sexta-feira, 20 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Mataste uma mulher, branco assassino!

Guiné > c. 1968 > Bilhete postal > No verso lê-se: " Guiné Portuguesa > Bilhete postal > 103 - Folclore. Edição exclusiva das Galerias Jota Éme para a Casa Gouvêa. Reprodução Proibida". (Cortesia de Cristina Allen: faz parte de uma colecção de postais ilustrados da Guiné, enviados pelo seu então noivo e futuro marido, Mário Beja Santos).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados


Mensagem do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Caro Luis, aqui vai o episódio da semana passada. Tudo farei para recuperar o atraso e manter o stock de segurança em três episódios. Pelas minhas contas, o próximo será provisoriamente o último do primeiro volume. Conto que tu faças o milagre de encontar ilustrações, não tenho propostas. O Queta vem cá em breve para tirar as fotografias que tu reclamas, muito justamente. Recebe um abraço do Mário.


56º episódio da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Texto enviado a 11 de Julho de 2007 (1). Substítulos do autor e do editor.

Mataste uma mulher, branco assassino!

por Beja Santos


(i) Trabalhos e aflições em Finete

Em 1 de Agosto [de 1969], parto para Finete acompanhado de uma dúzia de colaboradores. Assentara com o Casanova e com o Pires o que havia a fazer em Missirá nesta primeira semana do mês, sendo que as idas a Mato de Cão nos seriam sempre comunicadas em Finete, para onde se deslocaria um contigente de 15 homens, respectivamente com morteiro 60, dilagramas e bazuca, e que aqui seria reforçado com milícias, e eu assumiria, sempre que possivel, o comando.

Continuávamos a ter muitos doentes, militares e civis, quase todos os dias o David Payne [, o médico do BCAÇ 2852, em Bambadinca,] atendia sofredores de malária e múltiplos vírus. Levei rações de combate, colchões, mosquiteiros, o indispensável Lion Brand para afugentar a bicharada, algum material de engenharia para apoiar as obras em curso, e, a despeito dos vendavais e novas enxurradas de água, sempre dentro do ciclo "chove agora copiosamente, daqui a um bocado faz sol, troveja depois", recordo um tempo magnífico, patrulhamentos à volta de Boa Esperança, travessia até Canturé e descida até à bolanha de Gambana. Ao fim da tarde do primeiro dia, encontrámos marcas de sandálias de plástico em trilhos que ligavam Gambana até Malandim. Que desaforo! As gentes de Madina passeava-se mesmo junto a Finete.

A 2 [de Agosto], conferi carga de material enquanto os cabos Benjamim Costa, Dominigos Silva, Alcino Barbosa e António Queirós ajudaram nas obras do novo balneário e de um abrigo reforçado, no alto do morro, com uma posição estratégica para os acessos de Malandim. É nessa tarde que escrevo à Cristina:

"Faz agora exactamente um ano que recebi uma guia de marcha para seguir para Bambadinca. Cheguei a 3 de manhã ao cais de Bissau, foi uma longa viagem que acabou ao anoitecer no cais de Bambadica. Eu era o periquito de Missirá. Na tarde do dia seguinte, há-de aparecer o Saiegh acompanhado de Mamadu Camará e Campino, todos me olham como curiosa novidade. Nunca mais esqueci o olhar do Saiegh, dois carvões iluminados, azeitonas brilhantes que não iludiam um grande ressentimento, como vim a comprovar. Nesse dia, em Missirá, a gente da Madina deixou na fonte panfletos a convidarem os colonialistas a desertar; nessa mesma manhã, Uam Sambu, também não muito longe da fonte de Cancumba, viu o seu peito estilhaçado por uma granada mal armadilhada.

"Será uma noite muito difícil, esta primeira noite em Missirá: oiço uma língua que mal percebo, parece um português arcaico entremeado com diferentes linguajares, o que não estava longe da verdade. Choro mansinho dentro do meu mosquiteiro, num abrigo onde se ouve o tossir áspero do rádio de transmissões para onde o Teixeira de vez em quando se dirige. Estou a dimensionar uma pavorosa solidão, depois de ter visto alguns despojos macabros que o Saiegh guardava em frascos. Desculpa as longas descrições, os pormenores entediantes, os sustos que te dei. Sei que sofreste muito com as minhas cartas, com os meus mortos e feridos, as flagelações. Desculpa tudo, estou certo que Deus assim andou connosco, e nos deu força".


(ii) A emboscada em Malandim


E portanto a 3 de Agosto vamos emboscar em Malandim, vamos mostrar a quem se abastece em Mero e Santa Helena que não estamos impassíveis ao descaro. Trabalhou-se até cerca das 5 da tarde, escolhi um grupo de quinze homens, cuidadosamente, com o auxílio do Benjamim Costa e do Domingos Silva expliquei como íamos actuar: ficaríamos em linha numa clareira, muito perto do mato denso que vem da destilaria de aguardente abandonada da fazenda de Malandim; ficaria no meio rodeado do Tcherno e de Mamadu Djau; ninguém dispararia a não ser à minha ordem, e a haver uma retirada viríamos pelo trilho até Finete, deixando os sentinelas de sobreaviso quanto a essa emergência.

Levara para Finete alguns livros, tais como A vida de Charlot, por Georges Sadoul, um volume com as aventuras Sherlock Holmes, um belo livro polícial de Ellery Queen, um romance que mal iniciei de Truman Capote e estava a meio de um policial de Erle Stanley Gardner, O caso do pato afogado. Este último, envolto num plástico, acompanha-me até à enboscada de Malandim.

Estamos devidamente posicionados quando a repentina noite tropical caíu sobre nós. Aqui e ali ainda se ouve um cantil que vai à boca, um mastigar de comida, um pedaço de cola que ajuda a passar o tempo e quebra a secura. Penso mais no dia de amanhã que no de hoje, amanhã quero levar as folhas dos vencimentos a Bambadica, procurar trazer arroz, encomendar comida para a nossa messe em Missirá, ver se já chegaram alguns cunhetes para suprir as munições desaparecidas na noite de 15 de Julho.


(iii) A histérica reacção do Cabo Costa


A 5 de Agosto vou escrever à Cristina:

"Não podes imaginar a dor com que te escrevo, estou chocado e não sei conter a amargura que me trespassa a alma. Tens que me ouvir. Montei uma emboscada na noite de 3 perto de Finete, onde estive até ontem. Aguardávamos com ânimo elevado a borrasca dos céus e o desfiar das horas, até alta madrugada. Eu estava estirado na pequena picada que conduz às ruínas da fazenda de Malandim. Silêncio sem o piar das aves até que, passava das 7, não estávamos ali há mais de uma hora, oiço o brado do Mamadu Camará que passa como um chicote pelas minhas costas: alto, alto já! rodopio, há um vulto que avança para mim, é um manto que me parece esverdeado que vacila diante de mim, não sei se vem armado, crivo-o de balas, oiço um suspiro breve, é como se uma massa mole que me cai nos braços.

"Estala o pânico, ouvem-se passos em fuga, é naturalmente o grupo que se reabastecera em Mero que parte em fuga. Acometido por uma violenta histeria, o cabo Costa pragueja e insulta-me: matou uma mulher, és um branco assassino. Uns procuram dominar o dementado, outros querem caçar os fugitivos, é uma desordem geral com a berraria do cabo Costa que continuava a vociferar e a insultar-me.

"Coisa curiosa, estou sereno, ordeno a retirada para Finete, aqui peço ao Bacari para ir buscar o corpo e os despojos, informo que vamos todos seguir para Bambadinca, sei e sinto que é necessário cortar pela raiz este sinal de insubordinação. Os quilómetros enlameados que levo até Bambadinca dão para pensar no que devo ao Benjamim Lopes da Costa, seguramente o mais culto dos meus cabos, sempre prestável, militar aprumado a quem reconheço a qualidade da solicitude e o valor da lealdade. Mas não se pode passar uma esponja sobre o que aconteceu".


(iv) Uma conversa surreal com o meu comandante, na presença dos meus homens

Atravessado o Geba, parece que corremos até à rampa de Bambadinca, em segundos alcanço a messe de oficiais onde Jovelino Pamplona Corte Real joga bridge. Cá fora fica o grupo acompanhante, tudo gente que presenciou os acontecimentos de Malandim.

Uma conversa quase extraordinária com o Comandante do BCAÇ 2852:

- O que o traz aqui a estas horas?

- Meu Comandante, fizemos uma emboscada perto de Finete, surpreendemos um grupo que ia para Madina, matei um dos elementos, um dos meus cabos perdeu a cabeça e insultou-me, chamando-me "branco assassino". É indispensável que se reponha a ordem. Tem que ficar aqui preso. É a si que compete dar voz de prisão.

- Homem, nem pensar. Na guerra, não se prende toda a gente só porque se perde a cabeça. Fale-lhe a bem, obrigue-o a pedir desculpa, vai ver que não houve insubordinação nenhuma.

- Meu comandante, mantenho com todos os militares em Missirá e Finete uma relação de autoridade e estima que não posso nem quero perder. Não vou agora fazer um relatório com este episódio aldrabado. Não pudemos capturar o inimigo por este desrespeito, este acto insensato que estragou o patrulhameto ofensivo. Os meus soldados nunca entenderiam ter-se feito silêncio sobre este acontecimento. Aliás, não aceito desculpas aos soldados que adormecem no posto, nunca deixo passar em branco as tentativas àqueles que querem pagar reforços para fugir ao serviço. O cabo Costa ou é punido ou eu não volto para Missirá.

- Acalme-se, vamos para o meu gabinete.
E fomos, eu fiz sinal para que todos viessem atrás de nós. Entrei a seguir ao comandante no seu gabinete, a luz acendeu-se, ele sentou-se e voltou a propor-me um exercício de cortesia.

- Veja se serena. Quando se é implacável em excesso, corre-se o risco de perder o verdadeiro respeito que a tropa nos deve ter. O melhor é o cabo ficar aqui, eu converso com ele, eu trago-o à razão.

- Não, meu comandante. O cabo Costa chamou-me branco assassino na presença de todos os camaradas. Sei que é um excesso, conheço as suas qualidades, mas vida militar faz-se de exemplos. Ou ele entra na prisão à sua ordem, ou eu informo os meus soldados que a partir de hoje não os comando. E juro-lhe que não voltarei ao Cuor se não se fizer justiça pelas suas mãos. Asseguro-lhe que não volto atrás.

O comandante olha-me intensamente, o tempo suficiente para perceber que era escusado tentar demover-me. Não estou em pânico nem exaltado, a dor que me atravessa não é reparável por qualquer voz de prisão.

- Bom, vou mandá-lo prender, ele fica à minha custódia. Depois vejo o número de dias de prisão que lhe vou dar.

- Desculpe, o meu comandante vai mandá-lo conduzir para a prisão na nossa presença. Os meus soldados precisam de ver com os seus olhos quem faz justiça, quem castiga a insubordinação.


(v) Oito dias de prisão disciplinar para o Cabo Costa


Levantando-se a custo, como se deslocasse todo o peso do seu corpo e da sua decisão, Jovelino Pamplona Corte Real chama o oficial de dia. Quando este chega, ordena-lhe que conduza o cabo Costa para a prisão, que era qualquer coisa como um galinheiro ali em frente. Apercebendo-se do que estava a acontecer, o Benjamim procurou justificar-se. Insensível a qualquer pedido de reparação, perfilei-me e informei que ia partir imediatamente para Finete.




Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Teor da punição dada ao 1º Cabo Benjamim da Costa Lopes, do Pel Caç Nat 52, pelo Cmdt do BCAÇ 2852, Ten Cor Pamplona Corte Real:


"Puno com a pena de 8 (oito) dias de prisão disciplinar, o 1º Cabo nº 82535864 - BENJAMIM LOPES DA COSTA, do Pel Caç Nat 52, por no passado dia 03 de Agosto cerca das 19H00, no decurso de emboscada na estrada FINETE-MALANDIN, perante uma atitude legítima do seu Comandante de Pelotão, dirigiu-se-lhe em tom e termos denotando falta de respeito, seguindo-se-lhe uma crise de nervos e de choro, facto este que inibiu ser adoptada uma medida de perseguição imediata a um grupo IN que se revelara, sobre o qual momentos antes o Comandante do Pelotão tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos.


"Não é mais rigorosamente punido atendendo-se ao seu bom nível operacionmal bem c0mo uma razoável capacidade de colaboração já demonstrada em outras ocasiões, além das desculpas que pouco depois apresentou, alegando o seu temperamento nervoso e emotiona

"Infringiu o dever nº 2 do artº 4º do R.D.M."

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).


Não falo com ninguém, nem durante a viagem nem depois. Mais tarde, frente a toda a tropa formada na parada de Missirá, leu-se a ordem de serviço com a punição: 8 dias de prisão disciplinar por se ter dirigido ao seu comandante em tom e termos denotando falta de respeito, atitude que impediu a perseguição imediata de um grupo inimigo, porque o seu comandante tinha aberto fogo e abatido um dos seus elementos. E não era mais rigorosamente punido devido às suas qualidades e capacidades de coloboração.

Aquela noite mudara a minha vida. Continuo a adoecer no corpo e na alma. Tenho farfalhada e expectoração, líquen no dorso, sinto tonturas, perdi o apetite, isolo-me. O major de operações continua a exigir-nos emboscadas todos os dias, até de madrugada, nos arredores de Missirá e Finete. Já não consigo inventar efectivos para tanto patrulhamento e emboscada.

E a 4 de Agosto recebo a nota de punição em que os meus 2 dias de prisão simples, após recurso, são mantidos por "tendo-lhe sido chamado à atenção para as deficientes condições de defesa e limpeza existentes no seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas". Acabou-se o sonho de ir a férias, tenho que repensar o que fazer sobre os propósitos do casamento, estou abrasado pelo sofrimento, não sei o que hei-de pensar daquela acusação de "branco assassino".

Vou reagir da nota de punição e peço licença para me dirigir ao Concelho Superior de Justiça e Disciplina do Exército. Sinto-me ofendido por ter dedicado muito interesse ao meu aquartelamento e não aceitar à acusação de que não dediquei o máximo do meu interesse. Pretendo saber o que significa o máximo do interesse, não sei se de uma perspectiva filosófica, religiosa, moral ou militar...


(vi) As minhas leituras, os sinais de futuro


Os mosquitos atenazam, estão mais furiosos nestas noites da época das chuvas, não há Lion Brand que os fulmine. Só verei perseguição idêntica quando formos para aquele buraco infecto que eram as instalações na ponte do rio Udunduma. Ler é um refúgio, depois de escrever nada mais, naquele tempo, me embevece tanto e fortifica a alma. Leio descomprometidamente as histórias do Sherlock Holmes com títulos que nunca mais esquecerei: a Liga dos Cabeças Vermelhas, o Mistério do Vale de Boscombe, a Tiara de Berilos... a dedução, a sagacidade desse senhor de Baker Street 220 empolga-me, revitaliza-me a curiosidada.


Leio de trás para a frente e de frente para trás a vida Charlot. Georges Sadoul escreveu uma biografia brilhante desse génio a quem o cinema deve alguma das suas páginas mais gloriosas: a infância díficil num bairro pobre de Londres; a sua entrada no music-hall e depois na pantomina; depois o teatro e a comédia; os primeiros êxitos nos Estados Unidos e a chegada ao cinema; os grandes filmes a começar por "O garoto de Charlot", "Dia de pagamento", "A quimera do ouro", "O Circo", "Tempos Modernos", "O Ditador", "Monsieur Verdoux", "Luzes da ribalta"; as suas lutas e os seus anseios, a força do desengonçado Charlot e a sua mensagem de paz. Eu lia e relembrava as obras primas que me delíciaram, em vários ciclos que vi dedicados a Chaplin em cineclubes.

Capa do livro de G. Sadoul, A vida de Charlot. Lisboa: Portugália Editora. s/d. (Colecção Livro de Bolso, 26/27).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).


O mistério da laranja chinesa de Ellery Queen é um policial histórico, inesquecível. Data de 1934, marca claramente uma ruptura com o policial de aventuras, introduz o enigma e a sua decifração. Neste caso, alguem um milionário coleccionador, aparece assassinado num gabinete fechado, tudo remexido, virado do avesso. Ellery, no grande final, convoca todos os possíveis suspeitos e desmonta a charada com a sua dedução brilhante. Não menos importante que o conteúdo é a magistral capa do Cândido da Costa Pinto para este nº 32 da Colecção Vampiro.




Cópia da capa do romance policila de Ellery Queen, O Mistério da Laranja Chinbesa. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecxção Vampiro, 32). Capa de Cândido da Costa Pinto


Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007).



Este Agosto vai ser um mês duríssimo: o meu esgotamento não se pode resolver, a penúria de meios não pára de aumentar. Como um castigo, à cada vez mais patrulhamentos em Mato de Cão, parece que a guerra se intensifica, de manhã ou à tarde aceno a barcos carregados de jovens fardados de fresco. Lá para o final do mês iremos à primeira versão da "Pato Rufia", que se repetirá em Setembro.

Chega uma boa notícia: Enxalé vai finalmente ser incorporada no nosso sector. Ainda em sigilo, volto lá e almoço com o alferes Taveira. Recebo belas cartas, tento reorganizar a minha vida, como se eu pudesse administrar o meu futuro, Missirá voltará a ser flagelada, a guerra agrava-se para os lados de Mansambo e Xitole. Em Lisboa, tenho afectos inconsoláveis. A minha resposta é de que sou preciso no Cuor. Aqui, a despeito desta guerra, sinto-me útil a quem me quer bem.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. os últimos cinco posts:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1927: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (54): Ponta Varela e Mato Cão: Terror no Geba

29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1898: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (53): O ataque a Missirá de 15 de Julho de 1969, visto pelo bravo mas modesto Queta Bald

13 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1948: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (52): Em Bissau, no julgamento do Ieró Djaló

22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)

15 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1851: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (50): Do tiroteiro em Bambadinca na noite de 14 de Junho de 1969 à emboscada da bruxa

1 comentário:

Luís Graça disse...

Meu caro Mário e restantes camaradas da Guiné: Uma das regras de ouro do nosso blogue é: Ninguém condena ninguém!... Nenhum camarada que fez a guerra da Guiné diz para outro camarada de armas, a esta distância (de 33 a 44 anos): Foste herói, ou foste coberde, ou foste assassino, ou foste criminoso de guerra... Ninguém, nesta caserna, está em condições de dizer, olhos nos olhos, a outro camarada: Procedeste bem, procedeste mal...

Nenhum de nós quer ser ou pode ser juiz em causa própria: Mal ou bem, estivémos num lado da barricada; lutámos ou fingimos que lutámos; matámos (por muito que nos custe admiti-lo); destruímos aldeias, meios de vida, gado; envenenámos poços; regámos culturas de arroz com napalm... Como em todas as guerras, defendemos e atacámos. E, como muito bem nos lembra o Briote, fizémos escolas, abrimos centros médicos, mobilizámos milhares de jovens guineenses, criámos a ilusão da Guiné Melhor... Enfim, fomos capazes de fazer a paz, em condições dífíceis... Há guineenses, hoje - não posso quantificar - que guardam boas recordações de nós; outros nem tanto... Na realidade, a guerra colonial foi também uma guerra civil, em que valia tudo (ou quase tudo), incluindo a demagogia...

Serve este preâmbulo para saudar o Mário Beja Santos pela sua coragem e honestidade intelectual. Toda a gente sabia, na Bambadinca do meu tempo, que ele montava emboscadas, à noite, às "gentes de Madina" (leia-se: às forças do PAIGC) que vinham abastecer-se nas aldeias ribeirinhas do Rio Geba, de etnia balanta, que por sua vez faziam as suas trocas comerciais com os comerciantes (brancos) de Bambadinca...

Alguns de nós, como eu, não apreciavam muito o comportamento (militar) do "Tigre de Missirá" que levava a sua missão até ao extremo limite das suas forças... Por isso, ele teve a sua cabeça a prémio... Mas na véspera de acabar a sua comissão, quando escapou por um triz de uma mina, os seus camaradas da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852, e de outras unidades, atravessaram a bolanha de Finete, de noite, para ir em seu socorro... Ele era nosso camarada. E eu também estive lá. Eu, o Humberto, o Carlão e tantos outros.

Hoje, ao ler os seus escritos, que temos vindo a publicar ao longo de um ano, eu entendo melhor os terríveis dilemas morais de um homem só, a quem foi confiada uma missão hercúlea, quase impossível...

Não vou julgá-lo, não tenho esse direito, a respeito do que se passou na emboscada de Malandin, no dia 3 de Agosto de 1969, às 19h...

Quero apenas acrescentar que também sou capaz de entender (compreender, o que não implica nenhum juízo de valor) o comportamento do 1º cabo Costa, papel, oriundo de Bissau...

Gostava de perguntar ao Mário, qual teria a sua reacção, se em vez do Costa, tivésse sido outro cabo, metropolitano, ou até um dos seus furriéis, o Pires ou o Casanova o autor das terríveis palavras "Assassino, mataste ua mulher"!... É uma mera hipótese teórica, mas a questão é interessante para suscitar uma reflexão (crítica) entre todos os camaradas que fizeram aquela guerra e que tinham, nas suas fileiras, militares guineenses, como foi o caso do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, do Pel Caç Nat 53, do Paulo Santiago, do Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, da CCAÇ 13, do Carlos Fortunato ou da CCAÇ 12, do Luís Graça, do Humberto Reis, do Joaquim Fernandes, do Tony Levezinho, do Abel Rodrigues ...

Como é que eu ou qualquer um de nós teria reagido se houvesse, nas nossas fileiras, alguém, camarada, a gritar-nos na cara: "Assassino, mataste uma mulher!"...

Retomando as palavras de Jesus Cristo, quem de nós, hoje, está em condições de lançar a primeira pedra a um camarada que foi capaz de pôr o seu nome por baixo de um texto portentoso e ao mesmo tempo perturbante como este, que acaba de ser publicado no nosso blogue ?


Luís Graça