Lourinhã > Praia da Areia Branca > 12 de agosto de 2016 > Pôr do sol
Fotos (e texro): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
A vida, de fio
a pavio
por Luís Graça
Circadiana a
vida!...
Depois do
solstício do inverno,
virá o
solstício do verão
e aos dias
suceder-se-ão
as semanas,
os meses,
os anos.
Circadiana a
vida!...
Pior que o
suplício do inferno
é o pavor,
imagino, do eterno
retorno.
É
eternidade, dizem,
que nos move
ou demove
ou comove,
ou demove
ou comove,
a eternidade ou a sua
cruel ilusão,
os seus sucedâneos,
efémeros,
a fama,
a glória,
a vaidade,
o ouro,
os
diamantes,
o elixir da
juventude,
o amor até
que a morte nos separe,
o poder,
orgástico,
talvez a
paternidade,
e o egoísmo
genético.
Circadiana a
vida!...
Afinal todos
os anos é Natal
e todos os
anos pela tua casa passa
o compasso pascal.
Aleluia,
aleluia,
Cristo
ressuscitou,
a vida
triunfa sobre a morte.
Circadiana a
vida!...
Todos os
anos, com sorte…
Exceto
quando deixaste a tua terra
e foste para
a guerra:
perdeste a
noção do dia e da noite,
dos dias,
dos dias,
das semanas,
dos meses,
e das
estações,
que eram
duas,
a do tempo
seco e a das chuvas.
Circadiana a
vida!...
Disseram-te
que o velho general
esteve à
beira da tua cama
no hospital:
- É uma
subida honra,
para qualquer
mortal,
a sua
visita, meu general –
terás dito
mas, por
favor, não ponhas isso
no teu “curriculum vitae”.
Esquece a
Guiné,
camarada,
e os
pauzinhos que gravaste na parede da caserna,
na contagem
descrescente
para o fim da tua comissão.
para o fim da tua comissão.
Circadiana a
vida!...
Quando eras
jovem,
tinhas um
calendário perpétuo,
na tua mesinha
de cabeceira,
na secreta esperança
de que os dias não tivessem 24 horas,
não tivessem noite,
não tivessem fim
Depois,
deixaste de te fiarde que os dias não tivessem 24 horas,
não tivessem noite,
não tivessem fim
nas leis
imutáveis da natureza
e, todos as
manhãs,
tomavas o
lugar de Sísifo
e pegavas na
tua pedra,
montanha acima,
montanha abaixo!
montanha abaixo!
Circadiana a
vida!...
E, se Deus
quiser,
a primavera
há de chegar
e com ela as
andorinhas
ao teu
beiral.
E trazem
histórias de coragem
as tuas
andorinhas de torna-viagem,
vêm do norte
de África,
quiçá da
Guiné,
e não
precisam de passaporte,
nem de GPS,
nem de código
postal,
nem de
carimbo da alfândega.
Fogem da
guerra,
sem o aval do alto comissário
para os
refugiados,
ou a benção do máximo
representante de Deus
na terra.
Circadiana a
vida!...
E todos os
anos fazes anos
e haverá
sempre um bolo de aniversário
e uma vela
para
soprares.
Mas o que é
que sopras tu, afinal,
meu pobre feliz aniversariante
?
Sopras a
vida,
sopras a
vela da vida,
de fio a
pavio!
Circadiana a
vida!...
Até as almas
têm estados,
dizem-te,
circadianos,
estados de alma,
estados de alma,
bipolares,
ora de
euforia
ora de depressão,
colina
acima,
colina abaixo.
colina abaixo.
Afinal, tão certo
como dois vezes dois serem quatro,
como dois vezes dois serem quatro,
depois da
noite
segue o dia,
e não há lua
sem sol,
nem maré alta
sem maré baixa!
nem maré alta
sem maré baixa!
Circadiana a
vida!...
A vida é
pura repetição,
é o teu
coração que bate forte,
até à exaustão,
até a gente
queimar a vela,
de fio a
pavio.
A vida,
camarada,
ora sabe a
muito,
ora sabe a
pouco,
... a vida,
sempre, sempre,
armadilhada,
armadilhada,
presa por um fio.
Praia da Areia Branca, 12/8/2016,
Quinta de Candoz, 24/8/2016
Quinta de Candoz, 24/8/2016
Nota do editor:
Último poste da série > 20 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16405: Manuscrito(s) (Luís Graça) (92): Praia do Caniçal: memórias
Último poste da série > 20 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16405: Manuscrito(s) (Luís Graça) (92): Praia do Caniçal: memórias
4 comentários:
Caro Luís
Nem sei que te diga!
Temos fotos com um pôr-do-sol espectacular, temos a natureza através da imensidão do mar, calmo, sereno, convidativo, temos pessoas que interagem....
E temos o teu poema, que pode ter uma leitura ora pessimista, ora optimista, indo buscar referências ao passado, projectando o futuro sem grandes ilusões, mas também referindo a sobrevivência...
Ainda não me decidi!
Abraço e boas férias.
Hélder Sousa
Meu Caro Luís Graça;
Tenho uma pequena biblioteca, sendo certo que de finanças não percebo nada e muito menos de poesia.
Deste teu trabalho, sinceramente, gosto. O tema é intenso e o pensamento flui escorreito. Parabéns.
Contrariamente a outros com que nos tens brindado que são, sinceramente, uma autêntica xaropada.
Grande abraço
Joaquim Sabido
Évora
Obrigado, amigos e camaradas, nada como a crítica, frontal, espontânea, sincera, primária, dos que nos conhecem e gostam de nós e não fazem fretes quando nos ouvem ou leem.
A poesia não é propriamente um "género popular", mas num país de poetas (e de grandes poetas!) é uma afronta escrever-se "xaropadas". As vossas críticas são um estímulo para afinar a mira... Aprecio tanto as críticas positivas como as negativas.
Um abraço, aqui do norte, onde nasceu Portugal e que é também terra de grandes trovadores...e de grandes prosadores (Camilo e Eça, por exempplo, são "meus vizinhos" de Candoz...).
Oh Meu Caro Luís Graça;
Certamente que reparaste que iniciei o meu comentário aludindo (de alguma forma e na medida das minhas possibilidades) ao final do poema Liberdade do Grande PESSOA, o Fernando - não o nosso querido Miguel - que conclui dizendo desta forma:
O mais do que isto
é Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca.
Tirando este Pessoa e o o outro, o Luís Vaz, da lírica e da epopeia, que poetas maiores temos ou tivemos? com relevância internacional, que sejam e continuem a ser objecto de estudo e até de culto, como acontece com o Pessoa ? Tal como referes Camilo e Eça são grandes escritores Portugueses, mas quem os conhece e quem se dedica ao estudo das suas obras fora de Portugal ou dos ditos Palop's ?
Portanto, se reparares, no meu comentário, ao aludir a Pessoa, aludo ao carácter esotérico que me parece (tal como acontece com o Hélder) sentir-se neste teu poema. Ou seja, vejo aqui filosofia própria e bastante interessante. Sempre na minha modesta opinião.
E regressando à terra, de facto, em qualquer dicionário de português se pode verificar que xaropada é, precisamente, a medida de xarope que se pode ou deve tomar. Pois os xaropes quando tomados em doses mais elevadas podem ser letais.
E, permite-me, um bom poema não tem necessariamente que ter metros de palavras, nem ser repetitivo. Então aí, por vezes, seria ou será preferível a narrativa através da prosa.
Digo eu.
É Pá, isto é apenas um pouco da irreverência de um periquito.
Um grande abraço.
Joaquim Sabido
Évora
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