quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 – P20688: Memórias de Gabú (José Saúde) (91): “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Memórias de Gabu

“Um Ranger na Guerra Colonial  Guiné-Bissau 1973/74”

Camaradas, deixo-vos aqui um de muitos textos que o meu último livro, o nono, contempla. Viagens por espaços físicos que muitos de vós conheceram. A obra, com a chancela da Editora Colibri, é tão-só uma reminiscência de circunstâncias que permanecem eternamente nas nossas memórias. Comprem o livro e rever-se-ão em cada tema narrado.

Bafatá, cidade acolhedora

Um olhar sobre o Geba

Cativava-me uma viagem a Bafatá! E foram muitas as jornadas àquela cidade guineense. Um olhar lançado sobre o rio Geba, ao cimo da rua principal, deleitava espíritos de jovens militares que, no mato, se deparavam com frequência a imensos problemas de índole diversa. A guerrilha, sempre ativa, quebrava permanentemente a monotonia de tropas dispersas por toda a região.    
Uma ida a Bafatá simbolizava uma jornada à faustosa urbe para militares entregues a um profundo isolamento. A cidade debruçava-se sobre uma das margens do leito do rio Geba, um portentoso curso de água que ao longo da guerra registou inúmeras histórias fatídicas. Bafatá era uma boa anfitriã.
As minhas idas a Bafatá baseavam-se em colunas de reabastecimentos. A estrada era asfaltada. A distância que separava as duas localidades (Bafatá-Nova Lamego), rondavam, mais ou menos, os 35 kms, julgo. Lembro-me de uma ocasião em que o major Óscar Castelo da Silva, segundo comandante do BART 6523, me pediu para o acompanhar a Bafatá. Tendo em conta a distância e o ambiente de guerra que se vivia, disse-lhe que “preparava o grupo e o meu major levava o jipe com o condutor”. Resposta: “Não, você acompanha-me, armado, e iremos os três”.
E lá nos fizemos à estrada. Confesso que a certa altura cheguei a ter receio da aventura. Havia quilómetros de mato denso. Sabia que esse trajeto, todo em alcatrão, não oferecia problemas de maior. Regressámos sem nada se registar.
Bafatá foi também um azimute traçado quando um dia subi o rio Geba. Embarquei em Bissau e ancorei no Xime. As ligações para Gabu, via aérea, complicaram-se. A guerrilha estava ao rubro. Ganhava uma imponente dimensão. Impunha-se um maior cuidado. Esperei alguns dias, comparecia nos Adidos (estrada que unia Bissau a Bissalanca) e a resposta negativa mantinha-se. Aguardavam ordens, diziam-me. Numa manhã, já desolado com a situação deparada, colocaram-me como hipótese o meu regresso ao Leste por via fluvial. Disse prontamente que sim.
Nunca imaginei uma viagem tão atribulada. A lancha da marinha – LDG – ia cheia que nem um ovo. Os negros, em grande número, transportavam consigo vários apetrechos pessoais. Nem a galinha faltou à chamada!
Ao chegarmos à zona da Ponta Varela, e com o rio a estreitar as suas margens, o comandante da embarcação mandou-nos deitar. “Nem uma cabeça a ver-se do exterior”, avisou. Os marinheiros, já feitos à dita viagem, agarraram-se às metralhadoras e fez-se silêncio. Prevaleceu, momentaneamente, o medo. O “cabo Bojador” foi ultrapassado e, desta feita, o pessoal passou isento de eventuais novidades.
Disseram-me que a zona era extremamente perigosa. Contava-se que aquela viagem já tinha conhecido contornos fatais resultantes de ataques do PAIGC a partir das margens do rio.  
A navegar já em águas fluviais mais “calmas” ancorámos no cais do Xime. Seguiu-se a viagem numa Berliet que cruzou Bambadinca, Bafatá e, finalmente, Gabu.
Bambadinca era também conhecida como a terra do tenente Jamanca, um negro de corpo franzino, estatura baixa e que comandava a CCAÇ 21. Recordo as suas virtualidades como guerrilheiro. Tive a oportunidade de com ele contactar e ouvir histórias em que o soneto da guerra agitava as curiosidades.  

 A rua principal de Bafatá com o Geba ao fundo 


Cais do Xime, 1973

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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