1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
As minhas memórias de Gabu
(Desertores: este texto está inserido na minha obra Guiné-Bissau As Minhas Memórias de Gabu)
Ramos, Furriel Miliciano/Ranger que desertou para o PAIGC
De Tavira à Guiné
O seu sorriso encantava! Entrava-me no goto. Já éramos dois tendo em conta a nossa habitual expressão facial! Um moço que se integrava facilmente em qualquer ambiente. O esmalte dos seus dentes, a sua bondade emocional e a forma afável como curtia com os camaradas desafiadas conversas de têmpera diversa, levaram-me a travar com ele uma amizade recíproca ao longo de um certo período das nossas vidas militares.
Assentei praça com o Ramos no CISMI, em Tavira, no dia 10 de Outubro de 1972. Ficámos em companhias diferentes, todavia cedo existiu entre nós uma empatia que nos tornou amigos. O Ramos estava junto a outros camaradas que tinham viajado com ele de Cabo Verde.
No final da recruta, em Tavira, o Ramos, o Daniel e um outro moço de Cabo Verde, acompanharam-me na viagem a caminho de Lamego. Operações Especiais/ Ranger foi o nosso fim. O Daniel foi para o curso de oficiais e nós para o de sargentos.
A nossa amizade manteve-se. Penude reforçou, aliás, laços emocionais que partilhámos durante um tempo… sem tempo.
Fomos ambos para a Guiné justamente na mesma altura. Quis o destino que o nosso reencontro se apresentasse como dado adquirido nas instalações do Quartel General (QG), em Bissau. Um abraço forte entre dois rangers selou a nossa afeição.
O Ramos foi para o Batalhão de Pirada e eu para o de Nova Lamego. Ficou a promessa de voltarmos a reencontrarmo-nos um dia. Todavia, essa promessa dissipou-se no tempo e nunca mais encontrei o meu simpático amigo.
Soube, numa conversa com o camarada Pedro Neves, também ele ranger e do nosso curso em Lamego, que o bom do Ramos se pirou, a dada altura, para o PAIGC. Não foi um guerrilheiro ativo contra as suas anteriores tropas, confessava. Foi um operacional mas em áreas diferentes. Da aventura ficou a certeza, deduzo, que esteve integrado num movimento que lutou no terreno pelos seus direitos, sendo alguns dos principais dirigentes do PAIGC oriundos de Cabo Verde, o seu torrão materno.
Depois do 25 de Abril de 1974 o Pedro Neves e o Ramos reencontraram-se em Bissau. O Ramos, sempre desperto para a conversa, contou as suas peripécias, assumiu o seu feito, e após a independência o simpático homem de Cabo Verde, num estilo simples, cordial, referiu que tinha regressado ao exército português que o terá levado de volta a casa.
Uma história maravilhosa de um rapaz, sem vaidade, que no momento exato cedeu ao que o seu coração lhe pediu. Tinha, com certeza, referências sobre os líderes que assumiam o comando de um Partido que lutava, também, pela independência da sua pátria mãe.
Até um dia, amigo e camarada RANGER/SEMPRE Ramos!
Com o Ramos nos barracões (onde dormíamos) no QG em Bissau
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
3 comentários:
Zé, estamos a falar do BCAV 8323/73 (Pirada, 1973/74) ?!...
O Ramos não pertencia à CCS, devia pertencer a uma das unidades de quadrícula. Sabes qual ?
E já agora, qual era o nome completo dele ? A deserção é por um excelência um ato público, não havendo razão para, quase meio século depois, omitir a identidade de quem desertou...
Percebe-se que a motivação foi político-ideológica (?)... Já é menos claro o "arrependimento" (?) e o regresso à origem... Terá ele aproveitado a amnistia promulgada pela Junta de Salvação Nacional ?
Abraço, Luís
Zé, não sei se há mais casos de deserção entre graduados com o curso de operações especiais... Era pressuposto vocês serem escolhidos "a dedo", de acordo com um determinado "perfil", não só de robustez física como de aptidão psicológica e mental... E depois havia, presumo, uma forte "formação", de natureza não apenas operacional como "ideológica"... Rangers, fuzileiros, comandos, páras... vocês era a tropa de elite: será que houve mais casos de deserção ?
Não sabemos nem quando nem onde o Ramos desertou ? Foi em Pirada, junto à fronteira com o Senegal ? Foi por ocasião das férias ? Teve "ajudas" internas e externas ? Andou por onde ? Foi-lhe levantado um auto de deserção, penso eu...
Zé, talvez o nosso Magalhães Ribeiro te possa ajudar a responder a estas perguntas... "chatas" mas necessárias para melhor esclarecimento deste caso... Obrigado pela tua partilha...
Boa saúde, bom trabalho, LG
Luís, gostava de responder às questões que me colocas, todavia, não sou portador dessas informações.
Sei que conheci o Ramos em Tavira, foi meu camarada nos rangers, tornei-me seu amigo e partilhei com ele a dureza de um curso - Operações Especiais/Ranger - que muito nos ensinou.
Depois fui com ele para a Guiné, tal como o nosso camarada ranger Pedro Neves, ficámos no QG, e cada um de nós foi para zonas diferentes.
As informações que tenho é que o Ramos foi para o Batalhão de Pirada, não para a CCS, não sabendo ao certo o lugar onde se instalou.
A deserção para o PAIGC foi o próprio Ramos que a comentou ao nosso camarada Pedro Neves aquando o seu regresso a Lisboa.
Foi um encontro ocasional, já em tempo de paz, onde o Ramos dissecou, em Bissau, com o Pedro a sua intenção de fuga para o PAIGC.
Neste contexto, não sou possuidor de dados específicos que definam o salto dado pelo camarada para o então terreno do inimigo.
A história real foi-me contada pelo Pedro Neves.
Um abraço,
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