quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15463: Notas de leitura (785): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Vitorino Gaspar)

1. Relembrando a mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 27 de Novembro de 2015:

Caros Camaradas
Como fui ao Lançamento do Livro do Camarada Mário Beja Santos resolvi fazer um rascunho sobre o livro.
Não é uma crítica. Faço um passeio pelo livro. Zonas e casos que conheço, até por ter a minha mulher e filhos terem frequentado a Escola Primária, uma excelente Escola. Depois é o percurso pelo Campo Grande, muito embora o Camarada diga Alvalade – Campo Grande pertence agora à Freguesia de Alvalade.
Nota-se a afeição que o Camarada tem pelo “Bairro das Caixas”. E é este passeio que faço com o Camarada.
Obrigado Mário, tens um bom livro, muito embora seja suspeito por habitar e ter frequentado todo este percurso, e continuar a habitar.

Abraço
Mário


“O Fedelho Exuberante” – Mário Beja Santos -2

Mário Vitorino Gaspar

Em 1967 estava em Ganturé, chegara a 19 de Janeiro a Gadamael Porto (…). “… Em Março de 1967 chegou a convocatória, no mês seguinte teria que me apresentar na Escola Prática de Infantaria” e… “aquela guerra não me pertencia, já que a ela era obrigado faria o possível por me preparar bem, queria regressar inteiro”. “… Falei com a Mãezinha… chorou amargamente… “... Depois resignou-se, olhou-me com ternura, um olhar intenso e disse-me: “Faça-se a vontade do Senhor”.

O Camarada Beja Santos resolve não narrar a sua participação na Guerra: Um semestre em Mafra e outro na Ilha de S. Miguel. Fez a Guerra. Dois anos depois voltei… Cedo tomei a decisão de guardar aquele tormento para mim. Quando cheguei da Guiné pensei: é um problema que tenho de resolver. Não resultou… Acresce a sua participação na defesa do consumidor. E o Camarada Mário merece este prémio, o resumo da sua história… A importância da mãezinha.

“Dois anos depois, voltei … “cedo, tomei a decisão de guardar aquele tormento para mim. A guerra levara-me amigos, o meu querido Carlos Sampaio morreu no norte de Moçambique no início de Fevereiro de 1970… (…). “…era a defesa do consumidor; acresce que, em 1978, aceitei o convite para colaborar regularmente com o Fernando Balsinha no telejornal e o João Soares Louro convidou-me a fazer programas televisivos, a partir do outono desse ano, fui afastado da televisão em 1981, e havia duas filhas pequenas para zelar e acarinhar. (…). Aquela África marcara-as indelevelmente. “O leitor que me desculpe, mas só a título excepcional vou até à guerra da Guiné, onde combati de 1968 a 1970, no Leste. A exuberância, então, era outra. Durante os primeiros dezasseis meses, de Agosto de 1968 a Novembro de 1969, comandei dois destacamentos no regulado do Cuor, no chamado sector de Bambadinca. Eu vivia a maior parte do tempo com sede em Missirá, aqui tinha as transmissões, os morteiros e as viaturas, aqui assentava a logística, incluindo a secretaria. Mal chegado, apercebi-me que era extremamente difícil ir conhecendo os soldados um-a-um, falavam regra geral crioulo, grande parte das palavras eram, então, ininteligíveis. (…). “…

No fim do jardim erguem-se azinhagas, casebres e algumas casas de veraneio. Manadas correm pelo Campo Grande fora, vão em direcção ao Mercado Geral de Gados. O Campo Grande está rodeado, do lado direito, de habitação muito antiga, começa-se pela vivenda da esquadra, na confluência com a Rua Aboim Ascensão, um das saídas do Bairro Social de Alvalade para o Campo Grande, segue-se uma enfiada de moradias, entra-se por degraus de pedra, assim se chega à Avenida da Igreja, do outro lado há uma correnteza de casas operárias, terão vivido aqui os trabalhadores e famílias da fábrica de têxteis, mais tarde quartel e hoje Universidade Lusófona, até à Igreja dos Reis Magos há construções com alguma solenidade, nos sobrados existem serviços de carvoaria, barbearia, consertos de bicicleta, coisas assim; temos a Igreja e chegamos à Avenida Alferes Malheiro, deambulamos raramente por aí, é enorme, não temos malta com quem jogar à bola, só mais tarde iremos jogar ao Pote d’Água. Desce-se o Campo Grande, há para ali uma casa apalaçada, com gradeamento, depois o Retiro do Quebra Bilhas, já ao tempo se diz tratar-se do último retiro de Lisboa, depois alguns prédios, por detrás expande-se um bairro da lata, a seguir ao quartel, que é daquele tempo, há o asilo D. Pedro V, hoje remodelado e com outros objectivos, a seguir o Museu Rafael Bordalo Pinheiro, mais alguma construção simplória e estamos no Campo Grande.

Do outro lado, há um palácio fechado, hoje o Museu da Cidade, seguem-se hortas até chegar a uma vivenda num descampado, é o edifício da Junta de Freguesia do Campo Grande, com mais hortas em frente mas também construções dentro de azinhagas, o lajedo de todas estas acessibilidades é em paralelepípedos, as linhas do elétrico estão também em paralelepípedos, há para ali umas fábricas, lembro-me que um ano, estávamos no Colégio Moderno, ouvimos a estridência das sirenes dos bombeiros, tinham ido apagar um fogo na fábrica Nally, tinham o creme Benamor que a Mãezinha partilhava com os cremes da Madame Campos; junto à linha do eléctrico há vivendas, umas com traça e conservação, outras com qualidade, as lojas são livrarias frequentadas pelos estudantes de Letras sinais de que se caminha para a derrocada. (…). “… Também a roupa é cara, viram-se os casacos, remenda-se, pesponta-se, andamos todos com cotoveleiras nas camisolas, levamos ao sapateiro o calçado para cardar, dura mais”. “Amolam-se tesouras, pode consertar-se um chapéu-de-chuva e um desses amola-tesouras até deita pingos de solda em fervedores e tachos. Há alguma venda ambulante, a leiteira vem a casa e é escusado voltar a referir os vendedores de fascículos e as suas intermináveis versões da freira do subterrâneo.

E assiste-se à alvorada da sociedade de consumo. Há um tanque em cimento na varanda anexa à cozinha. Ao princípio, faz-se a saponária, um trabalho muito ingrato no inverno. O pessoal feminino queixa-se das mãos ásperas. Depois surgiu a Lever Portuguesa, trouxe uns flocos para a roupa mais delicada, e depois de uma guerra entre o Tide e o Omo, este último triunfou, faz parte das minhas obrigações trazer um pacote de Omo quando vou à mercearia da Rua de Entrecampos. É verdade que o granel pontifica, os vendedores ambulantes vêm em triciclos, trazem frutas e legumes, as suas balanças rudimentares e regressamos com cartuchos a casa. Mas mesmo antes de chegarmos a 1960 o produto empacotado é indicativo que as indústrias alimentares ganharam peso: bolachas, açúcar, lacticínios; e depois os enlatados, até aí só conhecíamos praticamente as conservas de peixe. Alguém que tenha hoje 20 ou 30 anos não faz a menor ideia do que é o significado da limpeza doméstica naquele tempo: remover e pôr cera, usar enceradora ou dar brilho com panos, desliza-se com um pano em cada pé o tempo que for necessário para que aquele chão de madeira fique a brilhar; se está bom tempo, a roupa da cama fica a arejar à janela, sacodem-se as mantas, há mesmo espanadores para bater o colchão, ainda de barbas de milho, os de algodão virão mais tarde e é necessário virá-los de dois em dois dias para não dormirem num colchão com covas; é do senso comum que não há máquinas de lavar roupa nem louça, esta requer esfregão ou palha-de-aço, felizmente que em meados da década de 1950 começam também a surgir detergentes, bem-vindos, lavar a bateria de cozinha não tem graça nenhuma. E há as operações semanais de remoção de poeiras por cima dos móveis, a lavagem dos ladrilhos nas casas de banho e cozinha. São tempos da lixívia, da soda cáustica, da solarina, da terbentina, é a caça ao micróbio, aos maus cheiros, há que pôr os metais a brilhar, tirar nódoas, passa-se imenso a ferro, apanho a transição do ferro de crítica praticada com discrição, é certo, embora constasse que aquele ou aqueloutro vizinho pertenciam à PIDE ou à Legião. (…). “… João Crisóstomo proclamou: “Que ninguém tema a morte”. (…). “… ente, como se formou a geração que foi à guerra e daqui partiu para os anos de paz e os sonhos que teimamos em conservar. Ámen.

Assim termina Mário Beja Santos. A parte final. Vi livros terminarem com o Ámen.
A sua visão do Bairro de Alvalade. Anteriormente todo este espaço pertencia à Freguesia de Campo Grande.
Narrada muita história. A Guerra… Entra… Sai. A riqueza das palavras, o Amor pela “mãezinha”.
Faltou descrever a liberdade em que viviam os perus e galinhas no período do Natal, e Circos e a venda de pinheiros.
Faço a pergunta: – Quem orientou todo o trabalho no Jardim do Campo Grande, e o abatimento de árvores? E por que razão ficaram eucaliptos?
____________

Nota do editor

Poste anterior de 8 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15460: Notas de leitura (784): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (1) (Mário Vitorino Gaspar)

Sem comentários: