1. Em mensagem do dia 26 de Dezembro de 2011 o nosso camarada João Sacôto* (ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66), enviou-nos esta história que passa a constituir a primeira Memória da CCAÇ 617 neste Blogue.
MEMÓRIAS DA CCAÇ 617 - 1
A BATALHA DE BISSAU DE JANEIRO DE 1964
(Como a inofensiva prática de um hobby esteve prestes a dar em grande tragédia)
Nos primeiros dois meses a CCAÇ 617 que substituiu a CCAÇ 274, ficou em Bissau, dependendo operacionalmente do BCAÇ 600 e ainda com a missão de efectuar patrulhas e rusgas com pequenos grupos (Secção ou Pelotão) no sub-sector de Quinhamel as tabancas situadas ao longo da estrada Bissau - Biombo, assim como fornecer algumas escoltas, tendo inclusive, uma Secção tomado parte na grande "Operação Tridente" realizada na Ilha do Como e que instalou uma CCAÇ no Cachil.
Desembarque no Cachil, Ilha do Como Princípio de Dezembro de 1965
Foto: © João Sacôto (2011). Todos os direitos reservadosA minha CCAÇ 617 ficou instalada no Quartel General em Santa Luzia e a messe dos oficiais era ali mesmo ao lado (hoje hotel 24 de Setembro).
Os alferes da Companhia, faziam serviço no Quartel General (Oficiais de Dia e Oficiais de Prevenção).
Logo na primeira semana de chegada à Guiné, ainda maçaricos, estando o meu camarada ALF Santarém de Oficial de Dia e eu de Oficial de Prevenção, combinámos revesarmo-nos na ida à messe para jantar, tendo-me cabido a mim o primeiro turno. No regresso ao QG, para substituir o Santarém, deparo com uma cena trágico-cómica: O meu camarada e amigo Santarém de capacete na cabeça e de G3 ao ombro gesticulando aflito e aos gritos dizia-me: Forma imediatamente o Pelotão de Intervenção e vai para o Laboratório Militar que eles estão a ser atacados e já telefonaram várias vezes a dizer que se não receberem reforços rapidamente, serão todos massacrados.
Apreensivo, nem sabia onde ficava o dito Laboratório Militar, lá formei o Pelotão.
Rapidamente começaram a chegar ao QG vários militares vindos da baixa, com relatos de grandes ataques e tiros por todo o lado. Felizmente, alguns oficiais já batidos e de patentes superiores tomaram a iniciativa de se deslocarem à baixa de Bissau em auto-metralhadora para uma melhor análise da situação, tendo eu ficado em standby, com o meu Pelotão.
O que na realidade aconteceu, foi que um soldado condutor-auto do nosso Batalhão, resolveu ir praticar o seu hobby para o cais do Pigiquiti (pesca à linha), para o que ali se deslocou num Jeep. Ao fazer uma manobra no cais para regressar ao Quartel, acabou por cair à água. Uma patrulha que se encontrava no cais, deu uns tiros na direcção do Forte da Amura, para pedir socorro, estes por sua vez, julgando estarem a ser atacados ripostaram, envolvendo também o pessoal do Quartel dos Fuzileiros. Estava a guerra desencadeada, com o pessoal do Laboratório Militar entre fogos e alarmados pedindo urgentemente socorro ao Quartel General.
Tendo-se esclarecido o motivo daquela situação caricata, tudo voltou rapidamente à normalidade, saldando-se o ocorrido na morte de um militar, o infeliz soldado-pescador.
Um abraço camarada do,
João Sacôto
Ex-Alf Mil
CCAÇ 617
Guiné - 1964/1966
____________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9240: Tabanca Grande (312): João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, ex-Alf Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil (1964/66)
8 comentários:
João
Porreiro encontrar-te por aqui e logo com este "Relatório" condimentado de trágico e de cómico.
Um abraço
José Brás
Ainda não havia LDP,s e LDM,s em número suficiente no CTIG. A lancha que se vê, encostada à margem e que terá servido de transporte de pessoal e mantimentos, em Cachil, era uma antiga traineira de pesca, adaptada pela Armada em Lancha Patrulha. Dessas quatro LP,s só a LP4 terá participado da Campanha do Como. Estavam armadas a bombordo e estibordo com MG.42 e tinham uma casamata a meia nau que servia de protecção à tripulação comandada por um Cabo manobra. Andaram por quase todos os rios e canais da Guiné até serem abatidas. Esta, após "desmobilizada", passou a ser o "Bubaque" que fazia Bissau/Xime/Bambadinca. Manuel amante
O cais do Cachil que eu bem conheci, mas no meu tempo com menos movimento de bagagens a causa principal o transporte que era todo feito à base da força bruta do homem.
Um abraço
Colaço
Caro camarigo Sacôto
Interessante e curiosa este teu 'arranque'.
Mais um episódio curioso das 'histórias da guerra na Guiné'. Lembro-me agora que já tinha ouvido falar disso, não me lembro quando e onde, mas lá que se trata de um caso caricato, infelizmente com um morto, lá isso é.
Dado o ambiente que se vivia tudo era possível, como se vê.
Abraço
Hélder S.
Domingo, 19 de Janeiro de 1964.
No cais de Bissau atraca o N/M "Manuel Alfredo". Ao longo do dia, são descarregados mantimentos para as Forças Armadas.
Cerca das 22:00 termina a estiva, dois guineenses saem do navio e quando abandonam o local, vêem um jipe militar cair à água ao fazer uma manobra. Do cais, um estivador lança-se ao Geba para tentar salvar o condutor, enquanto um dos dois que tinha saído do barco regressa a avisar o fuzileiro de guarda, que dispara para o ar a intervalos curtos, em sinal de socorro.
No Forte da Amura, um sentinela da CPM590 ouve os disparos e poucos segundos depois faz uma rajada de metralhadora; dos quartéis ao lado surgem outras rajadas, gerando-se enorme tiroteio dentro e fora da fortaleza. Mesmo sem ordem do oficial-de-dia, o clarim toca o alarme e todos correm para a parada, uns armados e outros desarmados, pensando que estão debaixo de ataque terrorista.
Entretanto no cais, passa uma patrulha da PM e vê os dois guineenses com ar aflito, mete-os na viatura pensando tratar-se de terroristas e bate-lhes com os cassetetes enquanto se dirigem para o quartel.
No Forte da Amura os projécteis assobiam por todo o lado e alojam-se nas paredes, uma bala introduz-se no artelho do soldado Tavares que está no cimo da fortaleza e os que estão perto gritam por socorro. O oficial-de-dia não aparece, o comandante da PM capitão de cavalaria Antero Correia de Araújo e o seu adjunto alferes de cavalaria Mário António Baptista Tomé, estão no clube de oficiais; o tiroteio intensifica-se nas unidades por toda a cidade, várias auto-metralhadoras invadem as ruas e os oficiais que estão no clube usam todos os meios para regressar às suas unidades.
Entretanto os militares da CPM590 pegam no seu camarada Tavares, metem-no num jipe e debaixo de fogo dirigem-se para o HM241, enquanto o capitão Araújo e o alferes Tomé chegam ao Forte da Amura sob fogo cruzado, vindo ninguém sabe de onde.
Todas as luzes da cidade são apagadas, tocam as sirenes mas não se vê ninguém em volta dos quartéis.
Na fortaleza, o capitão e o adjunto correm aos postos de sentinela e mandam alto ao fogo, telefonando de seguida para todas as unidades ordenando que cessem imediatamente todos os disparos. Pouco depois entra na fortaleza o jipe da patrulha, com os dois civis que são apresentados pelo primeiro-cabo ao capitão Araújo: o comandante da PM ouve as explicações, repreende o chefe da patrulha e de seguida telefona ao comandante da Marinha, após o que segue com os dois civis para o cais, a fim de se certificar do acidente: o jipe está submerso e o condutor debaixo da viatura.
O capitão Araújo regressa ao Forte da Amura e manda um soldado PM levar os dois guineenses ao HM241, para que sejam tratados das escoriações resultantes das injustas bastonadas do primeiro-cabo da patrulha. Quando chegam ao hospital, na enfermaria o soldado Tavares já foi tratado, tendo-lhe sido extraída do artelho uma bala de calibre usado nas armas portuguesas; e na morgue, coberto de lodo, está o cadáver de Pedro Pais Gomes, natural de Santo André (Mangualde), 1º Cabo mecânico auto-rodas da CCac616. Chegado a Bissau, quatro dias antes.
"Requiescat In Pace"
(fonte: ultramar.terraweb.biz/06livros_LeonelCostaBarreiros)
Já sei
Tudo isto foi devido ao tédio dos sentinelas.
Se alguém insinuar que foi "cagufa",que se apresente...para levar uma "porrada".
Lamento a morte do soldado e a porrada que os estivadores levaram dos pms.
C.Martins
Pede-se ao NAVEG, autor de um dos comentários, que se identifique devidamente. Aqui não precisamos de andar encriptados.
Carlos Vinhal
Co-editor
Acabo de ler o comentário escrito no meu post A BATALHA DE BISSAU DE JANEIRO DE 1964. Tenho que confessar que fiquei estupefacto com a minúcia dos factos que realmente aconteceram naquela noite, e dos quais não me recordo de na altura ter tido um tão completo conhecimento, inclusive no mencionar dos vários nomes como o do Alf. Tomé, que com frequência, nas noites quentes de Bissau, se passeava com imponência na avenida principal de Bissau de bota alta e de pingalim na mão e que, depois, quando já Major, foi grande revolucionário e deputado da UDP.
Meu amigo, muito obrigado por ter tão bem e tão exaustivamente descrito aqueles acontecimentos.
Fico agora bastante apreensivo pelo facto de 4 dias após a minha chegada à Guiné, (desconhecia a data), ter estado tão perto de uma situação insustentável e de final certamente muito trágico se, na altura e seguindo as pressões dos pedidos de socorro que eram recebidos no Quartel General, eu avançasse para a Baixa de Bissau com os 30 homens do pelotão de intervenção.
J. Sacôto
Ex. alf.mil CC617
Enviar um comentário