segunda-feira, 19 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13162: Notas de leitura (592): "Operação Mar Verde" em banda desenhada, por A. Vassalo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2013:

Queridos amigos,
O artista Vassalo Miranda tem vários álbuns de banda desenhada publicados e recentemente recuperou o episódio da Operação Mar Verde, relevando na introdução a admiração que sente por Alpoim Calvão, de quem se fez amigo e admirador.
O grafismo, com o concurso do texto, tem o mérito de poder explicar a um leigo no que constituiu a Operação Mar Verde em si, sem tirar quaisquer implicações de política internacional que, como é sabido, foram tremendas, agravando o isolamento do governo de Lisboa.
Não sei exatamente se é um acontecimento inédito esta banda desenhada, de tudo o que tenho lido e folheado nada encontrei de tão singular e com uma qualidade de desenho que não se pode minimizar.

Um abraço do
Mário


Operação Mar Verde em banda desenhada

Beja Santos

António Manuel Constantino Vassalo Miranda foi combatente na Guiné e é artista plástico, assina Vassalo de Miranda, na banda desenhada tem diversos álbuns publicados onde assina A. Vassalo. “Operação Mar Verde” é a banda desenhada que criou para um dos episódios mais violentos da guerra na Guiné, trata-se de uma edição Caminhos Romanos, 2012.

Na introdução, o autor escreve: “Na Guiné, em 1964, conheci um homem incrível, que me catapultou para o imaginário. Ambos pertencíamos a unidades de elite das Forças Armadas. Eu, furriel dos Comandos e ele, 1º tenente, comandante do 8º Destacamento de Fuzileiros Especiais. Homem valente, altruísta, desvalorizando situações constrangedoras, animando os seus homens e, sobretudo, de uma grande humanidade tanto para os seus como para os adversários. Qualquer um de nós seguíamo-lo sem questionar. Nasceu entre nós uma grande empatia que dura até hoje. Obrigado comandante Alpoim Calvão".

Vemos Vassalo Miranda dos “Comandos” a conversar com Alpoim Calvão na Ilha do Como, Calvão fala-lhe de uma missão especial e secreta em território estrangeiro para libertar um piloto, Vassalo Miranda mostra disponibilidade. Anos depois, em princípios de 1969, há a informação que a URSS fornecera à Guiné-Conacri 4 vedetas rápidas do tipo Komar e ao PAIGC 3 lanchas do tipo P-6. Escreve-se: “Esta situação era explosiva para a segurança dos nossos navios mercantes e militares, que pela calada da noite poderiam ser atacados. Foi o mote aproveitado pelo comandante Alpoim para convencer o comandante-chefe a despoletar uma operação arrojada para eliminar aquela ameaça e libertar os prisioneiros. Calvão idealizou uma operação de aniquilamento das 7 lanchas. De acordo com esse plano, uma lancha de fiscalização grande aproximar-se-ia do porto de Conacri, durante a noite, seriam lançadas algumas equipas de homens-rãs que fixariam algumas minas-lapas nos cascos das vedetas, regressariam a Bissau, os navios explodiriam, não se conheceria a mão destruidora. Spínola aceitou o plano, Calvão comprou na África do Sul as minas necessárias, em Setembro, pela calada, uma lancha disfarçada de um navio do PAIGC dirigiu-se a Conacri e fez um levantamento de todo o porto e cais acostáveis, a missão foi um sucesso. Calvão arquitetou um plano ainda mais vasto e audacioso, além de destruir as lanchas e libertar os 26 militares portugueses, sugeriu a destruição das instalações do PAIGC e o apoio a uma tentativa de golpe de Estado para depor Sékou Touré, destruindo também os MIG-17 existentes nesta república. Spínola aprovou, Calvão foi ao encontro dos dissidentes da Guiné-Conacri. Pelo caminho, Marcello Caetano aprovou a operação. Dissidentes e comandos africanos foram concentrados na ilha de Soga. Ninguém levava documentação pessoal ou distintivos de identificação, o próprio armamento e equipamento não eram usados pelas Forças Armadas portuguesas. Enfim, tudo fora congeminado para que as instâncias internacionais, quando inteiradas do golpe, pensassem tratar-se de uma operação de mercenários".

O autor descreve os acontecimentos da “Mar Verde”, a partir das oito horas da noite de 20 de novembro, envolvendo lanchas, 200 elementos dissidentes, uma companhia de Comandos africana e um destacamento de fuzileiros especiais, o 21, também africano. A banda desenhada elucida o evoluir das diferentes fases das operações, a destruição das lanchas, as 7 explodiram, conforme o previsto. Seguiu-se o avançar dos Comandos sobre a prisão onde estavam os 26 militares, o ataque às instalações do PAIGC, a tentativa de assassinato de Sékou Touré a que se seguiria o ataque ao campo da milícia popular de Conacri. A prisão é assaltada e os prisioneiros libertados; outro grupo irrompe nas instalações do PAIGC, destroem casas, fazem alguns mortos e rebentam com viaturas. Sékou Touré não se encontra em Villa Silly, dirigem-se então para o campo das milícias populares que puseram a ferro e fogo.



Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > 13º Encontro Nacional de Combatentes > O João Parreira, à esquerda, e o Vassalo Miranda, à direita: dois veteranos dos velhos comandos de Brá. O Miranda, do Grupo Os Panteras, foi instrutor do Parreira, do Grupo Os Fantasmas. O João Parreira é membro da nossa Tabanca Grande.

Foto: © Luís Graça  (2006). Todos os direitos reservados.


Noutra vaga vão 40 Comandos que se aproximam da guarda republicana, a força da elite de Sékou Touré, provocam imensos estragos e libertam 400 presos do regime. Uma outra equipa, composta por 10 Comandos e um engenheiro eletrotécnico dissidente, dirigiu-se à central elétrica, desligou a iluminação e deixou a cidade na escuridão. Outra equipa composta por Comandos e dissidentes dirigiu-se ao campo militar de Samory onde se travou uma luta renhida, ficaram os dissidentes que resistiram à tentativa de reocupação pelas tropas leais a Sékou Touré e acabaram por ser chacinados. A equipa que recebera a missão de calar a rádio Boudinet andou à deriva, isto enquanto outra força atacava uma coluna de blindados com relativo êxito. Calvão vem a terra já que a rádio Boudinet não se calava. A equipa que recebera a missão de destruir os MIG-17 encontrou o aeroporto só com aviões civis. Uma notícia que cai que nem uma bomba: o tenente Januário desertara com 20 dos seus homens. Como escreve o autor na banda desenhada, Januário perpetrara esta deserção, arrastou consigo vinte dos seus homens. Finda a operação Mar Verde, fez declarações na rádio comprometendo Portugal. Sékou Touré foi implacável, mandou fuzilá-los a todos. No turbilhão instalado em Conacri, segmentos da população vitoriam o golpe. Mas as forças atacantes não podem esperar mais, destroem pistas comprometedoras, reembarcam. Calvão tivera tempo para verificar que os dissidentes não tinham a implantação que apregoavam. Diz o autor: “O resultado desta operação foi espetacular, e enuncia os objetivos alcançados com plena execução”. Terminando assim: “Que se calem os velhos do Restelo”. Na reta final da banda desenhada ainda deixou outro elogio: “Terminara a única operação realizada pela nossa Armada desde a batalha de São Vicente (1833) com implicações de ordem estratégica, com possibilidades de alterar o curso de uma guerra. Foi também, a última ação em que os portugueses tiraram partido do domínio dos mares, para tentar ganhar uma guerra”.

Tanto quanto sei, é a única banda desenhada referente a feitos que se realizaram na guerra da Guiné.

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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13152: Notas de leitura (591): Michel Té, uma voz original na literatura luso-guineense (Mário Beja Santos)

6 comentários:

Luís Graça disse...

Nos EUA, este operação (temerária) teria dado um grande filme de ação... Em Portugal, pelo menos temos esta banda desenhada, que eu desconhecia...

Parabéns ao Vassalo que foi nosso camarada... E parabéns ao Mário por "desencantar" mais este livro e fazer a sua recensão...

JD disse...

Pena que tenha falhado, ou poderia ter mudado o rumo da guerra. Como poderia ter aumentado o incremento da actividade inimiga. O que ainda não consegui apurar, foi a motivação do Januário para desertar, tanto mais que em Bissau era dos jovens com mais "sucesso" pessoal. Estaria irritado?
Se a operação tivesse sido cuidadosamente preparada e executada com êxito, Portugal, eventualmente, poderia ter retirado alguma vantagem, que, se acentuada por acções cirúrgicas complementares, poderiam ter provocado graves perturbações no PAIGC, e afectado uma frente única do bloco de leste no Atlântico a norte do Equador. A prevenção evidenciada contra os efeitos da Mar Verde, parece provar várias fragilidades do lado lusitano, nomeadamente, no que respeitou às informações.
JD

Luís Graça disse...

Mário:

Uma sugestão. Não costumas pôr a referência (completa) das obras de que fazes a recensão, inckluindo o nº de pp, preço, etc....

Pode ser útil para o leitor que quer adquirir o livro no mercado... Neste caso, seria a seguinte referência:

Título: Operação Mar Verde
Argumento e Desenho: A. Vassalo
Publicação: Porto, Caminhos Romanos, Outubro 2012
Descrição física: 32 pág. + capas, p/b, agrafado, A4,
Preço: € 5,00

Luís Graça disse...

Agora dou conta de que o A. Vassalo é, nem mais nem menos do que um velho comando de Brá, do tempo do Mário Dias, do Virgínio Briote, do João Parreira, e de outras camaradas comandos que integram a nossa Tabanca Grande. Conhecio-o, pessoalmente, em Belém, em 10 de junho de 2006. Não sabia que ele era um talento autor de BD!

Parabéns, Miranda!

Hélder Valério disse...

Conheço o "Setúbal" citado nesse bocado da ilustração.
Homem de confiança e 'braço direito' de Alpoim Calvão. Tem estado doente mas está a recuperar.
Já Alpoim Calvão também passou por problemas, com as suas consequências.

Abraço
Hélder S.

Hélder Valério disse...

Onde se foi tirar a ideia de que "a tira mostrava o Calvão"?
O tom da observação mostra algum 'enfado', desgosto por qualquer coisa que não se percebe bem o quê, a não ser aquela postura habitual de 'os outros' estarem errados, fazerem mal, etc..
O artigo divulga a existência da Banda Desenhada.
O artigo considera que parece ser a única do género sobre a 'nossa guerra'.
O artigo refere-a como interessante.
O artigo diz o que se sabe, que é sobre a "Operação Mar Verde".
O livro tem muitas "tiras".
A que se mostra é apenas para 'ilustrar' e até ajudar a incentivar os camaradas a procurarem ver mais.
Não diz que "aquela tira" é sobre Alpoim Calvão.
Daí que não me parece haver lugar à observação "ao menos acertem nas pessoas".

Deve-se ver e ler as coisas com 'mente aberta' e com menos preconceitos.

Hélder Sousa