Monte Real,  se o atual surto de pneumonia por novo Coronavírus (2019-nCoV) nos deixar, isto é, se não se transformar numa pandemia... Daremos notícias em breve.
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Notas do editor:

(*) V.d postes de:


(**)  Último poste da série > 20 de dezembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10833: Mi querido blog, ¿por qué no te callas? (3): A moral da história, cada um que a tire; e quanto ao mural, cada um que o pinte... Relembrando o velho blogue-fora-nada, com amor, com humor, e votos de festas felizes para tertulianos de ontem e grã-tabanqueiros de hoje... (Luís Graça)

Vd. postes anteriores da série:

18 de 18 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10822: Mi querido blog, por qué no te callas?! (2): (i) A guerra também é capaz de revelar o que há de mais sublime nos seres humanos (Hilário Peixeiro); (ii) ... E eu estou nesta bela caravana há quase 9 anos (David Guimarães)...

17 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10813: Mi querido blog, por qué no te callas?! (1): A notícia da morte do blogue foi manifestamente exagerada... No final do ano, atingiremos a cifra de 1 milhão e 250 mil visitas (Luís Graça)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20611: Historiografia da presença portuguesa em África (197): "Nha" Carlota (1889-1970) e Artur Lopes Nunes (1909-2007), dois portugueses de antanho



Guine-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral (antiga Av República) > Foto do estabelecimento de Nunes & Irmão Lda, hoje Coimbra Hotel & Spa.

"Um hotel no centro da cidade, junto a Catedral de Bissau. Oferece aos hóspedes um espaço com piscina, ginásio, spa e também sala de reuniões para os hóspedes em viagem de negócios. O restaurante do hotel tem um buffet variado e segundo os hóspedes, muito saboroso. O pequeno almoço é servido num bonito e bem tratado jardim. O hotel fica a poucos metros de locais que merecem a sua visita, como por exemplo, o do Porto de Bissau, a zona mais antiga da cidade, Bissau Bedjo e a Praça dos Mártires de Pindjiguiti."

Tem também uma livraria, a livraria Coimbra. O Hotel está instalado no antigo estabelecimento, um dos mais importantes ds época colonial, da firma Nunes & Irmão Lda, fundada por Artur Lopes Nunes (1909-2007). O negócio continua na família há 3 gerações.

Cortesia da página do Facebook de Hotel Coimbra




1. Há figuras, civis,  que atravessaram a história do séc. XX da Guiné-Bissau (*), e que merecem ser aqui recordadas, como é o  caso das "mulheres grandes" retratadas em livro pelo nosso amigo e camarada António Estácio, "Nha" Bijagó (1871-1959)  e "Nha" Carlota (1889-1970) (**) ... Ou "africanistas" como "Manel Djoquim", o homem do cinema ambulante (1901-1977), cuja história de vida é-nos contada pela sua filha mais nova, Lucinda Aranha. Mas também empresários como António da Silva Gouveia, que criou a Casa Gouveia, ou Artur Nunes, fundador, com o seu irmão Gentil, da firma "Nunes & Irmão Lda". (***)

A história que o Estácio conta do Artur Nunes e da "Nha" Carlota merece ser aqui recordada, como testemunho da forte personalidade desta mulher grande, que foi Carlota Lima Leite Pires (1889-1970) mas também dos valores (honradez, bom nome, reputação, integridade, palavra dada, lealdade, hospitalidade, morabeza, etc. ...) de uma época e que hoje parecem arredados do código de ética do mundo dos negócios.

"Apesar da sua avançada idade, Artur Lopes Nunes, que chegou à Guiné em 1927, referiu que 'Nha' Carlota era cliente  da firma 'Nunes & Irmão', a qual lhe fornecia, a crédito, entre outros produtos, aguardente, tabaco, tecidos, etc., que, por sua vez, ela revendia na loja que possuía no Cumeré e, mais tarde, em Nhacra." (pag. 81).

Entrevistado, em 2006 (, se não erro,)  por António Estácio, que reconheceu a sua "lucidez impressionante", declarou que ambos, ele e "Nha" Carlota, "sempre se deram bem mas isso não impediu que, a dado passo, tivesse ocorrido  uma situação mais delicada".

Ora o que é que aconteceu? "Certa vez, 'Nha' Carlota pretendia adquirir uns produtos sem que, como aliás era hábito, houvesse saldado o montante do fornecimento anterior."

O Artur Lopes Nunes aproveitou o ensejo para lhe lembrar essa dívida, e o respetivo valor. "Sem dar resposta, e naturalmente ofendida, 'Nha' Carlota continuou a ver a mercadoria e, pouco depois, retirou-se sem levar nada".

Passa-se um ou dois dias, até que a mulher grande voltou a Bissau, foi direita à loja do seu fornecedor, "trazendo um saco que entregou ao propietário, informando-o que era o pagamento da dívida." (pág. 82).

Artur Nunes (1909-2007).
Foto; cortesia
de António Estácio
Não sem surpresa, o Artur Nunes abriu o pesado saco e verificou que "estava cheio de moedas de um escudo e cinco tostões". Tanto quanto se lembrava a dívida rondava os dois mil escudos (ou "pesos"), ou seja, cerca de 2 contos, um valor razoável para a época.

(...) "Com sorriso, rematou dizendo:
- E eu pra ali fiquei a contar todo aquele montante em moedas! Como era de esperar, a quantia estava certa."

Moral da história: "Esta foi a melhor forma que 'Nha' Carlota encontrou para responder ao comerciante fornecedor onde tinha uma dívida por saldar e onde continuou sempre a gozar de crédito" (pág. 83).

Artur Lopes Nunes (1909-2007) era natural de Cadafaz, Góis, concelho do distrito de Coimbra. Morreu na Parede, Cascais, com 98 anos feitos. Tinha ido  para a Guiné, em 1927, com 18 anos, na qualidade de empregado da firma João Marques de Carvalho & Companhia, com sede em Bolama. Viajou no N/M "Aboím", na companhia do patrão e da esposa deste, bem como do novo governador da Guiné, o major de infantaria António Leite de Magalhães, nomeado para substituir o tenente coronel Jorge Frederico Velez Caroço.

Fonte: António  Estácio . Nha Carlota, figura esquecida da História Guineense – Ed. do autor, 2010, 116 pp. 
___________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20605: Historiografia da presença portuguesa em África (196): Relatório do Governador da Guiné, Contra-Almirante Francisco Teixeira da Silva, referente a 1887-1888 (Mário Beja Santos)


(**) Vd. poste de 20 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6434: Notas de leitura (109): Carlota Lima Leite Pires, 'Nha Carlota' (1889-1970), de António Estácio (Mário Beja Santos)


(***) Vd. poste de 30 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20608: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte III

Vd, também poste de 3 DE MARÇO DE 2015

Guiné 63/74 - P14317: Historiografia da presença portuguesa em África (60): O caso da empresa Nunes & Irmão Lda., dos irmãos Gentil e Artur Nunes GENTIL E ARTUR NUNES. (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P20610: Notas de leitura (1260): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (43) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
O BCAV 490 está a terminar a sua comissão, vivem-se dias amenos em Bissau, missões de pouca monta, ouve-se a guerra à distância. Aproximando-se o fim da viagem, anda-se à roda do tempo, dá-se voz a um teórico do movimento revolucionário mundial, reputadíssimo, Gérard Chaliand, despedimo-nos do Capitão do Quadrado e aproveitando um romance de Luís Rosa, ele que assistiu ao reerguer de Sangonhá, onde passou as passas do Algarve, foi depois até Farim, ganhou consciência que a paz na Guiné era um conceito idílico.
Estamos em tempo de ruminações, aqui se procura dar voz a outros contemporâneos do bardo, chegará o momento, e isto em 1966, em que Arnaldo Schulz não se acanha a dizer para Lisboa como tudo se tinha agravado, a despeito de se terem criado quartéis, criado aldeamentos, procurado estabelecer elos de confiança com as populações foragidas, metidas dramaticamente entre dois fogos.
Pegamos nesses relatos e fica-nos a crença da inevitabilidade de qualquer solução militar face a um contendor entusiasmado, bem armado e credor de imensas solidariedades.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (43)

Beja Santos

“Bom serviço tem desempenhado
a Polícia Militar
fazendo serviços na cidade.
Estão sempre a alinhar.

Tem rondas de noite e dia
a pé ou de viatura.
No quartel da Amura
está toda a Companhia.
O 1.º Sargento da Secretaria
é um homem desenrascado
com seu bigode eriçado
faz andar tudo na linha.
E o nosso Cabo Batatinha
bom serviço tem desempenhado.

Às seis horas toca a alvorada,
tudo tem que se levantar.
Mas quem na cama quer ficar
dá voltinhas à parada.
O Túlio, bom camarada,
também voltas tem que dar,
o Faranhista a acompanhar
custa-lhe muito correr.
Mas tem que a disciplina manter
a Polícia Militar.

Canta o fado o Santarém,
joga futebol o Nogueira,
o Castro e o Trafaria, à sua beira,
dão uns toques muito bem.
O Tenório a cantar também,
tem grande formalidade.
O Ruas, com sua habilidade,
uma cachopa arranjou
porque anda sempre no Peugeot
fazendo serviços na cidade.

O Santiago e o Baião,
conduzem com normalidade,
e há condutores com vaidade
aqui dentro do esquadrão.
Os Alferes e o Sr. Capitão
a Companhia sabem mandar.
A classe de Sargentos a orientar
tem grande categoria
e estas praças de Cavalaria
estão sempre a alinhar.”

********************

O bardo, em território isento de luta armada, não se cansa de exaltar os afazeres da sua unidade militar e os respetivos serviços de vigilância policial. Deixemo-lo nessa doce atividade, na pacatez de Bissau, retorne-se ao contraditório, como outros viam o PAIGC nos primeiros anos da luta armada, e depois despedimo-nos do Capitão do Quadrado. Gérard Chaliand, como se disse, acompanhou Amílcar Cabral entre maio e junho de 1966 no Interior da Guiné, daí resultou um livro intitulado “Lutte Armée en Afrique”, edição François Maspero, 1967. Passando como gato pelas brasas sobre o quadro introdutório e as generalidades da Guiné, por ele elaborados, e nunca perdendo de vista de que se trata de um livro de panegírico e altamente comprometido com a luta do PAIGC, e onde nunca faltam mostras de admiração deste renomado investigador francês por Amílcar Cabral, depois de Chaliand nos ter dado conta do que foram os primeiros anos da luta, vemo-lo agora a passar do Senegal para o Interior da Guiné, na base de Maké são recebidos pelo comissário Chico Mendes (Chico Té), Amílcar Cabral arengou às massas, releva que não será admitida a exploração do trabalho por quem quer que seja, trata homens e mulheres da mesma maneira, recorda o valor que tem o trabalho da terra e lembra os presentes que é indispensável intensificar o esforço de guerra e o esforço da produção. Para ser bem-sucedida a luta armada é crucial que a população esteja do lado do PAIGC. Na resposta, Osvaldo Vieira garante-lhe que a luta continuará, são precisas mais armas porque há cada vez mais gente a querer combater. Chaliand vai recebendo testemunhos de civis que apoiam a luta, alguém lhe mostra um documento português recuperado no decurso de operações, trata-se da Ordem de Operações N.º 18/66 que fala da Operação Achega no Pelundo. Depois seguem para o Oio, seis horas de marcha entre Maké e a Base Central do Norte. Regista que a vegetação é muito densa, caminha-se por estradas estreitíssimas entre árvores e mato. Passeia-se pelas dependências da base, regista escola, hospital de campanha, dormitórios, cozinhas, tudo com um quilómetro de diâmetro. Dorme-se sobre esteiras, a base é intensamente vigiada por grupos disseminados num raio de cinco quilómetros, os militares devidamente indumentados, vê bazucas, morteiros, metralhadoras ligeiras e pesadas. Ali perto começa o primeiro bombardeamento aéreo. A ordem é de dispersar.

Retomada a calma, Chaliand visita o hospital, conversa com dois médicos-cirurgiões, há doentes com paludismo e parasitas intestinais, há alguns casos de tuberculose, lepra e sífilis. Chaliand conversa com vários combatentes e até com um desertor português, José Augusto Teixeira Mourão. Haverá novo discurso de Amílcar Cabral, fala intensamente dos direitos das mulheres e na reconstrução do país, reitera a necessidade de haver boas relações entre os militares e as populações. Depois Chaliand retoma o registo de depoimentos, um dos quais se revela bastante importante para o entendimento do início da luta armada, é dado por António Bana, mais tarde falecido. A cerca de quinze quilómetros do Morés tenta-se reconstruir uma ponte para religar a estrada de Olossato a Bissorã antes da época das chuvas. Bana mostra-se orgulhoso, na antevéspera os combatentes da esfarpe destruíram à bazucada a parte da ponte que tinha sido recentemente reconstruída. Bana pertenceu ao primeiro grupo de jovens que aprendeu guerrilha na China e formação política em Conacri com Amílcar Cabral. Segundo ele, no início de 1962, eles eram oito os guerrilheiros com responsabilidade para desencadear a luta armada, o líder era Osvaldo Vieira, tinham como missão ocupar a zona Balanta, a zona Mandinga e a zona Fula e Saracolé, no Oio. Nesse tempo, havia enorme crispação em Dacar, vários partidos procuravam sobrepor-se ao PAIGC, caso do Movimento para a Libertação da Guiné, rapidamente se veio a descobrir que eram quadros sem apoio das populações. Bana refere a ofensiva lançada pelas tropas portuguesas em finais de 1962, é o exato momento em que começa a separação das águas, os que foram para o mato e os que persistiram em ficar à sombra da soberania portuguesa. A comitiva faz agora o seu retorno para o Senegal, passa-se de novo por Maké, Djagali, Osvaldo Vieira vai explicando como se processara a luta armada a partir de meados de 1963 na região, e os resultados obtidos em 1964 e 1965. Em Djagali, Amílcar Cabral arengou num comício para cerca de três mil camponeses, entusiasma as massas, lembra que as tropas portuguesas começam a ficar confinadas aos seus campos fortificados, que qualquer dia vão ter que abandonar o Boé, onde a guerrilha não lhes dá descanso. A comitiva põe-se ao caminho, atravessa a fronteira e a última parte do livro de Chaliand é uma súmula sobre a luta armada em toda a África.

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Em 2011, nas suas memórias intituladas “La Pointe du Couteau”, Volume I, Edições Robert Laffont, Chaliand recorda esta viagem que o marcou profundamente, ele era o quarto estrangeiro a entrar clandestinamente na Guiné-Bissau. Antes dele, tinham lá estado dois jornalistas franceses e Mario Marret que realizou o filme Lala Quema. São memórias em que ele lembra todos os guerrilheiros com quem conversara e que já tinham falecido e termina o seu relato dizendo que ao longo da sua vida recusara polidamente altas distinções e condecorações de toda a espécie, a única que não recusou foi a Medalha Amílcar Cabral, concedida pelas autoridades de Cabo Verde, e como se falasse para si recorda o extraordinário dirigente político que ele sempre considerou como um dos raros africanos do século XX que podem ser alçapremados ao nível dos grandes dirigentes do mundo contemporâneo, apesar da pequenez do país.

“Tenente General Alípio Tomé Pinto, o Capitão do Quadrado”, por Sarah Adamopoulos e Alípio Tomé Pinto, Ler devagar, 2016, é uma biografia de alguém que viveu intensamente os tempos do BCAV 490 no Norte da Guiné. Observa a quem o entrevista: “A Guiné mudou-me. A minha mulher diz que quando eu fui para lá era ainda um miúdo, apesar dos meus 28 anos, e que quando voltei parecia ter envelhecido 10 anos. Penso que ela tem razão”. Ele recorda Binta, o Oio, a gente afeta ao PAIGC a cirandar com todas as facilidades, quando ele pôs os pés em terra à frente da CCAÇ 675. E escreve- no livro que só um mês depois de ter chegado a Binta ele se abalançou a sair com as viaturas para percorrer os escassos 16 quilómetros que distavam entre Binta e Farim, onde estava o BCAV 490. Com prudência e astúcia, atirou-se ao trabalho, começou por uma batida à região de Lenquetó, onde estaria reunido um grupo do PAIGC na presença do seu chefe. Esta operação fez dezenas de mortos e gerou quarenta prisioneiros. Resultados animadores que levam à multiplicação dos patrulhamentos ofensivos, golpes de mão e batidas; aos poucos, os grupos do PAIGC recuam, desistem mesmo de pôr abatises nas estradas. É ferido em combate e recupera. Segue-se uma operação no Oio, tudo correu bem. Afastados os guerrilheiros, Tomé Pinto e os seus homens dedicam-se a reerguer a povoação de Binta, a população, outrora apavorada, metida entre dois fogos, começa a regressar. É nisto que chega a notícia de que fora admitido ao curso do Estado-Maior. Com enorme emoção, despede-se de Binta.

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O escritor Luís Rosa combateu na Guiné entre 1964 e 1966, escreverá uma obra alusiva “Memória dos Dias Sem Fim”, Editorial Presença, 2009. É colocado em Sangonhá, no Sul, assim definido:  
“Um corredor estreito de cerca de três quilómetros, esganado entre o rio Cacine e a linha imaginária da fronteira. Terra de imprevistos, onde a guerrilha se movia à vontade e se construía uma linha de quartéis, tentando conter a infiltração”.
Descreve a construção do quartel, naquele ponto, entre Gadamael e Cacine constroem-se as defesas, espessas paredes de chapas abertas de bidão, profundas fossas circulares, abrigos, isto entre flagelações e emboscadas. Rasga-se uma pista de aviação. Fazem-se surtidas, autênticas manobras punitivas sobre as forças do PAIGC.
A vida em Sangonhá parece renascer, distribuíram-se sementes, desbravou-se a terra, semeou-se a mancarra, o resultado foi uma colheita abundantíssima. Ali perto, em Guileje, já se vive às portas do inferno. É transferido para Farim, e o que parecia ser um paraíso traz-lhe um novo fragor da guerra.
Um romance com algumas páginas muito belas e que nos faz situar em vários pontos da Guiné, entre 1964 e 1966, com intensidade, e com raras exceções, na Guiné continental a guerrilha não dava tréguas.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 24 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20589: Notas de leitura (1258): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (42) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 27 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20599: Notas de leitura (1259): "Memórias Boas da Minha Guerra", por José Ferreira - Recordar, recolher, semear alegrias e solidariedades: Um incansável ex-combatente que ata e desata entre o passado e o presente (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20609: Banco do Afeto contra a Solidão (25): Comandei um secção de morteiros em Gadamael Porto, fiquei surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais (Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Cópia do cartão de beneficiário por doença profissional


Foto: © Mário Gaspar  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem,  enviada hoje às 2h45, do nosso amigo e camarada Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68:


Caras Amigas e Caros Amigos

Comandei uma Secção de Morteiros em Gadamael Porto, Sul da Guiné, bem perto da fronteira da Guiné Conacri. Fiquei Surdo e recebo 37 euros mensais, inicialmente pagos pela Caixa Nacional das Doenças Profissionais, mas devia ter esse direito como Deficiência de Guerra.

Foi simples: foram tantos as granadas saídas do morteiro que comandava, descuidei-me e encerrei a boca, e os tímpanos deram sinal.

Já passou… O poema [, que anexo,  já aqui publciado em tempos, ] é de Guerra Junqueiro Ou melhor, "O Morteiro" é um paródia a "Lágrima" de Guerra Junqueiro, incluído no Relatório de combate de 9 a 12 de Abril de 1918 - Lembranças, caderno manuscrito por Raul Pereira de Araújo, alferes de Artilharia, sobrevivente da Batalha de La Lys. (**)

NOTA: De qualquer modo vai em Anexo o Cartão de Doenças Profissionais. Por exemplo – para quem não sabe – governos consideraram que um Combatente é e foi um Trabalhador no Serviço Militar. Enganaram-se decerto… E ninguém deu pelo engano...

Acabaram com o Jornal “Ridículos” e com “Parodiantes de Lisboa”.

E esta?


(...) "O morteiro", paródia à "Lágrima" de Guerra Junqueiro
(Mota, 2006, pp. 104-107)

Noite de frio intenso, uma trincha escavada,
Lúgubre, sepulcral, agoirenta... e mais nada,
Trincheira onde a morte apanha vis pancadas
Em banquetes de sangue arrancado em ciladas
Na trincha oposta, onde o boche reina e impera
Em rasgos e expansões de forte besta-fera.
Um oficial audaz, olho do batalhão,
Descobriu, dum morteiro grosso, a posição,
Maquinismo feroz que se cumpre o dever,
Ao perto e ao longe tudo faz estremecer. (...)


quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20608: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte III














Guiné-Bissau > Bissau > Atual Coimbra Hotel & SPA, fundado em 2001, sito no edifício do antigo estabelecimento Nunes & Irmão Lda, na Av Amílcar Cabral (, antiga Av República). É o mais imponente edifíco comercial do centro histórico de Bissau, da época colonial.


1. Continuação da publicação de uma seleção de fotos, na posse do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, chefe do conselho administrativo, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).

Foram-lhe enviadas, há uns anos, sem legendas, por um português (ou descendente de portugueses), das suas relações, empresário do setor hoteleira, que ele de momento não está autorizado a identificar.

São fotos,  com interesse documental para aqueles, como nós, que conheceram Bissau, que continuam a lá ir ou querem ainda lá ir. Algumas das fotos que já publicamos, tinham o interesse adicional de serem "vistas aéreas" da atual capital da Guiné-Bissau... As fotos devem ter sido tiradas na última década (c. 2010) e algumas serão mais antigas. Mas são de alguém que ama muito a cidade de Bissau...onde vive, e que é a sua terra.

As que publicamos hoje tem por objeto o atual Hotel Coimbra, uma referência da cidade. Trata-se do antigo estabelecimento Nunes & Irmão Lda, sito junto na Av Amílcar Cabral (antiga Av da República), antes da Catedral, para quem desce. O edifício é propriedade da família há 3 gerações. (Vd. página do Facebook de Hotel Coimbra.). Pelo aspeto da avenida, enlameada, as fotos foram na época das chuvas.

É de recordar aqui, a propósito das fotos de Bissau de hoje e de outros lugares da Guiné-Bissau, o que escreveu a nossa amiga Adelaide Barata Carrêlo, quando lá voltou em novembro de 2015: 

 "Gostaria de te contar uma conversa que tive com um colega do meu filho de Bambadinca - ele diz que os poucos turistas que vão à Guiné, gostam de tirar fotos ao que há de mais desagradável, explorando a imagem do lixo, da pobreza, etc. Pelo respeito que tenho a esta gente, pelo amor que tenho a esta terra, pelo sonho de lá voltar, não esperem de mim tais imagens. Eu sou assim!!!!"...


2. O Virgílio Teixeira mandou-me este lote de fotos (c. de 4 dezenas, de que fiz uma seleção), com a seguinte mensagem, em 18/11/2019:

(...) Fico satisfeito por ter oportunidade de mandar estas fotos que são memoráveis para nós todos, embora já se passaram tantos anos e quase tudo esteja diferente. Fiquei de certo modo mais motivado a mexer nisto e enviar mais fotos, depois de ver o trabalho que tens tido a identificar cada coisa, por isso mereces o meu mais alto respeito, sem favores.

Na Rua Eduardo Mondlane, que aqui já identificaste, eu não me lembrava exactamente onde era, foi onde fiquei na 3ª viagem à Guiné, em Junho de1985 , que estou a reescrever calmamente, numa casa ou Ppensão de alguém conhecido do meu 'sócio' Isidro.

Quanto à continuação das fotos, como me dava trabalho descarregar e passar tudo para o computador, porque talvez não saiba fazer de uma forma mais fácil, resolvi então enviar os emails, que o meu contacto em Bissau me mandou, são uns 20 ou mais, e cada um traz 30 a 40 fotos, e selecciona as que interessam, e guarda as restantes, são também teu 'espólio'. (...)



Seleção, edição e legendagem da responsabilidade do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A numeração é feita poste a poste...


14 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20344: Roteiro de Bissau: fotos de c. 2010, de um amigo do Virgílio Teixeira, empresário do ramo da hotelaria - Parte I

Guiné 61/74 - P20607: (In)citações (143): O nosso natal, o dia em que nascemos, é algo transcendente, gravado no mais íntimo do nosso Ser (ex-cap eng trm, STM / QG / CTIG, 1968/70, João Afonso Bento Soares, hoje maj gen ref, nosso grã-tabanqueiro nº 785)

1. Mensagem, com data de ontem, às 22h41, do  nosso camarada, ex-Capitão Eng Trms, STM / QG / CTIG (1968/70), João Afonso Bento Soares [, hoje maj gen ref, nosso grã-tabanqueiro nº 785]: 

Caro Amigo:

Venho trazer-lhe um grande abraço de Parabéns, com uma lucubração sobre o feliz evento que é: Dia de Aniversário (*).

O nascimento de uma pessoa ou de qualquer Ser, é um prodígio, é uma bênção celeste, é uma manifestação do divino, é um momento sagrado. O nosso natal, o dia em que nascemos, é por isso algo transcendente, gravado no mais íntimo do nosso Ser. É uma mensagem inscrita na alma que inunda de alegria o coração. É a grata lembrança da nossa ligação ao Criador. É, em suma, o acontecimento mágico que nos lança no Tempo.

E sobre o Tempo, importa dizer:

O TEMPO E A MENTE

Sei que a vida pouco dura,
Pois do berço à sepultura
O tempo é curto demais.
Também sei que há horas mortas,
Que nos vêm fechar portas
Coarctando os ideais.

Tempo gasto, consumido
Sem um caminho escolhido,
Sem pensamento, nem reza.
É como ser vagabundo
Que se arrasta pelo mundo
Sem fruir a Natureza.

Se o tempo voltasse atrás
Teria de ser capaz
De dar-lhe outra ocupação:
Ousaria enfrentar medos

E compartir meus segredos
Com mais Amor que Razão.

Das voltas que dá a vida,
Fica a ilusão perdida
De que o tempo nos faltou…
Por dele não termos conta
É que a nossa mente tonta
Assim o desperdiçou!



O Amigo e sócio tabanqueiro, General João Afonso Bento Soares  (**)

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de:

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20606: Fotos à procura de... uma legenda (117): ainda a marca e o modelo da pistola-metralhadora do "Manel Djoquim", o homem do cinema ambulante que, mesmo em plena guerra, tinha fama de ir a todos os sítios...



Mapa da Guiné > s/d > c. 1975 > Povoações, assinaladas com um retãngulo onde o Manuel Joaquim dos Prazeres teria ido, uma ou mais vezes, com o seu cinema ambulante, ao longo de 3 décadas (entre 1943 e 1970). 

Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós.independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu...). As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  seren sítios por onde o "Nequinhas" tinha passado com a sua carrinha... Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque só particamente tropa e meia dúzia civis... A tropa não o deixaria lá ir... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá, até meados de 60...


Fonte: Adapt de Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, pp. inumeradas [6-7].



Guiné > s/l > s/d > c. 1960 > Não há dúvida que se trata de uma "arma de guerra" e não de caça, uma pistola-metralhadora, talvez a portuguesa FBP m/948 ou m/963... Era uma arma para "defesa pessoal"...  Uma situação que a família desconhecia. De qualquer modo, as opiniões divergem sobre a marca e o modelo da arma:  a portuguesa FBP, as americanas M3 e Thompson, a belga Vigneron, a israelita Uzi... Já foram aventadas várias hipóteses... De qualquer modo, as fotos disponíveis, a cores, do arquivo da família não deixam ver a totalidade da arma e a sua resolução é fraca...

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Portugal > Caldas da Rainha > RI 5 > Janeiro de 1969 > Visita do então Presidente da República, Américo Tomás: na foto, passando revista a um guarda de ronda... Em primeiro plano, ao centro, o 1º cabo miliciano César Dias, membro da nossa Tabanca Grande, ex-fur  mil sap inf, CCS/ BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Os cabos milicianos, Morais e Dias, empunham pistolas metralhadores Uzi, de fabrico israelita.

Foto (e legenda): © César Dias (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentários dos nossos leitores:

(i) Valdemar Queiroz (*):

(...) Tanto a FBP, a Uzi e a Vigneron com o percutor fixo na cabeça da culatra facilmente disparavam 'sozinhas'. Acontecia várias vezes, com um simples bater com a coronha numa mesa, haver rajadas descontroladas.

Na guerra da Guiné, julgo que não eram utilizadas em operações e apenas seriam utilizadas em desfiles militares.
´
Parece que estas armas, de pequeno porte e munições derrubantes,  de 9 mm, eram mais utilizadas por forças da polícia. (...)

(ii) César Dias (*):

Nas Caldas [, no RI 5,] os Cabos Milicianos usaram a UZI na guarda de honra ao Presidente da República [, Américo Tomás], em Janeiro de 69, mas não me lembro do modelo.


(iii) Luís Graça:

Aparentemente não há registo do mais pequeno "incidente", na estrada ou nas tabancas, com a velho Ford do Manel Djoquim nem com a sua pessoa... O Ford ostentava, nas portas, um dístico pintado, "Cine-Guiné" (, segundo o testemunho de Carlos Geraldes, carta de Pirada, 3/1/1965) (**).

Será que este "tuga" conseguiu passar incólume pela guerra ? Mas, é bom lembrar, as minas e as emboscadas não tinham "código postal"...

Há, naturalmente, algumas lendas e alguns mitos criados à sua volta... A verdade é que ele só baixou às "boxes" em 1971... Deve ter percebido que o seu tempo estava a chegar ao fim... Mas é um caso absolutamente notável de coragem física, de determinação, de resiliência, de amor à Guiné... Por isso lhe chamo o "último africanista".

Segundo os testemunhos dos amigos seu tempo e dos registos da família, em cerca de três décadas,  dos anos 40 a princípios de 70, o Manuel Joaquim dos Prazeres teria batido  toda a Guiné, de Norte a Sul e de Oeste a Leste... No mapa (adaptado) que a Lucinda Aranha publica, no seu livro, os sítios assinalados  (com um retângulo) vão de Varela a Campeane,  de Caió a Cabuca, de Pirada a Buba, de Bambadinca a Mansabá, de Farim  a Madina do Boé...

O nosso saudoso Carlos Geraldes (1941-2012), que conheceu em Pirada, na véspera do Natal de 1964, escreveu sobre ele:

(...) "Conhecia todos os trilhos da Guiné e tratava quase toda a gente por tu, completamente à vontade e com a maior franqueza. Numa época de guerra como esta que estamos agora a travar, cheia de emboscadas, minas e selvajaria, nada parece deter este velho descendente dos conquistadores de antanho. Não há recanto nenhum da Guiné que ele não conheça e vai a sítios onde a tropa até tem medo de passar ao lado." (...)

O Carlos Geraldes, alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), não fala em nenhuma pistola-metralhadora, que o Manuel Joaquim  deve ter adquirido (, mas não sabemos como...) na altura o início da guerra... (Enfim, uma questão que a Lucinda Aranha nos prometeu elucidar, recrrendo à memória de amigos do pai, do tempo da Guiné,  que ainda estão vivos...).

Mas pode perguntar-se: qual então o significado da exibição de uma arma de guerra, uma pistola-metralhadora, que não servia para caçar ?  Era também uma "insígnia" que podia  ter várias leituras: para a PIDE e a tropa e para o PAIGC... mas também para os amigos e até para a família em Lisboa..


2.Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós-independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu, Boé...). 

As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  serem sítios por onde o "Nequinhas"(, nomi ho ternurento pelo qual era tratado no seio da família em Lisboa...)  tinha passado com a sua carrinha...

Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque havia só particamente tropa e meia dúzia civis, até à sua retirada em 6/2/1969...

A tropa não o deixaria lá ir a sítios como Madina do Boé... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá lá, até meados de 60... A questão é que este mapa não aparece no livro com  uma legenda apropriada...

Resposta da Lucinda Aranha (15/1/2020):

(...) Luís, não sei se o meu pai ia, durante a guerra colonial , às localidades que mencionas mas várias testemunhas me disseram que ele até dava cinema aos guerrilheiros e, sobretudo, tenho o testemunho dele próprio segundo o qual podia andar por toda a Guiné que ninguém lhe fazia mal. Inclusivamente enfurecia-se com as diculdades que o governo da Guiné, militares, até a Pide, lhe punham no sentido de parar a sua actividade.

Quanto ao mapa, reconheço que é bastante impreciso até porque, por lapso da editora, saiu sem a legenda e confesso que não me apercebi atempadamente. Por outro lado, tive muita dificuldade em encontrar um mapa mais consentâneo com a época. Desconhecia então que a Tabanca Grande tem um bom acervo de mapas,  como me disse o Carlos Vinhal.


Efectivamente, os rectângulos assinalam os lugares por onde o meu pai andou, embora vários amigos pessoais- o próprio genro do Esteves, o sr Pereira - me tenham afiançado que praticamente eu devia assinalar todas as localidades do mapa. Optei por assinalar apenas as que me apercebi, pelos vários testemunhos, que eram fiáveis. (...).



Guiné 61/74 - P20605: Historiografia da presença portuguesa em África (196): Relatório do Governador da Guiné, Contra-Almirante Francisco Teixeira da Silva, referente a 1887-1888 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
São documentos preciosos que se encontram na Biblioteca da Sociedade de Geografia, espelham a realidade da nova Província da Guiné, do estado em que se encontrava, o Governador não esconde ao Ministro as carências de toda a espécie e propõe medidas. Será governador por pouco tempo, era um oficial da Armada com larga experiência colonial, foi rapidamente destacado para Macau.
Sobre a sua governação sugere-se a leitura da obra de Armando Tavares da Silva "A Presença Portuguesa na Guiné", a partir da página 169, é neste tempo que fomos forçados a abandonar Zinguinchor, com muita dor da população local, Tavares da Silva relata com detalhe os muitos conflitos que se registaram nesta época.

Um abraço do
Mário


Relatório do Governador da Guiné, Contra-Almirante Francisco Teixeira da Silva, referente a 1887-1888

Beja Santos

O oficial da Armada foi surpreendido em Angola com a sua nomeação para a Guiné, daqui seguirá também como Governador para Macau. O seu documento é muito económico, revela uma limpidez de caráter, não se escusa a abordar as questões mais ásperas e a propor medidas de revitalização, fundamentais num período em que a presença francesa aparecia como um cerco ao enclave português. Não esconde no documento destinado ao ministro que lhe falta alguma informação e diz claramente que a presença portuguesa está altamente condicionada.

As primeiras páginas introdutórias levam-no a dizer que a Província compreende todo o continente africano entre o Cabo Roxo e a Ponta Repin, a superfície total da Província, incluindo as ilhas, seria aproximadamente de 40 mil quilómetros quadrados. Escreve que a população que se diz civilizada não ultrapassa as 10 mil almas. Estabelece as condicionantes, ocupava-se a ilha de Bolama; Bissau, Cacheu, Geba, Buba e Farim só a parte fortificada; Cacheu está sempre em armas; em Bissau, há quem proteste contra a destruição das muralhas da praça, com medo dos vizinhos; em Geba e Farim, todos temem o Mussá-Muló e em Buba desconfia-se de Mamadu Paté, chefe Fula, de Mamadu Jolá, chefe Beafada. E explica a natureza das tensões:

“Este mal-estar deve-se principalmente à política de intervenção nas questões indígenas e ao costume de lhes pagar tributos e dar presentes que mais provam vassalagem do que suserania. Hoje não se pagam tributos e dão-se-lhes poucos presentes”.

E procura fazer um retrato da capital da Província, dirá repetidamente que anseia por ver Bolama ascender a cidade:

  “A capital da Província é na ilha de Bolama na sua parte mais insalubre. Convinha dominar a entrada do Rio Grande – diz-se. Data este estabelecimento de 1879 e se não é hoje como Luanda que conta séculos de existência, não é inferior a São Tomé ou a Benguela em edificações públicas e particulares. Se me é lícito advogar uma causa que mais pertence à municipalidade, proporia que a sede da Província da Guiné na ilha de Bolama fosse elevada à categoria de cidade… Capital de uma Província não deve ser aldeia nem vila. O concelho de Bolama abrange toda a ilha. O poder judicial e administrativo não vai além da vila e aldeias próximas por ser difícil o seu exercício nas tabancas das diferentes raças cujos costumes temos respeitado”. E dá uma nota de franqueza para o estado da capital: “Em Bolama não há nem cemitério nem calcetamento das ruas, nem um edifício camarário que não seja alugado”.

E pronuncia-se sobre os administradores de concelho e chefes de presídio, os representantes do Governo nos pontos ocupados:

“Uns e outros acumulam a parte civil. Veem-se em cada passo embaraçados quando pretendem cumprir as ordens do Governo, e na parte política da administração têm de lutar contra a natural desconfiança dos indígenas, sempre excitada pelos habitantes da localidade, políticos a seu modo, intervindo em todas as questões gentílicas com o fim principal de promover os seus interesses que não os do país que lhes deve o seu atraso, as suas discórdias, as suas guerras e o seu mau estado financeiro”.

Depois de dizer abertamente que vota pela extinção das câmaras municipais em Bissau e Cacheu, e depois de informar que Buba já tem comissão municipal, pronuncia-se sobre a gestão das questões gentílicas:

“É simples a minha política: é a de não interferência nos negócios indígenas, a não ser a de bom conselho dado sem interesse. É o castigo pronto ao morador, ao grumete do presídio que comete extorsões nos territórios gentílicos ou nos mercados públicos à sombra da autoridade. É a exigência da amarração de qualquer gentio por crimes contra cristãos ou moradores e grumetes, tomando reféns até que se faça a troca. É não dar presentes aos chefes das tribos, nem aceitá-los. Os presentes constituem hoje uma obrigação, a que eles dão o nome de daxas ou tributos”.

É favorável a que se arrasem todas as muralhas e paliçadas, não obstante havia que conservar em bom estado as fortalezas, era a melhor maneira de mostrar aos indígenas que não tinham medo deles.

É severo num conjunto de apreciações quando fala da administração, da justiça, da missionação, etc. Recorda ao ministro que há situações do mais flagrante atentado à saúde, é o caso de Bissau: “Tem 80 casas, se tanto, apertadas por uma muralha de três metros de altura torneada por um fosso que serve de despejo. Limpa-se o fosso, dá-se-lhe vazão para a praia, entulham-no outra vez”. A justiça estava pela hora da morte: “Crimes, quem é que os paga, se não há quem os julgue? Os juízes ordinários ali dizem que não têm escrivães. Não há administrador de concelho, delegado de saúde: não há quem ali vá com eles com olhos de ver que se não ria daquela muralha e de quem pede a sua conservação. E a muralha fica de pé, devendo eu também entrar no número daqueles que não toma uma deliberação”.

Pronuncia-se meticulosamente sobre obras públicas, correio, administração da Fazenda, da Alfândega e volta ao tema da justiça e não se coíbe de tecer observações sobre a administração eclesiástica:

“O vigário-geral é o único sacerdote que há hoje em toda a Guiné Portuguesa. A Diocese de Cabo Verde compreende as cristandades da Guiné sobre a direcção do Vigário-geral. A diocese tem um seminário na ilha de São Nicolau que, se dá padres, não chegam à Guiné. No reino não se ordenam em número proporcional às necessidades das províncias africanas. Vêm do Oriente, espalham-se por todas as colónias como se têm espalhado os cirurgiões da Escola de Goa”.

Sempre objetivo, sem teias numa narrativa de verdade, diz o que pensa sobre as velhas fortificações em ruínas, o estado degradado em que se encontra a artilharia, as necessidades prementes de manter unidades da Armada na Guiné.

E termina o seu relatório relembrando várias propostas:

“mostrei a conveniência de elevar Bolama a categoria de cidade;
disse que o concelho de Bolola não tinha hoje razão de ser;
provei que Cacheu não tem elementos de vida municipal;
pedi a reorganização da Secretaria Geral do Governo;
que os chefes dos presídios sejam gratificados com 300 mil reis anuais;
que a despesa com a instrução primária passe a cargo das câmaras e comissões municipais;
que se crie na capital da Província uma escola principal;
que venham de Angola cinco pretos resgatados para servirem nas obras públicas como aprendizes de ofícios;
que, quando os portos da Guiné Portuguesa estiverem suspeitos ou sujos, haja carreira directa de vapores para a metrópole;
que se arrasem as muralhas de Bissau e se destrua a paliçada de Cacheu;
que se mande vir de França o material preciso para construções na Província e principalmente em Cacine, etecetera, etecetera".

O relatório é assinado na ilha Brava em 26 de outubro de 1888, nessa altura Francisco Teixeira da Silva é ex-Governador da Guiné nomeado Governador de Macau.


Ruínas do BNU de Bolama, posteriormente Hotel do Turismo, 
Imagem de Bruno Kestemont, retirada do blogue Rio dos Bons Sinais, com a devida vénia.




(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20539: Historiografia da presença portuguesa em África (195): A Guiné vista pelo seu primeiro governador, Pedro Inácio de Gouveia (Mário Beja Santos)