Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5010: Efemérides (25): Boé, 24 de Setembro de 1973, memórias de L. Mussatov, diplomata russo (Nelson Herbert / José Milhazes, Lusa)
Imagem de Amílcar Cabral (1924-1973), o líder histórico do PAIGC que a morte, uns meses antes, não permitiu estar presente na cerimómia da Proclamação da Independência da Guiné-Bissau,na região do Boé, em 24 de Setembro de 1973, em local ainda hoje objecto de controvérsia (*). Foto (editada) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973, edição dedicada à proclamação (unilateral) da independência da Guiné-Bissau . Portugal viria a reconhecer a nova república apenas um ano depois, em 24 de Setembro de 1974 (**).
Imagem: © Magalhães Ribeiro / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.
1. Do nosso amigo guineense Nelsom Herbert (n. 1962, Bissau), licenciado em Comunicação Social pela FCSH/UNL, jornalista, da secção portuguesa da Voz da América / VOA, e membro da nossa Tabanca Grande desde Março de 2008 (***)
Achei interessante...
Mantenhas
Nelson Herbert
Journalist-Editor / Editor e Jornalista
Voice of America / Voz da América
Washington, DC, USA
2. Guiné-Bissau: Entrega de credenciais diplomáticas em plena selva
Número de Documento: 10152535
Moscovo, Rússia 24/09/2009 09:23 (LUSA)
Temas: História, Política, Diplomacia, Guerrilha, Conflitos (geral)
*** José Milhazes, da Agência Lusa ***
Moscovo, 24 Set (Lusa) - Quando a União Soviética reconheceu a independência da Guiné-Bissau, declarada há precisamente 36 anos, Moscovo quis estabelecer relações diplomáticas com o novo país, mas, como a capital, Bissau, estava sob controlo português, a cerimónia realizou-se no mato.
Em 24 Setembro de 1973, a direcção do PAIGC declarou a independência da Guiné-Bissau nos territórios sob o seu controlo, acto que foi reconhecido por mais de 80 Estados até ao início de 1974.
Alguns deles - Argélia, Roménia, Jugoslávia, Guiné-Conacri e União Soviética - decidiram estabelecer relações diplomáticas ao nível de embaixadas.
Leonid Mussatov, então embaixador soviético em Conacri, foi nomeado representante por inerência na Guiné-Bissau, tendo sido encarregado de entregar as credenciais diplomáticas a Luís Cabral, Presidente do Conselho de Estado do novo país.
"Em Maio de 1974, recebi um convite do Governo da Guiné-Bissau para estar no dia 09 de Maio na cidade de Boké (Guiné-Conacri) a fim de ir para uma das regiões libertadas do país (...) Juntamente com os embaixadores da Argélia, Roménia, Guiné e Jugoslávia, cheguei a Boké na manhã de 09 de Maio", escreve Mussatov nas suas memórias "Viagens Africanas", publicadas em Moscovo.
A viagem rumo aos territórios libertados do PAIGC foi feita de noite por questões de segurança.
"Visto que a cidade de Boké se encontra a 60 km da fronteira, fomos até à Guiné-Bissau em camiões protegidos por soldados e comandantes guineenses. Eu ia num carro com o vice-ministro da Defesa da Guiné-Bissau, Pedro Pires [actual Presidente de Cabo Verde]", recorda o diplomata soviético.
"Entre as três e as cinco horas da manhã de 10 de Maio", continua Mussatov, "descansámos em tendas num acampamento militar e, depois, cansados, infiltrámo-nos no território da Guiné-Bissau", descrevendo "ruínas de aldeias guineenses queimadas pelos portugueses".
"Finalmente, às 10 horas, chegámos à residência do Presidente, constituída por vários "palacetes", cabanas no interior da selva. Fomos instalados no "hotel dos embaixadores", cabana construída de ramos e folhas de palmeiras e de outras árvores e anunciaram-nos que a entrega de credenciais começaria às 12.30", recorda o embaixador.
"De súbito", relata ainda o diplomata, "às 11 horas, no céu apareceram dois aviões militares portugueses e, depois de alarme aéreo, fomos obrigados a escondermo-nos. Felizmente, os aviões, depois de darem várias voltas por cima da selva, afastaram-se".
Leonid Mussatov lembra que, no regresso a Conacri, no dia seguinte, soube que a "Voz da América" tinha noticiado esta expedição diplomática. "A espionagem americana e os seus agentes na Guiné seguiram atentamente a nossa viagem e, pelos vistos, juntamente com os portugueses, tentaram assustar-nos", prossegue Mussatov.
Regressado a Conacri, o embaixador soviético seguiu depois para Moscovo para apresentar informação sobre a cooperação com a Guiné-Bissau, tendo mostrado aos membros do Colégio do MNE fotos daquela cerimónia pouco comum.
"O primeiro vice-ministro V.V.Kuznetsov declarou então: 'É o primeiro caso na História da Diplomacia em que embaixadores entregam credenciais não num palácio, mas na selva da guerrilha'", lembra Mussatov.
Lusa/fim
____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)
(**) Vd. postes de:
2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3846: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (2): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 3-4
10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3864: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (3): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 5-6
17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 64/74 - P3905: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (4): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 7-8
(***) Vd. poste de 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)
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4 comentários:
A 10 de Maio de 1974 as tropas portuguesas já não desencadeavam ofensivas militares contra o PAIGC.
Ou será que estou enganado? Queríamos, nós tugas, era vir todos embora. Porquê tanto medo e segurança por parte do PAIGC? Porquê que é que só depois do 25 de Abril os embaixadores apresentaram credenciais, no mato, algures em Madina do Boé, creio, ou nessa zona de fronteira com a Guiné Conacry?
Então o PAIGC não havia já derrotado militarmente as tropas portuguesas? E não controlava 2/3 do território da Guiné Bissau.
Tenho admiração pelos homens do PAIGC, mas a História não pode continuar a ser mal contada.
Um abraço,
António Graça de Abreu
António:
Segundo percebi da leitura da peça do correspondente da Lusa, José Milhazes, o diplomata soviético terá estado na cerimónia da proclamação da independência (unilateral)da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973 (e não 1974, como é óbvio)...
Tu mesmo tens uma referência a este acontecimento, no teu Diário... Agora acredito é que as memórias do homem possam estar, também elas, influenciadas pelo viés ideológico...
Como nenhum de nós, a não ser talvez o Milhazes, leu o livro, não sabemos se o embaixador soviético descreve com precisão o sítio onde foi realizada a cerimónia, sem dúvida nenhuma "sui generis"...
Ainda hoje há controvérsia sobre o local onde foi proclamada a independência da Guiné-Bissau, em 24 de Setembro de 1973... Terá sido na região (desértica, em termos populacionais) do Boé, junto à fronteira... "região libertada", segundo a retórica do PAIGC... Mas os dirigentes do PAIGC, da época, não eram tontos ao ponto de expor-se, a si, aos seus delegados oriundos de várias partes do país e aos seus convidados estrangeiros, jornalistas e diplomatas, a um eventual bombardeamento ou até mesmo a um ataque de tropas helitransportadas...
Concordo contigo, António, esta história ainda está por contar como deve ser...
Nós (tu e eu) não somos saudosistas nem sequer colonialistas, mas temos em comum o bichinho da curiosidade histórica e a preocupação do rigor...
Resumindo, não é defeito, é feitio, gostamos das histórias bem contadas...
Desculpa lá, meu caro Luís, mas este texto não se refere à declaração de independência em Madina do Boé, em Setembro de 1973, a que faço referência no meu Diário da Guiné.
Aqui trata-se da cerimónia de entrega de credenciais de alguns embaixadores em plena selva,Boé, a 10 de Maio de 1974, pós 25 de Abril.
Será que tergiversei?
Curioso o facto de nessa data os homens do PAIGC e os embaixadores estrangeiros ainda recearem dois aviões portugueses que sobrevoavam o Boé (?).
Mas então, segundo os defensores da guerra militarmente perdida, nós, tugas (gosto cada vez mais deste nome de tugas, sou portuga da pele ao tutano, mais o coração!) não havíamos perdido a supremacia aérea, desde os Strela em Abril de 1973?
Afinal voávamos como passarinhos, não mais como passarões, por todos os céus da Guiné.
Esta penso ser a verdade histórica.
Um abraço,
António Graça de Abreu
Tens razão, António, a cena do embaixador soviético reporta-se a 10 de Maio de 1974... Leituras apressadas, leituras erradas...
Um abraço do tuga Luís Graça
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