quinta-feira, 18 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6016: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (6): Na prisão é que está a dar

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 15 de Março de 2010:

Boa noite Carlos Vinhal
Espero que já estejas recuperado dos "desencontros" do V Encontro...

Mando mais uma das minhas "estórias" do blogando e andando, que me aconteceu em passado recente.
A vida não pára de nos surpreender!

Um abraço e até um dia destes. No V Encontro de 2010.
JERO


Na “prisão” é que está a dar!

Começo por declarar que sou um felizardo em termos de amigos. Tenho um “património de afectos” que não é brincadeira.

Sempre que posso dou uma saltada para visitar o meu amigo Moreira. Um amigo especial. Amigo das tropa.
Podemos estar alguns meses sem nos falarmos mas quando o telefone toca não são precisos nomes.
Como estás e onde estás?

Estive com ele na semana passada.
Nesta fase do “campeonato da vida” deu em agricultor.
Levei-lhe uma prenda simbólica e obrigou-me a trazer laranjas e limões. E contou-me uma história da vida… Lindíssima. Pelo menos eu achei. Vou partilhá-la com quem tem a paciência de me ler de quando em quando.



Até ao ano passado tive neste barracão com rede cerca de 150 pássaros. Tinha alguns melros e disseram-me que eram aves protegidas, que não podia ter em cativeiro. Por essa e outras razões chateei-me com tanta passarada e resolvi devolvê-los à liberdade.
Tinha alguns pombos e poucos dias depois apercebi-me que, contra a sua vontade, já tinham feito parte do “petisco” de uns caçadores que moravam por perto
.

O Moreira, que é transmontano, disse seguidamente uns palavrões, que não reproduzo, mas que queriam dizer que mais valia ter estado quieto.
Mas como nem tudo é mau na vida teve recentemente uma boa surpresa.

Num arbusto que tem dentro do seu barracão vedado com rede (mas com uma abertura no cimo) avistou um dos seus antigos melros. Tinha voltado à “prisão” e fazia com afã um ninho. O seu ninho.

O Moreira via-o entrar e sair, trazendo materiais para a sua “habitação”. Sentia-se em casa, desfrutando com à vontade a segurança da sua antiga prisão. Dias depois o ninho estava pronto e tinha 3 bonitos ovos.

Disse ao Moreira:

- Agora é que o teu melro, da tal espécie protegida, está efectivamente protegido. Vais pô-lo fora?

- Nem pensar. Aqui é que ele (ou ela) está bem.

Tirei umas fotos, dei um abraço ao meu amigo da tropa, e regressei a Alcobaça.
Apanhei pouco trânsito e fartei-me de pensar no melro do Moreira.



Um pássaro “diz-nos” que a “prisão” é opção mais segura do que viver em liberdade! Dá que pensar!

Nos dias anteriores serviços noticiosos das televisões e jornais nacionais tinham referido o suicídio de uma criança em idade escolar e a morte de um professor que (eventualmente) não aguentou a pressão da sua profissão e acabou com a vida.

Afinal que tempos são estes em que vivemos?
A segurança para viver está na cadeia?

A opção do melro dava-me que pensar.
Uma espécie protegida pela lei estava bem porque estava em cativeiro…

Segurança para viver… precisa-se!

JERO
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5959: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (5): Em terras com nome de santo...

3 comentários:

Hélder Valério disse...

Pois é, JERO, estas situações dão-nos muito que pensar...

E olha, realmente muito mal vão as coisas quando se começa a pensar (e se calhar a sentir) que a 'liberdade e segurança' estão em qualquer 'prisão', por muito 'aberta' que seja.

Um abraço
Hélder S.

JD disse...

Camaradas,
Regressei da Guiné. Uma manhã, ao sair de Bissau, um polícia fez sinal para encostar. Aproximou-se e pediu matabicho. Feitos desentendidos, estendemos-lhe os passaportes e documentos da viatura. Olhou-nos de viés e referiu que não queria documentos, apenas matabicho.
Recebeu uma nota, agradeceu, e fez sinal para avançarmos.
Soubemos que há vários meses a função pública, a polícia, os professores e outras classes, não recebem salários, apesar de continuarem a exercer funções.
Também ouvi referências a negócios combinados com libianos e angolanos. Com os chineses que terão promovido a troca de dois sacos de arroz por cada um de caju originário da Guiné. Quase cessou a produção de arroz, e hoje a troca de arroz por caju é paritária.
Para além do mundo nebuloso da droga.
Por estas e outras, os guineenses vivem reféns da "liberdade" que ousaram alcançar, e que, hipocritamente, a comunidade internacional incrementou para gerar um país pleno de dependências e ao sabor de qualquer desmando.
É, por isso, muito curiosa a estória contada pelo Jero, e que nos pode ajudar à compreensão de incongruências sociais e à incapacidade dos homens para se organizarem e conviverem justamente.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

José Manuel,

essa do "matabicho" (gorjeta, suborno ou o nome que se queira), faz parte do dia a dia, de algum estrangeiro em áfrica.

Só que o suborno, dizem nas ex-colónias portuguesas, que foi uma herança que os Portugueses lá deixaram.

E os brasileiros recorrem tambem a essa desculpa ao fim de 200 anos.

Mas como o dizem em português...porreirinho!

Antº Rosinha