terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18292: (Ex)citações (328): Em 1973, um soldado podia gastar entre 1/5 a 1/3 do pré, em cerveja... Em Fulacunda, na 3ª CART / BART 6520/72, a média do consumo mensal era de 75/80 cervejas "per capita"


Guiné > Nota de 50 escudos (pesos), verso. Banco emissor: BNU - Banco Nacional Ultramarino. No câmbio e no comércio, em relação ao escudo da metrópole, emitido pelo Banco de Portugal, havia uma quebra de 10%... Ou seja: 100 pesos (escudos do BNU) só valiam 90 escudos (do Banco de Portugal)... Recorde-se que o BNU foi criado em 1864 como Banco Emissor para as ex-colónias portuguesas (, tendo também exercido funções de banco de fomento e comercial no país e no estrangeiro; vd,. aqui a sua história).

Uma nota destas, em 1969, dava para comprar, na cantina do Zé Soldado, cerca de 14 cervejas de 0,33 l. Mas em 1973 só dava para 12,5.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Nesta matéria, ele é uma autoridade, o nosso 1º cabo cond auto  José Claudino Silva, da 3ª CART /BART 6250/72 (Fulacunda, 1972/74): promovido pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, compete-lhe controlar o "stock" de bebidas e não deixar o pessoal morrer de sede... 

Escassos meses depois da chegada (em finais de junho de 1972), "os serrotes de Fulacunda" passam, em outubro, a consumir 12 mil cervejas por mês (*), o que para uma companhia de quadrícula (150/160 homens) é obra... Mas não temos termos de comparação com outros sítios da Guiné, com mais facilidades de reabstecimento (por ex., Bambadinca).

Feitas as contas por alto, este valor dá uma média de 75/80 cervejas por cabeça, e por mês (não sendo possível distinguir entre garrafas de 0,6 l e 0,33 l)... A cerveja no meu tempo (1969/71) era a 3$50, se não erro (e de acordo com a informação do Humberto Reis). As duas marcas eram a Sagres e a Cristal, em garrafa de 33 cl (, a "basuca" era mais cara, e a "enlatada" também...). 

De qualquer modo, modo lá se ia 1/5 a 1/3 do pré de um soldado (que era 900$00, enquanto um 1º cabo ganhava 1200$00).

Estamos a falar de uma média estatística: 2 a 3 cervejas por dia, em média,  é perfeitamente aceitável, se considerarmos as condições (de clima e de guerra) que enfrentávamos na Guiné. Temos, por outro lado, que considerar o número (desconhecido) dos abstémios... e o consumo de outras bebidas (coca-cola, uísque, vinho...). Provavelmente não se bebia mais cerveja porque o "patacão" não chegava, nem muito menos havia capacidade de frio... Como muitos de nós diziam, "a cerveja quente sabia a mijo"...

Já agora reproduz-se  aqui, de novo,   um interessante documento que é o  "Rol das despesas mensais de um soldado". Permite-nos  reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não temos  a certeza se a situação se reportava à Guiné ou outro TO (Angola ou Moçambique). Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a narço de 1973.

Encontrámos esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o nosso grã-tabanqueiro Renato Monteiro, ex-fur mil art (CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego e Piche, 1969; e CART 2520, Xime e Enxalé, 1969/70).


Despesa do 3 [março]/1973:


Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00 [=54 x 0,6 l= 32, 4 litros]
Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00 [= 24 x 0,33 l= 7,92 litros]
Floid (sic) = 55$00
Pasta p/ dentes = 18$00
1 frasco de cola = 30$00
1 bloco de escrever = 15$00
1 lata de fruta = 11$00
1 garrafa de Porto = 55$00
Sabão = 7$00
Selos = 30$00
Envelopes = 8$00
Fotos = 44$00
Carne patoscada (sic) = 77$00
Vagaço (sic) = 14$00
1 lata de leite = 8$00
Subtotal = 788$00
FIO (sic) = 750$00
Despesa total = 1538$00

1/4/1973
Assinatura ilegível

[ Fonte: Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990, p. 223.]

Estes valores acima referidos são já reveladores da crise que, no 1º trimestre de 1973, afectava já a economia portuguesa bem como das pressões inflacionistas. Repare-se, em todo o caso, que numa despesa mensal de 788$00 (, equivalente hoje a 164, 26 euros)  pouco restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole.

Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Convertidos em litros, dá mais de 40 por mês... Se este fosse o "comportamento típico" do nosso Zé Soldado, o consumo anual de cerveja devia ultrapassar os 300 litros "per capita", admitindo-se  que na época das chuvas se bebia menos...

Havia dois tipos de garrafa: a de 0,6 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l. Em 1973, o preço era, respetivamente, 4$00 e 6$00 (0,83 euros e 1, 25 euros, respetivamente, a preços atuais).


2. Já agora, vamos rever os preços de alguns bens de consumo, na época, bem como outros valores de referência (vencimentos, por exemplo).

O Sousa de Castro diz-nos que no seu tempo (1972/74) "não era muito diferente: os preços que se praticavam, eram mais ou menos os mesmos" [que em  1969/71]...

"Puxando um pouco pela memória, eu como 1º cabo radiotelegrafista ganhava 1.500$00, sendo 1.200$00 por ser 1º cabo e mais 300$00, de prémio de especialidade." [, tudo somado, 1500$00 em 1973, era o equivalente, a preços de hoje,  a 312,67 €].

 "Por lavar a roupa, como cabo pagava 60 pesos [, em 1973]", informa o Sousa de Castro.[=12, 51 euros ]

Em 1969, recordo-me que os soldados da minha CCAÇ 12 (que eram praças de 2ª classe, oriundos do recrutamento local), recebiam de pré 600 pesos/mês [=181, 92 €], além de mais uma diária de 24$50 [=7,43€] por serem desarranchados. 600 pesos deviam dar para comprar duas sacas de arroz de 100 kg cada...

Elementos fornecidos por outros camaradas (**):

Rui Santos:

No meu tempo (1963/1965) comprava 12 ovos por um peso, um cabrito por 10 pesos, 11 frangos por um quilo de tabaco em folha (2 pesos)mais tarde, lá para o termo da comissão um cabrito um cabrito ultrapassava os 150 pesos, uma vaca de 700 pesos passou a mais de 1.000, e ... uma dúzia de ovos ... 12 pesos, era a inflação galopante, pois pudera .... 100 pesos eram manga de patacão.


José Casimiro de Carvalho:

100 pesos dava para comprar uma garrafa de Old Parr (em 1972/74).  Eu, como furriel, ganhava por mês entre 5400$00 e 6240$00 (isto já em 1974).

Humberto Reis:

Das chamadas Meninas & Vinho Verde [já] não me lembro, mas dos produtos que eu mais consumia, entre 69 e 71, não me esqueci:

- Um maço de SG Filtro: 2,5 pesos (sempre que saía para o mato levava 3 a 4 maços para 2 dias);
- Uma garrafa de whisky novo (J. Walker Juanito Camiñante de 5 anos, rótulo vermelho, JB): 48,50 pesos;
- Idem, de 12 anos, J. Walker rótulo preto, Dimple, Antiquary: 98,50
- Idem, de 15 anos, Monkhs, Old Parr: 103,50;

Mais concretamente, o Humberto Reis escreveu:

"Um whisky, no bar da messe, eram 2,50 pesos sem água de sifão e com água eram 3,00 pesos;
Sei bem, isso não me esqueceu, que o uísque era mais barato que a cervejola : 2$50, simples, contra 3$00 ou 3$50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.

"Quanto à lerpa, ou ramim, uma noite boa, ou má, poderia dar (valor médio) 200 a 300 pesos para a lerpa e 50 a 100 para o ramim."


Luís Graça:

"Para uma família africana cem pessos era muito dinheiro... Para a maior parte dos nossos militares, era muito dinheiro... Uma lavadeira em Bambadinca devia receber, no meu tempo (1969/71) 100 pesos por mês (, era quanto eu pagava à minha)...

Com a inflação provocada pela guerra (era tudo importado!), houve uma progressiva degradação dos preços...e dos rendimentos. O problema agrava-se a partir de 1973, com a chamada crise petrolífera...

Recorde-se que em 1973 os países árabes organizados na OPEP aumentararam o preço do petróleo em mais de 400% como forma de protesto pelo apoio norte-americano a Israel durante a Guerra do Yom Kippur... A nossa economia foi muito afetada...E a inflação disparou"...

Jorge Picado:

(...) "Apontamento que resistiu ao tempo, referente ao mês de junho [de 1970]: Total abonos:13900$00; total descontos; 8967$00; a receber 4932$00. Nos abonos estão incluidos 4000$00, relativos aos abonos de família (já tinha os 4 filhos), de março, abril, maio e junho. [de 1970]". (...)

(...) "Vencimentos a receber em agosto em virtude do aumento: março-julho [1970]: 10500$00;

Fev 1326$00; total 11826$00; descontos Cx Geral Aposentações; 710$00; Imposto de selo -12$00; a receber (líquido): 11104$00" [, o equivalente a 3.226,56 €, a preços de hoje].
E mesmo assim, morríamos de sede na Guiné! (***)

_______________

22 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6212: O 6º aniversário do nosso blogue (12): Cem pesos ? Manga de patacão, pessoal! ( Luís Graça / Humberto Reis / A. Marques Lopes / Afonso Sousa / Jorge Santos / Luís Carvalhido / Sousa de Castro)

22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6209: Eu, capitão miliciano, me confesso (3): Falando de patacão... (Jorge Picado)

1 de agosto de  2005 > Guiné 63/74 - P132: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)

(***) Último poste da série > 27 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18020: (Ex)citações (327): MiG russos e pilotos do PAIGC: mitos e realidades (José Matos / C. Martins / Cherno Baldé / Luís Graça)

7 comentários:

Valdemar Silva disse...

Muito interessante, não me recordava nada disto.
Sei que em Bissau, quando cheguei em Fev.1969, o bioxene era mais barato que a água Castelo. O bioxene custava 2,5 pesos (a medida no gargalo da garrafa) e a água custava 3 pesos.
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dino;

Vê lá se estas contas batem certo:

em outro de 1972, estavas a requisitar 12 cervejas quinzenalmente... Ou mensalmente ?

Eram "bazucas" (0,6 l) ou garrafas de 0,33 l ?...Vocês, em Fulacunda, eram 150/160 homens... Ou mais ? Cada um bebia por dia cerca de 1 litro (média estatística)... Bate certo ?

É importante que me confirmes estes números...

Outra coisa: lembras-te dos preços dessa altura ? Cerveja, uísque, quecas, lavadeiras, refeições cá fora, cabritos, vacas...

Outra coisa ainda: vocês em Fulacunda eram reabastecidos quinzenal ou mensalmente ? Nunca houve falta de cerveja e outros géneros ?

Ab. grande,Luís

PS - Vou perguntar também ao nosso camarada Virgílio Teixeira, que foi alf mil SAM em 1967/69, embora na região do Gabú e na região do Cacheu.

António J. P. Costa disse...

Olá
Mas aquilo era uma unidade de operacionais ou uma orquestra de copofones?
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

José Claudino Silva
6 fev 2018 23:20

Estou envolvido num projecto da minha autoria chamado "PARQUE DOS AVÓS"
Que pela primeira vez na minha vida me faz pensar que os dias deviam ter mais horas
Mas muito em breve consulto o meu correio e de certeza que tenho esses dados
Vai ao Facebook ver o Bosque dos avós.

https://www.facebook.com/joseclaudino.silva.967

Anónimo disse...

Virgilio Ferreira

7 fev 2017 12h52

Bom dia ao Luís e Dino,

Estou chateado, porque estive a fazer um comentário no sitio do Claudino, tantas coisas que nos unem e poucas nos separam, devo ter escrito aí umas 2 páginas, meia hora a escrever, depois faço o envio, e desapareceu tudo, não há o meu comentário.

Já me tinhas avisado para não escrever muito no comentário, mas sim numa folha de word e depois anexar, é o que devia ter feito, mas agora já não escrevo mais aquilo que já tinha escrito, nunca mais vai ser o mesmo.

Dino, um dia que tenha mais paciência, vou voltar ao blogue e fazer um comentário, mas agora vou fazer numa folha de WORD no computador. Há muita coisa que nos liga, sendo eu do Porto, e o GACA ficava ali bem perto da minha Faculdade de Economia. Para já liga-nos o dia de assentar praça, - 3 de Janeiro, eu de 67, e tu de 72, eu em Mafra, e tu no Porto, a minha terra. E Penafiel que fazia parte da volta dos tristes há décadas atrás, tantas vezes lá fui, e tantos clientes por ali tinha na minha actividade de Consultor Financeiro. Fica para mais tarde.

Em resposta às perguntas do Luís Graça não sei quase nada.

Eu bebia cerveja nas confraternizações com os camaradas condutores, e tudo era comprado por grades. Não sei os preços, mas tinha de ser barato. Eu bebia normalmente o Casal Garcia gelado, quando havia, também comprava por caixas, não faço ideia do preço. Sei que metia inveja nos restantes oficiais na messe ao jantar e ao almoço, eles bebiam vinho de garrafão, quente ou com pedras de gelo, e eu Verdinho a cair às pingas no copo, pois as garrafas vinham directamente do congelador.

A minha bebida preferida era o uísque, uma dose medida por aqueles doseadores de bolinha, com muito gelo e água Vichy, Perrier ou Castelo, custava 4$50. Eu era o maior consumidor do bar, fazia contas de assustar, mas ganhava para isso, e não tinha despesas familiares como agora tenho. Depois eram as bebidas - todas brancas - conhaques franceses, vodka russo, gin tónico com shwepps, champagne Perrier Jouet, etc, desculpem lá mas era assim.

Uma garrafa de uísque Johny Walker Red Label, custava então 40$; uma de Martins 20 anos era 90$ e por aí em diante. Trouxe comigo 3 caixões cheios de garrafas de todas as melhores marcas existentes então, incluindo o Monks!

A cerveja era para os mariscos, ostras, e nos cafés e bares de Bissau. Mas no Zé d' Amura era vinho branco gelado com passarinhos fritos e tudo muito picante. O Zé depois de 1974 veio instalar-se na Povoa de Varzim, mas já não era nada daquilo.

Não me lembro dos preços de nada. Frequentei todos os restaurantes, bares, cafés e esplanadas, sei de alguns nomes, mas não sei dos preços.

Ainda hoje bebo pouca cerveja, só finos - ou imperiais como também lhe chamam - tudo de pressão, a cerveja em garrafa ou lata faz-me inchar mais do que aquilo que já sou. Por isso prefiro o vinho, branco no calor, tinto na maior parte do ano. Do bom se possível!

Um abraço para o Luis e outro ao Claudino, é um poeta, e eu só escrevo ao correr da pena.

Virgilio

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Virgílio: Temos que aprender com os erros... Somos levados pelo entusiasmo e pela escrita "criativa", e depois, pumba!, lá se vai o trabalho de meia hora por termos tocado numa tecla errada...Às vezes recupera-se, é preciso ver as janelas que estão abertas no computador...

Enfim, coisas extensas, já sabes: escreves à parte... E depois fazes fazes "copy & paste"... é seguro.

Já te pus o comentário no devido sítio... Oscar Bravo (OBrigado)... Luís

PS - A escrita faz-nos bem... Está provado que a "blogoterapia" previne o raio da doença do alemão (de que Deus nos livre!)...

Anónimo disse...

Luis, fui ver na net o que era a doença do alemão, não sabia confesso, e vejo que é o Alzheimer!!!!!!!
Deus nos livre, se faz bem vou blogar todos os dias do ano.
Prometo, se for verdade claro.
Virgilio Teixeira