1. Mensagem do Luís Marcelino, membro da nossa Tabanca Grande, que foi capitão miliciano da CART 6250/72 (Mampatá), 1972/74), com data de 14 de Julho.
2. Para total compreensão da história que a seguir vou contar, especialmente para aqueles que nunca lidaram com armas de guerra, e especificamente com dilagramas, convém esclarecer o seguinte:
O Dilagrama M/965 é um conjunto composto por um dispositivo apropriado, para suportar/fixar uma granada de mão defensiva M/63, que, por sua vez, é atracado no cano de uma Espingarda Automática G3.
O dispositivo é disparado/propulsionado à distância - utilizando uma Espingarda Automática G3 -, e um cartucho propulsor apropriado (diferente de todos os outros).
As suas vantagens são:
- Um grande alcance (muito acima do que é conseguido manualmente pelo melhor, e mais forte dos combatentes).
- A consequente diminuição do perigo para as tropas amigas.
- Uma boa eficácia obtida (se o atirador bem o direccionar e colocar na zona ideal de impacto).
- A possibilidade de bater ângulos mortos, sendo possível o seu emprego contra tropas inimigas entrincheiradas e, ou, abrigadas.
3. Mais convém saber que, após o dispositivo ser atracado no cano da G3, e imediatamente antes de se executar o disparo, é necessariamente obrigatório descavilhar a granada (se não se realizar esta operação obviamente a granada é expelida mas não explode), para permitir que a alavanca, que imobiliza a espoleta, salte automaticamente devido à acção de fragmentação do retentor, durante a sua trajectória.
Para mais detalhes, consultem o seguinte sítio:
Camaradas, envio um segundo apontamento da CART 6250 a que atribuí o título:
OS UNIDOS DE MAMPATÁ (2)
Descuido fatal
Na Guiné, como é do conhecimento geral, o número de baixas foi muito elevado, devendo-se, na sua grande maioria, à actividade operacional que era muito intensa e perigosa. Contudo, algumas das baixas deveram-se a negligências e distracções.
Um exemplo destas, é o caso que vou descrever. Como ficou referido no primeiro apontamento, a CART 6250, partiu para a Guiné a 27 de Junho de 1972 e chegou a Bissau nesse mesmo dia, tendo rumado para Bolama afim de fazer o IAO.
Aquela instrução decorreu entre o dia 30 de Junho e 26 de Julho, sob a dependência do BART 6520 que havia chegado também a Bolama, para frequentar o mesmo período de instrução, antes de partir para a sua ZA.
Este período de instrução deu para, por um lado, fazer uma melhor adaptação ao clima e, por outro muito especialmente, para preparar de um modo mais eficaz todos os homens à dureza da missão que a todos esperava.
Entre as áreas de preparação que ali se realizou, a instrução de tiro foi merecedora de um realce particular, por forma a transmitir confiança e rigorosas noções de segurança, a todos os militares, na utilização da principal “ferramenta” que se colocava nas mãos de todos.
Um dos dias de instruções ocorreu em 10 de Julho de 1972. De acordo com o plano estabelecido, a Companhia seguiu para o local de tiro, em marcha, como era hábito.
Estava previsto, para aquele dia, que a instrução era o lançamento de dilagrama.
A instrução era ministrada pelo Oficial de tiro do BART6520.
Uma vez no local, a companhia posicionou-se a cerca de 10 metros, atrás do local onde estava o oficial de tiro, o atirador em exercício e o comandante da companhia. Na frente do local onde se procedia aos lançamentos e os militares estavam estacionados, havia um desnível de terreno e uma bolanha.
Depois do Oficial de tiro ter dado as instruções específicas sobre o tipo de engenho que se ia manusear, os procedimentos que deveriam ser adoptados e uma demonstração das atitudes a tomar, iniciou-se o treino individual.
A determinada altura, chegou a vez do Soldado Mata fazer o seu exercício. Posicionado junto do Oficial de tiro e do Comandante da Companhia, iniciou os procedimentos para o lançamento: introduziu a munição específica para dilagrama na culatra e o dispositivo dilagrama/granada no cano da G3, mas ao retirar a cavilha de segurança da granada, a alavanca desta saltou prematura e acidentalmente, por se ter partido o perno de segurança que deveria reter a alavanca (cuja função era impedia o accionamento da granada antes do lançamento).
Incompreensivelmente, o Alferes tentou repor a cavilha no sítio em vez de lançar a arma, com o dispositivo, para o buraco que havia à sua frente.
Vendo a eminência da explosão, só tive tempo de gritar para que todos se deitassem. No momento em que chegava ao chão, ouvi um estrondo! Naquele mesmo instante vi a meu lado o Oficial e o Soldado mortos. Houve apenas mais uns poucos soldados ligeiramente feridos por estilhaços.
Foram momentos dramáticos os que se viveram ali.
Mesmo assim, foi possível refrear os ânimos. Respeitosamente recolheram-se os corpos para um unimog e procedeu-se à sua escolta por toda a companhia até ao aquartelamento.
De realçar a dignidade com que todos os militares encarara este acontecimento, que mereceu uma referência elogiosa por parte do Comandante Chefe General António de Spínola.
Com cerca de 10 dias sobre a nossa chegada à Guiné e já este grande desaire nos marcava definitivamente.
Não foi fácil gerir no plano psicológico este desaire e demonstrar que aquele equipamento era seguro!
Foi necessária uma acção conjunta de todos, a começar pelos graduados, demonstrando-se que, a serem respeitadas as normas de segurança, nada havia a temer.
Esta terrível situação foi um aviso muito sério, que todos os militares acolheram com muito afinco e que terá servido de lição para todo a comissão.
Com um abraço do,
(Luís Marcelino)
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Nota de M.R.:
(*) Vd. também o anterior poste desta série em:
29 de Junho de 2009 > Giné 63/74 - P4604: Os Unidos de Mampatá, por Luís Marcelino, ex-Cap Mil (1): O novo imposto... de palhota!
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