Fonte: Cortesia de Luso-Americano, 19 de janeiro de 2018
[Foto à direita: O nosso camarada e amigo
João Crisóstomo,luso-americano, natural de Torres Vedras, conhecido ativista de causas que muito dizem aos portugueses: Foz Côa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes... Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun]
Conversa sobre Portugal: 19 de janeiro de 2020, Comunidade eslovena em Nova Iorque
por João Crisóstomo
[ O autor tinha preparado um guião original, já com cortes, para uma conversa de meia hora; como o tempo disponível acabou, entretanto, por ser maior - cerca de uma hora - ele passou a ter liberdade para introduzir notas e comentários extra; a versão original está disponível em inglês, no final deste poste (*); o editor Luís Graça fez a tradução e adaptação livre para o blogue, com a devida autorização do autor ](**)
(Continuação)
De alguma maneira esta saída dos judeus de Portugal veio a ter muita relevância na América: sem estar com grandes detalhes permito-me enumerar e salientar alguns factos.
Os primeiros judeus que chegaram aos Estados Unidos vieram do Brasil, depois de, por razões já mencionadas, terem saído de Portugal. A eles se devem a criação da primeira comunidade judaica em Nova Iorque; a construção da primeira sinagoga em Newport, Rhode Island (a "Touro Synagogue"); e logo a seguir uma outra sinagoga em Nova Iorque, a primeira nesta cidade — ainda hoje chamada "The Spanish and Portuguese Synagogue" — onde durante muitos anos os serviços eram em ladino, como hoje podemos ver nos documentos originais.
Em ambas as sinagogas a maior parte dos nomes daqueles que as construíram, e assim gravados em pedra, são bem portugueses.
A própria "Estátua da Liberdade” em frente a Nova Iorque tem uma vertente portuguesa: o conhecido poema "Deixai vir a mim os desterrados", que se pode ler na base desta estatua, é da autoria de Emma Lazarus [1849-1887], ainda de ascendência portuguesa; os seus antepassados pertenceram ao grupo daqueles saídos de Portugal depois da instituição da Inquisição.
E, a título de curiosidade, o mesmo se pode dizer do maior autor de marchas militares americanas, John Philip de Sousa [1854-1932], de pais açoreanos, cujas marchas ouvimos sempre, queiramos ou não, no dia da Idependência e outros momentos solenes e assim pertinentes.
E já que estou mencionando pessoas e factos/acontecimentos relevantes, não posso deixar de mencionar alguns: Peter Francisco [1760-1831], o conhecido gigante português, guarda-costas de George Washington, considerado por muitos o mais famoso do “Continental Army” e possivelmente até de toda a história militar dos Estados Unidos, assim reconhecido num selo postal.
E porque não mencionar também a Pedra de Dighton, onde estão gravados em pedra os nomes de Corte Real, o escudo real português e outros testemunhos de que, antes dos ingleses chegarem a terras americanas, havia muito tempo já que os portugueses aqui tinham chegado. E quem fez esta descoberta escrita na pedra não foi nenhum português, mas antes um professor americano, em 1920, Edmund Burke Delabarre, professor na Universidade de Brown em Providence, Rhode Island. Quem quiser ver a pedra e o seu pequeno museu, estes podem ser visitados a qualquer altura.
Após a libertação da Espanha [, em 1 de dezembro de 1640], Portugal conseguiu recuperar a maioria das colónias invadidas durante a ocupação espanhola. E um ressurgimento se seguiu. Foi no Brasil, 150 anos antes do mesmo acontecer nos EUA, que ocorreu a primeira corrida do ouro nas Américas. Ouro, diamantes, tabaco e outras riquezas começaram a afluir a Lisboa novamente.
E Portugal tornou-se novamente um país rico. Riquezas do Brasil foram usadas para construir uma enorme Basílica, Palácio e Convento em Mafra, perto de Lisboa, que hoje possui o maior corredor de qualquer palácio da Europa, incluindo Versalhes; uma grande e nova grande casa de ópera foi construída; e outros monumentos.
Mas essas riquezas não foram usadas em proveito do povo, mas apenas em benefício de alguns; e enquanto o Vaticano recebia uma luxuosa embaixada portuguesa, as condições de trabalho em Portugal eram muito próximas da escravidão. O fato é que, embora nas mãos de poucos, havia muita riqueza em Portugal.
Mas em 1755 uma tragédia natural atingiu Portugal: um terramoto terrível, seguido por um tsunami e incêndios destruíram a maioria dos edifícios em Lisboa, sobretudo na Baixa, e outras cidades e povoações do litoral. Apenas em Lisboa houve cerca de 75.000 mortos (, as estimativas variam, conforme as fontes, entre 10 mil e 90 mil).
A reconstrução da cidade, sob a liderança do Marquês de Pombal, foi e ainda hoje é objeto de admiração para quem visita Lisboa. Mas logo outro revés ocorreu com três invasões sucessivas pelas forças francesas, quando Napoleão tentou levar Portugal à submissão como primeiro passo na sua luta com a Inglaterra. O rei português e sua corte conseguiram escapar para o Brasil, em 1807, em navios fornecidos pelos britânicos antes da chegada dos franceses, mas estes, ao chegarem, ocuparam Portugal por algum tempo, até serem forçados a recuar. Napoleão enviou imediatamente uma segunda força, que teve o mesmo destino da primeira. E uma terceira invasão se seguiu.
Foi em Torres Vedras, minha cidade natal, que as forças portuguesas e britânicas sob o comando de Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington [1769-1852], deram o golpe final às forças francesas em Portugal, impedindo-as de ocupar Lisboa novamente e forçando-as a recuar pela terceira vez para não mais voltarem. Mas o que havia em Portugal de qualquer valor durante essas três invasões foi propositadamente destruído ou levado para a França. Recentemente, alguns mapas da costa africana e registos do desenho e construção de navios, roubados pelos invasores franceses, foram encontrados no departamento de Arquivos de Gironde, na França.
Em 5 de outubro de 1910, os portugueses optaram por uma república, em vez de um sistema de governo de monarquia constitucional. Mas durante muito tempo Portugal foi um país muito pobre.
Em 1932, Salazar foi escolhido pelo presidente para ser o novo primeiro-ministro. Ele conseguiu manter Portugal neutral na Segunda Guerra Mundial e, por meio de medidas rigorosas e austeras, trouxe alguma estabilidade económica ao país. Mas enquanto as outras nações que haviam saído da guerra completamente destruídas, estavam no caminho de uma notável recuperação económica, investindo em educação e infra-estruturas, Salazar [1889-1970] não fez nada disso, mantendo o ouro que acumulou e economizou em reserva, por razões que ninguém entendeu.
Ele figurava entre os líderes autoritários mais antigos do mundo, mas quando morreu [, em 1970, depois de ter sido sustituído em 1968, sem nunca o saber, por doença grave], o seu regime [, o Estado Novo] conseguiu sobreviver, mantendo Portugal com o rendimento mais baixo da Europa Ocidental.
Por outro lado,enquanto outras nações estavam prontas para conceder autonomia e independência às suas colónias, ele resistiu aos movimentos de libertação nas colónias portuguesas (, que ele insistia em chamar de "províncias ultramarinas" ou extensões de Portugal), à custa de milhares de vidas, e perda de riqueza, numa longa e inútil guerra, que se prolongou de 1961 a 1974(, a guerra colonial).
Muito mais podia e devia ser dito. Mas não o posso fazer neste curto espaço de tempo. Não quero porém deixar de fazer uma menção ao papel de Portugal no que respeita aos refugiados durante a II Guerra Mundial.
Como mencionei atrás, Portugal conseguiu conservar uma posição neutral neste conflito. A sua posição geográfica porém fez dele o destino ideal como porto de saída para o resto do mundo. E Salazar por razões que a razão desconhece - por um lado tínhamos uma ligação de aliança com a Inglaterra, mas ao mesmo tempo Salazar era um admirador de Mussolini e de Hitler, mais do primeiro do que do segundo, é certo —, decidiu neste assunto alinhar-se com a maioria das nações, dificultando e mesmo proibindo, na maioria dos casos, e salvo raras excepções, a entrada de refugiados, especialmente os de origem judia, em Portugal.
E foi neste momento em que apareceu o grande humanista Aristides de Sousa Mendes [1885 - 1954]. Alegando que o dever de sua consciência cristã se sobrepunha a qualquer outra consideração, não hesitou em desobedecer às directivas directas do governo português e deu milhares de vistos a todos os refugiados que o procuraram,quando era cônsul em Bordéus, em 1940. O seu gesto corajoso, foi o primeiro e o maior a nível individual de todas as operações de resgate que se seguiram.
Muitos outros diplomatas, e até pessoas individuais, seguiram o seu exemplo depois em actos de corajosos resgates. É o seu pioneirismo que quero realçar, pois foi o facto de isto ter acontecido logo no início da guerra que forçou a abertura das portas que Salazar não teve mais coragem de fechar. Por estas portas passaram centenas de milhares de refugiados, muitos dos quais teriam perecido em Auschwitz e noutros campos de concentração, se não fora a coragem heróica deste português.
Como devem saber, Salazar (que, acabada a guerra vangloriou de ter salvo muitos refugiados, dizendo ter pena de não ter feito muito mais), nunca perdoou a Aristides o que ele considerou um acto de desobediência, e Aristides veio a morrer como um pobre num auspício para pobres em Lisboa.
Depois da morte de Salazar, os portugueses aperceberam-se de que se impunha um novo rumo político para o país. E cedo ocorreu uma revolução em Lisboa [, em 25 de Abril de 1974]. Mas, talvez porque cansados de guerra e de lutas, esta foi uma revolução quase pacífica , se assim se pode dizer, pois que não houve mortes, e viria a ser chamada "revolução dos cravos” pelas flores com que todas as armas eram "coroadas" por civis e depois mesmo pelos militares.
Foi uma recuperação longa e lenta desde 1974, quando um novo governo democrático foi instalado em Lisboa. Hoje, Portugal, conhecido por sua hospitalidade, vida simples e ambiente seguro, é hoje considerado um bom lugar para se viver e visitar. Eu, pelo menos, espero que continue assim.
Obrigado! João Crisóstomo
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Bibliografia que consultei;
1. O livro de onde faço várias referências é o livro:” The First Global Village"- How Portugal changed the world , da autoria do escritor Inglês Martin Page, 12a edição. " Casa das Letras" ( comprei este aí em Portugal).
Outros livros que li e que “consultei" agora:
2. "Encompassing the World” Portugal and the World in the 16th and 17th Centuries. Um daqueles livros grandes em todo o sentido, de se lhe "tirar o chapéu, pelo seu conteúdo fabuloso em todos os aspectos. Publicaçao da “Arthur M.Sacckler Gallery( da Smithsonian Institute em Washington)
3. Lisbon - War in the shadow of the city of light, 1939-1945 da autoria de Neil Lochery
4. The First World Sea Power—1139-1521; volume 1o. Autor: Saturnino Monteiro
5. 1494 How a Family Feud in Medieval Spain Divided the World in Half . Autor:Stephen R. Bown ( St Martins Press, New York)
6. 1808 (5a edição) Autor: Laurentino Gomes ( jornalista brasileiro). Editora Planeta. Brasil
7. Os Pioneiros Portugueses e a Pedra de Dighton, do Dr. Manuel Luciano da Silva
8. Magellan autor ; Stefan Zweig,( version française) par Alzir Hella; Bernard Grasset- Paris
Jornais e revistas:
1. "Luso-Americano” uma série de artigos sobre esta exposição, da autoria do jornalista /escritor/editor principal do" Luso Americano". Publicadas neste jornal de 27 de Abri29 de Junho de 2007.
2. New York Times, Friday, June 29 2007
3. Washington Post, June 24 2007 e July 20 2007
4. "Portuguese in the making of America” da autoria de James H.Gill
5. Military History, July/August 2006, artigo do historiador Michael D. Hull, capa e artigo (páginas 24 a 31).
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(*) January 19, 2020; Slovenian community:Talk on Portugal…
(...) After the liberation from Spain Portugal was able to recover most of the colonies which had been invaded during the Spanish occupation. And a recovery followed. It was in Brasil, 150 years before the same would happen in US, that took place the first gold-rush in the Americas.
Gold, diamonds, tobacco and other riches started to flow to Lisbon again. And Portugal became again a wealthy country. Riches from Brasil were used to build a massive Basilica in Mafra, near Lisbon, which today boast the longest corridor of any palace in Europe, including Versailles; a great grand new opera house was built; and other. But these riches were not used for the people but just for a few; and while the Vatican was recipient of this Portuguese royal generosity, working conditions in Portugal were very close to slavery.
The fact is that, though in the hands of a few, there was much wealth in Portugal. But In 1755 a natural tragedy struck Portugal : a terrible earthquake, followed by a tsunami and fires destroyed most buildings in Lisbon, Porto and other places. Just in Lisbon there were 75,000 people dead.
The following reconstruction of the City was and is still today object of admiration for anyone who visits Lisbon. But soon another setback occurred with three successive invasions by French forces, as Napoleon tried to bring Portugal into submission as a first step in his fight with England. The Portuguese king and his court were able to escape to Brasil on ships provided by the British before the French arrived, but upon arrival they occupied Portugal for some time, until they were forced to retreat. Immediately Napoleon sent a second force, which had the same fate of the first one. And a third one followed.
It was in Torres Vedras my hometown that the Portuguese and British forces under the command of the future Duque of Wellington gave the final blow to the French forces in Portugal, preventing them from occupying Lisbon again and forcing them to retreat a third time not to come back any more.
But what there was in Portugal of any value during these three invasions was either purposely destroyed or taken to France. Just recently some maps of the African coast and records of the design and construction of ships which were stolen by the French invaders were found in the Archives department of Gironde in France.
In 1910 the Portuguese opted for a republic, instead of a monarchy system of government. But for a long while Portugal was a very poor country.
In 1932 Salazar was chosen by the President to be the new Prime Minister. He was able to save Portugal from entering WW II and by means of strict and austere measures brought some economic stability to Portugal. But while other nations which had come out of the war completely destroyed were in the road to a healthy recovery by investing in education and infrastructures, Salazar did nothing of this, keeping the much gold he had amassed and saved in storage for reasons nobody understood.
He is among the the longest authoritarian leaders , but when he died, and for some years afterwards as the same regime continued, Portugal had the poorest income in Western Europe. While other nations were ready to grant autonomy and independence to their colonies, he resisted the liberation movements in Portuguese colonies, which he insisted in calling extensions of Portugal, at the cost of thousands of lives, and the loss of all he had amassed in a futile war that nobody understood.
It has been a long and slow recovery since 1974 when a new democratic government was installed in Lisbon. Portugal of today, well known for its people hospitality, simple living and safe environment, is considered now a good place to live and visit.
I for one hope it will continue so. Thank you!
(**) Último poste da série > 24 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20679: Tabanca da Diáspora Lusófona (7): A história de mil anos de Portugal explicada numa hora à comunidade eslovena em Nova Iorque (João Crisóstomo) - Parte III
Postes anteriores:
14 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20648: Tabanca da Diáspora Lusófona (5): A história de mil anos de Portugal explicada numa hora à comunidade eslovena em Nova Iorque (João Crisóstomo) - Parte II
12 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20642: Tabanca da Diáspora Lusófona (4): A história de mil anos de Portugal explicada num hora à comunidade eslovena em Nova Iorque (João Crisóstomo) - Parte I