1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 10 de Novembro de 2016, com mais uma estória para a sua série:
ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO
54 - Aida, lembras-te de quando eu quis ir a Huelva?
Conheço-a desde sempre
Vivemos por períodos juntos ora em casa da nossa avó em Alcobaça, onde se juntavam os primos todos, ou em casa dela na rua da Saudade ali mesmo junto ao castelo de S. Jorge, quando éramos crianças e já adolescentes.
Mais tarde em saborosos fins-de-semana em que o meu tio nos visitava em Alcobaça e nas férias em Monte Gordo, onde eu tinha lugar de irmão mais velho, que tinha por missão afugentar a rapaziada mais afoita.
Está claro uma coisa era a missão, outra a comissão e assim eu não a chateava e ela apresentava-me as amigas, os dois namoriscávamos um para cada lado. Naquele tempo era coisa de responsabilidade, nós conhecíamos os limites dos dias passados na praia e as noites no Firmo, no Bowling, no cinema ao ar livre e de vez em quando, no Casino de Monte Gordo, que funcionava como discoteca com musica ao vivo.
Está claro que o meu tio de vez em quando trocava-nos as voltas e não a deixa ir. Eu acabava por solidariedade ficar com ela e amigos/as no bar do próprio parque de campismo.
Um dia o meu tio perguntou-me se eu não gostava de ir a Huelva. Era para mim uma novidade, pois nunca tinha saído de Portugal e aquela travessia de barco, passear noutro país, outra língua, outra forma de viver tão perto, mas que se provou ser muito longe para a época, era apetecível.
Eu estava na idade militar e a coisa era bicuda. O meu tio, oposicionista ferrenho ao Estado Novo, já tinha urdido um plano pois sabia que o chefe da PIDE era o dono das bombas de gasolina e com cartão de um major, seu cliente, que mais tarde conheci quando estava para embarcar para a Guiné, apresentou-se lá para que ele desse autorização para eu ir até ao outro lado da fronteira, talvez comprar caramelos e voltar.
Quem é que ia a Espanha e não trazia os afamados caramelos com pinhões ou simples?
No dia aprazado lá foi o grupo todo com idades que variavam entre os 16 e os 18 anos até Vila Real de Santo António e, enquanto o meu tio, vencendo alguns escrúpulos, se apresentou ao sujeito, nós ficamos na esplanada das próprias bombas, esperando o resultado das negociações, que foram infrutíferas, como era bem de ver.
Eu, de óculos escuros, no dia em que quis ir a Huelva mas que não passei da esplanada das bombas de gasolina
Com muito cuidado com o que dizia, pois como se sabe, não é de bom tom falar em cordas em casa de enforcado, meu tio ofereceu-se para deixar o carro, mais um depósito em dinheiro, mais fotocópias dos cartões de identidade, etc, etc, mas nada demoveu o famigerado zelador da inviolabilidade do território nacional.
A decepção não foi grande por já ser esperada. Lá voltamos para a praia e para as noites encaroladas, que ficaram sempre na minha memória.
Não querendo jurar falso, deviam-me faltar três anos para ser incorporado e já tinham medo que eu fosse e não voltasse. Vivíamos num país de muros altos e a nossa participação naquela guerra não foi a escolha de muitos, mas que por diversas razões para o bem e para o mal resolveram nela participar.
Assim só fui a Espanha em Agosto de 1974, estive em Madrid 15 dias, ali perto do estádio do Santiago Bernabéu, mas naquele dia não pude ir a Huelva.
Um abraço para todos
JA
____________
Nota do editor
Último poste da série de 12 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14462: Estórias do Juvenal Amado (53): O 25 de Abril faz 41 anos e eu continuo um incorrígel sonhador
3 comentários:
Meu caro Juvenal, nada como ter uma prima, é mais fácil manter um certo tipo de cumplicidades com uma prima do que como uma irmã...Protegemo-nos mutuamente...
Quanto ao que contas, sobre o país do antigamente... Apesar dos muros altos, a malta (mais de dois milhões) sairam da miséria das suas aldeias e vilórias á procura de melhor vida... Não a PIDE/DGS que os barrou na fronteira...
Não quiseste ir a salto, eras menino copo de leite como eu... Mas também os caramelos de Ayamonte não valiam os 10 contos que te pedia o "passador" (, em geral, amigo das PIDES, GNR, Guardas Ficais, de um lado e do outro da fronteira...).
Recordo que em 1950 e 1974 Portugal tem a mesma população: c. 8,5 milhões, 9 milhões em 1960; perde pela primeira vez população desde que existem contagens de âmbito nacional (ou seja, há 3 séculos): crescimento médio anual de 12,8% na década de 1930, 9,3% na década de 1940, vai desacelerar: 4,4% na década de 1950, e – 3,3% entre 1960 e 1970…
O novo ciclo de emigração (para a Europa, mas também colónias de África…) leva à queda da natalidade (menos de 20 por mil no final desta fase) e da fecundidade… menos 250 mil residentes entre 1960 (8,9 milhões) e 1970 (8,6 milhões).
A França, a partir de 1957, é o principal destino da emigração… Em 15 anos (1960/74) parte 1 milhão, legal ou ilegalmente, para a França, Alemanha e outros países da Europa. Paris é a segunda cidade portuguesa.
Também só fui a Espanha depois do 25 de abril... Não tenho vergonha de pôr isso no currículo...
Juvenal, mas já é outra juventude, irreverente, a do início dos anos 70, a avaliar pelas fotps: a geração ié-ié, chegam a minissaia e as jeans, os rapazes deixam crescer a barba e o cabelo... Enfim, não há muros altos que impeçam o "contágio" da liberdade...
Na foto onde a minha prima Aida está frente o soldado que está mesmo por trás é o Falé. O meu camarada Falé era como eu condutor e caiu na mina a caminho de Dulombi.
Felizmente safou-se com ferimentos ligeiros pois ia sentado no encosto e com os pés no assento.
Só o vi uma vez: Foi em Beja no almoço organizado pelo saudoso Caramba já lá vão mais de 20 anos
Enviar um comentário