Publicamos hoje a III parte do depoimento do brigadeiro Hélio Felgas. Selecção: minha e do Humberto Reis. Fonte: "Os últimos guerreiros do império" (Amadora: Erasmo 1995. 134-135)
Os ataques a campamentos do Inimigo (1)
Quando tínhamos notícia da existência de um acampamento de guerrilheiros, imediatamente se faziam os planos de assalto: chegar as proximidades do local antes do amanhecer; um pelotão a cercar pela direita; outro pela esquerda e o resto dos efectivos lançados em corrida pela picada da entrada.
Se o acampamento inimigo ficava longe do nosso aquartelamento, utilizávamos primeiro as viaturas dando uma volta enorme, para não alertarmos possíveis vigias. Depois, iniciava-se a marcha nocturna através de pântanos e bolanhas onde, inadvertidamente, um ou outro mergulhava. E como era difícil ajudá-los a emergir naquela escuridão, pesando cada homem mais de cem quilos, por causa do armamento e das munições!
A fila indiana prosseguia entre gritos estranhos de aves invisíveis (on seria o adversário a trocar sinais) e o colossal concerto das rãs subitamente interrompido pela nossa passagem.
A proximidade do acampamento era anunciada, em surdina, pelo guia. apesar de todos a sentirmos. O mato tornava-se mais denso fazendo desaparecer a picada e obrigando-nos, por vezes, a rastejar. De repente a corrida, o assalto, as granadas rebentando. Todos a dispararem e a procurarem entrar mais fundo naquele labirinto que chegava a atingir centenas de metros. Logo apareciam as primeiras barracas bem escondidas, as primeiras armas abandonadas. Todos tinham conseguido fugir, o que, apesar de normal, sempre causava alguma desilusão entre os nossos soldados.
Na Guiné não se podia deixar uma zona abandonada por muito tempo. 0 adversário considerava-a logo «zona libertada» do nosso domínio. Por isso, realizávamos operacões de longa duração, as temidas nomadizacões. em zonas que os guerrilheiros efectivamente controlavam.
Lembro-me de uma que comandei no Fifioli, região onde o rio Corubal desenha aquela enorme curva antes de se juntar ao Geba. Durante onze dias, sempre com temperaturas de 44 e 45 graus à sombra, palmilhamos dezenas de quilómetros, sob densas manchas florestais ou através daquelas descampadas bolanhas, umas vezes secas e duras, outras inundadas e lamacentas. A marcha prosseguia sempre em fila indiana, já com agua a escassear nos cantis. Era horrível a sede. Por fim, numa tabanca abandonada lá se descobriu alguma água, em condições duvidosas.
Ao longe, na linha do horizonte, avistavam-se vultos que pareciam seguir os nossos passes. E, nas zonas arborizadas, era evidente que alguém espreitava. Era uma sensação desagradável. Nem mesmo quando éramos emboscados, víamos quem nos atacava.
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(1) Vd. posts anteriores, de 25 de Novembro de 2005
Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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