Sexagésimo sétimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.
8 - Da Florida ao Alaska
Era madrugada, alguns animais vinham beber água
àquela parte do lago, arrumámos a “tralha”, que é como
chamamos a todas aquelas coisas que nos facilitam um
pouco a vida, principalmente quando andamos em viajem
por zonas onde felizmente a civilização ainda não chegou,
abandonámos a região do “Muncho Lake”, que é um
maravilhoso lago localizado na parte norte-oeste
da Província de British Columbia, no Canadá. Àquela zona chamam “Muncho Lake Provincial Park”,
designando-se a sua localização como “Historic
Milepost 423”, do “Alaska Highway”, e tem mais ou
menos sete milhas e meia de extensão,
aproximadamente 12 quilómetros. Falando nas medidas
que se usam em Portugal, a sua largura varia entre 1 e 6
quilómetros, 223 metros na parte mais funda e, está
rodeado por picos de montanha, alguns cobertos de gelo
com milhões de anos, com uma altura que chega a atingir
os 2000 metros, mas não podemos esquecer que o lago
se situa mais ou menos a 800 metros do nível do
mar, cuja água é proveniente do Trout River e dos
“glacieres”, que são uma grande e espessa massa de
gelo formada em camadas sucessivas de neve
compactada e recristalizada, de várias épocas, em
regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo
e, para quem não sabe, o gelo dos “glacieres”, é o maior
reservatório de água doce que existe sobre a terra. A cor
verde jade da sua água, dizem que é atribuída à presença
de óxido de cobre nas rochas que compõem a base do seu
leito e, o seu nome deriva da língua “Kaska”, que
designa “muncho” que quer dizer “muita água”.
Olhando mais uma vez aquele “paraíso”, seguimos
viagem, a estrada umas vezes era encostada a
precipícios, onde só podia passar um veículo de cada vez,
e com letreiros a dizer que podiam cair pedras, outras
vezes era suave, longas retas, animais a cruzarem a
estrada, talvez admirados e não muito felizes com a
presença humana no seu território, algumas pontes, ainda
do tempo do início da construção da estrada. Tudo seguia
normalmente, até surgir aqueles longos camiões, com
dois e três atrelados, daqueles que não podem fazer
manobras, só podem seguir em frente, que nos causavam
algum transtorno, pois em estradas de pedra miúda, os
pneus fazem saltar algumas que partem vidros, mesmo a
uma distância de centenas de metros, o que nos
aconteceu, marcando o vidro do Jeep em três locais,
felizmente o vidro era resistente e não nos aconteceu
quase nada, só o susto.
Parávamos muitas vezes, apreciando riachos selvagens,
paisagens de montanha, animais selvagens, tirando fotos,
ajudando motociclistas e outros veículos com problemas,
não só cedendo gasolina, mas também rebocando,
tirando de buracos fundos de lama.
Passámos na “Historic Milepost 496”, onde se situa o
“Liard River Hotsprings Provincial Park”, com uma
piscina de água quente, que não é mais do que uma
represa do rio, onde as pessoas se banham em água
quente.
Um tempo de estrada com quase as mesmas paisagens,
um pouco depois de passar a fronteira para a província de
Yukon, aparece a “Historic Milepost 635”, onde nasceu
a cidade de Watson Lake, onde próximo existe um
pequeno aeroporto, uma pequena indústria de minas,
comércio, onde comprámos fruta, água, pão, alguns
géneros de primeira necessidade, e claro, gasolina. Aqui
a polícia local viaja de carrinha, tipo “pick-up”, parando
quase sempre, quando vê um veículo com matrícula de
outro país, não passa qualquer multa, só quer informar e
conversar.
Nesta pequena cidade existe uma importante atracção
turística que é o original “Signpost Forest”. Tudo
começou no ano de 1942, quando um militar do Exército
dos USA, muito saudoso, trabalhando na construção do
“Alaska Highway”, resolveu colocar num poste, uma
placa com o nome da povoação onde tinha nascido,
assim como a distância de onde se encontrava, logo
outros o seguiram e, no ano de 2010, já lá havia mais de
76.000 placas, oriundas dos mais diversos países do
mundo, algumas com nomes que incluem, três gerações
de uma só família. O “Signpost Forest”, é uma das
“atracções de estrada”, mais famosa, não só no
Canadá, como em todo o mundo.
Continuando, com o Jeep e a Caravana em boas
condições, a estrada com zonas boas, outras de terra e
pedra e, as obras de reparação incluíam, em zonas secas
uma rega de água de cimento, pelo que, se tivéssemos a
infelicidade de ir logo a seguir ao carro de rega, “pintávamos”
a viatura de cimento.
Passámos pelo “Historic Milepost 733”, em Swift River,
a placa de sinalização antes da povoação dizia “comida,
gasolina e hotel”, mas quando passámos, estava tudo
fechado, dando a entender que os poucos
estabelecimentos estavam fechados ou abandonados. Seguimos até um pouco antes da povoação de Teslin, que é
marcada pelo “Históric Milepost 804”, parámos antes
num lindo miradouro sobre o lago de Teslin, donde se pode
admirar a ponte e a povoação. Seguindo, depois da ponte,
havia um museu, que na altura estava fechado, cartazes a
convidar a ir pescar e passear no lago, mas a nossa
atenção era uma estação de serviço, que encontrámos,
onde a pessoa que atendia, dentro do estabelecimento,
nos pediu o cartão de crédito. Verificou duas ou três
vezes, abriu a estação número 2, enchemos a gasolina
que desejávamos, fez a transação, assinámos o papel e,
perguntando nós qual a distância para a cidade de
Whitehorse, que era o nosso próximo destino, logo nos
respondeu, com um sorriso malicioso, mencionando o
nosso sotaque de voz, que devíamos de ser oriundos dos
“States”, que nesta zona, não importavam as distâncias,
era o tempo que podia demorar, talvez com este clima e
estas obras na estrada, de três a quatro horas.
Eis-nos de novo na estrada, chegámos à cidade de
Whitehorse, que é assinalada pelo “Historic Milepost
884”, que podemos dizer ser um “Oásis” no deserto. Tem um cruzamento de estradas, onde se pode tomar o
rumo do sul ou do norte, é banhada pelas duas margens
do rio Yukon, dizem que é a cidade com a menor poluição
do ar, no mundo, e mais, o rio Yukon é navegável a partir
daqui, até ao mar de “Bering” e, existem serviços de
passageiros ou de carga que usam o rio, aqui na cidade
de Whitehorse.
Actualmente é possível fazer a rota da “febre do ouro”
pelo rio Yukon, abordando algum dos barcos como o
“M.V. Schwatka”, que realizam este trajecto desde a
cidade de Dawson City até esta cidade de Whitehorse,
podendo durante o percurso contemplar o “Canyon
Miles”, impressionante pelos seus “muros”, que é o
lugar onde o rio passa entre altas rochas e, a sua
corrente é um pouco mais forte, tornando o rio um pouco
mais revoltoso.
Já há alguma “civilização”, centro de turismo com
computadores disponíveis, hotéis e restaurantes
“temáticos”, comércio normal, estações de serviço, das
principais marcas de combustível, alguns parques
agradáveis, alguma juventude na rua, principalmente em
frente aos restaurantes “temáticos”.
Depois de despendermos algum tempo nesta cidade,
como nesta altura do ano é quase sempre de dia,
sentindo-nos bem, abandonámos o “Alaska Highway”,
tomando a estrada número 2, em direcção ao norte,
fazendo o “Klondike Loop”, que é como chamam ao
desvio que se faz para andar mais 550 quilómetros, de
estrada de terra e pedras, para se chegar à cidade
perdida de Dawson City, lá no norte do Canadá, onde
muitos anos atrás algumas corajosas pessoas
começaram a pesquisa de ouro.
Mas não queremos abandonar a cidade de Whitehorse
sem vos falar que, nesta cidade, existe uma relíquia
oriunda de Lisboa, Portugal, trata-se de um “Eléctrico”
que circulou pelo Rossio ou Alfama, trata-se do
“Whitehorse Waterfront Trolley”. Esta “relíquia” foi
restaurada e transporta turistas numa zona ao lado do rio
Yukon, vai desde o Rotary Peace Park, que está localizado
ao sul do edifício do Turismo, e vai até ao limite norte da
cidade, a que chamam a estação de Spook Creek. Este
“Eléctrico” serviu o sistema de eléctricos
de Lisboa, Portugal, desde 1925 até 1978, data em que
foi vendido ao Southeastern Railway Museum, de Duluth,
na Georgia, USA, que por sua vez, o vendeu à cidade de
Whitehorse, em 1999, tendo sido restaurado pelo “Historic
Railway Restoration”, em Arlington, WA, nos USA.
Actualmente tem capacidade para 24 passageiros, e roda
sobre carris que foram construídos ao longo do White
Pass e Yukon Route.
Depois de rolar alguns quilómetros pelo trajecto do
“Klondike Loop”, a tal estrada, rumo à cidade perdida
de Dawson City, lá no norte, um pouco cansados,
comemos dos géneros que tínhamos comprado na
cidade de Watson Lake, onde está o “Historic Milepost
635”, dormindo num parque de campismo localizado junto
ao rio Yukon, na localidade de Carmacks, onde antes nos
sentámos na ribanceira do rio, apreciando a paisagem,
abrindo uma garrafa de vinho português, bebendo por
dois copos, que foram atirados ao rio, em homenagem
aos nossos companheiros que por lá ficaram. Jovens
com esperança num futuro que infelizmente não tiveram,
nos rios e bolanhas da Guiné, onde a água corria com
uma certa velocidade e, um pouco “barrenta”, tal como
aquela que passava à quase meio século, debaixo da
ponte do rio Mansoa, em direcção ao Oceano AtlIantico,
tudo isto, como já explicámos, a caminho da cidade
perdida de Dawson City, viajando no “Klondike Loop”,
rumo ao norte, por uma estrada quase deserta, na
província de Yukon.
Neste dia percorremos 589 milhas, com preço da gasolina
variando entre $1.88 e $1.98 o litro.
Tony Borie, Agosto de 2014
____________
Nota do editor
Último poste da série de 20 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13629: Bom ou mau tempo na bolanha (66): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (7) (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
5 comentários:
Olá Tony!
Estou a gostar do passeio, que deves ter feito em período estival, mas, ainda assim, com desníveis de temperatura a raiar o frio. Imagino. As fotografias são interessantes e demonstrativas do imenso pulmão que essa região constitui. Agora, mais a norte, imagino que a flora vai escassear.
Agora prepara-te para a reprimenda: lançaste dois copos de plástico à água? Não me cabe na cabeça: um tipo com preocupações ambientais, num local que parece um templo da natureza, a comportar-se como um rufia da nossa beira-rio?
Faz o favor de, no regresso, ires lá buscá-los.
E boa viagem. Com um abraço
JD
Mais uma boa lição histórica, como sempre documentada com fotos actuais.
O nosso camarada ecologista JD não perdoa nada,nem tendo em consideração que os 2 copos de plástico foram lançados ao rio em homenagem aos nossos camaradas que morreram afogados nas aguas barrentas dos rios da Guiné.
Caríssimo Tony
Já faz algum tempo, neste caso alguns episódios de "bom tempo na bolanha", que não coloco qualquer comentário.
Não quer isso dizer que não acompanhe a tua viagem com interesse, apenas fico a aguardar por melhor ocasião.
Mas desta vez acho por bem dizer que o Canadá sempre exerceu algum fascínio sobre mim.
Quando era jovenzito, sempre interessado em 'viver' as aventuras que li nos livros e revistas e também as que eram 'sopradas' aos ouvidos, cheguei a uma fase em que era Moçambique onde queria ir 'missionar os pretinhos', influenciado pelas vezes em que o "Manel sacristão" ia à Escola, na Primária, e lá tínhamos a tarde de "Religião e Moral".
Mais tarde, por causa dos inúmeros filmes que vi cedidos pela Embaixada do Canadá e que a Secção Cultural da UDVilafranquense passava, 'senti' que era o Canadá que eu queria visitar.
A realidade é que a vida em vez da Moçambique levou-me até à Guiné e quanto às Américas, não fui ao Canadá mas, como na canção doa "Da Vinci", já fui ao Brasil....
Portanto, deves então entender que sigo com muito interesse e curiosidade este teu relato.
Quanto ao eléctrico que falaste e mostraste a foto não deixa de ser interessante, até porque recentemente por aqui passaram lembranças do "28" embora esse modelo da foto seja mais do tipo daqueles que iam para Algés, Cruz Quebrada, por serem mais compridos.
Continua, amigo.
Abraço
Hélder S.
Boa tarde companheiros.
José Colaço, obrigado pela tua apreciação, oxalá os nossos companheiros também gostem e, viajem connosco.
Hélder, a tua manifestação, dos teus desejos, quando jovem, espero que em uma pequenina parte, se retrate neste resumo de palavras e fotos que com a dedicação do Carlos Vinhal, vamos mostrando aos nossos companheiros. Obrigado e, não calculas como aprecio os teus comentários, pois já fazem parte dos meus textos.
José Dinis, tens toda a razão em me "repreender", não se deve aumentar a poluição do nosso "planeta". Diminuir a poluição, tanto sonora como física, foi uma das minhas especialidades, enquanto pessoa profissional, que exercia as suas funções numa multinacional na região de Nova Jersey, que infelizmente, era uma das áreas mais poluídas não só dos USA, como em todo o mundo. Não é desculpa, tens razão e, sei que sempre dizes a verdade e, é assim que deve de ser, quer gostem ou não, quando sentimos que estamos certos, devemos dizer, falar, ser francos, e eu, não procurando desculpas para o meu erro, sendo franco, pois "especificamente", não sei se é assim que se escreve, quando dizemos plástico, é uma qualquer variedade de sólidos orgânicos sintéticos ou semi-sinteticos, que são moldáveis, mas os plásticos são "polímeros orgânicos", também não sei se é assim que se escreve, típicos de uma elevada massa molecular, mas muitas vezes contêm outras substâncias e, claro, este dos copos que lancei no rio Yukon, com toda aquela emoção do momento, eram geralmente sintéticos, mais vulgarmente derivados a partir de produtos petroquímicos, onde muitos são parcialmente naturais, portanto espero que se dissolvam, no mínimo espaço de tempo!.
Se assim não acontecer, daqui a dois ou três milhões de anos, um qualquer "robot", que representa a raça humana, ao encontrá-los, num qualquer deserto, árido e seco, dirá, depois de "trincá-los": "is plastic"!.
Um abraço, dos grandes,
Tony Borie.
Meu caro Tony,
...desculpa lá qualquer coisinha, mas olha que a boleia que me estás a oferecer é fantástica. Com o teu belo trabalho sempre poupo uns dolarzinhos. É que também tenho que fazer contas de reformado...
Abraço
José Câmara
Enviar um comentário