Trigésimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 13 de Outubro de 2015.
Azul de Primavera
Há dias o nosso comandante Luís dizia-nos entre outras
coisas que, há muita malta que já "arrumou as botas" e
que nem sequer pachorra já tem para nos ler, preferindo o
Facebook... e depois convidava-nos a falar dos diversos Comandantes-Chefes lá daquele território, que na
altura estava em guerra.
Nós só conhecemos um deles, era o Schulz e, como ele
menciona, não Schultz, como alguém o trata, referindo-se
ao seu nome, nós com menor ou maior simpatia, só o
vimos pessoalmente por duas vezes lá em Mansoa. Lembrámo-nos que tinha cara de “velho”, tal como nós
nesta altura da nossa vida, por uma dessas vezes passou
por Mansoa onde houve “rancho melhorado”, creio que a
pedido do nosso comandante do Agrupamento, colocando
uma “Cruz de Guerra”, no peito do Curvas alto e refilão,
que se recusou a vir à então Metrópole, no dia 10 de
Junho, ao Terreiro do Paço em Lisboa. Outra foi
quando fez parte do comando que dirigia a partir de
Mansoa uma operação militar que envolvia todos os
ramos das forças armadas, à zona ocupada pelos
guerrilheiros, no Morés, no Oio. Esta operação
demorou três dias, ele ia e vinha de Bissau, de
helicóptero, fazendo uma poeira terrível lá no
aquartelamento, numa zona onde se iniciavam algumas
obras, voando folhas, papeis e pó de cimento, ao ponto
de todos nós maldizermos a sua presença.
Já chega de guerra, vamos contar coisas daqui, de
fenómenos da Flórida, nós, os que ainda vamos
sobrevivendo, creio que continuamos a ser aventureiros,
queremos estar onde não estamos, por exemplo, vivemos
aqui, numa área de sol, muito quente, onde às vezes
“chove a rodos”, num clima que consideram subtropical,
onde as águas de oceanos são quentes e, como tal,
propensas a uma precipitação pesada, onde existem os
tais ciclones tropicais, que podem contribuir para uma
percentagem significativa da precipitação anual, por
exemplo, nos nossos quintais, não estão plantadas,
macieiras, pereiras, ou ameixoeiras, mas sim palmeiras,
citrus, mangos, abacates, bananas ou papaias, pois estas
espécies podem ser cultivadas dentro dessas regiões
subtropicais.
Vão pensar que é agradável, mas temos que cortar a
relva e outros arbustos todas as semanas à volta da casa,
temos que ter o ar condicionado pelo menos seis ou sete
meses por ano sempre ligado, mas no fundo é um risco
relativo viver por aqui, pois estamos apenas a três metros
e pouco, acima do nível do mar, o que quer dizer que se
houver uma tempestade em que o mar se revolte,
com facilidade atravessa este enorme estado da Flórida,
que é plano, se cavarmos no solo, a vinte centímetros de
profundidade aparece areia branca, não existe qualquer
pequena ou grande montanha, e claro, a fúria da água do
mar pode varrer tudo até ao Golfo do México, mas como
dizíamos antes, continuamos a ser aventureiros.
Tudo isto vem a propósito de que aqui na Flórida
visitámos um local quase no centro do estado, chamado
“Blue Spring State Park”, que quer dizer mais ou menos
“Parque do Estado Azul de Primavera”, onde existe uma
nascente de água fresca, no meio de um canal de água
salgada, que é um refúgio na época de inverno para uns
simpáticos seres que se chamam “manatees”, que se
alimentam, entre outras coisas de vegetação aquática,
dizem que comem 100 libras (cerca de 45kg) de alimento por dia, que por
aqui se refugiam procurando a água que brota do fundo
do canal de água salgada, com temperatura por volta de
72 graus (cerca de 22º Celsius). A água é cristalina na zona da nascente, que
vem de uma profundidade com algumas dezenas de
metros, na área em redor da nascente pode-se ver o
fundo do canal, tirando este pormenor da água cristalina,
o cenário em redor, faz lembrar-nos a nossa “Guiné
selvagem”, plantas, árvores, ramagem, pássaros, peixes
com alguma dimensão, alligatores, que são uma espécie
de crocodilos, que por aqui habitam, tudo nos mostra este
cenário tropical, onde em tempos foi filmado um episódio
da série de “Underwater World of Jaques Cousteau”.
É uma área com alguns quilómetros quadrados, de pura
selva tropical, com carreiros abertos entre as árvores, em
alguns locais, passadeiras protegidas, pequenas pontes
em madeira sobre riachos, onde se pode ver e respirar a
natureza pura, onde as cobras, alligatores, peixes ou
pássaros exóticos, vivem no seu território, sabendo que
os humanos os vêm mas não os perturbam, vimos vários
alligatores ao sol, fora da água, aproximámo-nos para os
fotografar de perto, um pássaro, em cima de uma árvore,
“cantou”, como se fosse um aviso, os alligatores
imediatamente se meteram debaixo da água, portanto os
animais protegem-se, vivem em comunidade, as árvores
com centenas de anos, algumas já morreram, caíram,
mas continuam lá, onde as folhas secas, que vão caindo,
as cobrem em sinal de respeito, como a protegê-las para
a eternidade, tudo está limpo e arrumado, sem papeis,
garrafas ou latas vazias pelo chão, sem pinturas murais,
como é costume ver-se em qualquer zona urbana, que
existem por aí, principalmente nas grandes cidades.
Valeu a pena.
Tony Borie, Outubro de 2015
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Nota do editor
Poste anterior da série de 11 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15234: Libertando-me (Tony Borié) (38): A nossa farda amarela
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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