1. Relembrando a mensagem do nosso camarada Mário
Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 27 de Novembro de 2015:
Caros Camaradas
Como fui ao Lançamento do Livro do Camarada Mário Beja Santos resolvi fazer um rascunho sobre o livro.
Não é uma crítica. Faço um passeio pelo livro. Zonas e casos que
conheço, até por ter a minha mulher e filhos terem frequentado a Escola
Primária, uma excelente Escola. Depois é o percurso pelo Campo Grande,
muito embora o Camarada diga Alvalade – Campo Grande pertence agora à
Freguesia de Alvalade.
Nota-se a afeição que o Camarada tem pelo “Bairro das Caixas”.
E é este passeio que faço com o Camarada.
Obrigado Mário, tens um bom livro, muito embora seja suspeito por
habitar e ter frequentado todo este percurso, e continuar a habitar.
Abraço
Mário
“O Fedelho Exuberante” – Mário Beja Santos -2
Mário Vitorino Gaspar
Em 1967 estava em Ganturé, chegara a 19 de Janeiro a Gadamael Porto
(…). “… Em Março de 1967 chegou a convocatória, no mês seguinte teria
que me apresentar na Escola Prática de Infantaria” e… “aquela guerra não
me pertencia, já que a ela era obrigado faria o possível por me
preparar bem, queria regressar inteiro”. “… Falei com a Mãezinha… chorou
amargamente… “... Depois resignou-se, olhou-me com ternura, um olhar
intenso e disse-me: “Faça-se a vontade do Senhor”.
O
Camarada Beja Santos resolve não narrar a sua participação na Guerra: Um
semestre em Mafra e outro na Ilha de S. Miguel. Fez a Guerra. Dois anos
depois voltei… Cedo tomei a decisão de guardar aquele tormento para
mim. Quando cheguei da Guiné pensei: é um problema que tenho de
resolver. Não resultou… Acresce a sua participação na defesa do
consumidor.
E o Camarada Mário merece este prémio, o resumo da sua história… A
importância da mãezinha.
“Dois anos depois, voltei …
“cedo, tomei a decisão de guardar aquele tormento para mim. A guerra
levara-me amigos, o meu querido Carlos Sampaio morreu no norte de
Moçambique no início de Fevereiro de 1970… (…). “…era a defesa do
consumidor; acresce que, em 1978, aceitei o convite para colaborar
regularmente com o Fernando Balsinha no telejornal e o João Soares Louro
convidou-me a fazer programas televisivos, a partir do outono desse
ano, fui afastado da televisão em 1981, e havia duas filhas pequenas
para zelar e acarinhar. (…). Aquela África marcara-as indelevelmente. “O
leitor que me desculpe, mas só a título excepcional vou até à guerra da
Guiné, onde combati de 1968 a 1970, no Leste. A exuberância, então, era
outra. Durante os primeiros dezasseis meses, de Agosto de 1968 a
Novembro de 1969, comandei dois destacamentos no regulado do Cuor, no
chamado sector de Bambadinca. Eu vivia a maior parte do tempo com sede
em Missirá, aqui tinha as transmissões, os morteiros e as viaturas, aqui
assentava a logística, incluindo a secretaria. Mal chegado, apercebi-me
que era extremamente difícil ir conhecendo os soldados um-a-um, falavam
regra geral crioulo, grande parte das palavras eram, então,
ininteligíveis. (…). “…
No fim do jardim erguem-se azinhagas, casebres e
algumas casas de veraneio. Manadas correm pelo Campo Grande fora, vão
em direcção ao Mercado Geral de Gados. O Campo Grande está rodeado, do
lado direito, de habitação muito antiga, começa-se pela vivenda da
esquadra, na confluência com a Rua Aboim Ascensão, um das saídas do
Bairro Social de Alvalade para o Campo Grande, segue-se uma enfiada de
moradias, entra-se por degraus de pedra, assim se chega à Avenida da
Igreja, do outro lado há uma correnteza de casas operárias, terão vivido
aqui os trabalhadores e famílias da fábrica de têxteis, mais tarde
quartel e hoje Universidade Lusófona, até à Igreja dos Reis Magos há
construções com alguma solenidade, nos sobrados existem serviços de
carvoaria, barbearia, consertos de bicicleta, coisas assim; temos a
Igreja e chegamos à Avenida Alferes Malheiro, deambulamos raramente por
aí, é enorme, não temos malta com quem jogar à bola, só mais tarde
iremos jogar ao Pote d’Água. Desce-se o Campo Grande, há para ali uma
casa apalaçada, com gradeamento, depois o Retiro do Quebra Bilhas, já ao
tempo se diz tratar-se do último retiro de Lisboa, depois alguns
prédios, por detrás expande-se um bairro da lata, a seguir ao quartel,
que é daquele tempo, há o asilo D. Pedro V, hoje remodelado e com outros
objectivos, a seguir o Museu Rafael Bordalo Pinheiro, mais alguma
construção simplória e estamos no Campo Grande.
Do
outro lado, há um palácio fechado, hoje o Museu da Cidade, seguem-se
hortas até chegar a uma vivenda num descampado, é o edifício da Junta de
Freguesia do Campo Grande, com mais hortas em frente mas também
construções dentro de azinhagas, o lajedo de todas estas acessibilidades
é em paralelepípedos, as linhas do elétrico estão também em
paralelepípedos, há para ali umas fábricas, lembro-me que um ano,
estávamos no Colégio Moderno, ouvimos a estridência das sirenes dos
bombeiros, tinham ido apagar um fogo na fábrica Nally, tinham o creme
Benamor que a Mãezinha partilhava com os cremes da Madame Campos; junto à
linha do eléctrico há vivendas, umas com traça e conservação, outras
com qualidade, as lojas são livrarias frequentadas pelos estudantes de
Letras sinais de que se caminha para a derrocada. (…). “… Também a roupa
é cara, viram-se os casacos, remenda-se, pesponta-se, andamos todos com
cotoveleiras nas camisolas, levamos ao sapateiro o calçado para cardar,
dura mais”. “Amolam-se tesouras, pode consertar-se um chapéu-de-chuva e
um desses amola-tesouras até deita pingos de solda em fervedores e
tachos. Há alguma venda ambulante, a leiteira vem a casa e é escusado
voltar a referir os vendedores de fascículos e as suas intermináveis
versões da freira do subterrâneo.
E assiste-se à alvorada da sociedade
de consumo. Há um tanque em cimento na varanda anexa à cozinha. Ao
princípio, faz-se a saponária, um trabalho muito ingrato no inverno. O
pessoal feminino queixa-se das mãos ásperas. Depois surgiu a Lever Portuguesa, trouxe uns flocos para a roupa mais delicada, e depois de
uma guerra entre o Tide e o Omo, este último triunfou, faz parte das
minhas obrigações trazer um pacote de Omo quando vou à mercearia da Rua
de Entrecampos. É verdade que o granel pontifica, os vendedores
ambulantes vêm em triciclos, trazem frutas e legumes, as suas balanças
rudimentares e regressamos com cartuchos a casa. Mas mesmo antes de
chegarmos a 1960 o produto empacotado é indicativo que as indústrias
alimentares ganharam peso: bolachas, açúcar, lacticínios; e depois os
enlatados, até aí só conhecíamos praticamente as conservas de peixe.
Alguém que tenha hoje 20 ou 30 anos não faz a menor ideia do que é o
significado da limpeza doméstica naquele tempo: remover e pôr cera, usar
enceradora ou dar brilho com panos, desliza-se com um pano em cada pé o
tempo que for necessário para que aquele chão de madeira fique a
brilhar; se está bom tempo, a roupa da cama fica a arejar à janela,
sacodem-se as mantas, há mesmo espanadores para bater o colchão, ainda
de barbas de milho, os de algodão virão mais tarde e é necessário
virá-los de dois em dois dias para não dormirem num colchão com covas; é
do senso comum que não há máquinas de lavar roupa nem louça, esta
requer esfregão ou palha-de-aço, felizmente que em meados da década de
1950 começam também a surgir detergentes, bem-vindos, lavar a bateria de
cozinha não tem graça nenhuma. E há as operações semanais de remoção de
poeiras por cima dos móveis, a lavagem dos ladrilhos nas casas de banho
e cozinha. São tempos da lixívia, da soda cáustica, da solarina, da
terbentina, é a caça ao micróbio, aos maus cheiros, há que pôr os metais
a brilhar, tirar nódoas, passa-se imenso a ferro, apanho a transição do
ferro de crítica praticada com discrição, é certo, embora constasse que
aquele ou aqueloutro vizinho pertenciam à PIDE ou à Legião. (…). “…
João Crisóstomo proclamou: “Que ninguém tema a morte”. (…). “… ente,
como se formou a geração que foi à guerra e daqui partiu para os anos de
paz e os sonhos que teimamos em conservar. Ámen.
Assim termina Mário Beja Santos. A parte final. Vi
livros terminarem com o Ámen.
A sua visão do Bairro de Alvalade.
Anteriormente todo este espaço pertencia à Freguesia de Campo Grande.
Narrada muita história. A Guerra… Entra… Sai. A riqueza das palavras, o
Amor pela “mãezinha”.
Faltou descrever a liberdade em que viviam os
perus e galinhas no período do Natal, e Circos e a venda de pinheiros.
Faço a pergunta: – Quem orientou todo o trabalho no Jardim do Campo
Grande, e o abatimento de árvores? E por que razão ficaram eucaliptos?
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Nota do editor
Poste anterior de 8 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15460: Notas de leitura (784): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (1) (Mário Vitorino Gaspar)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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