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sábado, 15 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27423: Os nossos seres, saberes e lazeres (709): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 2 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há pouco a explicar quanto às razões pelas quais se acumulam imagens que, pasme-se, até tinham sido tiradas para se juntarem a outros eventos de itinerâncias. É a limpar a câmara fotográfica que encontro estas recordações do amanhecer na Feira da Ladra, pois venho sempre ao princípio da feira em busca de tesouros e não escondo que às vezes sou bem sucedido. Há igualmente imagens avulsas que se prendem com a satisfação que sinto a estar a ver o arvoredo daquele local do Reguengo Grande, onde tenho casebre, estou para ali, a espairecer, ouvindo tocatas de Bach ou sonatas de Schubert, chega o lusco-fusco e ponho-me no parapeito à espera do fim do dia, o resultado aqui publiquei na semana anterior. E hoje conto-vos a história porque vos mostro uma vista da Graça tirada do Teatro Taborda, a antiga sede do Patriarcado, no Campo Santana, ou o interior da gigantesca cúpula da Basílica da Estrela.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (230):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 2

Mário Beja Santos

Devo muitíssimo à Feira da Ladra, e falando concretamente do nosso blogue, essa dívida exprime-se em papéis que eu aqui adquiro e que me são muitíssimo úteis para falar da Guiné. Ensinaram-me que se deve vir à Feira um pouco antes das sete da manhã, é por essa altura que os vendedores, pessoas que compram espólios onde tanto podem vir livros como a mais diversa quinquilharia, tiram dos sacos e põem nas bancas estes livros e papelada avidamente folheados por negociantes e bibliófilos, em que me incluo. Ganho imenso em ver o nascer do dia neste Campo de Santa Clara, por vezes venho mais cedo no frio do inverno, foi assim que captei uma imagem na rua do Vale de Santo António que me serviu de capa para o meu livro A Rua do Eclipse, espanto-me sempre de ver avermelhar o negrume, o rio incendeia-se, no entretanto há cambiantes de luz entre o amarelo e o esverdeado; e gosto de ver montar a Feira, inicialmente é todo um caos e, de repente, à luz do dia sentimos que se está a percorrer um verdadeiro mercado onde prima a fancaria, o que parece não ter préstimo, mas nós, os potenciais compradores, estamos ali confiantes de que é dia de sorte para alcançar almejados tesouros.
Os feirantes estão a chegar, cada um acampa no espaço que alugou. Será que eu vou encontrar aqui hoje algum tesouro?
Como isto aconteceu, não tenho explicação, seriam seis e meia da manhã, está tudo esborratado nestes estranhos azuis e amarelados, talvez um meteorologista me pudesse explicar porque está azul-celeste a cúpula de Santa Engrácia, o arvoredo, os toldos e o alcatrão, parece cenário de teatro, talvez mesmo uma aurora mística.
Enquanto a feira se organiza, ponho-me no fundo de Santa Clara, perto do antigo Hospital da Marinha que está a ser trans formado em hotel ou condomínio de luxo, venho bisbilhotar o Tejo, embora a melhor panorâmica seja trezentos metros acima no Mercado de Santa Clara. O que me atrai são estas cambiantes de luz amarelada a enfrentar o dia nascente: é como se fosse uma cintilação de ouro antes de que todas as cores fiquem esclarecidas.
Sim, a feira está armada, vai começar a busca, passo pelas loiças como cão por vinha vindimada, o papel é sempre o meu alvo principal, mas não desdenho das caixas de CDs, e há também espaço para as minhas ninharias, é o caso das gravatas, embora ninguém acredite é possível comprar a 1 euro gravatas Hermès ou Armani, depois mandar limpar a seco. Nos bons tempos que fiz na Feira da Ladra de Bruxelas comprei lenços para o pescoço da Chanel, Yves Saint Laurent ou Balenciaga, a minha filha herdou este pacote de relíquias.
Palácio Costa Lobo, depois sede do Patriarcado, no Campo de Santana, será transformado em residências de luxo. Passo por aqui quando me dirijo à Biblioteca do Goethe-Institut, ali bem perto. Em 15 de março de 1995, amigos ofereceram-me almoço na rua de S. José antes de eu partir para ser operado no Hospital dos Capuchos a uma hérnia na L4. Tomei o elevador do Lavra, por aqui andei a passo de tartaruga, e quando cheguei aqui à sede do Patriarcado, saiu de um carro D. António Ribeiro, o cardeal da época, com quem me relacionei em atividades da Juventude Universitária Católica. Cumprimentos para aqui e para acolá, achei um tanto desusado as perguntas que me fez não da doença, mas pelo local e o dia da operação. No dia seguinte à dita operação, apareceu-me o médico do dia com um ar um tanto embaraçado, estava lá fora o cardeal para me visitar, devia pôr ali uma cadeira ou não? Além disso, havia ali também um guineense com um cacho de bananas. Meio tonto pelas drogas que me tinham dado, disse ao médico para mandar entrar o cardeal, não queria nada de longas conversas. Acontece que na cama ao lado estava lá um senhor que sofria de hidrocefalia, com a regularidade que era internado para extrair líquido. Quando viu entrar o cardeal, o homem ficou possesso, que não queria morrer, se vinha ali um cardeal era para lhe dar uma extrema-unção… nunca vivi uma cena como esta, recordo-a sempre quando por aqui passo.
Tirei esta fotografia no Teatro Taborda. Lá caí mais uma vez na esparrela de ir ver um grande clássico adaptado, de peças de três horas ou mais reduz-se para um espetáculo de hora e meia com toda a luminotécnica a ferver, em vez de estar a ver um gigante do classicismo estou numa rave, com lasers e barulho. Mas não perdi de todo a noite. Esta imagem tendo lá em cima o Convento da Graça tirou-me a má disposição.
Já aqui dei conta de uma itinerância ao Museu Nacional de Arte Antiga. Não publiquei esta imagem, parece que a guardei com grande devoção. Lembro-me perfeitamente do tempo em que a Custódia de Belém, a obra-prima máxima da ourivesaria portuguesa era mais escura do que clara, só o ouro é que brilhava, depois um mecenas apanhou a operação de conservação e restauro, temos aqui mais um mistério de quem é o seu autor, há quem diga que foi Gil Vicente. Para mim é assunto desinteressante, ando por vezes tempo sem fim aqui à volta, estupefacto com a elegância e o poder espiritual que emana desta obra.
Venho por vezes a Arroios a uma loja de eslavos onde é possível comprar arenque fumado, que aprecio comer com puré de batata condimentado. Esta é a fachada da Igreja do Convento de Arroios, durante muitos anos não me interroguei porque é que estão ali as pedras de armas da Grã-Bretanha. Acontece que a Rainha D. Catarina de Bragança, viúva de Carlos II na Grã-Bretanha mandou aqui fazer um colégio para os Jesuítas, a igreja ficou sob a égide da Nossa Senhora da Nazaré. Depois da extinção das Ordens Religiosas deu em hospital. Todo aquele espaço está com ar desgraçado, vai seguramente acabar em condomínio de luxo, a igreja está agora sob o culto ortodoxo, penso que é frequentada pelos ucranianos. Esta fachada merecia melhor sorte.
Quando recebo visitas de amigos estrangeiros nunca me passa pela cabeça sugerir uma visita à Basílica da Estrela, quando muito, falo dela no elétrico nº 28. Mas desta feita o casal alemão pedia para visitar a Basílica, ainda pensei que vinham apaixonados pelo presépio de Machado de Castro, mas não, gostam de estudar estes matacões do barroco. A igreja estava aberta, ouvia-se os cantares na Capela da Adoração, havia gente nos bancos a aguardar missa e eu aproveitei para me pôr no centro do transepto e olhar a altíssima cúpula, reconheço que é impressionante, só peço desculpa de a imagem não aparecer devidamente equilibrada, e é difícil de imaginar a altura que nos separa do piso da igreja.

(continua)

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Nota do editor

Último post de 8 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27400: Os nossos seres, saberes e lazeres (708): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (229): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 1 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27422: Agenda cultural (908): Sessão de lançamento da biografia de Eugénia Sousa (1935-2025). "Coragem, Altruísmo eFé", da autoria de Rosalina Coelho Vaqueiro: Biblioteca Municipal de Sesimbra, sábado, 15, às 15h00

Carta da Sessão de lançamento da biografia de Eugénia Sousa (1935-2025),  "Coragem, Altruísmo eFé", da autoria de Rosalina Coelho Vaqueiro: Biblioteca Municipal de Sesimbra, sábdo, 15, às 15h00.

O livro é editado pela Chiado Books, Lisboa, 2025. A Eugénia Sousa foi enfermeira paraquedista, do 2º curso (1962). Tinha o posto de capitão graduado. Vivia em Sesimbra.


1. Morreu há pouco tempo, aos 89 anos, no passado mês de maio. Mas uma amiga (e vizinha, de Sesimbra, onde ela vivia) já lhe escrevera a sua história de vida. 

Apareçam amanhã, na biblioteca municipal de Sesimbra, às 15h00, na sessão de lançamento do livro.

Segundo informação da Arminda Santos, o livro já tinha saído quando a Eugénia Sousa faleceu, em maio passado.
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Nota do editor LG:

Último poste série > 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27406: Agenda cultural (907): Museu Nacional de Etnologia, Belém, Lisboa: Prolongada até 30/11/2025 a Exposição: “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades” ... Saiu, entretanto, a 2ª edição, revista e aumentada, do livro homónimo (Lx., Colibri, 2025, 360 pp.)

Guiné 61/74 - P27421: Notas de leitura (1863): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Novembro de 2025:

Queridos amigos,
No final desta digressão, pode dizer-se sem nenhuma tibieza que este exercício coletivo de investigação sobre o Património Histórico e Cultural de Lisboa cruzado com uma vastidão de ramificações com a história colonial e imperial portuguesa foi a bom porto. Quanto a vastidão e ramificações houve bastante acerto na escolha dos espaços, dos atores, das instituições e na pluralidade de reverberações contemporâneas. Viajámos desde o Arquivo Histórico Ultramarino até à Sociedade de Geografia de Lisboa; indagaram-se nomes de ruas, entidades bancárias, estatuária, museus, palácios, tomou-se conhecimento do seu papel no passado e como podem ser cruciais para melhor entender o que a memória colonial representa na sociedade portuguesa, já que hoje não se pratica uma investigação ou uma historiografia da grandeza imperial, o que se pretende interrogar é a linha histórica de Portugal e o desempenho nevrálgico que tiveram os tempos imperiais - porque eles repercutem-se no tempo presente.

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 6

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

Este será o último texto que dedicaremos a esta obra, falaremos do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre, do político e poeta angolano Viriato da Cruz e da Sociedade de Geografia de Lisboa. No site Lisbon Rio, escreve Cláudia Castelo a propósito da Rua Gilberto Freyre:
“A proposta de atribuição do nome Gilberto Freyre a uma rua de Lisboa foi apresentada pelo jornalista e olisipógrafo Appio Sottomayor e por José Esteves Pereira, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e aprovada pela Comissão Municipal de Toponímia na sessão de 16 de Novembro de 2001. A rua Gilberto Freyre situa-se entre a rua Jorge Amado e a avenida Vergílio Ferreira, no Bairro do Armador (freguesia de Marvila), um bairro de habitação económica de promoção pública municipal e cooperativa, que começou a ser edificado no final dos anos de 1990 na antiga zona “M” de Chelas. Destinado a realojamento de famílias de bairros precários, acolheu pessoas de diversos grupos étnicos".

Segundo o site Toponímia Lisboa, a inscrição do nome do cientista social brasileiro no espaço urbano lisboeta deveu-se ao facto de Freyre ter criado o luso-tropicalismo. Em traços gerais, trata-se de uma doutrina assente numa leitura essencialista do carácter português, que postula que o povo português tem uma especial capacidade para se adaptar aos trópicos, por uma relação de amor e não de interesse, fruto das suas origens étnicas remotas entre a Europa e a África, e do convívio com mouros e judeus na Península Ibérica medieval. Nenhuma referência é feita à apropriação das ideias de Freyre pela ditadura do Estado Novo, a partir da década de 1950, para fazer frente ao crescente anticolonialismo internacional e ao surgimento de movimentos de libertação em Angola, Guiné e Moçambique.

 A criação no espaço da cidade de um lugar de memória em torno do criador do luso-tropicalismo revela a persistência pós-colonial de um discurso sobre a suposta excecionalidade da colonização portuguesa e o suposto não-racismo inato dos portugueses, com ressonâncias num largo espectro político-partidário, mas sem bases históricas e sociológicas. A mesma autora faz uma reflexão sobre a obra de Gilberto Freyre em Ecos Coloniais. No ensino universitário, Freyre era estudado sobretudo pela sua interpretação da história e da identidade nacional brasileira, patente na sua mais aclamada obra, Casa Grande & Sanzala, que teve primeira edição no Rio de Janeiro em 1933. “Ao abordar as relações entre os senhores portugueses, os escravos negros e os povos indígenas do território durante o período colonial, celebrou a miscigenação e exaltou o contributo dos africanos e ameríndios para a formação do Brasil. Inicialmente, este livro não foi bem acolhido pelos ideólogos do Estado Novo, a preferência era para a fundação de Portugal pela reconquista cristã. Mas Freyre passou a ser visto de outra maneira face ao anticolonialismo internacional. A reflexão e a discussão da sua obra continuam a ser atuais.

Viriato da Cruz criou o Partido Comunista Angolano, envolvendo-se com vários grupos anticoloniais, antes de partir para Lisboa em 1957. É aqui que vai estabelecer contactos com Amílcar Cabral e também com outras figuras da história da política angolana recente, caso de Mário Pinto de Andrade e Lúcio Lara. Sentindo-se frustrado pelo facto de o Partido Comunista Português não ter apreciado a ousadia da criação de um partido congénere sem autorização prévia, Viriato da Cruz irá passar a sua vida no exílio. Estará presente em Tunes na II Conferência de Solidariedade dos Povos Africanos, terá sido aqui que pela primeira vez se pronunciou o nome do MPLA, à semelhança do PAI, nome que se transformará em PAIGC. Entrará em oposição à nova direção do MPLA, esta favorável à posição soviética, ele favorável à posição chinesa. “Essas divergências irão manifestar-se de forma cristalina na história de luta da libertação angolana e da guerra civil que se lhe seguiu, com a União Soviética e a China a patrocinarem diplomática e militarmente movimentos nacionalistas rivais.”

Viriato da Cruz parte para a China, será testemunha de todo o processo da Revolução Cultural, trabalhando para o bureau dos escritores afro-asiáticos. Até à sua morte, em 1973, viverá numa quase reclusão. Porquê o seu nome em Corroios, concelho do Seixal? Se o seu nome é sobejamente conhecido em determinados círculos políticos, é praticamente ignorado mesmo na colónia de imigrantes angolanos. “Viriato da Cruz deu-nos a visão de um projeto diferente de organização social e política. Participou em processos que nalguns aspetos foram libertadores, noutros, brutais. É na sua globalidade que Viriato da Cruz se torna ator de pleno direito da história portuguesa.”

Fechamos esta viagem com chave de ouro. A Sociedade de Geografia de Lisboa foi criada a 10 de dezembro de 1875. É uma das organizações mais frequentemente associadas À formulação, institucionalização e disseminação de um pensamento colonial em Portugal e no Império. Há que concordar com o autor do texto quando ele diz que a ação da Sociedade de Geografia esteve associada, direta ou indiretamente, a inúmeras atividades que contribuíram para o enraizamento de uma expressão duradoura de nacionalismo imperial em Portugal. Não se pode entender a formação do chamado Terceiro Império Português sem a atividade, ao longo de décadas, dos sócios que apresentaram aos poderes políticos argumentos e propostas de peso, promoveu-se inclusivamente na Sociedade de Geografia a Escola Colonial, havia que formar uma administração específica, pôr este funcionalismo a conhecer as línguas nativas, incluindo as do Oriente. A Sociedade promoveu e financiou expedições a África, cujas figuras mais destacadas foram Ivens, Serpa Pinto e Hermenegildo Capelo. Uma das grandes preocupações destes associados era a missão civilizadora, elaboraram-se inúmeros argumentários em defesa dos chamados “Direitos Históricos” de Portugal.

Como é evidente, a alavanca das primeiras décadas tinha como pano de fundo as exigências postas pela Conferência de Berlim de 1884-85 – para ter colónias havia que as ocupar, civilizar, desenvolver, conhecê-las aprofundadamente. E foi assim que se foram formando coleções – de arte, etnográficas, numismáticas, científicas. Criou-se uma Comissão Africana, o departamento mais ativo da Sociedade, pôs-se de pé o Boletim, tornou-se uma publicação regular em 1880, aqui se publicavam informações culturais, económicas, relatórios, o trabalho das missões religiosas, dava-se conhecimento da expansão dos caminhos-de-ferro, do conhecimento e do gráfico e cartográfico.

A vida da Sociedade de Geografia foi-se constituindo, depois do 28 de maio de 1926, paredes meias com os ideais do Estado Novo, tal como tinha aparecido irmanada com a propaganda e os desígnios da Monarquia Constitucional e a Primeira República. Direi que é extremamente difícil estudar sobretudo o Terceiro Império sem conhecer o impressionante acervo documental da Sociedade de Geografia. Com o distanciamento dado por meio século de democracia, é também necessário compreender como esta instituição moldou a história e memórias coloniais. Os seus associados podiam ser políticos do regime, funcionários da administração colonial, militares no ativo ou reformados, investigadores… vamos encontrar o que fizeram ou pretenderam fazer em artigos do Boletim, na inúmera documentação depositada nos Reservados, na caterva de obras de grandes ou pequenas edições, trazidas de todas as partes do Império e que por vezes não chegaram à Biblioteca Nacional ou não foram depositadas no Arquivo Histórico Ultramarino.

Falando por mim não me imagino a investigar a História da Guiné sem estar sentado nas amplas instalações de uma biblioteca que infelizmente não é tão silenciosa como devia ser, devido ao alarido que tem do Teatro Politeama.

Rua Gilberto Freyre, no Bairro do Armador, Marvila
Imagem da viagem de Gilberto Freyre à Angola
Imagem de Viriato da Cruz
Imagem da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa
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Nota do editor

Vd. post de 7 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27397: Notas de leitura (1860): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27408: Notas de leitura (1862): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27420: (In)citações (281): Praxes assassinas... para "maçarico", "periquito" ou "checa" se começar a habituar...


Angola > Moxico >Léua  > c. 1970 > O alf mil pqdt Jaime Siva com uma criança da aldeia.


Foto (e legenda): © Jaime Bonifácio Marques da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O episódio que o Jaime Silva partilha connosco (*),  é forte, tenso e revelador da dureza mas  também da profunda ambiguidade moral, que marcaram muitos momentos da guerra colonial, vividos por nós.  Nem todos, por outro lado, teriam coragem de o contar, em público, em livro. 

Há vários aspetos que vale a pena comentar, e que são comuns às experiências por que passámos no CTIG.

Recorde-se que o  Jaime Silva. de rendição individual, era comandante, "maçarico", de um pelotão da 1ª CCP/ BCP 21 (Angola, 1970/72). E que na Op Broca (c. 20-29 de maio de 1970), no norte de Angola, tem o seu "batismo de fogo". O seu pelotão já tinha experiêwncia operacional, e pôde contar com a dois bons graduados, o 1º cabo Onofre e srgt Mirra.

(i) O choque do “batismo de fogo”

O  Jaime Silva descreve algo comum entre jovens oficiais enviados para cenários de guerra: a passagem abrupta da formação teórica (neste caso, recebida na EPI, em Mafra, e depois em Tancos, no RCP) para a realidade pura e dura  da guerra de guerrilha e contraguerrilha (fosse em Angola, na Guiné ou em Moçambique),

O “maçarico” (em Angola), o " periquito" (na Guiné) ou o "checa" (em Moçambique) era confrontado de imediato com a imprevisibilidade do IN,   e a brutalidade do combate num terreno que lhe era desfavorável.  E isso marcava-o para sempre. O dia e o local do batismo de fogo.

(ii) O contraste entre comportamentos

A narrativa mostra três tipos de comportamento operacional num momento de grande tensão:

  • serenidade, a coragem e a experiência  do 1º cabo Onofre, que representa o militar que já tem traquejo  e sabe agir com sangue-frio:  

(...) "E 'vejo'.,  ainda hoje, o local e o momento em que um guerrilheiro armado progride na nossa direção e faço sinal ao cabo Onofre, que se encontrava à minha frente, para estar atento. Este correu na direção… do combatente e capturou-o, à mão! " (...)
  • lucidez e a maturidade do sargento Mirra, que confirma o papel fundamental dos graduados na estabilidade dos pelotões:  

"(...) Com efeito, os dois pelotões conseguiram desalojar os guerrilheiros e chegar ao paiol. Nunca vi tanto material durante a minha comissão em Angola: armas, granadas, outro material de guerra, medicamentos, material de apoio escolar, etc.! " (...)

(...) " Você é doido, meu alferes. Primeiro – ordena o sargento Mirra – saia de trás dessa cubata e proteja-se nessa árvore grossa que se encontra ao seu lado. Não vê as balas a saltar à sua frente? Saia daí e depressa! Depois, agarre no rádio e peça ajuda ao 1.º pelotão que se encontra na zona para nos vir ajudar no assalto". (...)
  • e, por fim,  a conduta chocante do tenente miliciano, comandante de outro pelotão da 1ª CCP, cuja atitude ultrapassa qualquer ética militar,  revelando como, em cenários de guerra, alguns indivíduos cruzavam fronteiras morais sob o pretexto da “praxia” ou da necessidade de endurecer os mais novos, os "maçaricos", liquidando crua e friamente um prisioneiro indefeso:


 "(...)  Face ao guerrilheiro sentado à nossa frente, rapa de um sabre de uma espingarda Simonov e, sem que nenhum dos três militares presentes (eu, o comandante de companhia e um soldado) esperássemos, num ápice, dá uma “saibrada”  no coração do guerrilheiro e, depois, outra nos temporais, matando-o a sangue frio.  Estupefacto, o comandante de companhia repreende-o daquele ato ignóbil e cobarde. Como se tudo aquilo fosse o mais natural, ele respondeu: – É para praxar, aqui, o alferes maçarico. É para ele aprender. Tem de se habituar." (...)

(iii) “Habituação": uma lógica perversa

A ideia de que um ato de extrema violência como aquele serviria como “lição” para um oficial recém-chegado, "maçraico", e logo ali "praxado".  mostra bem como a guerra pode distorcer valores, normalizar atrocidades e criar um ambiente em que o desprezo pela vida humana se disfarça do mais miserável militarismo.

(iv) A importância do testemunho

Ao relatar o episódio, o Jaime Silva não só expõe uma realidade dura da época, como também reafirma a importância de não "romantizar" a guerra dos paraquedistas, tropa de elite. Como ele diz, "na guerra não vale tudo".

O facto de ainda recordar esse momento (traumático),  demonstra que, para muitos de nós, a guerra colonial foi menos uma aventura turistico-militar e mais um conjunto de situações -limite (que deixaram  cicatrizes, nalguns casos, físicas, mas sobretudo morais, psicológicas e humanas).

É um relato que merece ser preservado e discutido, aqui no blogue, mas também nas academias militares, porque ajuda a compreender o que significou, realmente, para milhares de nós, jovens portugueses,  sermos enviados para África como "maçaricos", "periquitos" ou "checas"(**)


Guiné 61/74 - P27419: Parabéns a você (2433): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Sold At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Ten Enfermeira Paraquedista (Angola, Guiné e Moçambique, 1961/1970)



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Nota do editor

Último post da série de 13 de Novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27415: Parabéns a você (2432): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27418: Em memória de Sissau Sissé, que me acompanhou durante muitos anos no meu trabalho de terreno em Contuboel (Eduardo Costa Dias)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 13 de Novembro de 2025:

Queridos amigos,
Em 12 de novembro almocei no restaurante da Sociedade de Geografia de Lisboa com o meu amigo Eduardo Costa Dias, professor universitário aposentado, com tese de doutoramento baseada na agricultura Mandinga de Contuboel, onde fez trabalho de campo. Falámos de amizades inextinguíveis e sempre, sempre, dessa Guiné que gostaríamos de ver em trilhos de democracia, equidade, desenvolvimento, sempre em compasso de espera, para não dizer em regressão. À tarde, deixou-me no mail esta recordação tão terna, que tanto me surpreendeu. Perguntei-lhe seguidamente se permitia a sua publicação no blogue, prontamente disse que sim. Se procurarem no Google, terão provas dos trabalhos académicos guineenses, ali se expõem as suas colaborações nacionais e internacionais.
Sinto muito orgulho em ver o meu amigo Eduardo Costa Dias a participar no blogue.

Abraço do
Mário


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Sissau Sissé

Eduardo Costa Dias

Sissau Sissé acompanhou-me durante muitos anos no meu trabalho de terreno em Contuboel. Mestre, tradutor e, mais do que tudo, amigo. Sissau era fluente - falava, lia, escrevia em português, crioulo, fula e mandinga e em mais duas ou três línguas do grupo linguístico malinké. “Desenrascava-se bem” ainda em francês e árabe.

Membro de uma importante família de mouros com ramificações no Senegal, no Mali e na Guiné-Conacri, frequentou em simultâneo a “escola de branco” (anos 1960) e, durante longos anos, a madraça onde o avô, o pai, os tios e, a partir de certa altura, primos ensinavam. Durante dois anos frequentou intermitentemente uma madraça no outro lado do Geba, em Djabicunda. Muito religioso, Sissau Sissé não era exatamente um expert em textos corânicos. Era, sim, um excelente conhecedor dos, escrevendo à antiga, usos e costumes dos Mandingas e, sobretudo, um grande genealogista. Conhecia a história toda das grandes famílias Mandingas e, como ninguém, “lia” as ligações.

Os meus primeiros (e decisivos) contactos com a “floresta” da “genealogia religiosa muçulmana” foram por ele guiados. Devo-lhe, por exemplo, ter aprendido depressa o significado de palavras como baraka, distribuição de baraka, herança de baraka e o conteúdo de silsila: fulano aprendeu com o seu mestre X que por sua vez já tinha aprendido como seu mestre Y, que por sua vez já tinha aprendido do seu mestre W.

Tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga

Tirei hoje esta fotografia - uma tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga, no dia da festa Eid-al-Adha que o Sissau Sissé considerava o centro do ano muçulmano e no mês em que fez 30 anos que morreu.

Acometido de uma apendicite aguda em Contuboel foi trazido por um jeep do DEPA para o hospital Simão Mendes em Bissau. Morreu durante a operação… tendo precisado de oxigénio… o hospital não tinha, sendo mais preciso: não havia oxigénio porque tinha sido desviado e possivelmente, como na época acontecia bastante, vendido no Senegal ou na Gâmbia.

Sissau, Saudades tuas
Sissau Sissé na foto de babuk creme
Sissau Sissé na foto com babuk azul escuro
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Guiné 61/74 - P27417: Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci... (Jaime Silva, ex-alf mil pqdt, BCP 21, Angola, 1970/72) (4): o meu batismo de fogo e a praxe ao alferes “maçarico”


Espingarda semiautomática Simonov SKS-45, calibre 7,62 x 39mm M43, 1945 (Origem: ex-URSS). Uma das caracte5rístcias distintivas é incluir uma baioneta, em forma de faca,  dobrável permanentemente anexada e um carregador fixo articulado. Como a SKS não tinha capacidade de tiro seletivo e seu carregador era limitado a dez tiros, tornou-se obsoleta nas Forças Armadas Soviéticas com a introdução da AK-47 na década de 1950. Na Guiné, era usada sobretudo pelas milícias do PAIGC.

Fonte: Cortesia de Wikipedia
Monumento aos combatentes
do Ultramar. Lourinhã. Pormenor.
Foto: LG (2025)



Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci (4): o meu batismo de fogo e a praxe ao alferes “maçarico”

por Jaime Silva

Não esqueci que o meu batismo de fogo aconteceu no decorrer da “Operação Broca”, realizada no Norte de Angola, na Mata Bala, entre 20 e 29 de maio de 1970.

Participaram nessa operação, em que esteve presente o general Luz Cunha, comandante da Região Militar Norte, várias companhias: 
  •  uma companhia do exército, sediada em Zalala,
  •  a 19ª companhia de comandos 
  • e 1ª e 2ª companhias de paraquedistas, sediadas em Luanda. 
O objetivo era destruir a Base COBA, da FNLA. Foi a minha primeira operação com a responsabilidade de comandar um grupo de combate, cujos soldados já tinham meses de experiência operacional no Norte e no Leste. 

Os dois sargentos tinham participado na guerra da Guiné e/ou de Moçambique e eu era um “maçarico” inexperiente, acabadinho de aterrar do “Puto” [#].


Jaime Silva, em 2013.
Foto LG
Na véspera, ainda em Luanda, tinha participado no briefing de preparação da operação, juntamente com os responsáveis das várias forças intervenientes.

 O que mais me impressionou, para além de uma parafernália de normas e indicações a seguir rigorosamente para o êxito da operação, foi, no final, o Oficial de Operações ter anunciado “as baixas previsíveis” nas nossas tropas:  3 a 4 mortos.

No contexto dessa operação, fomos transportados pelos helicópteros,  Alouette III. Após o assalto à base, sem oposição, ficámos na zona.

E “vejo”, ainda hoje, o local e o momento em que um guerrilheiro armado progride na nossa direção e faço sinal ao cabo Onofre, que se encontrava à minha frente, para estar atento. Este correu na direção… do combatente e capturou-o, à mão! 

Depois de interrogar o guerrilheiro, este revelou o local onde os seus camaradas guardavam o material de guerra, provisões, material médico e escolar, etc.

O paiol encontrava-se dissimulado numa caverna no alto de um morro e, ainda, no sopé do mesmo. Seguimos um trilho indicado pelo guerrilheiro, mas fomos atacados com um forte poder de fogo de metralhadoras, armas ligeiras e morteiro 60.

Nesse momento, pondo em prática os “ensinamentos” sobre “a arte de bem fazer a guerra” (que tinha recebido e treinado exaustivamente, primeiro em Mafra, na EPI, durante o COM e, depois, no RCP, em Tancos, durante o tirocínio após o curso de paraquedismo), dou ordens ao sargento Mirra, que já tinha experiência de cumprimento de uma comissão em Moçambique:

–  Mirra, envolva pela direita com a sua seção. Eu vou pelo centro com a segunda e vamos desalojá-los.

 –  Você é doido, meu alferes. Primeiro – ordena o sargento Mirra – saia de trás dessa cubata e proteja-se nessa árvore grossa que se encontra ao seu lado. Não vê as balas a saltar à sua frente? Saia daí e depressa! Depois, agarre no rádio e peça ajuda ao 1.º pelotão que se encontra na zona para nos vir ajudar no assalto.

Com efeito, os dois pelotões conseguiram desalojar os guerrilheiros e chegar ao paiol. Nunca vi tanto material durante a minha comissão em Angola: armas, granadas, outro material de guerra, medicamentos, material de apoio escolar, etc.!

 A Base até tinha uma escola com quadro preto pendurado numa árvore!

Nunca mais esqueci estes factos da minha primeira operação: 
primeiro, a lição de serenidade e coragem do Cabo Onofre, a sua lucidez e experiência naquela contexto;  depois, a do sargento Mirra;  por último, e inversamente, a atitude “sacana” do meu camarada, tenente miliciano, comandante do outro pelotão, que, face ao guerrilheiro sentado à nossa frente, rapa de um sabre de uma espingarda Simonov e, sem que nenhum dos três militares presentes (eu, o comandante de companhia e um soldado) esperássemos, num ápice, dá uma “saibrada” [## ] no coração do guerrilheiro e, depois, outra nos temporais, matando-o a sangue frio.

Estupefacto, o comandante de companhia repreende-o daquele ato ignóbil e cobarde. Como se tudo aquilo fosse o mais natural, ele respondeu:

 
– É para praxar, aqui, o alferes maçarico. É para ele aprender. Tem de se habituar.

O alferes maçarico era eu!

Foi assim! Um mundo surreal!



Notas de JS / LG:

[#] Puto, era a designação comum para referir Portugal (Continente), dada a sua dimensão reduzida em relação ao tamanho de Angola (e Moçambique).

[##] Saibrada, termo usado na gíria oral da guerra quando se uso o sabre (arma branca perfurante) para matar ou ferir o inimigo; o termo correto e que está grafado nos dicionários é "sabrada":

O uso do terno "saibrad"pode ser explicado por "contaminação (ou cruzamento Lexical)". Isto não é uma regra fonética, mas sim um lapsus linguae (lapso de língua) ou um ato falho. A contaminação ocorre quando o falante, ao tentar dizer uma palavra, a "contamina" inconscientemente com outra palavra que está semanticamente ou foneticamente próxima no seu cérebro. Neste caso, o falante queria dizer: "Sabrada" (o golpe de sabre). Mas o cérebro misturou com a palavra "Saibro" (o tipo de terra/cascalho, muito comum em campos de treino militar, "pistas de saibro", etc.).

A proximidade sonora (ambas começam com "Sa-") e a possível proximidade contextual (ambas as palavras existem no ambiente militar) levam o cérebro a fundir as duas, resultando em "Saibrada"


1. Com a devida vénia e autorização do autor, Jaime Bonifácio Marques da Silva (antigo alf mil pqdt, 1º CCP / BCP 21, Angola, 1970/72, conterrâneo do nosso editor LG; membro da Tabanca Tabanca desde 21/1/2024, com c. 120 referências no nosso blogue), passámos a criar uma nova série "Quem foi obrigado a fazer a guerra, não a esquece: eu não esqueci..."

É natural de Seixal, Lourinhã. Foi condecorado com a medalha de Cruz de Guerra de 3* Classe. Foi professor de educação física e autarca em Fafe. Está reformado. É sócio de várias associações de antigos combatentes, incluindo a AVECO - Associação de Veteranos Combatentes do Oeste, com sede na Lourinhá,  e a Associação de Pára-Quedistas da Ordem dos Grifos63,com sede em Vila Nova da Barquinha.

Este é o quarto poste da série (que terá 15 postes, correspondentes a excertos das pp. 75-98 do seu livro, Capítulo Dois):


Fonte: Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (Lourinhã: Câmara Municipal de Lourinhã, 2025, 235 pp., ISBN: 978-989-95787-9-1), pp. 84-86.

(Revisão / fixação de texto: LG)
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Guiné 61/74 - P27416: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (12): o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente: Mindelo, agosto de 1935 - II ( e última) Parte



Fotograma nº  17 e 17A > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > O grupo musical que animou o bailo liceu Infante Dom Henrique. São seis jovens midelenses (presume-se): duas rebecas, duas violas, um cavaquinho, percussão... 


Fotograma nº 18  > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Espero que o nosso grande especialista em música de Cabo Verde, o mindelense Carlos Filipe Gonçalves,nos ajude a completar as legendas...


Fotograma nº 19  > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 >  Interior do liceu Infante Dom Henrique (Gil Eanes, a partir de 1938)... Uma das figuras de referência deste importantíssimo estabelecimento de ensino e polo de desenvolvimento cultural foi o professor e escritor Baltazar Lopes 
 da Silva ( São Nicolau, 1907 — Lisboa, 1989). Fou um dos fundadores, em 1936.  da revista "Claridade". E é autor de uma das obras-primas da literatúra em língua portuguesa, "Chiquinho" (1947).




Fotograma nº 20 e 20A > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Agosto de 1935 > Damas e cavalheiros dançando a rigor a morna (1)


Fotograma nº 21 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Fachada do mercado municipal que é dos anos 20


Fotograma nº 22 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Monumento a Sacadura Cabral e Gago Coutinho (1922) (1)



Fotograma nº 23 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 >Monumento a Sacadura Cabral e Gago Coutinho (1922) (2)

 

Fotograma nº 24 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Uma vendedor5a de rua com a bnandeirinha portuguesa.



Fotograma nº 25 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Dois polícias locais junto ao quiosque da Praça Nova



Fotograma nº 26 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Aspeto parcial da Praça Nova.. Ao fundo o coreto.


Fotograma nº 27 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Outra vista da Baía Grande e, ao fundo, o sempre presente Monte Cara.




Fotograma nº 28 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Uma ida ao interior, para visitar uma pequena exploração agrícola apresentada no filme como um verdadeiro oásis


Fotograma nº 29 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > Marecllo Caetano em primeiro plano, vestido a rigor, de fato completo... Visita ao "oásis"... As senhoras ficaram na cidade a tomar chá... SEgundo oo nosso camarada mindelense Adriano Lima o sítio é na Ribeira do Julião.



Fotograma nº 30 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentario de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >   Mindelo > Agosto de 1935 > O "ponteiro", diríamos na Guiné.. O domo do "oásis#"



Fotograma nº 31 > "1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente, documentário de San Payo (1936) > Cabo Verde > Ilha de São Vicente >  Ribeira do Julião > Agosto de 1935 > Jovens da comitiva, tomando notas e fotografando...Dois deles envergam chapéus colonais... O preto parece que estava na moda: vejam-se as camisas (negras ou pretas) e as calças (brancas) dos jovens do lado direito. 


Cortesia de Cinemateca Digital, documentário "I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente", realizado em 1936 por San Payo. Disponível aqui:


(Seleção e edição de imagens, numeração, legendagem, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)


1. Estas imagens foram obtidas de fotogramas do filme do realizador (e fotógrafo)  San Payo (Por, 1936, 91' 13'', em formato 35 mm, a preto & branco, sem som). O detentor dos direitos é a Cinemateca Portuguesa. Mas o filme já é, presumo, do domínio público. E merece ser conhecido dos nossos amigos e camaradas mindelenses. 

E não só. Merece ser conhecido de todos nós, amigos e camaradas da Guiné. Para já ajudam- nos a seguir a seguir a rota deste l Cruzeiro de Férias as Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola).

Sobre a ilha de São Vicente e em especial o Mindelo, gostariamos que os nossos amigos e camaradas que são naturais do Mindelo ou que lá vivem ou que conhecem o Mindelo, se pronunciassem: o Carlos Gilipe Gonçalves. o Adriano Lima, o Manuel Amante da Rosa, a Lia Medina, o Nelson Herbert... (São membros da Tabanca Grande.)

O filme tem 15 minutos dedicados a Cabo Verde, São Vicente e Santiago. Durante algumas horas os nossos "excursionistas" (sic) visitaram o Mindelo (de 7 a 15') e a Praia (de 15' a 23'), com breves incursões pelo interior.

Selecionámos alguns fotogramas desta visita de cerca de 200 "turistas coloniais" (mais de 1/3 eram jovens estudantes, finalistas do liceu). O diretor cultural do cruzeiro era o então professor Marcello Caetano, que viria a ser, em plena II Guerra Mundial, o comissário nacional da Mocidade Portugueesa (1940-1944) e a seguir Ministro das Colónias (1944-1947), e já na altura apontado como delfim de Salazar.

Nunca fui ao Mindelo. Fiz apenas uma paragem técnica, no avião da TAP, na ilha do Sal.  Tenho pena. E sobretudo penitencio-me de nunca ter lá levado o meu pai, expedicionário em 1941/43, Luís Henriques (1920-2012). É também em homenagem a ele e ao seu amor a "Soncent" que edito estas imagens, que me deram uma trabalheira a visionar, selecionar, editar, legendar...

PS - Vejo, pela consulta do "Diário de Lisboa", que o paquete "Moçambique" regressou a Lisboa, em 3/10/1935. É, portanto,a data do términmus do cruzeiro, um sucesso segundoos seus organizadores.

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Guiné 61/74 - P27415: Parabéns a você (2432): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

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Nota do editor

Último post da série de 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27405: Parabéns a você (2431): Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494/BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74)

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27414: Manuscrito(s) (Luís Graça) (279): Viva a Clarinha que hoje faz 6 anos!... Vivam os nossos netos!...



Cartoon criado pelo Chat Português / GPTOnline.ai
sob instruções do editor LG, que lhe mandou também duas fotos das netas, a Clarinha (6 anos) e a Rosinha (9 meses)



1. Aos avós desculpa-se tudo, costuma-se dizer. São babados, os avós. São tontos. A Clarinha foi a minha primeira neta. Nasceu em 12/11/2019. Apanhou com o raio da pandemia de Covid-19. Tive que a ver crescer à distância. Não fui só eu, foram outros,  muitos mais. Todos os meses lhe fazia um versinhos (um soneto, umas quadras...). E aos dois anos publiquei um livrinho com essa produção poética (24 textos e outras tantas fotos). Foi apresentado no Funchal. Na sua festa do 2º aniversário. Pode ser que um dia, quando ela for avó, ache  graça aos versinhos  (já que também é Graça de apelido, e mora na Graça, e gosta muito de Porto Santo, a "Madeira Pequena", como ela lhe chama). 

Hoje que faz seis anos ( e no domingo vai dar outra festa), fiz-lhe mais uma graci...nha. Faço-lhe sempre versos, nestas ocasiões festivas. E à irmã também, desde que nasceu. A Clara anda na escola, e gosta de juntar as letrinhas do alfabeto. Além de desenhar e pintar. Também lhe fiz um "boneco", um "cartum", com a ajuda da "minha amiga", a assistente de IA /ChatGPT. 

Fica aqui o exemplo ( ou o incentivo)  para outros dos amigos e camaradas da Guiné tirarem partido da dita IA que, quando nasceu,  era como o sol e o mar, era para todos. Mas a verdade é que é  um modelo de negócio, e como tal não  é borla, como quase tudo o mais que a gente vê na  "feira grande" que é o mercado.

Os senhores ministros das finanças e da economia estão sempre a estragar-nos a festa, a reduzir tudo a cifrões, até os nossos sonhos.  A lembrar-nos que não há pequenos-almoços, brunches, almoços, lanches, jantares, ceias, tainadas ou beberetes,  de borla. "Grátis", dizem eles. Nem o céu, é de borla, diz-nos o nosso "prior". Nem o céu nem o inferno. Alguém tem de pagar o combustível, o ar condicionado, e as demais "amenidades" da vida no além, com se diz na gíria da administração hospitalar.

Dito  isto, feito o desabafo, justificada a lata,  dado o testemunho, comentado o outro lado simpático e sedutor da IA (que é feminina), vamos então aos versinhos do avô, que esses são exclusivamenta da sua produção artesanal. 

E que vivam os nossos netos, camaradas!

Viva a Clarinha que em seis anos 
deu um salto de gigante 
e já foi para a Escola da Voz do Operário


A Clarinha é gigante,
Tem seis metros de altura,
E, com o dedo que fura,
Chega à lua num instante.

Já foi ao centro da terra,
Montada num berbequim,
De alcunha o Arlequim,
Qu' tanto ri como berra.

Não há vales nem montanhas
Nem bruxas a meter medo,
Que ela só com um dedo,
Desfaz-lhe as artimanhas.

À noite andam vampiros,
Nas ruas escuras da Graça,
Mas com ela ninguém passa,
Nem que tenha olhos giros.

São histórias muito engraçadas
"Tá lá, tá lá ?!", diz a Clara,
"Vamos embora", diz a Sara,
"Vamos as duas mascaradas".

Estão na Escola do Op'rário,
Que é um grande casarão,
Cada dia é uma lição,
Há esqueletos no armário!...

"Que horror!", a Matilde grita,
Pondo-se em cima da cadeira,
E, ao lado, mesmo à beira,
A Emília diz que é fita.

Não há almas do outro mundo,
Esta escolinha é segura,
Vamos fazer boa figura,
Que o barco não vai ao fundo.

Porto Santo tem o "Lobo Marinho",
Lá vai ela co' avó T'resa,
E a Rosa, rebitesa,
Vai ao colo do paizinho.

"Eu por mim já sei nadar,
Mas a Rosa só com boia,
Já estou com a paranoia
Do barco se afundar.

"Vou a servir de mastro
E com os pés dentro do mar,
Toda a gente vou salvar,
Do cinema já sou astro."


... E aqui a Clarinha, interrompeu o avô:


"E tu sempre na brincadeira,
Os pés p'las mãos a trocar,
Co'a minha altura a gozar,
Tudo isso é só asneira.

"Deixa-te lá de fantasias,
Que eu só seis anos faço,
Fazes de mim um palhaço,
Tão grande como o Golias.

"Com seis metros de altura
Ninguém brincava comigo
E na escola sem amigo,
Ser gigante era tortura.

"Com os metros que me pões,
Onde é que vou dar a festa ?
Tinha que ser na floresta,
Com gigantes e anões.

"Deixa-me ser a Clarinha,
Que já joga o xadrez
E te ganhou uma vez,
Tendo ao colo a Rosinha."


Rua Senhora do Monte, Graça, Lisboa, 
12 de Novembro de 2025

Parabéns, Clarinha!
Do avô Luís, avó Chita e titi Joana

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Nota do edito LG: