Angola > Na estrada do sul, em frente ao Mussulo > 26 de Setembro de 2004 > Lá está o embondeiro que tem muito para contar.
Foto: © Luís Graça (2004). Direitos reservados
Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > O secular poilão, local de paragem obrigatória para tirar uma foto. No meio do grupo, o nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur MIl da CCAÇ 13 (Os Leões Negros).
O poilão é uma árvore sagrada para os guineenses, habitada pelos irãs ou espíritos superiores, sendo um elemento de grande importância para a compreensão do papel do pensamento mágico na vida e na cultura, ainda hoje, dos nossos amigos da Guiné. Espero que eles saibam defender e preservar os seus belos poilões, verdadeiros monumentos vivos, do mundo vegetal, que nos fascinaram, quando lá chegámos... Não imagino a Guiné, as suas tabancas, sem os seus frondosos poilões... Oxalá os guineenses saibam defender o seu país e o seu património, as suas raízes, a sua identidade, dos novos colonialistas, internos e externos, que, quais predadores, farejam o lucro imediato e fácil que é o abate das árvores de grande porte... Não sei se é o caso do poilão. De qualquer modo, é preciso sensibilizar os guineenses mais jovens para a importância decisiva que tem já o ambiente para o futuro de todos nós, a começar pelos guineenses, hoje teoricamente donos do seu destino... (LG)
Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.
1. Texto do Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1), enviado em 5 de Abril de 2007:
Caríssimo Luís: Acabaram-se as crónicas (1)... Aqui vai mais um texto para publicares, se o entenderes. J.L. Mendes Gomes
Comentário de L.G.: Um ternura! Volta, temos saudades das tuas crónicas! E já agora esclarece a minha dúvida: embondeiro (termo que não se usava na Guiné no meu tempo, sim em Angola e em Moçambique) ou poilão ?
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O Embondeiro do Cachil (2)
Havia um embondeiro (3)
no quartel dos Palmeirins,
erguido bem a prumo,
naquela ilha de ninguém.
Era um gigante,
eterno,
verdadeiro,
tão velho
como o mundo.
Tronco largo,
de mil nervuras,
fazia capelas,
em ogivas grossas.
Um enxame de raízes
agarrava-o firme
à terra,
ora seca
ou enlameada.
Uma floresta,
ramalhuda,
de toucado,
e mil grinaldas,
no chapéu.
Batia-lhe forte
o sol,
todo o dia,
mas não entrava.
Que majestoso paraíso
prós imponentes jagudis,
que em bandos multicores,
lhe poisavam
serenos,
em voo planado.
Um enxame de passaredo,
buliçoso e chilreante
acordava alegre,
cada manhã,
sua majestade,
aquele gigante.
À sombra perene
dos seus pés
três tendas
se ergueram:
Uma para escrita
do Primeiro...
outra pró bar
dos sargentos
e oficiais
e uma enfermaria
para os demais.
Índa fazia de catedral
prá missa de Natal,
p´rás folias
e noitadas
do fado e cavaqueira...
Não morreu...
desapareceu
de noite,
inteiro,
com a metralha da canalha...
que não queria bem
aos Palmeirins!
Que saudades
do embondeiro!...
J.L. Mendes Gomes~
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts de:
5 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1646: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (11): Não foi a mesma Pátria que nos acolheu
29 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1634: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (10): A morte do Alferes Mário Sasso no Cantanhez
11 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1582: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (9): O fascínio africano da terra e das gentes (fotos de Vitor Condeço)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-
Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Uma dúvida para o poeta esclarecer: Já tenho visto confundir-se o embondeiro com o poilão. Dois exemplos:
(i) "Poilão - Correspondente do Imbondeiro, mas na Guiné-Bissau. Também pode significar mangalho, utilizado para não assustar as catorzinhas: Anda cá, põe-te à sombra do meu poilão!". In: DICIONÁRIO D'O BAZONGA DA KILUMBA.
(ii) (...) "Três homens [manjacos], munidos dumas estranhas vestes, uma faca enorme e outros apetrechos para mim desconhecidos, irrompem no meio da pequena multidão, transportando, um deles, um porco. Ao passarem, apercebo-me de grande borborinho…é que as mulheres deveriam voltar as costas aos sacerdotes daquele estranho cerimonial, pois seria mau presságio elas visualizarem aquele misterioso cenário. Lá se dirigem ao poilão, aquilo que nós designamos de embondeiro, e sacrificam o animal. Fazem mais uns gestos esquisitíssimos, para mim, e deixam lá o porco já sem vida. Mais tarde, será saboreado pelos homens da família. O importante, para o defunto, estava feito: o sangue derramado pelo animal iria libertar a alma e levá-la à glória! Será bom lembrar que talvez a maioria dos Guineenses é animista… mesmo os Cristãos e Islâmicos vivem sob o universo dos Irãs (uma espécie de intermediários entre os homens e Deus), num mundo povoado de sacrifícios constantes, no mato grande" (...).
In: Fundação Evangelização e Culturas > 19 de Maio de 2005 > Fátima Rodrigues > Rituais
(iii) Saboreado o (belo) poema do Mendes Gomes, deixem-te também meter a minha colherada no caldo de cultura... Eu, que não sou especialista de botânica nem de línguas africanas, limito-me a consultar o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, de que sou fã. Ora estes dois termos existem, estão lá, e pelo que percebo são termos comuns para árvores de espécies diferentes, embora aparentadas (vd. portal EcoPort).
Poilão - Designação comum, na Guiné-Bissau, a algumas árvores da família das bombacáceas. O mesmo que Sumaúma (Ceiba pentandra). Há diversos nomes comuns em português: ceba, mafuma, mafumeira, ocá, paina lisa, poilão, poilão de sumaúma, poilão forro, sumaúma, sumaúma da várzea... O português é a língua que tem mais nomes comuns para esta árvore.
Embondeiro - Árvore com comprimento até 20 m (Adansonia digitata), da família das bombacáceas, com tronco gigantesco, erecto, madeira branca, mole e porosa, etc. Nativa de regiões tropicais de África, pode viver mais de dois mil anos, e o seu tronco alcançar mais de 1 metros de diâmetro. As folhas, flores, frutos e sementes são comestíveis e têm diversas aplicações medicinais. Tem vários nomes comuns, como baobá.
Na Guiné-Bissau, os nalus também fazem a distição entre o poilão (n´kauuê) e o embondeiro, segundo a etnóloga Amélia Frazão-Moreira. Como nunca estive na Ilha de Caiar, também nunca vi o embondeiro do Cachil. Resta-me a consolação da sua evocação poética... Em Angola, vi alguns, esquelécticos e moribundos, nos musseques de Luanda... Outros, mais viris e portentosos, na região do Mussulo...Dizem que pode armazenar água até 120 litros de água dentro do seu bojo...
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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