quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15465: Antropologia (23): “Portugal Romântico”, com texto de Frederic P. Marjay, edição de 1955 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
Este livro tem consigo uma chave explicativa para a imagem que se pretendia dar ao estrangeiro sobre o Portugal dos meados da década de 1950: os tesouros da História, a ordem por toda a parte, a doce harmonia entre os tesouros preservados dos nossos ancestrais e a construção de infraestruturas modernas.
Um país com espécimenes incontornáveis da arte românica e gótica, um país com moinhos, fiadeiras, com fontes e tranquilidade. O país de Aljubarrota e da viagem de Vasco da Gama, um país virado para o mar, com belíssima praias, com excelente vinho, sargaceiros, cruzeiros, com beatitudes da natureza, campinos, o Navio-Escola Sagres, a cal das casas alentejanas, as amendoeiras em flor, a epopeia das pescas.
Este o Portugal romântico, esvaído nas brumas da memória, com fotografias impressionantes, a rivalizar, e nalguns casos a ultrapassar o que que cá vieram fazer génios da fotografia como Sir Cecil Beaton e Henri Cartier Besson.

Um abraço do
Mário


O Portugal fabuloso da década de 1950

Beja Santos

Encontrar na Feira da Ladra, com preço altamente abordável, que nada tem a ver com os preços a que a obra se vende nos leilões, o “Portugal Romântico”, com texto de Frederic P. Marjay, edição de 1955, foi dia em que se bateu com a biqueira do sapato no chão e saiu pepita de ouro. Frederic P. Marjay, basta ir ao Google, escreveu que se fartou obras de bom grafismo e de apresentação de Portugal sobre múltiplas facetas. Naquele ano, resolveu olhar para Portugal, para aquela gente ordenada, sorridente, amante da casa portuguesa com certeza, o Portugal marítimo, das igrejas românicas do Norte, do Mosteiro da Batalha, do Mosteiro dos Jerónimos, de uma rapariga alentejana fotografada em estúdio, do tempo em havia pesca do atum no Algarve e o corridinho era uma delicadeza etnográfica só para o mercado interno. Um Portugal fabuloso, de gente crente, pobrete mas alegrete.


Marjay, diga-se em abono da verdade, era exigentíssimo na escolha das imagens, iremos encontrar neste álbum com texto em inglês e em português fotografias, entre outros, de Artur Pastor, Domingues Alvão, Amadeu Ferrari, Otto Auer Júnior, Horácio Novais e António Rosa Casaco.


Que será que, em Portugal, nos atrai com tal intensidade, desde o primeiro instante? Temos o tempo histórico, o país que desabrochou a partir do Condado Portucalense, um rei esforçado e aí o autor lançou-se desbragadamente na fábula, entrou na lenda da Batalha de Ourique, ora vejam: “Livre em relação aos castelhanos, D. Afonso Henriques lança-se contra os sarracenos e infligi-lhes a derrota de Ourique, a mais bela vitória alcançada pelos cristãos contra os infiéis. Nessa batalha, 13 mil portugueses derrubaram 400 mil árabes. Cinco reis mouros foram vencidos ao mesmo tempo. Foi no Campo de Ourique que Cristo apareceu, segundo a lenda, a D. Afonso Henriques, prometendo-lhe a derrota dos mouros e a sua proteção a Portugal. Desde então, a pátria portuguesa ficou sob a proteção de Cristo”.


As margens do Douro, a linda ponte sobre o Rio Lima, a Igreja de Rates, o Mosteiro de S. Pedro de Roriz, isto é o Norte, onde as mulheres de Mogadouro fiam e os Pauliteiros de Miranda revelam o fascínio pela sua dança artística e original. Cá mais a baixo, ali bem perto de Peniche, há esta fortaleza que pouco serviço bélico prestou mas que hoje é um encanto, encastrada em paisagem protegida, garanto-vos que só para chegar aqui vale a pena esperar pelo mar calmo e contemplar património construído dentro de um exótico património natural.


Estes livros eram para ser comprados por turistas com posses, eram distribuídos nos centros do turismo de Portugal espalhados por bastantes países, e eram oferecidos pelo SNI e departamentos oficiais aos convidados. Todas estas imagens são marcantes, intrigam ou assombram.


O mar é destino de Portugal, somos um país de marinheiros, o nosso mar conhece ondas gigantescas, inventámos a caravela, ou quase, e fomos pelo mundo fora. E escreve o autor que os portugueses venceram todas as violências das águas infinitas. A sua audácia, a sua coragem, o seu heroísmo, dominaram todas as dificuldades que se lhes opuseram. Estamos ligados ao Atlântico, é este o nosso destino e a nossa sorte. E temos o peixe, que é do melhor, já fomos grandes consumidores dele, da costa Norte, passando por Sesimbra e quase todo o Algarve, o peixe foi riqueza e deu indústria grada, a das conservas, durante as guerras a nossa sardinha enlatada matou muita fome, consolou muito estômago em casas particulares, em submarinos e nas frentes de combate.


Há os belos templos e há essa profunda religiosidade. O autor lembra-nos Fátima como resposta direta ao ateísmo do século XX. E porque o livro se destina a turistas deixa-se uma informação pertinente: “Pelo menos metade dos visitantes pertence à classe média de todo o mundo. Senhoras da sociedade sueca e norueguesa, engenheiros alemães, sábios franceses, arquitetos americanos, médicos de toda a parte, até professores universitários lá vão. Cada um deles tem o seu desgosto, a sua dor, a sua preocupação ou a sua doença, talvez incurável. Vão ali orar e arrepender-se”.


Há os castelos, as raparigas castiças, as pontes romanas e medievais, as serras, as barcas, os mosteiros, os acontecimentos gloriosos como Aljubarrota que deu o Mosteiro da Batalha, há a religiosidade e há o homem português, do antes quebrar que torcer, o rosto de centúrias, o protótipo do português capaz de grandes feitos, todo ele identidade da terra e do mar. Todos estes livros visavam um entrelaçamento entre os pontos obrigatórios do turismo, a riqueza folclórica e as figuras típicas, imemoriais, como acontece aqui, um rosto tirado de um romance de Camilo.


As gentes que habitam para lá das fragas, que pastoreiam nas penedias e nos lameiros também fazem parte do Portugal romântico imaginado por Frederic Marjay. Não é só mar que é distinto de Portugal, o mar do Infante D. Henrique, de Vasco da Gama, nem a história começou com o Castelo de S. Jorge, o país é rico porque é compósito e nesta década de 1950 muito mais de metade da população vive dependente desta agricultura humilde. Para lá desta imagem, neste preciso instante, estes camponeses começam a sair a salto, o primeiro destino é França, mais tarde a Alemanha, a Suíça, o Luxemburgo e outras irradiações. O que aqui se fixa é que os portugueses trabalham e têm uma moral sólida como o granito das casas, são pastores exímios.


Um dos triunfos de António Ferro consistiu na divulgação do folclore, genuíno ou processado. Recordo um episódio que o meu padrinho viveu em Londres, em 1937. Pediram-lhe na Casa de Portugal para acompanhar um grupo de Pauliteiros, salvo erro o das Duas Igrejas, que vinham participar no Royal Albert Hall no Festival Mundial de Folclore. O grupo deu brado, saiu medalhado. E o meu padrinho contava sempre o que era andar no metro de Londres com aqueles pauliteiros com meias de renda, botifarras, chapéu florido, bigodaças e um garrafão de vinho, foi um espetáculo irresistível. Vendemos a imagem dos nazarenos, do corridinho algarvio, das chulas do Alto Minho e os mirandeses. O cante alentejano ficou para muito mais tarde.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2013 Guiné 63/74 - P11251: Antropologia (22): O Korá: Elementos essenciais para a sua compreensão (Braima Galissá / Mário Beja Santos)

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