terça-feira, 17 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1961: António Pedro, meu amigo e irmão, cruz de guerra ao peito, morreu de stresse, a 12 de Agosto de 2003 (Mário Fitas)

PTSD (como dizem os americanos) ou Stresse pós-traumático de guerra (como dizemos nós) é um problema de saúde mental que continua a afectar os antigos combatentes, do Vietname à Guiné, muitos anos depois do seu regresso a casa. (vb)


Foto: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados


1. Mensagem do Mário Vicente:

Caro Briote, as tuas sábias palavras, são a súmula em que se revela a existência deste país. Não deve ser minha a frase, mas eu escrevia: "Quem entra numa Guerra jamais sairá dela". E é verdade!

Só que nós que, por qualquer motivo, resistimos ou não fomos tocados por essa psicótica bactéria, temos a força e talvez o saber de ajudar esses nossos queridos abandonados camaradas. Queridos!... Sim... porque só nós sabemos conviver e falar com eles. Agradecidos e reconhecidos aos pioneiros que levantaram o problema do stresse.

Permite-me que te faça uma narração de um nosso Camarada, meu amigo irmão. Não irei revelar algumas pessoas intervenientes,como é óbvio, mas se for necessário fá-lo-ei para ver como esses incógnitos trezentos mil foram abandonados.

António Pedro foi mobilizado para servir o seu País, nas bolanhas, matas e pântanos da Guiné. Com os seus vinte e um anos era já um homem impecável, respeitado e respeitador, era um rapaz a que nós vulgarmente chamamos de "Exemplar". Agora, aquilo que o vi fazer: rastejar debaixo de fogo e ir buscar camaradas feridos à zona de morte em emboscadas. Natural pois, no seu peito foi colocado um símbolo (Cruz de Guerra).

Voltou á sua terra e tornou-se um homem de valor. Mas!... próximo dos cinquenta anos apareceram os problemas!

24 de Dezembro de 2000, pelas 00H30, o meu telefone toca. Do outro lado reconheço a voz:
- Mário, perdi o cinturão, os carregadores e não sei dos meus homens!
Senti que tinha de voltar à MERDA.

Falei com ele como se estivesse enterrado nas matas que cheiravam a morte. Passados vinte minutos, uma voz feminina e delicada agradeceu. Calmamente o António Pedro tinha ido para a cama.

Pouco sei do que esta senhora e filhos teriam sofrido. A mim doeu-me quando, em 12 de Agosto de 2003, o telefone tocou, e a mesma voz feminina e de dor me informou:
-O António Pedro morreu hoje! Tirou o carro da garagem, subiu as escadas para se despedir de mim e dos filhos, e caiu na minha frente.

A sua Pátria nem uma flor depôs na urna daquele PORTUGUÊS.

Amigo se quiseres podes publicar porque infelizmente não é caso único.

Mário Fitas

2. Comentário do co-editor Virgínio Briote:

De facto, parece não haver uma regra para o aparecimento dos sintomas do PTSD (como ficou designado, oficialmente, pela Associação Norte-Americana de Psiquiatria, e stresse pós-traumático, entre nós).

Todos nós conhecemos casos de camaradas que conseguiram resolver os pesadelos, ainda nos primeiros tempos após a comissão e, hoje, convivem saudavelmente com o seu passado, com os problemas bem arrumados, pelo menos aparentemente.

Outros casos vieram já definidos e estruturados, que evoluiram para a cronicidade alternando uma vez ou outra com episódios agudos. Famílias, amigos, colegas da actividade profissional, viveram largos anos ou ainda sentem diariamente quanto custa conviver com a doença. Nalguns casos, provavelmente, acabaram por ficar também com perturbações, com tantos anos de exposição. Parece pertencer a este grupo a maior percentagem dos actuais nossos camaradas que frequentam ainda grupos de ajuda.

Parabéns, Mário Vicente ("Pami Na Dondo"), pela tua contribuição. O stresse pós-traumático afectou e afecta ainda a vida dos nossos veteranos da guerra colonial, mas eles não viveram estes 30 ou 40 anos sozinhos. Constituiram família, tiveram filhos que cresceram, alguns sem se lembrarem de alguma vez o Pai ter pegado neles ao colo.
vb
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Nota de v.b.:

(1) Vd. 15 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1955: 300 mil, vítimas de stresse pós-traumático de guerra: estude-nos depressa, doutora (Virgínio Briote)

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