segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18286: Notas de leitura (1038): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Não duvido que todos os acontecimentos inerentes à luta armada e as décadas de vida atribulada da República da Guiné-Bissau suscitem forte atração para os estudos da ciência política. O Dr. Livonildo tem sobejas reticências sobre a prática do Partido-Estado, o PAIGC, imputa-lhe graves responsabilidades nos desastres do país. Reflete sobre a liderança que ocorreu desde a luta armada, passando pelo afastamento dos cabo-verdianos, passando pelo período cesarista de Nino Vieira que uniu o que Amílcar Cabral separara, a subordinação do poder militar ao poder político passou, depois do golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 por um longo ciclo de equívocos, ainda não completamente dissipados depois das eleições de 2014.
Não se pode dizer que o autor não investigou, resta deixar para último texto o que ele nos vai propor como novo paradigma de governação na Guiné-Bissau. Desconfio que poucos considerarão úteis tais propostas, do modo como ele as formula.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (3)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

O autor tenta interpretar a crise de liderança em que vive permanentemente a Guiné-Bissau, analisa o conceito de Estado falhado, e dá a palavra ao investigador guineense Kafft Kosta, doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a ele se deverá uma teoria jurídico-política que pode ser designada ideologicamente por kafftianismo. O que é? Advoga que não são ignorados os riscos de instabilidade política e social. Este potencial risco deverá ser tido em conta na construção do sistema, a tradição política profunda e estruturada do povo é fundamental para que o Estado goze de governabilidade. E afirma que a proposta de Kafft Kosta é uma das mais inovadoras que surgiu nos últimos tempos em relação à reforma das estruturas sociais, culturais, económicas, políticas e militares da Guiné-Bissau. Kafft Kosta defende a criação de uma instituição, uma espécie de segunda câmara parlamentar composta pelos antigos Presidentes da República e pelas autoridades indígenas que teria um número reduzido de membros na sua composição. Em caso de crise, esta “segunda câmara” poderia fundar-se com a Assembleia Nacional. Kafft Kosta estudara o poder no “Chão Manjaco”, uma sociedade estratificada de acordo com os estatutos profissionais de cada família, tem castas e classes. Para este autor, o caminho preferencial passa por desdramatizar a realidade étnica, aceitando-a frontalmente, é necessário um equilíbrio inteligente entre o poder e a etnicidade. Ao que parece os políticos guineenses ficaram profundamente céticos face a estas propostas, não houve consenso para a criação de uma segunda câmara, o doutor Livonildo pretende fazer um ponto de situação:
“A proposta kafftiana tem um acolhimento sintonizado entre um certo Setor Intelectual Português Europeu (SIPE) e uma parte da Classe Intelectual Guineense Africana (CIGA). É pena que não nos explique quem é este setor e quem é esta classe intelectual. O SIPE persiste em tentar convencer a CIGA de que o regime político democrático não é um regime típico para a Guiné-Bissau, com os seus muitos grupos étnicos. Para este SIPE, o conveniente seria que esta SIGA optasse por um modelo de enquadramento de régulos/chefes tradicionais que correspondesse à sua realidade, em que a diáspora guineense constituiria um campo de recrutamento importante. O SIPE defende que as sucessivas lutas, por vezes violentas, entre lideranças políticas demonstra também a inadaptação da aplicação do modelo político ocidentalizado a uma realidade cultural muito específica”.
A CIGA estará premiável ao modelo kafftiano. Para que o cenário fique ainda mais complexo, entrou em cena com outras propostas, como as de Julião Soares Sousa e a de Alfredo Handem, são ouvidos vários régulos, desvela-se a política do Botswana e estabelecem-se as diferenças com a Guiné-Bissau.

O Dr. Livonildo teima em chamar a Cacheu a primeira capital da Guiné Portuguesa, um dia terá a bondade de nos explicar como desencantou este facto que toda a historiografia até agora desconhecia. Indo de conjetura em conjetura, ocorre-lhe dizer o seguinte:  
“Se alguns indivíduos guineenses que usufruíram da socialização europeia e que tenham mais habilitações podem encontrar no cenário da ressurreição étnica/tribal uma oportunidade para se assumir como elementos-chave dos órgãos do Poder, tal como acontecia com os cabo-verdianos residentes na Guiné-Bissau nas épocas anteriores à independência nacional, então este fenómeno legitimaria na Guiné-Bissau o velho sonho de Portugal antes das independências que consistia em conceder as antigas colónias aos mestiços de portugueses que serviriam de representantes dos interesses de Portugal”.
Toda esta deambulação serve para quê? Para que o autor venha provar com o seu novo modelo de governação que é possível estabilizar e desenvolver a Guiné-Bissau com a inclusão dos aspetos positivos das diferentes tradições que compõem a Babel guineense.

E muito antes que o modelo venha à tona, é-nos contada a história da democracia da Guiné-Bissau, com o concurso da ciência política, como se chega ao Estado, o território, o aparelho do poder, as categorias de Estados modernos, os Estados federais e as respetivas teorias, o Estado unitário, centralizado e descentralizado, a função legislativa, o que distingue o regime do sistema político, são referidas as grandes revoluções dos séculos XVI e XVIII, fala-se de John Locke, Montesquieu, Jean-Jacques Rousseau, Alexis de Tocqueville, diz-se mais adiante que muitos dos países africanos deram provas de terem democracias saudáveis e com reformas surpreendentes, caso do Senegal, Cabo Verde e Botswana.

Após tão culta deambulação é feita a pergunta: qual é o sistema político do governo guineense? Então fala-se dos sistemas políticos do governo, como funcionam os parlamentos, se existe só uma ou duas câmaras, se há câmaras altas, se os senadores são eleitos por sufrágio direto ou indireto, o que são sistemas legislativos unicamerais, como funciona o sistema presidencialista, de novo é interpelado o Kafft Kosta que terá disto que todas as violações das leis da Guiné-Bissau incitaram-no a fazer a seguinte pergunta: por que não a opção clara por um sistema presidencialista? Segue-se uma prolonga viagem sobre benefícios e desvantagens do presidencialismo e semipresidencialismo, vem à baila referir o sistema político português, que terá servido de referência para o modelo constitucional guineense.

Entende o autor, de seguida, questionar quais são os principais sistemas de partidos políticos que existem do ponto de vista da ciência política, fala das respetivas classificações, são citados inúmeros especialistas, descrita a história da abertura democrática na Guiné-Bissau, que ocorreu em 1991, a Carta dos 121, quando surgiram os partidos políticos que vieram concorrer com o PAIGC, sempre aqui tratado como o Partido-Estado. A essas 40 forças política partidárias o Dr. Livonildo chama partidos-clones, fabricados pelo PAIGC, na sua esmagadora maioria os políticos eram provenientes do PAIGC. E ficamos a saber mais:  
“Estes indivíduos têm como objetivo principal a execução de sabotagens e fornecimento de informações, acabando, na melhor das hipóteses por funcionar como cláusula-travão para a não existência de uma verdadeira oposição política na Guiné-Bissau. O facto de existirem mais de 40 partidos políticos num cenário em que o PAIGC se torna imprescindível à governação, num país com mais de 30 grupos étnicos e 100 subgrupos étnicos, leva-nos a admitir a existência de um fenómeno do tipo de multipartidarismo de partido dominante na Guiné-Bissau".
Segue-se a análise dos contenciosos eleitorais, devido à natureza dos sufrágios que a constituição dispõe, casos de primeira e segunda volta, reflete-se sobre o defeito da representação proporcional segundo o método de Hondt, o que é voto sincero e voto estratégico, e para além dos grupos políticos os parapolíticos, e tece as seguintes considerações:
“Face ao contexto político da Guiné-Bissau, os grupos de pressão/interesse e os grupos parapolíticos funcionam quase da mesma maneira. Isto porque a política é o principal canal de sobrevivência para a esmagadora maioria dos guineenses. Existem muitos partidos políticos que têm características típicas de atuações dos grupos de pressão. Tudo porque há um Partido-Estado cujo monopólio político faz com que todos os guineenses sejam do PAIGC. É por estas razões que não se pode, do ponto de vista da ciência política, falar verdadeiramente da sociedade civil, da imparcialidade, da independência de muitos intelectuais guineenses, devido à falta de honestidade naquilo que eles transparecem”.
E para remate destas centenas de páginas sobre a história, a guerra colonial, a caracterização política e social da Guiné, a liderança e a tradição, profere o autor:  
“A implementação da democracia na Guiné-Bissau não resolveu os problemas do passado. Por isso, é necessário organizar o país em prol de todos os guineenses e criar um modelo de governação que é um conjunto de instrumentos que integram os principais órgãos do aparelho de poder do Estado”.
É a reflexão que se segue, em que o autor apresenta o seu modelo de governação.

(Continua)
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Nota do editor

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Último poste da série de 2 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18279: Notas de leitura (1037): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (20) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Grandes pensadores! Aqui Kafft Kosta, ou será Franz Kafka da Kosta?

Abraço,

António Graça de Abreu

Manuel Luís Lomba disse...

Eh, Mário: Estou a ver factos antigos com os olhos de agora e sou recorrente a alinhar com o dr. Livonildo: cronologicamente, salvo erro ou omissão, Cacheu foi a primeira capital da Guiné Portuguesa; foi fundada em 1558, como Feitoria, "valorizada" como Presídio e foi a residência dos capitães-mores, mandatários do rei de Portugal, antes de ser incorporada em Cabo Verde, em 1614.
Ao aglutinar os dois países no PAIGC, Amilcar Cabral intentou recriar, 400 anos depois, o que os portugueses do século XVI já haviam tentado viabilizar- mas com dimensão imperial.
Qual foi a primeira capital da Guiné-Bissau?
As tabancas de Cassacá ou Cachile, na República Independente do Como, proclamada por Nino Vieira, em 1963?
Conacri, onde Cabral instalou e pôs a funcionar toda a parafernalidade militar e política do PAIGC?
As tabancas de Madina de Boé ou de Lugajole, no extremo Leste da Guiné Portuguesa, onde o mesmo Nino proclamou a sua independência nacional?
Ab
Manuel Luís Lomba