sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15476: Notas de leitura (786): “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Fevereiro de 2015:

Queridos amigos,
Foi pela mão do nosso confrade Carlos Silva que tive acesso a esta surpresa, creio tratar-se de uma revelação de jovens escritores guineenses.
Continuo sem entender como não é possível podermos comprar livros da Ku Si Mon Editora, tanto quanto sei a única editora guineense, devíamos encontrar uma forma de procurar vencer esta barreira. "IMF no Palácio do Governador" é uma bem magicada história, possui um bom manejo dos ingredientes de livros destinados a adolescentes.
Vamos ver os romances que se seguem.

Um abraço do
Mário


Uma bonita surpresa dos mais jovens escritores guineenses

Beja Santos

Trata-se de um romance de aventuras de adolescentes, não escapa aos autores, vê-se claramente, as influências desses mestres da literatura juvenil tipo Enid Blyton e Isabel Alçada e Ana Magalhães. Mas é um livro guinéu, os jovens chamam-se Abibo, Alexandro, Jéssica, Katia, Ramatulai, Shakira… Tudo começa em meio estudantil, Abibo interpela Alexandro acerca da Missão Impossível, assim começa a organização de um grupo de investigadores. Esta é a primeira aventura e intitula-se “IMF no Palácio do Governador”, por Hildovil Silva e Iramã Sadjo, Ku Si Mon Editora, Bissau, 2011.

São jovens irrequietos, gostam de namoriscar, pregar partidas, sair em grupo. Os dois promotores enviam uma mensagem a futuros agentes, propondo-lhes fazer parte do grupo de investigação secreta e IMF na luta contra o crime, e propõem uma reunião numa sexta-feira no liceu, claro está uma reunião secreta. Comparecem Alexandro, Abibo, Faly, Aua, Noémia, Ramatulai, Fai, Zé Pedro e Mercedes mas Noémia avisa que vai ter com um amigo de nome Rayner ao Café Santa Luzia, dali a pouco. Ficam todos entusiasmados em fazer parte do IMF (Impossible Mission Force, ou Força de Missão Impossível) que tem a finalidade de investigar todo o tipo de crime. E começa o mistério:  
“Era quase de noite quando numa rua escura, meio abandonada, surgiram Noémia, Aua, Ramatulai, Faly e Zé Pedro. O destino era o café Santa Luzia, cujas traseiras ficavam naquela rua e a parte da frente numa outra rua, enorme e iluminada por candeeiros”. Uns ficam escondidos, outros vão entrar no café. Começa a haver indícios de ação policial: “De súbito na rua surgiu uma carrinha preta com os faróis apagados. O condutor devia conhecer muito bem a rua para andar assim às escuras. Parou mesmo em frente da porta das traseiras do café, e paralelamente aos rapazes. Estes permanecerem quietos a observar. Dois homens saíram do carro. O que vinha a conduzir era baixo e magro, o outro era alto, também magro. O que viera a conduzir abriu o porta-malas”. Tecem-se várias hipóteses, pretende-se saber quem é esse tal Rayner por quem a Noémia parece embeiçada.

Um grupo de jovens investigadores vai aventurar-se nas ruínas do Palácio do Governador, as visitas estão proibidas mas Noémia pede a Rayner, que trabalha para uma empresa turística, que autorize um grupo de amigos a acompanhá-lo numa visita ao palácio quando ele lá for com turistas, Rayner acede. Há espaços que se podem visitar, outros estão vedados ao público, jovens andam intrigados, vão tirando fotografias, Rayner avisa que o piso superior está selado, mas Abibo e Alexandro decidem desobedecer e sobem à socapa ao andar superior. Abrem uma porta, há lá uma figura humana que se precipita para os jovens numa gritaria horrorosa. Fogem mas prometem voltar. Mais tarde, examinando as fotografias tiradas, vêm um vulto numa janela, num compartimento onde não tinham entrado. Formam-se dois grupos para ir vigiar novamente o café de Santa Luzia, um dos jovens intromete-se na cozinha e ouve falar num carregamento de caixas.

Estamos já no Natal, os jovens montam vigilância ao Palácio do Governador, numa ocasião vêm passar dois homens que entram numa casa de banho pública junto do Palácio e desaparecem sem deixar rasto. Os jovens investigam e descobrem um fundo falso: “Empurraram a parede e esta deslocou-se para dentro revelando um túnel escuro. Afinal era uma porta de madeira que ali se encontrava, era uma obra de mestre, acabaram por entrar”.

Como é bem próprio da literatura juvenil, já estamos numa fase da ação quase explosiva, vai haver muitas aventuras dentro do Palácio, jovens presos, há jovens que enfrentam os meliantes, há lutas e muita balbúrdia no Palácio do Governador, os bandidos são presos pela polícia. Chegou a calma aparente, é preciso criar uma atmosfera para a próxima história: “Depois do sufoco passado no Palácio do Governador, os agentes sentiam-se todos recompostos e prontos para outra aventura. O novo ano chegara cheio de felicidades e estavam no primeiro dia de aulas”. Alguém chega com o jornal, contém uma notícia muito intranquila, os chefes da quadrilha fugiram da esquadra, como fora possível?

É uma história bem contada, possui os condimentos próprios, capítulos bem organizados, e é uma história africana, indicada para adolescentes dispostos a certas emoções fortes, como se exemplifica com uma passagem vivida naquelas peripécias dentro do Palácio: “Estava de novo na sala da lareira. Juntamente com os outros. De súbito, estes desataram a correr. Tentou fazer o mesmo, mas não conseguiu. Os pés não lhe obedeciam. O suor escorria-lhe pelo corpo todo, por causa das chamas que cresciam à sua volta. As labaredas tinham envolvido a figura que aí estivera sentada. Mas esta não gritava de dor, pelo contrário, gargalhava aos gritos, como se desejasse arder. Enquanto olhava apavorado para as chamas, uma serpente tinha-se arrastado até aos seus pés, envolvendo-se neles. Tentou soltar-se, mas de nada serviu, a serpente era forte. Gritou e nada. Estava molhado dos pés à cabeça. O pavor lhe ardia no peito, e o cérebro latejava. – Ajudem-me! Tenho de me soltar! – gritou. Dos outros não havia sinais”.

Mais um indício de que a literatura guineense procura o seu rumo, a sua identidade, ganhar um público. É pena não termos acesso às obras da Ku Si Mon Editora e às obras literárias de Adulai Sila, seguramente o nome mais representativo da atualidade das letras guineenses. É pernicioso manter esta distância, esta falta de intercâmbio editorial, é um entrave para a lusofonia. É a cultura e a amizade entre guineense e portugueses que ficam a perder.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15463: Notas de leitura (785): “O Fedelho Exuberante”, por Mário Beja Santos, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Vitorino Gaspar)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

"É pernicioso manter esta distância, esta falta de intercâmbio editorial, é um entrave para a lusofonia. É a cultura e a amizade entre guineense e portugueses que ficam a perder".

BS, quando escreves esta observação, sabes (sabemos) que pouca gente de um lado ou do outro dá qualquer importância a qualquer "intercâmbio"

Amigo Beja Santos, sabes que sou teu 1º fã neste espaço de recordações e de história.

E, penso que não me vais levar a mal roubar-te aqui um espaço com um assunto que poderá parecer estranho a muita gente.

Essa tua observação levou-me a compará-la com as últimas notícias sobre uns vizinhos-irmãos dos nossos amigos guineenses, que decidiram o fim do intercâmbio (commonwelth), Gâmbia-Inglaterra.

A NOTÍCIA:

"O destino da Gâmbia está nas mãos de Alá, o todo-poderoso - Yahya Jammeh"

A Gâmbia tornou-se, este fim de semana, uma “República Islâmica”. O anúncio foi feito pelo presidente da ex-colónia britânica, Yahya Jammeh.

“O destino da Gâmbia está nas mãos de Alá, o todo-poderoso. A partir de hoje a Gâmbia é uma República Islâmica”, afirmou, garantindo, contudo, que os direitos da minoria cristã residente no país serão respeitados, e que as mulheres não irão sofrer restrições ao nível do vestuário.

A Gâmbia, país africano com quase dois milhões de habitantes, 90% dos quais, muçulmanos, junta-se assim ao grupo das repúblicas islâmicas, como o Irão, o Paquistão ou o Afeganistão.

Desculpa Beja Santos

Antº Rosinha disse...

"É pernicioso manter esta distância, esta falta de intercâmbio editorial, é um entrave para a lusofonia. É a cultura e a amizade entre guineense e portugueses que ficam a perder"

BS, já pouca gente quer saber de "intercâmbios".

BS, até os vizinhos-irmãos dos guineenses, a Gâmbia, se desligou, da «commonwelth» e virou "Estado Islâmico".

Não se pode enterrar a cabeça na areia.

Como estou nos antípodas, tenho que ficar por aqui.

Compreendo as tuas belas ideias, espero que não sejam tão irreais como foram os sonhos de Amílcar Cabral.

Continuo teu fã nº 1

Cumprimentos