quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16704: Os nossos seres, saberes e lazeres (184): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Sempre retive uma ideia nebulosa deste Trieste, palco de romances com gente muito decadente, sabia de uma longa história da sua ligação à Áustria, marca inconfundível da sua arquitetura magnificente, indicador de uma prosperidade que parece estar a arrefecer, o Trieste já não é o recanto turístico que foi e despovoa-se. Estou bem arrependido de na hora de desenhar a viagem ter posto o Trieste como um simples ponto de passagem. Arrependimento tal que me leva a pensar, assim haja saúde, daqui a uns anos volto a desembarcar neste formoso recanto com mais tempo.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (8)

Beja Santos

Há décadas que acalentava o sonho de conhecer o Trieste. Para o chamado turista dos grandes circuitos, este Trieste, que foi uma importantíssima cidade do Império Austro-húngaro, como importante era o seu porto, não longe de Pula e Rijeka, está um pouco à margem, parece repetitivo de tudo quanto se vê na Croácia, em Itália, nas faustosas cidades do império que tinha a sede em Viena. A Hungria, em plena II Guerra Mundial, tinha um almirante como ditador, o Almirante Horthy, que veio a falecer em Portugal, quando Hitler quis ocupar o país para matar os judeus húngaros. Lamento ser uma entrada por saída, mas cheguei de Rijeka foi comprar bilhetes na estação ferroviária para chegar a Veneza ainda com luz, limitei-me ao grande cenário, voltada para o Adriático, Trieste é uma das cidades mais cenográficas da Belle Époque, tem magnificência do neoclassicismo e marcas indeléveis de esplendor imperial.




É uma cidade com história acidentada. Vá o leitor ao Wikipédia e encontrará: Trieste (em esloveno Trst, em alemão Triest, em húngaro Trieszt) o que dá imediatamente conta que estamos numa placa giratória. Mais uma cidade que esteve sob o controlo do Império Bizantino, a partir da Idade Média pôs-se sob a proteção do Duque de Áustria, e pertenceu ao Império Austríaco, até 1918. O idioma germânico era a língua oficial da cidade, a par do italiano. Tudo muda de figura a partir do século XIX, quando o movimento irredentista italiano reivindicou a cidade. O Império não cedeu. E veio a I Guerra Mundial, os italianos numa primeira fase eram aliados do Império Austro-Húngaro, passaram-se para as fileiras anglo-franceses, findo o Império Austro-Húngaro deu-se a italianização do Trieste. Não estou a dar uma lição de História, passeio-me na avenida principal e tenho que justificar a pompa e a grandiosidade desta arquitetura, de Viena a Roma, de Veneza ao Trieste parece que a distância é mínima.



Sendo uma cidade estratégica, os alemães de Hitler ocuparam-na a seguir ao armistício italiano (8 de Setembro de 1943), é um período sangrento da cidade, com deportações de guerrilheiros nacionalistas italianos, eslavos, dissidentes políticos e judeus. Risiera di San Sabba foi campo de concentração, teve mesmo forno crematório. A paz não foi alcançada com o fim da guerra, chegaram os jugoslavos, seguiram-se execuções sumárias e depois a grande questão político-diplomática envolvendo jugoslavos e italianos, aparecia no mapa o “território livre de Trieste”, com zonas de ocupação militar. Só em 1975 se clarificou a situação do Trieste. Isto para dizer que quem vê fachadas e se passeia airosamente nesta civilização que ostenta bem-estar esquece que é uma história de dramas abomináveis que podem passar por várias gerações até ocorrer uma obliteração que alivia a consciência dos povos.



Recordo a ventania que vinha do Adriático, tudo recomendava uma inversão no passeio, à procura de proteção. Mas o viandante anda frenético com esta arquitetura de escala, são bancos e seguros, empresas de navegação, escritórios de advogados e de alta tecnologia, são ventos fortes mas não dissuadem a este passeio com cerca de 2 quilómetros frente ao mar onde se movem iates, lanchas rápidas, transportes para a vizinhança e se avista à distância barcos de cruzeiro, talvez seja da hora do dia e um pouco à semelhança de Veneza aqui o Adriático é uma avenida de ocupação extensa, de muitos negócios, de muita mobilidade e de muito recreio.



É hora de regressar, já se encheu o estômago, se percorreu o canal e se apreciou o que de grandes panorâmicas o Trieste tem para oferecer. Para termo da deambulação, aqui se regista um edifício que se pode encontrar em Viena, em Budapeste, em Zagreb, em Milão ou em Belgrado, quem vem da ex-Jugoslávia e regressa a Itália medita nas afinidades, nos entrosamentos, na viagem dos estilos e modas que definem identidades ou as circunscrevem. Talvez no Trieste este processo de italianização tenha sido injusto, mas a História continua, a tal ponto que Isabel, ou Elisabetta, ou Sissi, a mulher do imperador Francisco José da Áustria, merece estas honras. E a História não se apaga.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16671: Os nossos seres, saberes e lazeres (183): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (7) (Mário Beja Santos)

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