1. Vigésimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 3 de Fevereiro de 2011:
NA KONTRA
KA KONTRA
20º EPISÓDIO
Ao fim de algum tempo chegou a uma conclusão: Pura e simplesmente não havia estratégia, ou melhor, o que havia a fazer não era mais do que rapidamente ir falar com o Adramane, perguntar-lhe se podia casar com a filha e quanto queria de “dote”, saindo da incerteza que o andava a consumir.
Num ímpeto, levanta-se e olhando na direcção da morança do Chefe de Tabanca, como que estabelece o azimute para rapidamente lá chegar. Não chega a dar meia dúzia de passos. Para, estático, qual cão da pradaria pressentindo o perigo.
Com algumas ordens dadas em alta voz aos seus camaradas que estavam mais perto, inflecte o sentido da marcha que tinha iniciado e dirige-se a correr para a sua morança. Iria buscar a G3 e colocar o cinturão onde tinha sempre colocados quatro carregadores de munições e três granadas?
Não, não ia, ia simplesmente pôr a boina. O nosso Alferes tinha ouvido ao longe o ruído inconfundível dos rotores de um helicóptero. Ia pois completar o fardamento para receber os superiores que ali deviam vir. O Coronel, Comandante do Agrupamento de Bafata, não tinha héli à disposição pelo que o mais certo era tratar-se do Comandante Chefe de Bissau e com este era preciso ter mais cuidado. Ou então poderiam ser os dois, como muitas vezes acontecia.
Ainda o héli se não via e o Alferes já está no meio da tabanca a dar as últimas instruções ao pessoal no sentido de se apresentarem bem fardados.
De trás das grandes árvores da orla da mata surge o “Alouette III”. O nosso Alferes corre para a zona desmatada, fora do “arame”, o melhor lugar para a aterragem, mas para sua surpresa o piloto opta por pousar dentro da tabanca, numa pequena zona livre de palhotas. Ainda bem que assim foi pois as lavras do João, da zona desmatada, iriam ser todas pisadas. Talvez tenha sido por ordem de quem lá vinha e por acharem que era mais seguro aterrar dentro do arame farpado.
Aterragem normal. Nem pó levantou dado a terra ainda estar húmida da chuvada da noite anterior. Pára o motor turbo-hélice, que equipa estes helicópteros e logo as hélices. Abrem-se as portas e imediatamente se reconhece quem chega, além dos pilotos: Estranhamente, só o Coronel de Bafata. Não vinha o Comandante Chefe e ainda bem pois, com o Comandante do Agrupamento o nosso Alferes tinha uma relação próxima e dentro de certos parâmetros, cordial. Com o Comandante Chefe de Bissau é que nunca se sabia com o que se contava, principalmente quando se tratava de oficiais. Para ele os soldados é que eram os bons.
O Coronel rapidamente percorreu parte da tabanca inteirando-se do adiantamento dos trabalhos nos abrigos, sobretudo do destinado à população civil. O Alferes mostra-lhe o forno que ele próprio tinha construído, arrancando um sorriso ao seu superior, o que era coisa rara.
Tão rápido como chegou partiu, despedindo-se do Alferes, secamente como era habitual:
- Magalhães Faria, só sai daqui quando toda a gente tiver abrigos.
Só muito mais tarde, já em Bafata, é que o Alferes Magalhães vem a saber porque razão o Coronel tinha aparecido naquele dia de helicóptero, em Madina Xaquili. Na sequência da ordem de Bissau para o Comando de Agrupamento de Bafata, este devia mandar para as tabancas em auto-defesa da periferia da zona habitada, os oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares. O Coronel entendeu que ele próprio também devia cumprir a ordem e, nesse sentido, resolveu ir passar uma noite numa tabanca. No dia seguinte tê-lo-iam ido buscar de héli e, aproveitando o transporte, fez a visita a Madina Xaquili.
São horas de almoço e a conversa com o Adramane iria ficar para depois da sesta, ou para o dia seguinte. A agitação militar da manhã tinha amolecido os sentimentos do nosso Alferes.
Desta vez o almoço é uma feijoada com pé de porco enlatado e arroz. Uma comida destas será deliciosa se não se repetir dia sim dia não… ou todos os dias. Como é a primeira vez que se come este prato na tabanca, todo o pessoal o acha óptimo. E no fim até se pôde “limpar” o prato com pão e não com as tais bolachas das rações de combate… O pão já estava a ficar duro pelo que o Alferes anunciou:
- Pessoal, não se vai esperar mais tempo. Amanhã vamos experimentar o forno e também as qualidades do nosso padeiro, que já conta com a ajuda do milícia Sadjuma.
Quase todo o pessoal continuou por algum tempo à mesa, comentando a visita do Comandante de Bafata. Todos manifestaram a ideia que o tinham achado um homem duro, distante e até ríspido de mais para com o Alferes. Este explicou que era a maneira de ser do Coronel mas quem o conhecia bem, como ele próprio, o achava cordial e principalmente um homem justo, com quem se podia contar.
Todos continuam a conversar menos o Alferes que se cala ficando pensativo. Passados poucos minutos levanta-se e sem sequer se despedir, contrariamente aos seus hábitos, dirige-se à sua morança. Entra, sai, vai ao “quarto de banho”, sai, vai carreiro abaixo em direcção à fonte, pára, volta para trás, entra novamente na sua morança, tira a roupa e deita-se.
Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7713: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (55): Na Kontra Ka Kontra: 19.º episódio
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