quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22684: A nossa guerra em números (1): os soldados do recrutamento local, de 1ª e 2ª classe, as milícias, os soldados básicos e o patacão que recebiam (Valdemar Queiroz / Fernando Sousa Ribeiro / Luís Graça)


Capa (, de resto pouco feliz,) do livro


1. Saiu recentemente, mas está por fazer a sua recensão aqui no nosso blogue, o livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.). Já o tenho e estou a lê-lo, "na diagonal"... 

É muita informação em números, direi mesmo que é uma "indigestão" de números: não há praticamente uma página (das 379), em que não haja um quadro, ou um gráfico... O autor optou, de resto, por não numerar os quadros e os gráficos que surgem ao correr do texto. 

O que deixo escrito escrito atrás, não  impede de considerar que é um livro obrigatório na biblioteca de quem quer se interesse pelo estudo da "guerra de África"  (ou "guerra do ultramar" ou "guerra colonial", como cada um quiser).  Enfim, um dia alguém teria que escrever uma "calhamaço" destes, de consulta obrigatória, com informação estatística, básica, mas exaustiva,  sobre tópicos como: I. Recrutamento e mobilização: II. Os mortos e os feridos; III. Acções e meios de combate; IV. As despesas da guerra; e V. Os movimentos independentistas. 

A bibliografia é sucinta, é verdade, o mais importante são as fontes (oficiais e oficiosas) que o autor teve a oportunidade de consultar, fornecendo-nos por exemplo preciosas informações estatísticas sobre "o outro lado do combate" (os movimentos nacionalistas). Pode faltar-lhe informação mais fina, qualitativa, em cada um dos capítulos, mas nesse ponto o nosso blogue ajuda a colmatar algumas lacunas.

Muitos dos nossos leitores não terão tempo nem pachorra para ler livros como este. A pensar neles, iremos de vez em quando citá-lo e reproduzir um ou outro número  que nos pareça relevante para nos ajudar a compreender melhor a guerra que nos calhou em sorte, e em especial a que teve a Guiné como teatro de operações...

Neste primeiro poste vamos revisitar o  extenso e interessante capítulo, o IV (pp. 259-330), sobre "As despesas da guerra", incluindo os encargos com pessoal e logística, mesmo só tendo  lido o capítulo na diagonal.

A par disso, iremos reproduzir comentários, muito interessantes (e que "não se pode perder", menos acessíveis  nas respetivas caixas)  ao poste P22671 (*)... Falaremos dos nossos camaradas do recrutamento local (classificados em soldados de 1ª e 2ª classe, em função das habilitações escolares), respetivos vencimentos, mas também das "escolas de cabos", do pessoal das milícias, sem esquecer essa figura, em geral objecto de chacota ou de piedade, que era o "soldado básico" (normalmente, metropolitano).


(i) Valdemar Queiroz:

As velhas licenças «à bife» e os impressos que eram feitos para durar dez anos (196_).

Como curiosidade. Quem fosse incorporado na Guiné, Angola ou Moçambique tinha o mesmo vencimento mensal dos militares da metrópole ou passavam a ganhar o mesmo valor dos mobilizados para esses territórios? Por ex. Luanda não era considerado zona de guerra mas os metropolitanos mobilizados tinham o vencimento superior ao da metrópole, e os naturais/recrutados/incorporados em Luanda?. Nem me refiro à Guiné por ser toda zona de guerra.

A haver diferenças, até estou a pensar, quanto maior fossem as incorporações locais mais baratinha ficava a guerra. (...)

(ii) Fernando Ribeiro:

Caro Valdemar: Em relação a Angola, só posso referir o caso dos primeiros-cabos e dos soldados, porque os angolanos que pertenceram à minha companhia só tinham estes postos.

Os primeiros-cabos incorporados em Angola ganhavam tanto como os que tinham sido incorporados na Metrópole, incluindo os 100%. 

Já no caso dos soldados, havia diferenças. Enquanto na Metrópole só existia o posto de soldado (era-se soldado e mais nada, quer se fosse doutor ou analfabeto), em Angola havia dois: soldado de 1.ª e soldado de 2.ª. 

Os soldados de 1.ª tinham a 4.ª classe ou mais, enquanto os de 2.ª não, apesar de desempenharem exatamente as mesmas funções. Os soldados de 1.ª de Angola ganhavam tanto como os soldados da Metrópole. Os soldados de 2.ª ganhavam incomparavelmente menos; não sei ao certo, mas deviam ganhar qualquer coisa como 1/10 do que ganhavam os outros, o que era escandaloso.

Todos os soldados angolanos da minha companhia eram alfabetizados, quer fossem de 1.ª ou de 2.ª, o que não deixa de ser surpreendente. Aqueles que tinham sido analfabetos à data da incorporação no serviço militar frequentaram as aulas regimentais no RI 22, em Sá da Bandeira, durante a recruta e a especialidade. Fizeram-no com tanto êxito e tinham tanta vontade de aprender, que praticamente já sabiam ler, escrever e contar quando vieram para a minha companhia.

Quanto aos que já eram escolarizados antes da tropa, havia aqueles que tinham a 4.ª classe e eram oriundos das cidades; eram os soldados de 1.ª. Os já escolarizados oriundos das zonas rurais só tinham a 3.ª classe, porque as escolas do mato não ministravam a 4.ª classe. Eram as chamadas "escolas rurais", que em tudo eram semelhantes aos "postos escolares" que existiam nas aldeias mais remotas da Metrópole. Tal como nos "postos escolares" metropolitanos, o ensino nas "escolas rurais" não ia além da 3.ª classe, porque o professor, a maior parte das vezes, só tinha a 4.ª!

O comandante do meu batalhão pode ter sido o sujeito mais abominável do mundo, mas não descansou enquanto os soldados de 2.ª não fizeram o exame da 4.ª classe e passassem a ser soldados de 1.ª. Ele foi a Luanda tantas vezes quantas as necessárias para conseguir falar pessoalmente com o secretário provincial da Educação do Governo-Geral de Angola (o "ministro" da Educação da Província de Angola), a fim de chamar a atenção deste para a necessidade de submeter todos os soldados de 2.ª ao exame da 4.ª classe com a máxima urgência possível. Ao fim de três ou quatro meses, deixou de haver soldados de 2.ª em todo o batalhão.

Para terminar, quero chamar a atenção para a vontade dos militares angolanos em aprender, independentemente de passarem a ganhar mais ou não. Enquanto os militares metropolitanos só liam A Bola e quase só preocupavam em saber os resultados dos jogos de futebol, os militares angolanos tinham uma insaciável vontade de saber coisas novas, em múltiplos campos do conhecimento. Várias vezes eu pensei: «Se os africanos em geral forem como estes, então a civilização do futuro será africana». Ou então não haverá mais civilização, porque os "civilizados" darão cabo dela.

31 de outubro de 2021 às 01:31

(iii) Valdemar Queiroz:

Caro Fernando Ribeiro fiquei esclarecido.

Realmente os naturais também eram mobilizados para a guerra, mas a minha dúvida seria quanto aos que estavam fixos nos Quarteis da cidade p.ex. de Luanda. Por cá os 100% era aumentado quando eram mobilizados, diferente de estarem fixos no Quartel da RAP3 na Figueira da Foz.

Essa dos soldados de 1ª. e 2ª. devido a serem analfabetos, julgo que por cá havia os soldados básicos nessas condições, não tenho a certeza. Na minha CART11 de soldados fulas havia os soldados arvorados que andavam na escola "de Cabos" dada por mim e não sei, não me lembro, se por mais alguém. Julgo que depois estes arvorados passaram a Cabos.

É natural os analfabetos quando aprender a ler gostar de ler tudo o que tenha letras. É como ver uma bela paisagem que nunca viu e olhar com admiração para a mais pequena desinteressante imagem. (...)

31 de outubro de 2021 às 02:36

(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

No livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa,"Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), há um extenso e interessante capítulo, o IV (pp. 259-330), sobre "As despesas da guerra", incluindo os encargos com pessoal e logística, que só li na diagonal.

Um estudo do Ministério do Exército, realizado em 1965, com base nos encargos suportados desde o início da guerra em Angola, estimava o custo de cada militar em 115 escudos (45,2 euros / dia, em valores de hoje), assim desagregado:

(i) vencimento e subsídio de campanha: 35$00 (30,4%);

(ii) alimentação: 23$00 (20,0%);

(iii) fardamento: 5$00 (4,3%);

(iv) transporte (via marítima): 10$00 (8,7%);

(v) outros encargos: 42$00 (36,6%) (inclui a despesa com armamento e munições, equipamento, combustível, água, luz, alojamento e manutenção)...

As percentagens são calculadas por nós...

Uma primeira conclusão é que se tratou de uma guerra, de baixa intensidade,  onde os encargos diretos com os combatentes (vencimento, alimentação e fardamento) representavam cerca de 55%...O essencial da guerra foi feita pelo homem com a sua arma, a "canhota"... Portanto, com escass0s meios tecnológicos (e poucos sofisticados, tirando a Força Aérea).

Há informação sobre o vencimento mensal base (mais subsídio de campanha ou vencimento complementar) relativamente aos anos de 1963/64, ao ano de 1971 (Guiné), ao final de 1972 (em que passou a ser pago, aos servidores do Estado, incluindo militares, o 13º mês ou "subsídio de Natal") e ainda ao final de 1973.

31 de outubro de 2021 às 18:16


(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Sobre o pré dos soldados do recrutamento local e das milícias, a informação é parcial...O autor, Pedro Marquês de Sousa, com base nos dados de 1964, um soldado do exército (metropolitano), na Guiné, ganhava 600$00 (vencimento mensal base: 30$00; vencimento complementar: 570$00).

Por sua vez, um milícia recebia 450$00 mensais (valor este que eu desconhecia). Ou seja, cada milícia recebia 15$00 diários (8 de alimentação e 7 de vencimento). A valores de hoje, eram 185 euros en 1964...Mas apenas 138 euros em 1969.

No meu tempo, os soldados de 2ª classe (só tinhamos um 1º cabo com o exame da 3ª ou 4ª classe) da CCAÇ 2590/CCAÇ 12) ganhavam os mesmíssimos 600 escudos, mais 24$50 por dia para a alimentação (uma vez que eram desarranchados). No total ganhavam cerca de 1350$ / mês, o que dava para comprar 225 quilos de arroz na loja do Rendeiro (1 saco de 100 quilos custava 600 pesos). Com famílias numerosas, não era muito, mas sempre era melhor do que andar a lavrar mancarra... Com o fim da guerra, foi o colapso da economia familiar...e pssou a rapar-se fome, apesar da ajuda sueca e outras...

31 de outubro de 2021 às 18:37 

(v) Tabanca Grande Luís Graça:

Valdemar, não tenho ideia nenhuma de haver, no meu tempo,em Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70, e BART 2917, 1970/72), "escola de cabos"... Nenhum dos nossos soldados arvorados chegou a 1º cabo, no meu tempo. A CCAÇ 12 foi usada como "carne para canhão", foi "esmifrada" pelo comando dos batalhões do setor L1...

Dei explicações ao 1º sargento para frequentar a Escola Central de Sargentos, em Águeda, mas nunca fui requisitado para dar aulas aos nossos pobres soldados fulas... Sei que alguns mais tarde chegaram a 1ºs cabos, graças sobretudo ao seu esforço e sacrifício pessoais... Caso do Umaru Baldé, por exempplo, que no fim já era capaz de escrever uma carta em português acrioulado...

31 de outubro de 2021 às 18:47 

(vi) Fernando Ribeiro:

Prezado Valdemar, os soldados básicos eram geralmente analfabetos e até atrasados mentais. Eles costumavam ser os soldados que tinham reprovado nas provas finais da especialidade, qualquer que ela fosse, ficando sem especialidade. Em geral, eram indivíduos completamente incapazes, que só serviam para varrer a parada, limpar as casas de banho, lavar as panelas e tachos na cozinha e outras tarefas semelhantes.

Contudo, havia exceções, uma das quais foi o impedido do comandante do meu batalhão. Este impedido também era básico, mas de parvo não tinha absolutamente nada. Eu não me lembro do nome dele; só sei que tinha a alcunha de "Paraquedista". 

«"Paraquedista", porquê?», perguntarás. Porque ele tinha sido mesmo paraquedista na Força Aérea! Um dia, em Tancos, ele e mais dois ou três resolveram dar um passeio de helicóptero à socapa, julgando, talvez, que seria fácil pilotar um aparelho daqueles. A aventura correu-lhes mal, o helicóptero caiu e eles foram parar ao hospital. A seguir foram punidos e expulsos da FAP. Foram parar ao Exército, que era o destino de todos os que a Força Aérea rejeitava. 

Ora não existia no Exército alguma especialidade chamada "paraquedista". Logo, o nosso homem ficou sem especialidade, como soldado básico. Na verdade, ele era um militar perfeitamente operacional, que poderia ter sido feito soldado atirador ou soldado comando, mas não foi isso o que lhe aconteceu. O comandante do meu batalhão nomeou-o seu impedido, para ele lhe fazer a cama todos os dias, engraxar as botas, lavar a roupa, etc.

1 de novembro de 2021 às 01:42

(vii) Valdemar Queiroz:

Luís, desconhecia esses valores dos vencimentos dos soldados fulas desarranchados, manga de patacão. Também seria assim com outros soldados de recrutamento local, no "fim" pudera não quererem vir para a metrópole e vem o 'paguem-nos até Dezembro e ficamos cá'.

Agora, não sei explicar bem se as aulas (instrução primária) que eu dava eram verdadeiramente a "escola de cabos", lembro-me deles fazer exame e haver uma chatice por eu escolher um dos "putos" e os mais velhos comentarem 'rapaz não pode ser cabo e mandar nos mais velhos'.

Por acaso, também, fui eu que dei umas lições de matemática/álgebra ao nosso 1º. sargento que também veio a meio da comissão para Águeda.

Fernando Ribeiro,  é como dizes, alguns básicos, coitados, tinham 'uma pancada', mas como eramos um país poupadinho aproveitávamos tudo. O básico da nossa CART11 era o homem da cantina. (...)


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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 30 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)

Guiné 61/74 - P22683: Parabéns a você (1999): Ten-General PilAv Ref António Martins de Matos, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Bissau, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22676: Parabéns a você (1998): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22682: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVIII: A ração de combate


Foto nº 2


Foto nº 1 > 
Ração de combate tipo E n.º 20. (Na parte de baixo lê-se: "Não deite fora o saco exterior. Servir-lhe-á para guardar os alimentos ainda não utilizados").

Foto nº 2 >  A ração de combate tipo E nº 20 continha; 1 tubo de leite condensado, 1 lata de atum, 1 lata de sardinhas, 2 latas de carne/carne com feijão /tripas, 1 lata pequena de compota, 1 lata de fruta em calda / sumo de fruta, 1 torrão nougat (amendoim). 1 pastilha de sal, uma saqueta de café instantãneo / comprimido e duas bolachas.

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 3 >  Ração individual de combate ( Individual comba ration / Ration individuelle de combat... NATO approved.  Era utilizada pelas nossas Forças Armadas em 2011. Foto de José Marcelino Martins (2011), com a devida vénia (*)




O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem quase pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida), 
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (**)

Parte XVIII - A Ração de  Combate


A maior parte das nossas refeições,  ao longo dos quase dois anos de Guiné,  foram Ração de Combate.

Convenhamos que eram mais saborosas e nutritivas do que o arroz com estilhaços (arroz com minúsculos bocados de carne), à moda do vago mestre Ferreira.


O arroz com estilhaços, à moda do Furriel Vago Mestre Ferreira, fez-me lembrar as noites passadas na mítica tasca em Famalicão (Vai ou Racha) cujo proprietário era um benfiquista doente, pai do extraordinário jogador de futebol dos lampiões, Vítor Paneira.

Nesta tasca entre as muitas especialidades destacavam-se os bolinhos de bacalhau preparados pela sua simpática e esmerada esposa. Uma certa noite, já bem bebidos, ao comer um dos bolinhos de bacalhau, viro-me para o Vai ou Racha (,era assim como o tratávamos) e digo-lhe: 
− Ó Sr. Vai ou Racha! Este bolinho de bacalhau está cheio de espinhas! 

Resposta pronta do homem: 

− Como assim,  se estes só levaram batatas?!

Assim nos respondia o Vago Mestre Ferreira quando reclamavamos que a carne era pouca: 
−Como assim  −  retorquia  ele  − se  só coloquei arroz na panela?!

As rações de combate,  tipo E (Fotos nº 1 e 2), tinham várias nuances, diferindo de remessa para remessa. A remessa que me ficou na memória era composta por:

  • uma lata de conserva (geralmente sardinha/cavala?);
  • uma lata com carne;
  • uma lata de leite;
  • um sumo;
  • uma pequena lata de queijo e/ou marmelada;
  • uma bisnaga (espécie de pasta de dentes) de leite condensado;
  • um pacote de bolachas;
  • e, imaginem!, um comprimido de café para desfazer na boca.

Eu, como era alérgico ao leite (por alguma razão o querem tirar da roda dos alimentos), cedia ou trocava com outro camarada por um  sumo e despachava o leite condensado que me sabia ao óleo fígado de bacalhau que me deram na escola primária (a disputa pela minha bisnaga era dura e compreendia quase todo o pelotão). Metia-me impressão a forma como “mamavam” aquela coisa.

Mais tarde surgem umas latas de chispe e feijoada/tripas que era como fazer uma refeição num restaurante com estrela Michelin.

Sempre que aparecia o chispe e a feijoada, tinhamos problemas com o furriel enfermeiro porque lhe gastávamos todo o algodão e álcool para aquecer a iguaria.

Depois de “deitar abaixo” a respetiva ração, chegava o momento mais esperado e importante do dia, o momento do cimbalino (não confundir com o momento coca-cola!).

Fechava os olhos e transportava-me para uma esplanada de praia do picadeiro da Póvoa de Varzim, a contemplar o mar... e saboreava, com estilo, o melhor da ração – o comprimido de café.

Depois, era o clímax com as fumaças do cigarro oferecido (quase roubado) pelo Machado ou pelo Gouveia. Se fosse numa emboscada noturna, o ritual das fumaças contemplava o retirar do tapa chamas da G3 com a introdução do cigarro no cano para um gajo se tornar  um alvo fácil  de "tiro ao boneco”, por parte do IN.

Por uma questão de curiosidade,  fiz uma pesquisa sobre as rações de combate utilizadas hoje nas nossa forças armadas e fiquei com água na boca (Foto nº 3):

Pois, as rações com certificação NATO e utilizadas hoje (pelo m,enos, em 2011) pelas nossas forças armadas, incluiam as seguintes iguarias:
  • Pequeno almoço: Cacau com açúcar, 18 gramas; leite em pó, 15 gramas; bolacha doce, 125 gramas; geleia de fruta, 2 embalagens de 20 gramas cada;
  • Almoço: Jardineira de feijão, 145 gramas; paté de fígado, 65 gramas; doce de maçã, 50 gramas;
  • Jantar: Massa Bolonhesa, 400 gramas; sardinhas em óleo, 115 gramas;
  • Complementos alimentares: Bolachas de água e sal, 2 embalagens de 120 gramas; sumo de fruta em pó, 2 carteiras de 20 gramas; açúcar, 2 pacotes de 10 gramas; sal, pacotes de um grama; chocolate, 2 barras de 25 gramas; chiclete, 2 unidades; caramelos, 4 rebuçados;
  • Complementos não alimentares: Comprimidos purificadores de água, 4 unidades; pastilhas inflamáveis, 6 unidades; dispositivo de aquecimento, uma chapa moldável; carteira de fósforos; talheres de plástico; saco para lixo.
Mesmo assim, reconhecendo as significativas melhorias, não trocava estas nutritivas rações de combate pelas do meu tempo. A esta ração “modernaça” falta-lhe o essencial: O cimbalino!…

(Continua )
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(**) Último poste da série > 11  de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22621: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVII: a minha "bigodaça”... que tanto incomodou os senhores da guerra

Guiné 61/74 - P22681: Manuscrito(s) (Luís Graça) (206): A tradição do pão-por-deus, no tempo em que as criança não eram mimadas mas eram reizinhos por um dia...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 27 de dezembro de 2016 > Um ramo seco de carvalho com bugalhos ... Mas aqui não há a tradição, que é mais urbana, do pão-por-deus...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]  


1. Lembrando uma tradição antiga da minha Estremadura  (*):

Na tua infância
pedia-se o “pão-por-deus”, 
de porta em porta,
no Dia de Todos os Santos,
véspera do Dia de Finados.

Pedia-se o “pão-por-deus”,
por amor de Deus,
“por alma de quem... (a senhora, ou o senhor...) lá tem”.

Lembras-te também de andar,
com a tua mana e outros miúdos da rua do Castelo,
a percorrer as ruas, becos e travessas da tua vila,
que era pequena
e tinha poucas ruas.

Batia-se à porta dos ricos,
que eram poucos e, em geral, avarentos;
e dos remediados,
que já eram mais.
À porta dos “pobres de pedir”,
não valia a pena bater.
Não tinham, coitados,  em casa, as guloseimas
que os putos procuravam,
para encher o saco de pano:
pinhões, nozes, castanhas,
figos, amêndoas, romãs,
broas, bolinhos de festa,rebuçados 
(que nesse tempo ainda não havia chupa-chupas nem chocolates)…
E, claro, pão, acabado de cozer no forno,
que nesse tempo ainda não havia o pão de plástico.

E, a cereja no bolo, um tostãozinho,
mais uma vez por alma dos defuntos da casa.
No tempo em que poucos conheciam a cor do dinheiro...
Um tostãozinho como na época dos santos populares,
“um tostãozinho para o São João…
e para a nossa reinação”.

Algumas senhoras da elite local
gostavam de receber nesse dia
as chusmas de miúdos que lhes batiam à porta,
a pedir o "pão-por-deus".
Não vinham sujos, nem rotos, nem de pé descalço,
pelo contrário vinham todos "endomingados",
não lhes causando, por isso, 
às senhoras e aos senhores da vila,
a repugnância que os andrajosos
costumavam habitualmente provocar 
aos bem nascidos, bem vestidos e bem aventurados…
Algumas senhoras não os convidavam a entrar,
eram as criadas que despachavam as crianças,
umas com bons modos, outras nem por isso.

Era uma festa, o dia (ou a manhã) do "pão-por-deus",
fazendo lembrar aos ricos
que dar aos pobres era dar a Deus…
Mas não era propriamente uma manifestação de caridade,
muito menos uma forma de ostentação da caridade,
que essa ficava para as grandes ocasiões,
como os cortejos de oferendas
para construir ou ampliar o hospital,
ou as doações em vida por outras razões pias,
como a contrução de um capela,
em geral com direito a placa de bronze ou em pedra,
lembrando o acto e o nome do benfeitor.

Fazia parte da sociabilidade das gentes da vila
e das suas festividades cíclicas.
E a sua origem perdia-se na noite dos tempos,
remontando talvez aos rituais pagãos dos teus antepassados celtas,
que gostavam de ofertar pão e outros géneros
aos seus queridos mortos…

A tradição foi reforçada em Lisboa e região da Estremadura
com o terrível terramoto de 1 de novembro de 1755,
faz agora 266 anos
Milhares de habitantes em pânico e esfomeados
começaram a pedir, aos mais afortunados,
o pão-por-deus,
o pão por amor de Deus.

O hábito ficou e tornou-se um ritual,
retomado mais tarde pelas crianças,
e celebrado ainda hoje,
apesar da concorrência desleal do Halloween,
também ele de origem céltica,
mas já muito adulterado pelo marketing comercial,
e pelos berçários, infantários e creches
onde as crianças são formatadas…

Provavelmente a Igreja enquadrou tudo isto muito bem,
como fez com outras festividades cíclicas de origem pagã,
fazendo coincidir o “pão-por-deus”
com o Dia, festivo, de Todos os Santos,
 seguido do Dia de Finados

Há quem encontre alguma analogia entre o “pão-por-deus”
e o “trick or treat” (doçuras ou travessuras)
da noite de Halloween americano…
Dar e receber faz parte, afinal, do dom...
Em todas as sociedades há rituais destes,
mas os protagonistas principais,
no teu tempo (e ainda hoje…)
eram os miúdos até à idade escolar,
que nesse dia eram uns reizinhos.

Já depois dos dez anos tinhas vergonha
de andar a pedir de porta em porta
mesmo que fosse o “pão-por-deus”,
que um bom cristão não podia negar a ninguém.

Ia-se expressamente a certas casas
cujos donos ou donas viviam um pouco melhor do que a maioria.
E não eram muitas...
Quem não tinha filhos,
sentia-se melhor ( ou mais recetivo)
face ao peditório (ou pedinchice) dos putos.

Lembras-te da Dona Rosa, senhora professora das Beiras, 
de boas famílias, e da sua irmã Elvira,
uma viúva, a outra solteira,
que viviam na Escola Conde Ferreira (, na ala feminina),
frente à Casa de Deus, a igreja do Convento.
Lembras-te da senhora da Dona Raquel,
senhora rica, bondosa, também viúva,
que vivia num dos grandes solares da vila,
ocupando um quarteirão.
Ah!, o misto de  gozo e de terror que te dava puxares o grosso manípulo, em bronze, da sineta,
e esperares uma eternidade de segundos até que se abrisse o pesado portão...
e enfrantares a frieldade tumular da antiga cavalariça, 
o chão empedrada com seixos do mar,
e, por fim, ganhares coragem para galgar a enorme escadaria
que te levava ao primeiro piso da mansão...

Enfim, lembras-te de outras senhoras,
que faziam ou mandavam fazer bolinhos especiais,
para esta ocasião,
com um delicioso sabor a canela e pinhões,
as "broas do pão-por-deus" 
ou "broas dos santos"...
E que recebiam em troca um sorriso rasgado das crianças
que nesse tempo não eram mimadas,
por isso era o  seu dia especial.

Chegavas a casa, em cima da hora do almoço,    
extenuado, mas ainda alvoraçado,
com a sacola de pano cheio do "pão-por-deus".
Nesse dia podias alambazar-te, que não era pecado,
com guloseimas,
que a tua mãe, espartana, não comprava nem te deixava comer.
Ela governava a casa com mão de ferro,
embora nunca te faltasse o essencial, 
a começar pelo amor.

Mas nesse tempo as crianças não tinham nada,
nem brinquedos nem guloseimas.
Ou melhor: tinham a rua toda para brincar...
Era por isso que o dia do "pão-por-deus"
era tão ansiado...
Hoje está esquecido,
correndo-se mesmo o risco de se perder 
esta  bela tradição popular portuguesa.

Tudo tem o seu tempo... 
Mas é triste: já não vês bandos de crianças,
muito menos  na rua,
e, muito menos ainda, a brincar  todas juntas,
fora dos muros securitários das escolinhas e das creches...

Já não te lembravas, é verdade, 
os versinhos que as crianças do teu tempo,
com o seu espantoso sentido de justiça, 
cantavam, de porta em porta.

Se o dono ou dona abrisse a porta
e desse o "pão-por-deus", cantava-se;

Esta casa cheira a broa,
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho,
Aqui mora um santinho.


Em caso contrário, praguejava-se:

Esta casa cheira a alho,
Aqui mora um espantalho,
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto.

Luís Graça, Lourinhã, 1 de novembro de 2021.
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22670: Manuscrito(s) (Luís Graça) (205): E na hora da tua morte, ámen!... (Ninguém, por certo, te perguntará p'los teus sonhos... de menino)

Guiné 61/74 - P22680: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XIV: um mês de novembro de 1966 relativamente tranquilo: no decurso da Op Hino, foi abatido o antigo pescador de Enxalé de nome Jorge, de etnia papel, que servira de guia ao IN aquando do ataque a Porto Gole




João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977)



1. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomro, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi
(João Crisóstomo, luso-americano, 
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)

Parte XIV:  Um mês de niovembro de 1966 relativamente tranquilo


Dia 1 de Novembro de 1966

A CCaç 1439 efectuou a Op Gamarra. O relatório menciona ter sido uma “acção defensiva” que "não foi possível realizar-se em virtude do mato entre Sinchã Corubal e Medina se encontrar absolutamente fechado e sem vestígios de qualquer picada.Verificou-se que o In não pretica este itinerário e o guia embora da região perdeu-se não tendo sido possível às NT seguir a corta mato."


Dia 7 de Novembro de 1966.

Efectuou-se a Op Hélice, que #consistiu numa patrulha de reconhecimento e combate a N.do Geba, Desde o Rio Guaturandim até à região de Mato Cão. Em toda esta zona não há vestígios de passagens de grupos IN e as picadas existentes deixaram de ser visíveis."


Dia 11 e 12 de Novembro de 1965

"Realizou-se  a Op Hino à região do Chão balanta (...) e uma batida as tabancas de Bissá, Funcor, Sée, Nafo e Chubi."

Durante a batida efectuada em Nafo foi referenciado um grupo de 4 elementos IN os quais reagiram com fogo de P.M. 

Perseguidos foram abatidos dois elementos verificando-se que um era chefe da morança e o outro o antigo pescador de Enxalé de nome Jorge, de raça papel. "A morança ficou deserta porque foi incendiada."

Resultados obtidos:

 "Dois mortos sendo o tal Jorge o elemento que serviu de guia ao In aquando do ataque a Porto Gole. Foi detido como suspeito o chefe de uma morança de Bissá de nome Nhasse Nadai,  o qual foi posto em liberdade mais tarde. " 

(...) "Do contacto havido com a população balanta de Bissá parece o mesmo estar disposto a colaborar com as NT".


Dia 24 e 25 de Novembro de 1966

Realizou-se a Op Hangar a N de Cã Mamadu que "consistiu em montar emboscadas e patrulhas de reconhecimento" (...).

"Foi montada uma armadilha em Cã Mamadu a qual foi accionada posteriormente por um elemento IN."


Dias 29 e 30 de Novembro de 1966


Realizou-se a Op Gume na região a N. de Porto Gole sudoeste de Nantem que consistiu num golpe de mão ao acampamento IN de Mato Gorba. A aproximação das NF  foi detectada ( pelo IN) e seguiram-se ataques, emboscadas, contra ataques, e perseguições . No fim o IN dispersou recusando-se ao combate e não houve mais contactos,

Resultados obtidos:

Três feridos confirmados, material diverso e documentos vários , entre os quais material escolar e guias da PAIGC

(Continuação)

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Nota do editor:

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22679: Notas de leitura (1391): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de uma investigação cuidadosíssima, logo na 1.ª edição foi acolhida pelos especialistas com rasgados encómios. David Brookshaw disse mesmo que se pode ler como um romance pós-moderno, é um cintilante percurso onde se fala da aurora dos nacionalismos, se perfilam protagonistas, se contextualizam no pós-II Guerra Mundial os pilares da autodeterminação que levam à organização da luta armada. 

Relato imparcial, como se poderá ver na descrição da participação dos cabo-verdianos nos teatros de guerra da Guiné, a forma como se apresentam as referidas identidades culturais e, compreensivelmente, a história do PAIGC em Cabo Verde até 1991, quando chega e se consagra a via pluripartidária. 

De leitura obrigatória para quem estuda a Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Cabo Verde, os bastidores da independência (3)

Beja Santos

Trata-se do primeiro livro do jornalista e investigador José Vicente Lopes, construído a partir de entrevistas com mais de cem personalidades cabo-verdianas, guineenses e portuguesas, cruzadas com fontes documentais e bibliográficas: “Cabo Verde, os bastidores da independência”, por José Vicente Lopes, Spleen Edições, 3.ª edição, 2013. 

Vai longa a pesquisa deste valioso documento onde a história oral tem um peso determinante. O autor percorreu as raízes da independência, apresentou protagonistas, deitou um olhar alargado às conjunturas internacionais, contextualizou os ideais do império português, iniciou-se a luta armada na Guiné, descreveu-se ao pormenor as tentativas de subversão nas ilhas e mesmo as tensões entre os cabo-verdianos e a liderança do PAIGC. 

Assim se chegou à independência da Guiné-Bissau e se preparou a independência de Cabo Verde. É neste ponto que o investigador pergunta, depois de saber que tudo foi facilitado ao PAIGC para dispor do monopólio do poder: poderia ter sido diferente?

O PAIGC arrogava-se ao papel de interlocutor privilegiado, a sua implantação nas ilhas era minoritária, cita mesmo um trabalho de Manuel Lucena em que este escreveu num relatório enviado a Melo Antunes que “a maior parte da população ficaria muito contente com uma autonomia menor do que a dos Açores…”

São opiniões que valem pelo que valem, vinte anos após a independência quadros cabo-verdianos do então PAIGC irão deplorar o facto de não se ter tratado bem uma real oposição ao PAIGC, que existia, designadamente a de Leitão da Graça e o seu grupo. O próprio Aristides Pereira admitiu excessos. Leitão da Graça, líder da UPICV, simpatizante da linha chinesa, reconhece que o contexto era favorável ao apoio soviético e dos países socialistas, Mao Tsé-tung estava em decadência e os chineses acabaram por se aliar ao imperialismo americano. 

O PAIGC tinha sido reconhecido tanto pela OUA como pela ONU como o único representante do povo de Cabo Verde, fazia a sua entrada triunfal nas ilhas. Carlos Reis, do PAIGC, tecerá o mesmo tipo de considerações, dizendo: 

“O partido único foi proclamado na rua, pela própria evolução dos acontecimentos. Vivia-se naquela altura um clima favorável ao partido único. A própria ONU escolhia representantes legítimos e únicos dos povos que lutavam pela sua independência”

José Vicente Lopes aborda seguidamente a questão do PAIGC e dos intelectuais. Havia uma figura consagrada, Baltazar Lopes, licenciado em Direito e Filologia Românica, passou a sua vida em Cabo Verde no ensino, foi reitor do Liceu Gil Eanes. Distinguiu-se por romances como o “Chiquinho” e pela criação da revista “Claridade”, fundada em 1936. Desconfiava do PAIGC, quadros importantes como Silvino da Luz e Osvaldo Lopes da Silva fizeram acusações bastante ásperas a determinados escritores, falava-se mesmo em atirar os intelectuais ao mar. Baltazar Lopes irá registar magoado o seu ressentimento com o tratamento que lhe deram. Muito se falará também de Onésimo Silveira e de Teixeira de Sousa, figuras que entrarão em rota de colisão com o PAIGC.

Segue-se a construção do Estado, Pedro Pires fica à frente do Governo onde constarão, entre outros, Abílio Duarte, Silvino da Luz, Carlos Reis, Osvaldo Lopes da Silva, Amaro da Luz, Sérgio Centeio, Manuel Faustino. E diz-nos o autor: 

“O Arquipélago ascendia à independência com uma população estimada em 280 mil habitantes, uma economia completamente arruinada, cabendo ao setor terciário – comércio, serviços públicos e privados – um predomínio absoluto, aparecendo o Estado como o principal empregador. A agricultura, essencialmente a de sequeiro, encontrava-se em profunda crise, face aos efeitos da seca que já se prolongavam há oito anos, mantendo 91% da população economicamente ativa sobre a sua dependência, na maioria dos casos através de brigadas de apoio social. A indústria resumia-se a três ou quatro padarias, uma fábrica de tabacos e duas unidades falidas de pesca”

Este primeiro Governo centrou as suas prioridades no combate ao desemprego, na procura de aquisição de meios de transportes marítimos, na construção de silos e armazéns; os investimentos foram para o desenvolvimento rural e a pesca, numa primeira linha e mais abaixo os transportes e as comunicações. Houve recursos externos que facilitaram muitas destas iniciativas. Mas havia divisões ideológicas, há que as ter em conta para perceber as linhas políticas do PAIGC até ao dia em que o multipartidarismo, depois da queda do Muro de Berlim, mudou o xadrez cabo-verdiano. 

José Vicente Lopes dá-nos um impressivo olhar sobre esta governação do PAIGC: a política de independência face às superpotências, como foi tratado o dossiê da África do Sul, como se tentou um modelo económico misto mas sob a supervisão do Estado, e passa em revista os múltiplos dossiês da governação. 

A oposição foi-se organizando, a UCID ganha expressão. E começam as contradições, a formação de grupos, a fragmentação ideológica, releva-se, pelo bom senso e prudência, a figura de Pedro Pires. O III Congresso do PAIGC realiza-se em Bissau, em novembro de 1977, avultam tensões entre maoístas, trotskistas e leninistas, Pedro Pires passa a ser muito questionado. Toda a problemática da identidade cultural cabo-verdiana é analisada nesta obra.

E assim chegamos à questão constitucional, que levantará muita celeuma nas ilhas e com forte ressonância em Bissau, dirão muitos analistas que será um dos motivos fundamentais para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980. O tema é abordado com profundidade, a páginas 600 do seu importantíssimo trabalho o autor analisa as diferenças entre Cabo Verde e a Guiné:

“Estudiosos das causas que conduziram à rutura entre os dois países situam-nas, geralmente, na discrepância das realidades que se foram construindo na Guiné e em Cabo Verde. Enquanto, no primeiro caso, havia uma hierarquia partidária e militar que era mais obedecida; no segundo, prevalecia, pelo menos inicialmente, uma massa crítica e uma liderança mais baseada na discussão dos problemas do que na obediência cega. 

A estrutura da sociedade cabo-verdiana – mais moderna, escolarizada e crítica, além de dependente do exterior –, contribuía para que o regime na Praia fosse menos pretoriano do que o seu congénere de Bissau. Em suma, para Pedro Pires, o 14 de novembro foi o desfecho de uma situação contraditória, ‘duas realidades que se foram desenvolvendo e que, em vez de se aproximarem, se afastaram. Teria de ser assim. Não havendo um 14 de novembro, talvez viesse a acontecer uma outra coisa. Sabíamos, entre nós, que havia qualquer coisa que não marchava bem’”

Tanto Aristides Pereira como Luís Cabral se referiam regularmente a desvios, práticas de corrupção, passividade e falta de rigor ideológico. E vão surgir acusações múltiplas: de Nino Vieira contra Luís Cabral, de Aristides Pereira contra Luís Cabral e Nino, de Vasco Cabral contra Luís Cabral, e muito mais. Os dois partidos separam-se, perdurarão as feridas, a reconciliação virá depois. E inicia-se um processo histórico que conduzirá ao multipartidarismo em Cabo Verde. 

A 13 de janeiro de 1991, realizar-se-ão no Arquipélago as primeiras eleições livres e pluralistas da sua história, ganhas pelo Movimento para a Democracia (MpD). No mês seguinte, António Mascarenhas Monteiro vencerá Aristides Pereira, tornando-se no primeiro Presidente da República eleito em eleições multipartidárias.

Obra singular, hoje de referência para entender o papel cabo-verdiano na formação, desenvolvimento, luta armada e independência de Guiné e Cabo Verde. A sigla da unidade foi o medicamento eficaz para a luta vitoriosa mas encerrava em si o peso de uma tormenta que se chama em História a longa duração dos acontecimentos que tanto os guineenses como os cabo-verdianos não ignoravam – dois países com identidades tão distintas jamais poderiam ficar associados.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22659: Notas de leitura (1390): Cabo Verde, os bastidores da independência, por José Vicente Lopes; Spleen Edições, 3.ª edição, 2013 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22678: In Memoriam (417): Queta Baldé (1943-2021), ex-Soldado do Pel Caç Nat 52 e 2.ª CComandos Africana, falecido em Lisboa

IN MEMORIAM

Queta Baldé (1943-2021)

Ex-Soldado do Pel Caç Nat 52 e 2.ª CComandos Africana


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de hoje, 1 de Novembro de 2021:

Queta Baldé, o meu querido 126, o construtor do meu Diário da Guiné, deixou-nos

Mário Beja Santos

O confrade Carlos Silva telefonou-me no intervalo de um congresso de antigos combatentes, ali para a linha do Estoril, deu-me a saber que alguém fazia questão de me informar que falecera o Queta, pedi mais esclarecimentos, sim, era Queta Baldé, o 126, finda a sua comissão militar no Pel Caç Nat Nº 52 concorrera à 2ª Companhia de Comandos Africana, foi aceite, veio a independência, e correndo o risco de ser preso ou fuzilado conseguiu chegar ao Senegal e daqui a Marrocos, contou com a solicitude da Associação dos Comandos, veio para Portugal, instalou-se em Chelas J, veio a Cadi, apareceram os meninos, entrei em cena, a casa onde viviam tinha tanto bolor que se lavava com lixívia à segunda-feira e dois dias depois estava tudo enegrecido. Fizeram-se diligências, o menino mais velho tinha asma agravada, mudaram de casa. E sem obrigatoriedade de data o Queta era sempre uma presença no almoço dos bravos do pelotão, religiosamente bacalhau com batatas, vinha o Mamadu Camará, o Cherno, o Abudú, chegou a participar no repasto o Benjamim Lopes da Costa.

Quando, em 2006, tomei a decisão demencial de escrever os Diários da Guiné, perguntei ao Queta se me podia ajudar a ultrapassar o claro-escuro de certas situações que tínhamos vivido em Missirá. Acedeu prontamente, e passámos a ter encontros semanais na Praça Duque de Saldanha, ele saía da empresa onde fizera cerca de 12 horas de vigilância e começava a sabatina. Havia antecipadamente um telefonema para o pôr ao corrente das minhas dúvidas, quem era quem, que itinerário tínhamos seguido naquela volta junto ao rio Gambiel até Salá, se se recordava dos seis trajetos diferentes que nós utilizávamos para chegar a Mato de Cão sem pisar as picadas convencionais, se se lembrava da data em que tínhamos ido pela primeira vez ao Buruntoni… E cedo começou o meu deslumbramento com a sua memória de elefante.

Explicou-me ao detalhe como chegaram a Missirá para substituir a Companhia do Enxalé, como se constituíra o Pel Caç Nat 52 que tivera como seu primeiro comandante o Henrique Matos Francisco, as operações a Madina, as populações de Missirá e Finete, as múltiplas suspeitas de que o PAIGC não queria fazer grandes ondas na região porque tinha vias de abastecimento em direção a Mero e aos Nhabijões, e assim evitava conflitos, a partir do momento em que havia vigilância em Mato de Cão qualquer possível ataque ficava reservado a quem se posicionasse em Ponta Varela.

E saindo de um contexto geral, deixava-me de boca aberta com as horas a que saíamos para os patrulhamentos, sempre com a sua linguagem pausada ia ataviando os locais por onde passávamos, a descoberta dos trilhos usados pelas gentes de Madina e Belel, reproduzia emboscadas elencando o nome de quem lá tinha estado. Tentei pô-lo à prova e perguntei-lhe se se lembrava de uma emboscada lá para os lados de Chicri onde alguém perdera uma peça de roupa e exigia recuperá-la, não me deixou continuar, era a boina verde do Cabo Barbosa, sim, tínhamos saído dali a correr pela noite calada, no dia seguinte lá se descansou quem tinha perdido o fetiche da boina, e o Queta sentenciou: “Manga de canseira, mas que gente tão porreira, nosso alfero!”

Dei-lhe a alegria de ir visitar a Amedalai o seu filho mais velho, o Queta recusou-se a voltar à Guiné, a vida familiar também o deixou causticado, nos últimos anos vivia sozinho para os lados da Amadora, guardo dele um belo sorriso, um olhar translúcido, as suas mãos a afagar os livros que lhe oferecia, particularmente o segundo volume do Diário da Guiné em que ele aparece ao alto na fotografia tirada no dia de Natal de 1969 na ponte de Undunduma. Durante anos fez sala na Praça do Rossio, no último banco já perto do Largo de São Domingos, ali conversávamos, perguntando por este e aquele, não faltou às cerimónias fúnebres dos meus entes queridos. Foi adoecendo, mesmo antes da pandemia, arrastava-se, os telefonemas passaram a ser taciturnos, não tinha forças para vir comer o bacalhau, deixei de o ver no banco onde fazia sala, perguntava por ele, estava no hospital, o telefone deixou de atender.

E assim chegamos a mais uma perda irremediável, alguém que me deu o privilégio de uma estima recíproca, que funcionou como agente de informação e de vigilância na urdidura daqueles diários, estou a vê-lo a acariciar os livros, a ver os mapas do Cuor, de Bambadinca e do Xime, a recordar-me que começara a vida como tocador de batuque e assim percorrera a pé toda aquela região do Corubal até ao Xitole. Apaga-se mais uma luz daquele memorável palco onde construí a minha consciência de homem, e nada mais posso fazer de que vergar-me respeitosamente não só pela sua memória mas pelo seu contributo indefetível, como bravo soldado que foi, o 126, o companheiro que exigiu a minha presença em Lisboa em horas tão difíceis da sua vida, que me ofereceu a sua disponibilidade para que não faltasse a que dar a certidão da verdade naquele tempo de guerra que vivemos irmanados. Seguro que lá estás a sorrir à direita de Deus, aqui deixo esta nótula de quem fica profundamente desconfortado com a tua partida, abraço-te calorosamente, nha ermon, Mário


2008, o Henrique Matos Francisco e o Queta Baldé no lançamento do Tigre Vadio
A Missirá dos tempos em que o Pel Caç Nat 52 aqui chegou (1967)
25 de dezembro de 1969, ponte do rio Undunduma, o Queta Baldé está ao alto, primeiro Mamadu Djao com uma cana na mão, segue-se Jogo Baldé de não na anca, Queta Baldé imaculadamente fardado
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A tertúlia e os editores deste Blogue não podem deixar de associar à dor dos seus familiares e amigos na Guiné-Bissau e em Portugal pela perda deste seu ente querido, também nosso amigo e camarada de armas.

Mais um dos bravos irmãos naturais da Guiné que lutaram ao nosso lado e que nos deixa.

Um especial abraço ao Mário Beja Santos, seu comandante no Pel Caç Nat 52 e amigo pela vida fora, já que o Queta morou, desde a independência da Guiné-Bissau, sempre em Portugal, onde acaba de falecer.

A partir de hoje, o nosso camarada Queta Baldé, ficará, a título póstomo, a figurar na lista dos nossos amigos que da lei da morte já se libertaram. Tem o lugra nº 854.

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22660: In Memoriam (416): Victor Barata (1951-2021), ex-1.º Cabo da FAP, Especialista de Instrumentos de Bordo, BA 12, Bissalanca, 1971/73; membro da Tabanca da Grande desde maio de 2006 e fundador, em junho de 2007, do blogue Especialistas da BA 12... Era um "Zé Especial", tratado com muito carinho por "Vitinho"... Velório: hoje, a partir das 16h00 em Campia; Vouzela; missa de corpo presente às 15h00 de amanhã, seguindo depois o féretro para a Casa Crematória de Viseu

Guiné 61/74 - P22677: Efemérides (354): No Dia de Finados, lembremos os nossos queridos mortos: nos últimos dois anos, em 2020 e 2021, em plena pandemia de Covid-19, a morte levou 36 de nós (31,3%) num total de 115 mortes registadas (13,8% dos 854 membros da Tabanca Grande)


Vouzels > Campia > Junho de 2021 >  Um das últimas fotos de grupo (*)  com o Victor Barata (1953-2021) (**), aqui sentado à mesa,  ao centro. Era carinhosamente tratado por "Vitinho". Foi o fundador e o grande animador do blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74.

Um grupo de  camaradas e amigos de Coimbra foi visitá-lo (e homenageá-lo) na sua casa, em Campia, Vouzela,  no no distrito de Viseu, nos princípios de junho de 2021, já ele já estava bastante debilitado pela doença crónica degenerativa que virá a   causar  a sua morte, em 25 de outubro último. A foto é de Augusto Ferreira, 2º Srgt Mil Melec/Inst/Av (*). Reproduzida aqui com a devida vénia.


1. Entre vivos e mortos, a lista dos amigos/as e camaradas  da Guiné, pertencentes à Tabanca Grande, soma já 854... Ao fim de 17 anos e meio de existência (, vamos fazer 18, em 23 de abril de 2022, se lá chegarmos).

No entanto, aqueles e aquelas que "da lei da morte já se foram libertando" (n=115), representam já 13,8% do total.  Os seus nomes constam da coluna estática do blogue, no lado esquerdo. Os dois últimos, e mais recentes, foram o Victor Barata (1953-2021) e o Queta Baldé (1943-2021).

Dos nossos queridos mortos, mais recentes, nos últimos dois anos, registamos, com grande pesar, que ultrapassaram as 3 dezenas, mais exatamemte 36: 11 em 2020 e 25 em 2021... (Estes últimos estão destacados a vernelha, na lista alfabétoca dos membros da Tabanca Grande, na coluna do lado esquerdo.)

Não sabemos com rigor quantos deles morreram na sequência directa ou indireta da pandemia de Convid-19, mas este número (36) representa  quase um terço )31,3%) do total das mortes ocorridas nestes anos todos... 

Será uma sobremortalidade, a deste ano, ou o resultado inevitável do nosso progressivo e irreversível envelhecimento, com tendência, portanto, a aumentar nos próximos anos ?

Por outro lado, estes números das nossas "baixas mortais" devem pecar por defeito: há membros da Tabanca Grande de que não temos notícias há anos, ou seja, são camaradas que não fazem "prova de vida", por email, telefone ou colaboração no blogue... (Razão pela qual, também, deixámos de celebrar o seu aniversário, nos casos em que estávamos autorizados a fazê-lo). Alguns, como o António Paiva, por exemplo, já terão morrido... Mas não temos confirmação (ofcial ou oficiosa) do seu falecimento.

Recordemos hoje, isso sim, no Dia de Finados (, habitualmente comemorado no feriado de 1 de Novembro), e mais uma vez, os nomes dos nossos amigos e camaradas que nos deixaram nestes últimos 22 meses (e que vão destacados a negrito), mas também, todos os demais que estão no nosso mural (n=115).

Saibamos honrar a sua memória, deposi de os ter resgatado da "vala comum do esquecimento" (***).

A

Agostinho Jesus (1950-2016) 
Alcídio Marinho (1940-2021)
Alfredo Dinis Tapado (1949-2010)
Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (1938-2017)
Amadu Bailo Jaló (1940-2015)
Américo Marques (1951-2019)
Aniceto Rodrigues da Silva (1947-2021)
António da Silva Batista (1950-2016)
António Dias das Neves (1947-2001)
António Domingos Rodrigues (1947-2010)
António Manuel Carlão (1947-2018)
António Manuel Martins Branquinho (1947-2013)
António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018)
António Rebelo (1950-2014)
António Teixeira (1948-2013)
António Vaz (1936-2015)
Armandino Alves (1944-2014)
Armando Teixeira da Silva (1944-2018)
Augusto Lenine Gonçalves Abreu (1933-2012)
Aurélio Duarte (1947-2017)

C/H

Carlos Azeredo (1930-2021)
Carlos Cordeiro (1946-2018)
Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (1929-2021)
Carlos Filipe Coelho (1950-2017)
Carlos Geraldes (1941-2012)
Carlos Marques dos Santos (1943-2019)
Carlos Rebelo (1948-2009)
Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)
Celestino Bandeira (1946-2021)
Clara Schwarz da Silva (1915-2016)
Cláudio Ferreira (1950-2021)
Cristina Allen (1943-2021)

Cristóvão de Aguiar (1940-2021)

Daniel Matos (1949-2011)
Domingos Fernandes (1946-2020)

Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019)

Fernando Brito (1932-2014)
Fernando [de Sousa] Henriques (1949-2011)
Fernando Franco (1951-2020)
Fernando Rodrigues (1933-2013)
Francisco Parreira (1948-2012)
França Soares (1949-2009)

Gertrudes da Silva (1943-2018)

Humberto Duarte (1951-2010)

I/J

Inácio J. Carola Figueira (1950-2017)
Isabel Levezinho (1953-2020)
Ivo da Silva Correia (.c 1974-2017)

João Barge (1945-2010)
João Cupido (1936-2021)
João Caramba (1950-2013)
João Diniz (1941-2021)
João Henrique Pinho dos Santos (1941-2014)
João Rebola (1945-2018)
João Rocha (1944-2018)
Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010)
Joaquim da Silva Correia (1946-2021)
Joaquim Peixoto (1949-2018)
Joaquim Vicente Silva (1951-2011)
Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015)
Jorge Rosales (1939-2019)
Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017)
José António Almeida Rodrigues (1950-2016)
José Augusto Ribeiro (1939-2020)
José Barreto Pires (1945-2020)
José Ceitil (1947-2020)
José Eduardo Alves (1950-2016)
José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2021)
José Fernando de Andrade Rodrigues (1947-2014)
José Luís Pombo Rodrigues (1934-2017)
José Manuel Dinis (1948-2021)
José Manuel P. Quadrado (1947-2016)
José Martins Rosado Piça (1933-2021)
José Maria da Silva Valente (1946-2020)
José Marques Alves (1947-2013)
José Moreira (1943-2016)
José (ou Zé) Neto (1929-2007)
José Pardete Ferreira (1941-2021)

L/N

Leopoldo Amado (1960-2021)
Libório Tavares (Padre) (1933-2020)
Lúcio Vieira (1943-2020)

Luís Borrega (1948-2013)
Luís Encarnação (1948-2018)
Luís Faria (1948-2013)
Luís F. Moreira (1948-2013)
Luís Henriques (1920-2012)
Luís Rosa (1939-2020)

Mamadu Camará (c. 1940-2021)
Manuel Amaral Campos (1945-2021)

Manuel Carneiro (1952-2018)
Manuel Castro Sampaio (1949-2006)
Manuel Dias Sequeira (1944-2008)
Manuel Martins (1950-2013)
Manuel Moreira (1945-2014)
Manuel Moreira de Castro (1946-2015)
Manuel Varanda Lucas (1942-2010)
Marcelino da Mata (1940-2021)
Maria da Piedade Gouveia (1939-2011)
Maria Manuela Pinheiro (1950-2014)
Mário Gualter Pinto (1945-2019)
Mário Vasconcelos (1945-2017)

Nelson Batalha (1948-2017)

O/V

Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021)

Paulo Fragoso (c.1947-2021)

Queta Baldé (1943-2021)

Raul Albino (1945-2020)
Renato Monteiro (1946-2021)

Rogério da Silva Leitão (1935-2010)

Teresa Reis (1947-2011)
Torcato Mendonça (1944-2021)

Umaru Baldé (1953-2004)

Vasco Pires (1948-2016)
Victor Alves (1949-2016)
Victor Barata (1951-2021)
Victor Condeço (1943-2010)
Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014)

Total=115
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Notas do editor:

(*) Vd. Blogue Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 > terça-feira, 8 de junho de 2021 > Voo 3599 – Visista ao nosso ComandanteI

(**) Vd. poste de 25 de outiubro de  2021 > Guiné 61/74 - P22660: In Memoriam (416): Victor Barata (1951-2021), ex-1.º Cabo da FAP, Especialista de Instrumentos de Bordo, BA 12, Bissalanca, 1971/73; membro da Tabanca da Grande desde maio de 2006 e fundador, em junho de 2007, do blogue Especialistas da BA 12... Era um "Zé Especial", tratado com muito carinho por "Vitinho"... Velório: hoje, a partir das 16h00 em Campia; Vouzela; missa de corpo presente às 15h00 de amanhã, seguindo depois o féretro para a Casa Crematória de Viseu

Guiné 61/74 - P22676: Parabéns a você (1998): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513/72 (Aldeia Formosa, Cumbijã e Nhala, 1973/74)

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Nota do editor

Úlltimo poste da série de 28 DE OUTUBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22665: Parabéns a você (1997): Coronel Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

domingo, 31 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22675: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VIII: O meu percurso militar (II): Depois da RMA, o CTIG: ao todo, 3 anos e 4 meses ao serviço da tropa


Doc 7 > Região Militar de Angola > Batalhão de Intendência de Angola >Quartel em Grafanil > Batalhão de Intendência > Companhia de Intendência > 11 de fevereiro de 1971 > #O documento mais valioso": a declaração da passagem à disponibilidade (ou à "peluda")



Doc 6 > Região Militar de Angola > Quartel General > Companhia de Comando e Serviços > Quartel em Luanda > 12 de agosto de 1968 > Recibo da Arrecadação do Material de Guerra, comprovativo da entrega pelo alf mil João Rodrigues Lobos de uma  G3, cimco carregadores, duas cartucheiras, um cinturão e... 100 cartuchos  7,62 mm m/962... 


Doc 8> Ministério do Exército > Direcção do Serviçpo de Pessoal > Repartição dos Oficiais > 2ª Secção > Lisboa, 28 de janeiro de 1978 > Declaração para efeitos de contagem do tempo de serviço.


Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda (e última) parte da mensagem de João Rodrigues Lobo [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]


Data - sexta, 29/10, 10:11 (há 1 dia)



Assunto - O meu percurso militar


(Continuação)

Quando me mobilizaram para a Guiné fui para o Depósito  de Adidos, em Luanda, onde esperei por um transporte para a Guiné, que nunca mais me arranjavam, ( dizendo até que provavelments tinha de ir primeiro para a Metrópole e dali para a Guiné) sendo que o tempo passava e a Comissão não começava. 

Consegui pessoalmente junto da Força Aérea que me arranjassem transporte num avião militar que vinha para Lisboa com escala em Cabo Verde. Chegado a Cabo Verde esperei por outro avião militar, de carga, que me levou até Bissalanca. Ali chegado, sem nunca antes ter sabido qual a Unidade em que estaria colocado, apanhei boleia num jipe que por acaso tinha ido levar alguém a Bissalanca e que por camaradagem, (não estando autorizado e não constar do boletim da viatura) me levou ao Quartel General em Bissau. Ali chegado, e com as malas á porta, lá entrei e só aí soube que estava colocado no BENG 447. Por gentileza lá me mandaram levar a Brá.

Conhecendo eu bem Angola, e, só havendo 5 Aspirantes Milicianos da Especialidade formados no 1º COM em Angola, sendo este número manifestamente insuficiente para as colunas de MVL, e estando eu no Quartel General a prestar o que julgo bom serviço, porque cargas de água fui mobilizado para a Guiné? 

A explicação dada na época foi “intercâmbio entre Provincias” sem direito a mais perguntas!  Seria só isso ? Por vezes especulo sobre várias hipóteses, mas sem conclusões. Talvez fale delas noutra altura pois são só especulações.

E, quando acabei a comissão na Guiné, para voltar para Luanda, onde fui mobilizado, queriam que viesse de navio fretado para Lisboa (quando houvesse) e de Lisboa para Luanda (quando houvesse). 

Lá se foi o resto do que tinha poupado e paguei as 2 viagens aéreas de Bissalanca para Lisboa e de Lisboa para Luanda, na TAP totalmente do meu bolso! Em 1968 e 1969 também tinha pago as 8 viagens aérias na TAP nos dois meses de férias que tive, para as passar em Luanda onde residia a minha namorada.

Quando em 1977 fiz concurso público para Chefe dos Serviços de Aprovisionamento do Hospital Distrital de Torres Vedras, precisava de documento onde constasse o Serviço Militar cumprido. 

Não sabendo onde o podia obter, fui ao Ministério do Exército, no Terreiro do Paço, em Lisboa, onde estava “estacionado” o meu processo, por não ter a data da passagem á disponibilidade!!! 

Por sorte, (mais uma vez) tinha guardado o papelinho da “peluda”, que apresentei, e lá me passaram uma declaração simples (, com um erro na data do inicio da Comissão no qual só mais tarde reparámos, ) mas que serviu o objectivo. 

Em 1978 recebi um oficio onde, na disponibilidade, tinha sido colocado no Regimento de Engenharia nº 1 em Lisboa. E em 1983 recebi outro oficio,  dizendo que o meu processo estava no DRM  de Santarém. 

Em 2007 aquando da passagem á reforma, para obter a contagem do tempo, fui a Santarém e já não estava lá nada. Fui então ao Arquivo Geral do Exército, em Lisboa onde estava o meu processo, obtive a contagem do tempo e lá me deram 5 anos e 337 dias para a reforma ( tiraram alguns mesitos, talvez a recruta ou as férias). 

Esta “história” terá interesse?  Para mim tem,  dadas as bolandas em que andei, e, o tempo que perdi (ou ganhei) no Exécito Português.

Por onde passei tive e assisti a vários “episódios” alguns idênticos aos que outros camaradas descrevem , outros talvez um pouco diferentes. Tenho algumas situações,vividas pelos locais por onde estive, na memória, e tento recordar-me de outras para talvez as passar ao papel e vos enviar para o blog.

Resumindo, acabei por ter tanta sorte que passei quase ao lado da Guerra, estando bem perto da dureza e sofrimento que tantos camaradas, nas mesmas datas, passaram.

Até tive a sorte de , quase imberbe, deixar crescer o bigode, desde que aterrei na Guiné, bigode esse que foi crescendo sem nunca mo mandarem rapar, apesar de algumas bocas “superiores” e de alguns PM . O bigode, que aí começou, só o raparei quando a sorte que me acompanhou em Angola e na Guiné,  me fizer ganhar o Euromilhões!

Anexo vários “papéis” que guardei como recordação, em complemento do que já foi publicado no poste anterior (*)

Doc 6 – Documento de MVL – 1968

Doc 7 – O Documento mais valioso: a passagem à disponibilidade, em  1971

Doc 8 – A descoberta do meu processo – 1977 (1978)

Até breve.

João Rodrigues Lobo
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22671: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte VII: O meu percurso militar (I): Região Militar de Angola: EAMA, CICA, Companhia de Transportes nº 2560, QG-4ª Rep, Depósito de Adidos (1967/68)