Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > 2005 > Um militar da CCAÇ 2381 - Os Maiorais na fase final da sua comissão (1969/70)
© José Teixeira (2006)
Luís:
A paz, a felicidade e o amor estejam contigo.
Junto a última parte do meu diário. Coisas muito pessoais ficaram do lado de cá. No entanto vão algumas partes reflexo de um ser que nunca deixou de pensar que talvez não tenham interesse em fazer passar no Blogue. Deixo ao teu critério.
Segue também um pequeno texto sobre o que está neste momento na berra: a sexualidade em tempo de guerra. É mais uma brasa para a fogueira que merece ser alimentada, pois muita coisa há a dizer.
Zé Teixeira
XVII Parte de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Recorde-se os principais passos do nosso camarada Zé:
"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional.
"Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968]." Aí a CCAÇ 23881 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.
"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico e emocional fomos enviados, a partir de [Maio de] 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão [até ao regresso em Maio de 1970]".
O Diário do Zé Teixeira começou a ser publicado no nosso blogue no dia 1 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDX: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (1): Buba, Julho de 1968
Empada, 19 de Setembro de 1969
Preciso de desabafar, de me abrir com alguém. Dentro de mim existe uma tremenda confusão. Quero fugir deste ambiente bélico, em que só se pensa na sobrevivência. Em que se mata para não morrer. Em que não se faz nada a não ser estar atento para ouvir uma possível saída de morteiro, que pode ser a nossa desgraça. Em que se parte ao desconhecido numa terra vermelha, estranha, inóspita, que esconde armadilhas fatais.
Sou inocente, nesta guerra que me recuso a fazer.
Procuro na solidão e no estudo, melhor na simples leitura, pois não consigo concentrar-me, as forças que me faltam, já que ninguém consegue compreender o meu estado de espírito. Também não encontro ninguém com quem possa conversar estas coisas. Ninharias, dirão.
Em cada dia que passa a confiança em mim mesmo vai-se abaixo enquanto sinto crescer dentro de mim um estado de espírito de revolta contra todos os homens que fomentam as guerras. Queria ir a Bissau fazer história mas não sou capaz.
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > 2005 > Restos de abrigos construídos nos antigos quartos dos furréis da CCAÇ 2381, aqui aquartelados em 1969.
© José Teixeira (2006)
Empada, 24 de Setembro de 1969
O IN ainda não decidiu deixar-me em paz. No dia 20 à noite apareceram por esta terra. Aliás, no dia dezoito também cá estiveram, mas foi de muito longe. Só notei porque o 81 funcionou, para que não se entusiasmassem. O ataque do dia 20 foi fraco, talvez o mais fraco ataque que sofri até à data e me fez correr para o abrigo. Poucas granadas rebentaram e caíram todas fora do arame. Também utilizaram a costureirinha, mas sem quaisquer efeitos.
Também fizeram duas visitas a Buba. Apenas assustaram.
Empada, 16 de Outubro de 1969
Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões s/r, enquanto do lado da pista fazia o desenvolvimento do assalto, procurando apanhar a tropa desprevenida.
Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que se as nossas forças saíssem as envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou. Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto.
Ao fazer-se o reconhecimento, foi encontrado um rádio, sinal de que o ataque foi bem comandado e o fogo controlado por sentinelas avançadas. Foram descobertas e desenterradas 180 granadas de canhão s/recuo. Foi também ouvido ruído de viaturas.
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > 2005 > Antigo abrigo de morteiro construído pela CCAÇ 2381, na fase final da sua comissão (1969/70)
© José Teixeira (2006)
Quando os Fuzas voltaram ao quartel, foram seguidos pelo IN que os atacou muito perto de Buba. Assim caíram entre dois fogos, o do IN e o de Buba que reagiu a um possível ataque sem saber que o fogo era destinado ao grupo de fuzas..
No dia anterior tinha havido uma coluna a Nhala ,onde apenas foi encontrada uma A/P com dispositivo anti-levantamento eléctrico que felizmente não funcionou por ter as pilhas gastas.
Nesta mina havia uma mensagem escrita: "Esta é para Alferes Gonçalves". Infelizmente este furriel (e não alferes) já está em Lisboa devido a um estilhaço que apanhou noutro ataque a Buba.
Há tempos apareceu aqui por Empada um turra. Deu várias informações e foi para Buba integrado no Grupo de fuzas, para fazer de guia. Parece que conseguiu fugir levando uma G3 (1).
Empada, 26 de Outubro de 1969
Vejo-te, nesta manhã radiosa, em que o sol parece sorrir enamorado. A brisa bate de leve no teu rosto, ciumenta do teu olhar. Os pássaros, nos seus chilreios cantam hinos de louvor à tua beleza. Até as pedras da rua se sentem orgulhosas por te servirem de trono.
Eu vejo-te passar através do meu espírito, do meu coração enamorado. Sinto ciúmes de tudo o que te rodeia, de tudo o que amas, pois é amor que me roubas. Quem me dera ter-te a meu lado e de mãos dadas, cabeça erguida, altivos, felizes e confiantes, palmilharmos o caminho da vida . . .
Ontem procedeu-se à rendição do Pelotão estacionado em Buba. Parece que Sector está em brasa. Durante um mês foram atacados sete vezes. Num ataque de tiro ao alvo, meteram nove canhoadas numa parede de caserna . . sem ninguém. Que sorte.
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Notas do autor:
(1) A história foi muito mal contada na altura pelos Fuzas. No meu regresso em fim de Comissão vinha também no Niassa um fuza que tinha sofrido um castigo e foi expulso da Guiné. Contou-me este, que o tal Turra não fugiu. Um dos Fuzas tinha perdido a G3 e era preciso justificá-la. Por outro lado as suas informações eram a causa para eventuais futuras acções de combate, com assaltos a bases do IN, o que era sempre arriscado. A solução foi amarrar o gajo e atirá-lo ao rio fazendo-o desaparecer e passando a informação que tinha conseguido fugir.
(2) Comentário do autor em 2006: "Este gajo estava mesmo apanhado"...
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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