quinta-feira, 19 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1973: Gandembel/Ponte Balana: homenagem aos bravos combatentes de um lado e doutro (Idálio Reis)




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Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > No comments! (As grandes fotografias dispensam legendas)

Foto: © Idálio Reis (2007). (Editada por L.G.). Direitos reservados.

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.

1. Mensagem do Idálio Reis, com data de 9 de Julho de 2007:


Meu caro Luís,

As palavras encomiásticas que me endereçaste, causaram-me um profundo embevecimento enternecedor, que o devo partilhar com os companheiros da Tertúlia, em que tenho de encimar o José Teixeira, que foi quem me estimulou a entrar adentro da nossa Caserna.

Propus-lhe então intentar narrar o historial da minha Companhia (1) e o inverosímil cerco que foi o nosso pouso em mais de metade da comissão - Gandembel/Ponte Balana.

Embora os elementos oficiais que o País fez arquivar, sejam penosamente tão exíguos, procurei dar às palavras o sentido devido, que melhor pudessem reflectir um mundo de vivências inusitadas, e esses ecos do passado jamais poderiam ter uma tão distinta e nobre difusão, que não fosse o sítio apropriado, que tu Luís, num lampejo de homem-bom, em boa hora ousaste criar.

Eu tão-só participei com um capítulo de um volumoso e reactivo livro, editado de forma inexcedível, exemplar. Um parco tributo para um exemplar único.

E só assim, essa relevância comum em que (sobre)vivemos já não pode cair no olvido. A gesta de Gandembel/Ponte Balana é um marco de soturnos contornos na evocação da guerra colonial travada na Guiné, naquele período, e tentar sequer minimizá-la seria de uma negligência lesiva, provocatória. O votar ao esquecimento é ignóbil vilipêndio.

Como testemunha privilegiada, reconheci que deveria fazer algo para recuperar o que inexoravelmente a voragem dos tempos iria sumir. E aí está o meu singelo contributo, modesto é certo, mas contextualizado num acrisolado apego aos que comigo tiveram que atravessar essa tormentosa odisseia.

Para que tal fosse possível, acompanhei em permanência todos os dias da Companhia, já que não me foi dada oportunidade para uma mínima folga. Por felicidade, não fui ferido, nem sofri de qualquer maleita de agravo que impossibilitasse a minha presença. Até me aconteceu ser objecto de ultraje ao ser punido com 8 dias de prisão simples, que continuam por cumprir, mas que me impediram de gozar férias. Talvez tivesse sido então um dos oficiais do Exército com um castigo mais pesado, de uma perversa injustiça, e que até hoje não consigo perdoar. Porventura, as vicissitudes de uma guerra forte com comando fraco.

Estive lá, sempre, e isso será uma das minhas glórias pessoais, que julgo ter sabido partilhar com os demais elementos da Companhia. Tanto esforço para vã glória.

Caro Luís, envolve-se-me um frémito de emoção, quando propões a colocação de um ramo de flores a fim de perpetuar todos os heróicos combatentes dos dois contendores.

O Pepito vai-me enviando algumas fotos mais recentes. E já lhe frisei, que gostaria de estar presente em Guileje, com uma ida a Gandembel e Ponte Balana. E, se física e psiquicamente andar bem, lá estarei.


E muito certamente, as sombras do passado já longínquo continuem ainda à minha espera, no encanto remansoso das águas do Balana. E a doce melopeia que então entoei, continue maviosamente, em sussurro dolente e canoro, a distinguir-se na sonoridade da floresta, no alvor da madrugada.

Um apertado abraço, extensivo a toda a Tertúlia, do Idálio Reis.

2. Comentário:

Idálio, além de um grande escritor, és também um bom fotógrafo! Não falo do resto, como ser humano, como oficial miliciano, como camarada... A imagem que tu me mandaste, e que eu editei, é já quanto a mim uma das fotos-ícones da guerra da Guiné. Tem uma tremenda força dramática! Está lá tudo: o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Balana, também tinha alma de poeta e sabia transformar a pá do trolha em viola de baladeiro, ou guitarra de fadista! Não sei se és tu, se é outro camarada da tua companhia ou do teu grupo de combate... Mas estamos lá todos nesta fotografia de um camarada, sózinho, no palco da guerra, no cu do mundo, enrodilhado num manta, dedilhando a sua viola ou a sua guitarra e cantando para um público imaginário as suas alegrias, as suas tristezas, a sua coragem, a sua solidão, as suas esperança, os seus medos, os seus ssonhos... Imagino-o no meio de um dos 372 ataques e flagelações a que vocês foram submetidos, entre 8 de Abril de 1968 até 28 de Janeiro de 1969, os nove meses em que, em tempo-recorde, construiram um aquartelamento, defenderam-no e receberam ordens para o abandonar!...
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. dois últimos posts:

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis): 28 de Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

3 comentários:

Unknown disse...

Luís, se fosse noutro local diria que estávamos perante mais uma bela "peça de arquitectura", tanto o texto do Idálio como o teu comentário, mas como não é o caso, comento apenas que o blogue está cada vez melhor.
Há que incentivar o hábito de fazermos os comentários sobre os artigos, assim isto ainda será mais vivo.

Mário disse...

Completamente de acordo com o Helder quanto aos comentários, mas com as nossas normas deontológicas.
Quanto à foto do Idálio, simplesmente maravilhosa. Esta foto define o Princípio e o Fim. Para juntar o meu agradecimento aos comentários, permitam-me só a transcrição da estrofe 29 do Canto IV do mais ilustre Português (para mim):
Quantos rostos ali se vem sem cor/
Que ao coração acode o sangue amigo/
Que, nos perigos grandes, o temor/
É maior muitas vezes que o perigo./
E se o não é, parece-o, que o furor/
De ofender ou vencer o duro imigo/
Faz não sentir que é perda grande e rara/
Dos membros corporais, da vida cara.

Para o Idálio , poeta!... escritor!... um grande louvor pela forma como definio em grandes palavras uma foto que merece ser, não só divulgada, mas existir como um símbolo do Heróico soldado Português, demonstrando o seu valor, ao transformar em arma canto e lenda, o objeto que depois do trabalho, se transformará em instrumento musical, com o seu tom cavo, sobre a sua urna.
Que esta foto se não perca, antes pelo contrário sirva de exemplo, aos que nunca reconheceram o valor do soldado Português
Mário Fitas

Unknown disse...

Olá pessoal, um abraço para todos vocês.
Eu bem que gostaria de dizer algumas coisitas para o espaço, mas nunca consigo, pois algo me trava.
No caso presente, que podemos dizer sobre a foto e a sua mensagem ?
À primeira vista, parece uma brincadeira. Maluqueiras da juventude. Mas só quem lá esteve sabe o como e o porquê.
Por isso, eu olho o que vocês escrevem e publicam em foto e me deixo levar com uma lágrima ao canto do olho e ainda não apanhei coragem para sair daqui.
Jorge Teixeira