quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3413: Blogoterapia (71): O regresso voluntário à África da nossa juventude (José Teixeira)




1. Mensagem de 2 de Novembro de 2008, do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70, referindo ao seu regresso voluntário à Guiné-Bissau, aquando do Simpósio Internacional de Guiledje, em Março passado.



Guiné Bissau – O regresso, agora voluntário

Nota-se nos ex-combatentes, em cada dia que passa, uma vontade de regressar, agora voluntariamente às terras da Guiné.

Tantos de nós, tentaram varrer da sua mente as imagens da Guiné, sobretudo as de má memória, as que era preciso exorcisar, pelo que de sofrimento trouxeram a cada um. Debalde, pois elas esconderam-se lá bem no fundo do arcaz da memória e com o rodar dos anos, voltaram calma e pacificamente ao de cima, como que reacordando-nos para a realidade que teimavamos em abafar – A Guiné fez parte da nossa vida e continua a fazer, pelas marcas que deixou. Uma delas é a saudade. A mais agradável, que nos faz deixar tudo, para muitos inclusivé, fazer poupanças durante o ano para correr aos convívios que todos os anos nos permitem reavivar a memória, rever amizades, as mais ricas, as que jamais se esquecerão, porque foram forjadas na luta, durante o tempo que era o tempo para viver com garra a nossa vida.

Alguém me dizia há dias que os amigos são muitas vezes mais amigos daquilo que possuímos, do que de nós próprios e exemplificava com um caso concreto de alguém a quem saiu a sorte grande e de repente ficou rodeado de amigos. Rapidamente esgotou os ganhos da sorte com eles e dois anos depois, estava de novo na miséria, sem dinheiro e sem amigos. As amizades geradas nos ex-combatentes, essas são firmes e duradoiras, até àmorte.

Já há convívios por freguesia e por concelhos. Há os blogues. e blogues como Tabanca Grande que cresce em cada dia que passa. Há Tertúlias como a Tabanca de Matosinhos que cresce semana a semana. Isto é, já não nos unimos apenas e só aos camaradas, que estiveram connosco. Alargamos as nossas relações de amizade fraterna a quantos foram passando pelo conflito, independente do ano em que por lá andaram e o mais interessante é que nos fomos unindo de forma horizontal, isto é, acabarm-se os postos militares em que nos colocaram, restam os homens que trilharam os mesmos caminhos, viveram cenas comuns de luta de vida ou morte.

A Net tem sido de facto um excelente meio para fomentar todo este reacordar e reavivar a memória. Os livros, alguns com qualidades literárias fantástica, outros nem tanto, mas todos com histórias verdadeiras, que só quem passou por lá compreenderá inteiramente, são também um factor de comunicação e união.

Fenómenos estranhos estes. Na partida para um destino totalmente desconhecido, até à Guiné, uma frase se ouvia repetidamente Adeus até ao meu regresso. Não consta que no regresso alguém tenha ousado repetir essa mesma frase e muito poucos ousaram pensar no retorno um dia.

Eu já lá voltei duas vezes e sonho com nova partida. Recordo a minha entrada pela fronteira de Pirada em 2005, confesso que tenso e temeroso, no primeiro contacto com as autoridades fronteiriças. Logo após uma afectuosa saudação bom dia baranco, uma pergunta; onde estiveste ? Estranha recepção, vinda de um policia de fronteira, logo esclarecida com um franco sorriso e um afectuoso aperto de mão, quando lhe respondi - Quebo; Mampatá; Buba ... (não me deixou completar a frase) - então conheceste minha ermon, foi milicia em Buba. Seguiu-se uma curta, mas agradável kunversa. Recordações transportadas de um tempo difícil que se foi, para um tempo presente alimentado pela saudade.

Ali iniciei a fraterna comunhão que desde alguns anos atrás sonhava. Encontrar-me com os guineeses que se cruzaram na minha vida, curta, mas tão longa passagem pela guerra na Guiné. Nem eu nem eles se esqueceram da vida partilhada em comum; dos perigos que corremos juntos, das horas de angústia que ultrapassámos, dos momentos de alegria ou de dor, quando no fim dos encontros/desencontros com seus ermons do mato, colocados do outro lado da barreira, fazíamos o balanço da contenda.

Mil sentimentos, por vezes contraditórios, me perseguiram ao rememorar os cenários reais de tais façanhas, vividas nas colunas de Buba para Aldeia Formosa e desta até Gandembel; estrada em construção de Buba para Aldeia Formosa, nas picadas, repicadas constantemente em busca das minas assassinas semeadas pelo meu ermon Miundá Baldé (a) e seus camaradas; nos aquartelamentos e nas tabancas, onde a população vivia o mesmo drama que eu, num sofrimeno muito maior, pois era uma guerra de irmãos contra irmãos.

Ao rodar naquela estada esburacada, os olhs não se cansavam de observar e admirar a beleza que nos rodeava. Foi a volúpia da beleza natural, a acordar progressivamente os meus sentidos.

Que capacidade o ser humano tem de poder guardar nos seus compartimentos mentais tanta beleza, sem que a própria consciência se aperceba dessa realidade ! Passados trinta e cinco anos, redescobri a gama de cores variadas, que a maravilhosa floresta da Guiné me ofereceu outrora, que eu teimara em não ver no seu esplendor, mas ficou bem guardada no cofre secreto do meu coração e da mente. Nenhuma impressão de outrora se escapuliu, pelo contrário, tudo me saltou à vista. Até as gigantes árvores ou as longas lianas, estavam no mesmo lugar. Cada olhar provocava um acordar de memória. As curvas da picada tão temidas pelo perigo que representavam. Algumas delas, cenários de lutas sangrentas, estavam lá no mesmo sítio, rodeadas de vegetação verdejante, noutros tempos assustadora.

Vieram-me à memória os longos e altos capinzais, dourados pelo sol dos trópicos, que tocados violentamente pelos ventos impetuosos que antecediam as tempestades, mais se assemelhavam às ondas do mar em dias de exaltação das suas águas. De onde em onde um majestoso baga–baga espreitava altaneiro, pondo a sua crista de fora. Espaços de redobrada atenção, pois o IN traiçoeiro, aí se podia acoitar para uma espera de morte

Foto 1 > Altos e longos capinzais, junto às bolanhas da Ponderosa

Foto 2 > De onde em onde, um majestoso baga-baga espreitava altaneiro

Fotos: © José Teixeira (2008). Direitos reservados


Note-se que nestas fotos apareço com a D. G3rtrudes, emprestada por um colega, já que eu como enfermeiro, desde os primeiros tempos de Guiné, deixei de usar arma para cumprir a promessa que fiz a mim mesmo de ser apenas enfermeiro.

E as pessoas? Como nos acolhem? É-me muito dificil transcrever com total realismo os reencontros. Só vividos. Como é possível passados trinta e cinco, quarenta anos, recordarem-se da nossa fisionomia, do nosso nome !

A peregrinação vivida em Março deste ano pela Mata do Cantanhez, durante o Simpósio de Guiledje e a passagem pelas Tabancas por onde andei, no auge da minha juventude, com a bolsa de enfermeiro às costas, foi profundamente gratificante. Abraços e beijos à mistura com lágrimas de emoção. Famílias inteiras do mais pequeno ao mais velho que em poucos minutos se juntavam para me cumprimentar e tirar uma foto. Sobrinhas como a Cadidjatu Candé ou a Djuvae Embaló, hoje Conceição Vaz ao serviço da GNR na Amadora, que me telefonam para parte mantenhas ou enviam correspondência electrónica. Mindjers garandis, as lindas bajudas do nosso tempo, que se penduravam no meu pescoço, chamando pelo Tissera fermero (Teixeira enfermeiro), A Fatma minha lavandera, a Ansaru, mãe da Maimuna, a bebé que me acompanhava por todo o lado em Mampatá, a Ádama mãe da bebé que salvei de um crise fatal de paludismo, quando já estava desenganada pelos médicos do hospital em Bissau. Os soldados da milicia; o Suleimane e o Braima agora a viverem no Saltinho; O Issa Baldé que me foi procurar a Aldeia Formosa; o Abdulai Djaló que me telefona...

Tanta vida para recordar…

Mas como dizem que uma imagem vale que mil palavras, apreciem as fotos que se seguem e o vídeo em http://video.msn.com/video.aspx?mkt=pt-br&cid=2997719327111784874&wa=wsignin1.0.

Zé Teixeira

O Fernando Moita, felicíssimo por ter encontrado a sua comadre em Bula.

A alegria espelhada em lágrimas. O Moita conseguiu localizar em Bissau a afilhada que apadrinhara em Bula

Fotos: © Fernando Moita (2008). Direitos reservados


Quem diria que o João Rocha ia ser interpelado pela sua lavandera, tu és o Alfero Rocha!

Isto aconteceu em 2008 com o João Rocha

Que ternura, passados tantos anos

Recepção memorável em Guiledje

Fotos: © Xico Allen (2008). Direitos reservados


A família da Djobo Ansato juntou-se para parte mantenhas cum Tissera, já que ela estava ausente em Bissau e ficar no postal (foto)

A Ádama e a Djuvae.

A Ádada filha do Aliu de Mampatá, a oferecer-me um ronco para nha mindjer um lindo colar que tirou do seu pescoço

Fotos: © José Teixeira (2008). Direitos reservados

a) - Muinde Baldé, sapador do PAIGC, que participou na montagem de minas e fornilhos na picada Aldeia Formosa/Gandembel/Guiledge (Célebre carreiro da morte ou caminho da liberdade, como o PAIGC o baptizou) e montou segundo me disse o campo de minas em Txangue Laia onde pereceram cinco camaradas da CCaç 2317 em 1968. A minha Companhia, felizmente não caiu nesse campo de minas, porque os camaradas da CCaç 2317, perante a situação, recuaram e via rádio avisaram-nos a tempo. A coluna de mantimentos voltou a Aldeia Formosa e uns dias depois ao voltarmos ao local, levantamos vinte e sete minas AP, enquanto os Páras levantaram creio que quarenta.

Também esteve no ataque a Contabane em 22 de Junho de1968, do qual resultou a destruição total da tabanca, tendo a tropa da CCaç 2382 ali colocada, retirado para Aldeia Formosa, bem como a população, tendo parte desta sido posteriormente reordenada em Sinchã-Shambel, do outro lado da ponte do Saltinho, onde o Paulo Santiago os foi encontrar. Também me atacou em Mampatá em Novembro de 1968, num encontro memorável em que chegaram a entrar dentro da Tabanca, ele mesmo ultrapassou o arame farpado, segundo me disse, mas tiveram de fugir, perante a reacção do meu grupo de combate aí estacionado e a acção da milícia, comandada pelo Régulo Alíu Baldé, seu primo. Cruzamos nossas vidas de novo no Simpósio de Guiledge, revivemos nossas estranhas aventuras em comum, apresentou-me seus amigos e companheiros de guerrilha e ficamos, por exigência dele, ermons.

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Nota de CV

Vd. último poste da série de 4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3401: Blogoterapia (70): Notícias da Tabanca Grande (Carlos Vinhal)

1 comentário:

Unknown disse...

Partilhamos o mesmo barco, tanto na ida como na vinda. Foram 6+6 dias qua andamos por ali. Agora na Tabanca de Matosinhos temos mais pachorra. Vem isto ao caso com o que escreves e é a verdade. Só queríamos deixar tudo para traz. Que ninguém nos falasse desses tempos. Mas nao sei se é da idade, mas aquela coisa tão nossa que se chama saudade, poe-nos com desejos e vontades, que nao se esgotam numa conversa entre duas sardinhas.
Um abraço