quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7706: Bombolom XVIII (Paulo Salgado): Saber viver viver com a pluralidade de pontos de vida, debaixo do poilão da nossa Tabanca Grande

1. Mensagem de Paulo Salgado (a viver e a trabalhar neste momento em Luanda, Angola, como especialista em administração de serviços de saúde; ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721,Olossato e Nhacra, 1970/72) [, foto à direita,]


Data: 1 de Fevereiro de 2011 14:36

Assunto: Uma palavra amiga


Companheiros ou camaradas ou camarigos!

Verifico com satisfação que é salutar ter pontos de vista diferentes face à guerra que vivemos - todos com muito sofrimento. Registo, ainda, com agrado que há diferentes pontos de vista sobre o modo como a guerra foi feita e conduzida. 


Agrada-me a capacidade intelectual dos editores do nosso blogue que, balizando-se em princípios éticos, em valores morais e dentro do que é razoavelmente aceitável em termos de linguagem e de conceitos, assumem a responsabilidade de aceitar publicar notícias ou ideias contraditórias. É muito salutar esta grande capacidade dos nossos editores!

Quero reafirmar, aqui e agora, o que um grande cabo do meu grupo de combate, cuja grandeza de alma era e é inquestionável: só devemos é ter a consciência tranquila. Se cada um de nós - já com idade para compreender e aceitar a diferença e para fazer juízos tranquilos - tem pontos de vista diferentes, que nos resguardemos do vilipêndio e da maledicência. Saibamos ser Velhotes na dimensão humana. Saibamos olhar para os outros com a mesma benevolência e exigência que gostaremos que apreciem em nós.

O que diz o Mário Beja Santos sobre "celebração" pode não ser compreensivelmente aceitável. Mas é, certamente, um ponto de vista que merece reflexão, nunca o "atirar a pedra" - só atira pedras quem está incólume. Tenhamos a paciência dos "homens grandes" que à sombra do poilão sabiam discutir as questões com paciência e sem azedume, com tranquilidade e sem virulência. 

Saibamos dizer aos nossos filhos e netos: nós, pais e avós, participámos numa guerra que (muitos) não queríamos; nós, pais e avós, olhamos para trás e, fugidos alguns à guerra ou presentes outros, não nos envergonhamos dos actos. 

Recordo-me de dois homens muito queridos da minha meninice, na mesma aldeia, que estiveram no norte de Moçambique (Rovuma) durante mais de quatro anos, friso quatro anos, na primeira guerra mundial. Tinham pontos de vista diferentes, muito diferentes sobre os factos que viveram. Mas eu gostava de os ver bebendo alguns copos na taberna - na praça da aldeia - rirem e chorarem, tantos anos depois! Lição grande aquela de dois homens analfabetos, mas enormes na inteligência e no humanismo.

Tenho a certeza que alguns militares que estiveram comigo na minha companhia viram a guerra de maneira diferente da minha, sentiram-na no corpo e na alma de tal forma forte e dramática que certamente nem sequer desejam falar dela. No que me respeita, só descreverei aspectos paralelos, interligados, marginais - nunca sobre emboscadas que fizemos ou que sofremos, de golpes de mão com ou sem êxito, nunca sobre patrulhamentos. Isso está na história da companhia.

Respeitemos as memórias individuais e a memória colectiva que alguém deverá fazer, e se não concordamos com Almeida Bruno, ou com Beja Santos, ou com qualquer anónimo, sejamos rectos, humanos e deixemos os nossos contributos com a benevolência de combatentes que procuram o bem-estar nesta recta final das nossas vidas. Sem, com isso, deixarmos de afirmar a nossa verdade. 

Mas há tantas verdades, camaradas ou companheiros ou camarigos...

Paulo Salgado 
ex-alferes miliciano
Guiné 70-72.

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3 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarigo Paulo Salgado

De acordo contigo, sem dúvida.

Apenas frisar que não me parece ter havido "pedras arremessadas", mas apenas trocas de ponto de vista.

E como sabes meu camarigo, há uns que aceitam melhor do que outros, os comentários não concordantes com a sua escrita.

Um abraço camarigo para ti
Joaquim Mexia Alves

Torcato Mendonca disse...

Gosto.
Concordo.
Talvez escreva, em resposta mais alongada ás palavras amigas de Paulo Salgado.

Só breve ao Mexia Alves
Tens razão Camarigo. Ninguém aqui arremessa pedras...não está nenhuma
uma madalena no outro lado....digamos "calhau". Calhau não é pedra não. Calhau até pode ser gente.

Ab T.

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

Este texto do Paulo Salgado é mais uma reflexão, serena, sobre o que, visto de fora, parece por vezes assolar o nosso Blogue.

Poderia dizer que é natural.
O percurso de cada um de nós é sempre diferente do dos outros e daí ser possível que, em cada momento, e sobre a mesma 'coisa', hajam visões, opiniões, 'empolgamentos', diferentes.

Sabe-se que o Homem é como uma 'pedra bruta' que terá que ser desbastada, trabalhada, para se transformar em qualquer coisa útil, numa 'pedra perfeita'. E isso é uma tarefa sempre inacabada, é uma tarefa constante.

Há que ter paciência!

Abraço
Hélder S.