segunda-feira, 6 de março de 2006

Guiné 63/74 - P594: A viúva do régulo Sambel de Contabane: um símbolo (Zé Teixeira)



Guiné-Bissau > Saltinho > 2005 > A mulher do régulo local. A que está a ordenhar a vaca é casada com o régulo de Sinchã Sambel, antigo milícia, filho do antigo régulo de Contabane.

© José Teixeira (2005)

Luís, saúde, paz e felicidade:

Muito feliz a tua ideia de colocares a foto da mulher do Régulo Sambel de Contabane (1) como referência, no excelente trabalho da Zélia sobre as Mulheres-Coragem.

De facto, esta mulher e seu marido muito sofreram com a guerra. A tabanca de Contabane foi atacada e incendiada em 22 de Junho de 1968, ficando destruída ao ponto de o pelotão da CCAÇ 2382 que lá se encontrava, ter regressado a Aldeia Formosa com a roupa que trazia no corpo. Tudo o resto foi queimado.

Seu filho, o actual Régulo de Sinchã Sambel, era à data soldado da milícia em Mampatá Forea, onde eu fui parar dias depois deste acontecimento. Este soldado da milícia é actualmente o Régulo de Sinchã Sambel, junto a Saltinho. Tive o prazer de conviver com a esposa deste em 2005. Ainda se recordava de mim, quando estive em Mampatá: era uma bajuda bem bonita.

Partilho inteiramente com as ideias da Zélia. Esposas e mães que por cá ficaram, basta olhar para as nossas mães. Quanto sofreram ! E as mães de lá, que firmavam na Tabanca. Seus filhos na tropa, na milícia, suas crianças na Tabanca, elas mesmas a sofrerem os ataques, tal como nós. Quantas casas incendiadas ou destruidas ! Quantas viram seus filhos, grandes e pequenos, morrerem com uma bala ou estilhaço assassino !

E as que estavam do outro lado ?!... E as que serviam de transportadoras de equipamento de guerra, as que trabalhavam clandestinamente nas bolanhas para que os combatentes tivessem que comer ?!... As suas crianças, como reagiam quando nós aparecíamos com a G3 em rajada a varrer ?!...
- Ou matas ou morres ! - diziam-te. Tantos inocentes de ambas as bandas, meu Deus ! Dois casos, apenas para reflectir.

Guiné > Mampatá > 1968> O 1º cabo enfermeiro Teixeira com a sua Maimuna.

© José Teixeira (2005)

A minha Maimuna (bebé que me acompanhava em Mampatá Forea, sentada no meu ombro -vd. O Meu Diário)(2): um dia depois do almoço, levei-a para o meu abrigo para tentar que dormisse um pouco, mas chorou tanto que a levei à mãe e perguntei o que se passava, pois nunca chorava e ... Disse-me a Ansaro (mãe):
- Se queres que ela durma, deita-te e põe a menina atrás de ti que ela adormece logo. - E assim aconteceu, muito agarradinha a mim, para meu espanto. Porquê ?

A mãe à noite quando ia dormir amarrava a Maimuna às costas tal como durante o dia a carregava, para que no caso de haver ataque, ao fugir, levasse a criança com ela.

Em Buba, uma mãe habitualmente dormia com a sua bebé amarrada às costas pelas mesmas razões. Num período em que estivemos cerca de um mês sem ataques à povoação - apenas atacavam as colunas e as equipas de construção da estrada de Buba para Aldeia Formosa -, fomos atacados às cinco da manhã.

Essa mãe, que descansada, não amarrou a si a criança, fugiu para o abrigo e na precipitação deixou a criança na Morança. Reagiu e voltou atrás para recuperar a bebé. Uma granada de morteiro caíu em cima da casa e atingiu a mãe com vários estilhaços, impedindo-a de entrar e recuperar a bebé. A Morança ardeu e a criança ficou carbonizada. A mãe, tratei-a eu dos ferimentos fisicos e chorei com ela a perda da sua bebé. Ainda hoje parece que sinto os seus gritos de desespero e a sua vontade de morrer.

Em sua memória fiz um poema. Foi a forma de extravazar a dor que senti.

Uma granada,
Vinda não sei de onde,
Lançada não sei por quem,
Rebentou...
E aquela criança,
Que brincava além...
A morte a levou...
Na areia brincava...
E sua mãe,
Que seus paninhos lavava,
Estremeceu.
Num triste pressentimento
Seu olhar volveu...
Um grito ! ( desmaiou)
No preciso momento
Em que seu filho morreu...

Zé Teixeira
_____________

Notas de L.G.

(1) Contabane: ficava na estrada entre o Saltinho e Quebo (Aldeia Formosa)

(2) Vd. post de 31 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDVI: Maimuna, uma história de amor (José Teixeira)

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