segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7698: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (52): Na Kontra Ka Kontra: 16.º episódio




1. Décimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 30 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


16º EPISÓDIO

Depois de uma pequena sesta o Alferes faz o que o João Sanhá lhe tinha feito no dia da sua chegada: Vai mostrar os recantos da tabanca ao Furriel. Fala-lhe nas sentinelas metidas na mata para os lados de Padada, mostra-lhe o fornilho detrás do poilão, os abrigos e vão à fonte. Pelo caminho o Alferes vai dizendo:

- Nosso Furriel, foi a época seca, passaram uns seis meses sem chover e poucos lugares haverá na Guiné que tenham nesta altura uma nascente de água a correr e com a qualidade que já vai apreciar.

Estavam a chegar ao fim da zona desmatada e iam entrar na zona ensombrada da mata onde se situa a fonte, quando o Furriel pára olhando fixamente para o grupo de mulheres que estavam a lavar roupa. Fica estático. Mudo por instantes, talvez a pensar no que iria dizer ao Alferes.

- Se aquela é a tal Asmau, o meu Alferes tem todo o meu apoio. Ainda sem se mexer continua: Pode crer que nunca vi uma bajuda que se assemelhasse a esta. Sempre pensei não ser possível nesta terra existir uma mulher assim. Que tom de pele. Que olhar. E o sorriso dela. Até o colorido do pano condiz com o tom da sua pele.

- Aí tem a minha Asmau.

- Muita branca lá da metrópole gostaria de ter o corpo desta bajuda. Agora é que o compreendo perfeitamente.

Como, duma maneira geral, as mulheres não falam português o Alferes, com dupla intenção, aproveita para apresentar o novo elemento através da Asmau.

- Asmau, explica às “mulheres grandes” que este camarada é um Furriel que chegou hoje à tabanca.

Asmau falou com as mulheres no seu dialecto, o fula, e logo de seguida o Alferes, como que para continuar a conversa com a sua bajuda, pergunta:

- Asmau, como se diz obrigado em fula?

- Djarama. E muito obrigado, djarama bui.

- Então, Asmau, djarama bui.

Um rasgado sorriso dela perturba o nosso Alferes e até o Furriel. Assim, a título de despedida, Magalhães Faria ainda diz:

- Asmau ainda me hás-de ensinar mais coisas em fula.

Ambos se dirigem à nascente onde o Furriel prova a água. Depois seguem carreiro acima tendo o Furriel parado, aproveitando a sombra de uma árvore, não porque precisasse de descansar pois a distância da fonte à tabanca era de uns duzentos metros. De frente para o Alferes diz-lhe:

- Como já lhe disse, compreendo-o perfeitamente e pelo que já vi quero lhe dizer que se não fosse a guerra não me importava de trazer para aqui a minha mulher e viver neste paraíso para sempre.

- Eu não chegaria a tanto mas que se está muito bem, isso está. O nosso Furriel acabou de chegar mas eu posso-lhe adiantar mais: A pureza e ingenuidade desta gente, contagia uma pessoa. E a maneira simples de viverem, cultivando só aquilo de que precisam… Claro que plantam alguma mancarra para vender e depois poderem comprar roupas e alguns utensílios. As moranças, ou não têm porta ou, se a têm, não tem fechadura. E a inter-ajuda? Existem alguns procedimentos que a nós nos parecem estranhos e até aberrantes como o fanado feminino, mas são os costumes desta gente.

Continuaram a subir, ainda estiveram os dois a olhar para a abertura da passagem para a fonte e chegaram à mesma conclusão: Era necessário torná-la mais segura, de forma a que à noite não fosse possível entrar por ali alguém, tanto mais que era uma zona baixa e sombria.

Retomam a subida, passam a rede de arame farpado e o Alferes num relance vê, ao longe, um qualquer elemento nativo acocorado à porta da sua morança. Achou um pouco estranho mas como já estava a escurecer não reconheceu a pessoa.

Prosseguiram, passando pelo mangueiro onde havia o estrado para o pessoal se sentar à conversa, principalmente à noite. Estava lá o João e conversaram um pouco, tendo este chamado a atenção para uma nuvem negra ao longe. Queria dizer com isso que provavelmente se aproximava um tornado com a consequente chuvada torrencial. Era necessário ir jantar rapidamente para ainda se poder comer à mesa.

No fim do jantar já se tinha levantado o vendaval que precedia o aguaceiro pelo que todos se dirigiram para as suas palhotas. O nosso Alferes ainda tem que correr para se livrar das primeiras pingas. Próximo da sua morança, repara que o vulto do qual já se tinha esquecido, continua à sua porta.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7687: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (51): Na Kontra Ka Kontra: 15.º episódio

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