Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Julho de 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael", depois de fortíssima ofensiva do PAIGC.
Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Jorge Canhão:
Camarada Luís Graça:
Boa tarde e os desejos que esteja tudo bem:
Sobre a minha foto em Gadamael, não sei a data certa mas sei que foi tirada entre 26 de Junho de 73 e 1 Julho do mesmo ano.Tenho aqui mais meia dúzia tiradas lá.
O período que estive com a 121 e 123 de Páras (2) foi de 25 de Junho de 1973 até 13 de Julho de 1973, data em que deixámos Gadamael com destino a Cacine.Foi nesse período que sofremos (a minha Companhia) o maior ataque do PAIGC, em tempo, e que durou entre 4 e 5 horas, tendo terminado após a 2ª intervenção dos Fiat G91 (3).
Foi a primeira vez que ouvi as anti-aéreas do PAIGC atacarem os aviões. Após a 2ª chegada dos Fiat e com as antiaéreas a dispararem, um dos aviões ficou a andar em círculo ,enquanto o outro picava, mesmo debaixo de fogo e bombardeava o inimigo de então. Após ouvirmos grandes explosões, o ataque cessou tendo nós ficado um pouco mais descansados.
Em todo o período que estive em Gadamael, não havia electricidade e a comida era escassa, pois não passava de um prato raso com uma camada de grão e 2 ou 3 rodelas de chouriço, com uma sopa (?) e um pedaço de fruta de lata.
Sobre a electricidade: eu, que era electricista naval na vida civil, e o furriel mecânico Louceiro, montámos o gerador e juntamente com outros camarada arranjámos os fios eléctricos para que o quartel pudesse ter energia, o que de facto aconteceu, mas foi sol de pouca dura (algumas horas) pois quem mandava no aquartelamento, mandou desligar,com o argumento que o PAIGC poderia com mais facilidade obter tiro mais certeiro....Como se eles não soubessem...Enfim, no comments.
Sobre a história do meu batalhão, já hoje fui fazer uma cópia do mesmo e verei qual a melhor maneira de vos fazer chegar, talvez pessoalmente seja o melhor.
Desde já os meus agradecimentos e abraços
Jorge Canhão
2. Comentário de L.G.: Aparece, no meu local de trabalho, em Lisboa, quando te der jeito (Telef. directo> 21 751 21 90)
____________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72
(2) Vd. post de 19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
(...) "2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael
"O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.
"De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era"
(...) "Regressámos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973".
(3) Vd. resenha biográfica do J. Casimiro Carvalho, ex-fur mil op especiais que pertencia à BCAV 8350, que abandonou Guileje em 22 de Maio de 1973 e se refugiou em Gadamael. Não há grande precisão nas datas, por parte do Casimiro Carvalho, no que diz respeito ao período em que esteve em Gadamael. Os páras chegam a 13 de Junho e regressam a Bissau a 17 de Julho. O grande ataque de 2 de Julho acontece, pois, nesse período, mas o Casimiro Carvalho descreveu-nos sobertudo o que se passou um mês antes, no princípio de Junho (4).
Vd. post de 25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
(4) O jornalista do Público, Álvaro Dâmaso (Público, edição nº 5571, de 26 de Junho de 2005), já reconstituiu o filme dos acontecimentos da ofensiva do PAIGC, contra Gadamael, de finais de Maio/princípios de Junho de 1973. Vd. post de 15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
31 de Maio de 1973
(i) Meio dia. O Coronel Ferreira da Silva acaba de poisar em Gadamael depois de uma nomeação relâmpago para a chefia do Comando Operacional 5 (COP5). (Tinha começadao a sua comissão na Guiné em Dezembro de 1971, nos Comandos Africanos, e alguns meses depois foi ferido com gravidade. Evacuado para Lisboa, onde convalesceu, regressou à Guiné a seu pedido em Janeiro de 1973 e foi colocado em Bolama a comandar uma companhia de instrução).
(ii) 15h. Depois de um breve contacto com os dois comandantes de companhia ali presentes, por volta das 15.00 começaram as flagelações com mísseis, morteiros e canhões sem recuo. Nesse dia há um morto e um ferido.
1 de Junho de 1973
(iii) Amanhecer.Começa o mais crítico de todos os dias da batalha de Gadamael. As granadas dos morteiros 120 eram disparadas a um ritmo de 18 de três em três minutos.
(iv) Logo pelas dez da manhã uma granada acaba com o pelotão de artilharia. Três mortos e 11 feridos deixam o pelotão inoperacional. Gadamael fica reduzido ao morteiro 81 que não tinha alcance suficiente. (Momentos antes tinha aterrado no quartel um helicóptero que transportava o general Spínola mas este teve de ser empurrado para dentro do aparelho, que levantou voo de imediato. O silvo das granadas a sair foi ouvido no quartel e os rebentamentos ocorreram no ponto de aterragem do helicóptero).
(v) Ao princípio da tarde uma granada destrói o posto de rádio e fere os dois comandantes de companhia, incluindo o Cap Quintas, do BCAV 8350.
(vi) Ao pôr do sol, contabilizam-se 8 mortos e 27 feridos. (As evacuações dos feridos por barco torna-se difíceis devido ao fogo intenso do PAIGC). Ferreira da Silva resiste com um punhado de homens ao avanço do PAIGC sobre Gadamael. Sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem médico, sem posto de rádio e com poucas munições.Num cenário de desespero e com poucos abrigos os soldados começam a andar junto às valas de defesa até à tabanca que fica próxima e não está a ser atacada. O furriel Carvalho, do morteiro 81, está sem granadas. O 1º cabo escriturário Raposo, açoriano, enfia-se numa Berliet (conduzida pelo Carvalho, diz este) e vai buscar munições debaixo de fogo intenso.
(vii) Noite. Resiste-se comn um morteiro 81 e uma metralhadora.
2 de Junho de 1973
(viii) Uma parte significativa dos militares que tinha fugido para a tabanca, desloca-se com a população para junto do rio Cacine.
Dias seguintes
(ix) Nos dias seguintes a situação melhora mas só num dia há seis mortos entre os paraquedistas que entretanto tinham chegado. O comando foi assumido pelo oficial Manuel Monge. Ferreira da Silva passa a adjunto de Monge.
Página do Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 12 pode ler-se:
A 2 de Junho as CCP 122 e CCP 123 são enviadas para Gadamael, seguindo-se no dia 13 a CCP 121. O próprio comandante do BCP 12, Tenente-Coronel Araújo e Sá tinha assumido o comando das forças que com a guarnição do Exército constituiram o COP 5. A posição de Gadamael Porto é organizada defensivamente com abrigos, trincheiras e espaldões, simultaneamente são desencadeadas acções ofensivas sobre os guerrilheiros. A resistência e a determinação das Tropas Pára-quedistas acabaram por surtir efeito e o ímpeto inimigo foi quebrado - Gadamael Porto não caiu. A 7 de Julho as CCP 121 e 122 regressam a Bissau e a 17 é a vez da CCP 123, a operação DINOSSAURO PRETO tinha terminado.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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2 comentários:
Comeco por pedir as minhas desculpas pelo facto de nao utilizar sinais gráficos. Acontece que estou neste momento provisòriamente na Alemanha e o computador de que disponho tem teclado alemao nao reconhecendo assim parte dos referidos sinais.
Por obra do acaso, deparei hoje com alguns blogues sobre os acontecimentos ocorridos em Guileje e Gadamael no período de 1972 a 1974. Porque na oportunidade desempenhava funcoes de furriel miliciano afecto à Unidade de Artilharia localizada em Guileje inicialmente e posteriormente retirada para Gadamael (após o abandono do primeiro daqueles aquartelamentos) tomei parte nos referidos acontecimentos. Embora a minha memória tenha hoje alguns hiatos que a passagem do tempo provocou, a documentacao que li parece-me correcta na substancia, embora com algumas imprecisoes de pormenor. Em Guileje, parece-me que o pelotao de artilharia era constituído por 3 seccoes, cada uma delas sob a chefia directa de um furriel (recordo o furriel Araujo de Braga e o furriel Queirós, meus contemporaneos sendo que o Araújo foi posteriormente rendido, salvo erro pelo furriel Santos de S. Joao da Madeira) e comandadas por um alferes posteriormente substituído por outro. Tenho aínda na minha mente a "foto mental" de ambos, embora lamentàvelmente me nao recorde já dos seus nomes. Este pelotao de artilharia retirou na totalidade para Gadamael quando foi dada ordem de abandono do aquartelamento de Guileje. Para além dos graduados e oficial acima referidos, retiraram aínda os cabos e pracas (estes últimos naturais da Guiné). Em Gadamael a artilharia passou efectivamente muito maus bocados mas nao ficou totalmente inoperacional, tanto quanto me recordo. O seu alferes teve aliás um comportamento de bravura pois foi ferido e continuou a desempenhar as sua funcoes, embora numa situacao bastante precária. Também a Companhia que foi envolvida nestes dramáticos acontecimentos nao foi a dos Gringos (acoreanos); na verdade, esta Companhia tinha já terminado a respectiva Comissao de servico e tinha sido susbtituída por uma Companhia do Continente. Foi já pois no tempo desta que o teatro de guerra alastrou e se complicou e foi nesta altura que tivemos que abandonar o aquartelamento de Guileje de conformidade com o relato que é feito e que coincide no essencial com o que se passou. Já agora poderia acrescentar que uma parte dos militares que se deslocaram para Gadamael acabaram por abandonar também este aquartelamento acompanhados de parte da populacao. Porém uma parte dos militares conseguiu aguentar este aquartelamento até à chegada de reforcos que entretanto para ali foram enviados. Alguns oficiais, sargentos e pracas (acompanhados de parte da populacao) -nos quais me incluí-, iniciaram uma retirada para Cacine que foi efectuada debaixo de fogo e que se processou em botes dos fuzileiros. Já agora poderei acrescentar que a evacuacao nao foi totalmente conseguida nesse dia porque entretanto as operacoes de resgate foram suspensas por ter comecado a anoitecer. Curiosamente nao ficou junto da populacao nenhum oficial, mas apenas dois furrieis (eu e outro camarada de armas) que com a populacao lográmos atravessar para o outro lado do rio (após a maré ter baixado)e ali tivemos que com muito custo conter a populacao em silencio para nao sermos detectados pelo PAIGC. Esta tarefa foi dramática já que connosco estavam muitas criancas que pela sua natureza sao habitualmente ruidosas. Passámos ali a noite até conseguirmos ser evacuados no dia seguinte. Essa experiencia foi traumatizante porquanto assistimos a cenas dramáticas com muita gente a precipitar-se para o rio e para o tentar atravessar a nado antes que a maré permitisse o seu atravessamento quase total a pé.Dessa precipitacao resultaram mortes por afogamento pois a corrente aínda forte arrastou alguns. Eu próprio iniciei a travessia antes de se ter completado o vazamento da maré e porque nao era um nadador exímio e por outro lado com o peso das botas e da G3 e a forca da corrente, tive que a meio da travessia me desembaracar da minha arma (foi para o fundo do rio)para nao morrer afogado. E fiquei a dever a minha vida a um milícia guineense que no na outra margem do rio -e a partir do lodo onde se encontrava e para onde eu pretendia arrastar-me- me estendeu a coronha da sua arma a que eu num esforco titanico consegui agarrar-me. Fiuqei a dever-lhe a minha vida e no meio da confusao e do caos sem saber a quem concretamente (aínda hoje...).Também poderei acrescentar que houve lamentàvelmente algumas situacoes obscuras, como um helicóptero (recordo-me de um pelo menos) que nos sobrevoou quando já estávamos a bordo de um bote retirando para Cacine e que ameacou disparar sobre nós se nao regresássemos de imediato ao aquartelamento de Gadamael. Quando chegámos a Gadamael, fui avisado pelo Faustino (Furriel de quem era amigo, pertencente à Companhia) de que o General Spínola se havia ali deslocado e ameacado com Conselho de Guerra quem nao regressasse de imediato a Gadamael. No dia seguinte quando acordei soube que o Faustino pressionado pela ameaca havia regressado. Morreu ao fim da tarde desse dia vitimado por um estilhaco que lhe entrou pelas costas! Já agora e para terminar, gostaria de referir que as informacoes que circulavam era que a precisao de tiro do PAIGC quer para dentro do aquartelamento de Guileje quer para o de Gadamael devia a sua eficácia a uma suposta bateria de cubanos. Por a minha substituicao (comummente designada por rendicao)se ter processado em regime de rotacao individual nao consegui localizar nunca antigos camaradas de armas (quer afectos ao pelotao de artilharia quer às Companhias -duas- com quem estive: à dos Gringos e à que se lhe seguiu, com a última das quais partilhei estes dramáticos acontecimentos que tantas vidas custaram. Ao fim de alguns dias voltei a ser deslocado para Gadamael numa altura em que a situacao continuava perigosa mas já mais controlada. O único que consegui contactar algumas vezes foi o furriel Queirós que entretanto ingressou na "Lusalite" em Lisboa onde o visitei aínda algumas vezes. Porém essa unidade encerrou e nunca mais o vi. Gostaria de reencontrar todos esses Camaradas. Um abraco. Paiva
A companhia que esteve nessa altura era a C.CAÇ 4743 contituida na maioria por açorianos, OS MENINOS DE GADAMAEL,da qual eu Rogé Guerreiro Op.cripto fazia parte.
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