Caro Luís e Carlos
Dia 5 de Novembro de 1968
Faz hoje 50 anos que a minha Companhia de Artilharia 1659 - CART 1659 regressou pelas 17 horas no Paquete Uíge - pasme-se, depois de ir encostar ao cais de Alcântara, Lisboa, recebeu ordens para parar e pouco depois afastou-se para o largo - e foi-nos informado que não desembarcaríamos. É difícil explicar como ficou o pessoal. Pensei logo lançar-me ao Tejo e ir a nado. Aquela noite não se esquece.
Cumprimentos à Tabanca Grande
Mário Vitorino Gaspar
Regresso da Guiné
Mário Vitorino Gaspar
Finalmente no dia 31 de outubro de 1968, embarcámos para Lisboa. Tal como sucedeu, no embarque numa lancha para Bissau, não me recordo de tal, o mesmo sucedeu na entrada no Uíge, nem mesmo de como uma mala de cânfora, fora parar ao porão, com alguma bagagem dentro. Fomos colocados no Forte da Amura. Como sucedera quando vim de férias, fomos colocados de serviço. Não ficámos isentos de Serviços. De qualquer modo houve tempo para tudo – principalmente compras – tinha pensado adquirir uma mala de cânfora, fiz a escolha. A comida em Bissau era diferente, eu e alguns camaradas optámos por fazer as refeições, sempre com a alternativa de uma ou outra fora da Messe.
Bissau era um jornal diário aberto da guerra no território. Inclusive, a pequena informação chegava às esplanadas. Tratando-se da Operação em que Portugal se empenhara – considerada de “Confidencial” – alguma em que nem a Nossa Tropa tinha conhecimento, discutia-se à frente de uma cerveja. O pessoal da Nossa Companhia que envergava camuflados novos, recém-chegados do Casão, e entregues uns dias antes da nossa saída do mato, exibindo no braço o dístico da Companhia de Artilharia 1659 (“ZORBA”). Em qualquer local alguém gritava:
– Salta que é periquito!
Habitualmente o pequeno-almoço era no famoso – lá no burgo – “Zé da Amura”, pombos verdes fritos, sempre acompanhados com cerveja. Bebida nunca esgotada nestas terras. Visitas ao Mercado para ver as novidades do dia. Iam aparecendo peças de pau-preto, principalmente máscaras; punhais e catanas forradas a pele de animais.
Tivemos oportunidade de conhecer melhor Bissau. Grande parte dos Nossos Jovens Heróis nem a cidade conheciam. As noites eram diferentes, nem um não ao convite para conhecer o “Bairro do Pilão”.
Os Militares preparados para tirarem a Carta de Condução lá estavam no dia marcado. Toda a Companhia festejava essa grande vitória, tratava-se de uma boa porta aberta para um emprego.
Por vezes parava no tempo e fazia um balanço desta experiência que nunca iria esquecer. Um primeiro período, após a chegada ao largo de Bissau, recordado sempre a mesquinhez de que ordenava, de fazer o favor de dar viagem de luxo a Oficiais e Sargentos e empurrarem para o porão os soldados, garrafões e garrafas de aguardente. Iria esquecer a dádiva de um quarto de pão, um ovo cozido, uma laranja, uma maçã golden… Um destino incerto. Recordo que no primeiro balanço que fiz após uma semana na Guiné, explica-se com a frase:
– Mais parece ter sido anestesiado!
Agora posso dizer:
– Deixei de estar anestesiado há uma semana, dia em que pensei: – pode ser que saia vivo!
Não sou capaz de me lembrar como entrei na LDM em Gadamael Porto, nem como em Bissau subi para o Paquete Uíge. Resumindo: – continuo na Guiné! Será para sempre.
A viagem de regresso a Portugal foi muito idêntica à da ida para a Guiné. O mar estava mais calmo. Eu só pensava na chegada a Lisboa. Era um milagre este regresso. Ia bebendo mais cervejas que o habitual. Escrevera para casa e pedira que levassem para o cais de Alcântara a bandeira do Alhandra Sporting Club. A maior que existisse, para que eu pudesse vê‑la do paquete. Continuavam os jogos. Jogava‑se a dinheiro. Tal como da ida para a guerra, não esquecendo o Bingo.
Os constantes enjoos continuavam. Perto da Ilha do Sal o mar agitou‑se um pouco, mas existia quem não suportasse os balanços do Uíge. Bebia‑se, e não só cerveja. E fumar? Cada vez fumava mais.
Fomos assistir a uma sessão de cinema:
– “Festival de Twist N.º 1” e “Negócio à Italiana” (este com Alberto Sordi e Gianna Maria Canale). Foi um momento bem passado, que fez esquecer alguns traumas mal geridos.
Lembrei a morte do Furriel Vítor Correia Pestana e dos Soldados António Lopes Costa e do Manuel Ferreira Silva.
Membros da população civil maior percentagem de mulheres e crianças que tombaram a 4 de julho de 1967? Feridos. Todos os feridos que tivemos. Nunca acreditei que fosse obra do PAIGC.
Ainda estou a ouvir o tiroteio nas emboscadas e ataques aos aquartelamentos de Gadamael Porto, Ganturé, Sangonhá (quando lá fomos montar segurança), Cameconde, nas mesmas circunstâncias, Guileje e Mejo. No “corredor da morte”? Aqueles locais sinistros cheiravam a guerra. Tudo parecia um cemitério.
Mas tudo muito difícil de explicar: as crateras das granadas que rebentavam no chão, as árvores esburacadas pelas balas, estilhaços, ofereciam‑nos simultaneamente um ar belo. A vegetação era exuberante, eram belos aqueles locais.
A sede, fome, falta de notícias da família, da namorada e dos amigos. A importância das madrinhas de guerra.
Curiosidade: transcrevo a Ementa do Almoço, a bordo do Paquete Uíge, no dia 2 de novembro de 1968 dos Sargentos:
Sopa: Juliana – Peixe – Iroses de Caldeirada; Ovos – Tortilha à Espanhola; Entrada – Favas à Transmontana; Fruta; Chá – Café.
Segundo se dizia, estávamos prestes a chegar a Lisboa. Falava‑se que seria no dia 5 de novembro de 1968. Eu continuava a fumar cada vez mais.
O Paquete chegou. Segundo informação não íamos desembarcar por já ser tarde. Espreitávamos para a marginal de Cascais e víamos as luzes das viaturas que percorriam a marginal. Gritava‑se:
– Olhem para os carros!
Fomos deitar‑nos, a ver se o tempo passava mais depressa. Protestava‑se:
– Ainda é dia! Por que não nos deixam desembarcar?
Deviam ter informado pela televisão e rádio que a tropa, oriunda da Guiné, não desembarcaria no dia 5. Embora estivéssemos bastante afastados do cais de Alcântara, poucas pessoas víamos.
Passámos a noite nesta angústia, até que eu me lembrei de ir tomar um duche, num intervalo de uma ida ao bar ou de fumar um cigarro. Os maços de tabaco que comprara para levar para casa, estavam quase no fim.
Quando vou para tomar banho, eis que verifico que a água estava gelada. Não havia água quente. Tinham‑na desligado. Lá tive que tomar um banho de água fria, que teve o condão de aquecer a mente.
Depois do banho verifiquei que quase todos se encontravam cá em cima, do mesmo lado do Uíge. O barco estava inclinado, até parecia que se ia virar.
O Comandante da CART 1659 chamou‑me:
– Mário, você fica responsável pela bagagem de porão. Fica em Lisboa, a Companhia paga‑lhe o alojamento e a alimentação e depois segue para casa, – disse.
– Nem pensar, já basta o que já fiz, quero é ir para casa. Capitão, escolha outro!
– Então fica responsável pelo guião da Companhia. Vai haver uma formatura e o Mário forma com a CART, com o guião, depois vai discursar um Oficial.
– Nunca fiz isso, mas está bem. Onde ficar o guião no princípio, continua no mesmo sítio até que termine a parada! – Disse eu.
Fui descendo. Encontrei alguns soldados da minha Companhia que se encontravam mal dispostos. Estive um pouco com eles, e sem dar por isso estava a fumar mais um cigarro. Fui ao camarote onde dormia. Alguns Furriéis estavam deitados.
– Levantem‑se, estamos quase a desembarcar!
Depois de subir, e espreitar para o cais, vi entre uma multidão a bandeira do Alhandra Sporting Club. Ali estava a minha família.
No cais estava a Polícia Militar, e no barco os militares gritavam em uníssono:
– Malandros, vão para o mato!...
Bandeira do Alhandra Sporting Club
Até que chegou a hora de desembarque.
Fui ter com os meus, levando a bagagem comigo. Estavam a minha namorada, que viria a ser a minha mulher, o meu irmão José e a minha cunhada Fernanda.
A formatura não se chegou a efetuar e fomos automaticamente transportados para um quartel nas imediações de Oeiras, que estava desativado.
Arrumei a minha bagagem. Quando estava indeciso com o guião na mão, coloquei-o sobre a bagagem do Capitão. Fomos almoçar, e engraçado, o prato que naquele momento mais desejava: – carne assada no forno com batatas. Fomos no carro do meu irmão e depois do almoço regressámos ao quartel.
– Então é sempre a mesma porcaria. Colocou o guião por cima da minha bagagem e foi‑se embora, Mário? – Disse o Capitão.
– Houve azar Capitão? – Respondi‑lhe.
– Tivemos que entregar o guião, ao responsável do Regimento de Artilharia de Costa, deveria haver uma cerimónia, e nada disso sucedeu! – Retorquiu o Capitão.
– Então ficou entregue! – Disse, sorrindo.
Não se tratava de falta de respeito. Tinha muita consideração pelo nosso Capitão. A verdade é que o Capitão Mansilha estava mesmo zangado.
Depois de trocas de opiniões, e de terem começado a pagar os montantes que o Exército Português nos devia, gritou para o Capitão o Alferes Miliciano Luís Alberto Alves de Gouveia:
– Paguem já ao Mário, não o façam esperar, ele tem a família à espera!
Recebi o dinheiro, despedi‑me do pessoal, e fui para junto dos meus que se encontravam no exterior, junto ao carro. Fomos até Alhandra.
Chegados a Alhandra, desloquei‑me a casa para tirar a farda e vestir‑me com a roupa que a minha mãe tinha deixado em cima da cama e saí.
Em lugar de me dirigir para um jantar que o meu pai organizara, fui na direção do cais “14”, ver o meu Tejo.
Lá estavam as Fragatas, os barcos desportivos que treinavam e os avieiros nas suas bateiras. Fiquei ali, esquecendo completamente, os meus pais, meus familiares e amigos que esperavam por mim.
Foi quando entrei em mim e dirigi‑me para a Padaria do meu pai, onde era, de facto, a festa em minha homenagem.
Tamanha alegria! Ria‑se. Chorava‑se. Meu pai fez rebentar uns dois morteiros, e uns tantos foguetes.
Todos queriam saber de mim. A família grande e os amigos também. Chegou o Cabo da GNR, e quando me viu cumprimentou‑me militarmente. Olhei para ele e parece que ri ao lembrar aqueles tempos em que ele nos perseguia, e até escondia a roupa deixada em cima da areia. Convidei-o para comer e beber qualquer coisa.
Segundo consta no meu Processo Individual do Exército, depois de ter passado à Primeira Classe de Comportamento em 3 de maio de 1968, em 28 de novembro de 1968 terminei a minha obrigação de Serviço, depois de ter gozado 21 dias de licença. Passei às tropas licenciadas em dezembro de 1978 por ter completado 35 anos de idade.
Reiniciei a minha vida naquele dia. Teria de recuperar o tempo perdido. Esquecer, retirar as folhas dos calendários correspondentes a todos os dias? Pouco provável esquecer, conhecia-me bem e jamais vou esquecer uma guerra.
Os amigos? Como era possível esquecê-los?
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19218: Os nossos regressos (35): 21 de Novembro - o dia do regresso da Guiné… 48 anos depois
7 comentários:
Mário
Fascinante, esta tua descrição da chegada da guerra.
Chegar da guerra e ter a Bandeira do Alverca à nossa espera, não é para todos.
Ab.
Valdemar Queiroz
Mário Gaspar, gostei imenso desta descrição, não parece diferente de outros e da minha. Eu tenho tido várias vezes ganas de sair daqui, mas há sempre algo que me puxa, a Guiné.
O meu grande crime militar foi não pertencer aos chamados 'operacionais', tenho lido muita coisa que não me agrada, mas vou tentar continuar, embora já sem garra nenhuma.
Esta história, tem muito de parecido com a minha, quase a papel químico algumas coisas e passagens. Tive a sorte de ser incorporado como alferes miliciano do SAM, em 1967, após um esforço indescritível para chegar à faculdade, e assim esperar mais dois anos até à recruta.
Seria da incorporação de 64, já que sou da inspecção de 63, o NIM acaba em 64. O teu de 67, foste à inspecção em 66, nasceste portanto em 45 e eu em 43, contas da vida.
Também não me recordo de muita coisa, na ida fui de avião DC6 com o comandante de batalhão, para Gabu render o bcav1915. Sei e lembro-me bem da reacção à chegada ao aeroporto de Bissalanca, em 21set67, sair de um frigorífico e entrar num forno, uma sensação nunca mais esquecida. A humidade, o cheiro da terra vermelha molhada, o sol abrasador, a chuva a seguir, a roupa a ficar colada ao corpo, são experiências para jamais esquecer.
Sei que fui passado 2 dias para Nova Lamego, de Dakota, em menos de 3 dias tinha tido duas grandes experiências novas. Voar, pela primeira vez, num monstro DC6, e depois passado dois dias, num avião pequeno em terras e céus da Guiné. Não me lembro nada da chegada a NL, nem o que lá fui fazer, e passados 2 a 3 dias, já estava a rumar a Bissau no mesmo Dakota, e fui esperar o BCaç1933 a minha malta, que chegou a 3out67, e pelas 4 horas da manhã do dia 4, rumamos em barcaças e lanchas Rio Geba acima, Bambadinca, e depois Bafatá, Nova Lamego, em camiões por estrada. Chegamos ao fim da tarde inícios da noite, mas também não me lembro o que fizemos e como fui dormir e com quem. Como foi o embarque em Bissau, em que barcaça ia, os camaradas ao lado, a ração, são coisas que não sei como aconteceram, só tenho as fotografias disso tudo, porque tinha acabado de comprar a minha primeira máquina. Nunca me lembrei mais o que pensava daquilo tudo, fui-me habituando como os outros, cada um com os seus problemas, que não são os mesmos.
... continua ...
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Fui a Bissau muitas vezes por isso conheço bem, entre outras passagens, o Zé d'Amura onde se jantava à noite, nunca fui ao pequeno almoço lá, os tais ´passarinhos' fritos com molho picante e muito vinho verde gelado a acompanhar. As passagens pelo mercado, comprar aquela fruta por tuta e meia e comer ali mesmo contando-a com uma faca. O Pilão não digo nada, pois já falei demais sobre isso.
Lembro-me sim do embarque, entrei para o UIGE um dia antes, dormi num dos camarotes melhores, pois pude escolher à vontade. Depois no dia seguinte vi um espectáculo inacreditável, várias lanchas, LDG,LDM, barcaças turras, tudo ao monte e fé em Deus, a encostar ao UIGE e ser tudo içado como gado, tenho essas imagens, mas faltam-me mais.
Lembro-me do UIGE a apitar, eu estava já sentado com 2 camaradas, de barriga ao leu a apanhar sol, mas SOL do Atlântico, não da Guiné. Depois foi o primeiro jantar no mar alto, e o inevitável vómito e sair da mesa do comando, onde estava, envergonhado por não aguentar as ondas. Mas foi por pouco, meio dia depois já estava tudo bem. Lembro-me do nome do Capitão Robles, que embarcou comigo, mas ficou sempre no camarote porque enjoou todo o caminho, nunca o vi nem conheço, mas está lá o nome nessa cartilha de bordo.
Acordei na manhã do dia 10ago69, olhei pelo buraco da janela e estava no cais de Alcantara. Não me lembro de grandes emoções, estava lá a minha namorada - agora minha mulher - não reparei muito no resto, estava concentrado com os meus. Ela foi acompanhada pela minha irmã e pelo meu cunhado, e curiosamente, por causa disso tivemos chatices futuras. Eu agarrei na namorada, e mais um colega meu que estava com a mulher, fomos logo almoçar, após aquelas praxes todas, a um bom restaurante que eu já conhecia, a minha irmã e marido perderam-se e só os voltei a ver em casa, no Porto, ao fim da noite desse dia.
...... continua ......
... continua ...
Depois do lauto almoço, fomos os quatro para Tomar de taxi, ainda chegamos a tempo de ver o batalhão a desembarcar do comboio, também ia a CCS do batcaç1932, vindos de Farim.
Agora foi o momento mais épico, tudo formado, e em marcha e formatura militar percorremos as ruas de Tomar repletas de gente, e orgulhosamente olhava para aquela multidão, já tão habituada a estes desfiles militares, quer de ida, quer de regresso, debaixo de um enorme calor de Agosto, mais quente que na Guiné.
Fiz como os outros o meu espolio, mas não sei o que entreguei, pois era tudo meu e comprado com o meu dinheiro. Recebi o meu último vencimento, entregam-me um papel A5, do RI15, onde estou identificado, dizendo que passa à disponibilidade a partir de amanhã dia 3 de setembro. Estava assinado pelo Coronel Gimeão, parece que é isto, e com a data de 2set69.
Vou com a namorada para a messe de oficiais, e acabo ali a vida militar, tiro a farda e botas, boina etc, e visto a roupa civil, após um bom banho frio tão bem me soube. Deixei a pele pegajosa na Guiné, estava novo. Vamos ao Bar, toma-se qualquer coisa, vemos os horários dos comboios, tenho a Guia de Marcha e o Bilhete de comboio, lá fomos os quatro novamente, chegando ao Porto passadas muitas horas de viagem, nos famosos comboios-correio.
Cheguei a casa, não tinha mais ninguém à espera. A minha irmã e cunhado com caras de pau, disseram que os abandonei, mas não nos encontramos mais, faltava aí o telemóvel.
Os meus pais, uma irmã mais nova, e um irmão ainda puto, estavam todos em Moçambique, o meu pai foi mobilizado e mandou ir a familia toda, ou quase toda.Lá ficaram dois anos, quando chegaram já tinham uma neta.
Faltava o meu irmão mais velho, depois de prisioneiro na India, e 30 meses em Angola - era Sargento Radio Montador, do quadro permanente - não estava em casa, estava preso por mais ou menos 'deserção'. Ele estava pirado da cabeça, e arranjou uma forma de se livrar da tropa, evitando nova comissão para a Guiné, para onde estava mobilizado, desertando, sendo preso, foi a Tribunal de Guerra, e não sei muito desta história, mais uma que me foi ocultada. A primeira coisa que fiz e não descansei mais, porque ainda tinha os meus galões de alferes, foi junto do QG do Porto, e do Comandante Militar da Região Norte, que era nossa antigo vizinho, familiar de uma irmã vizinha, conhecido do meu pai, também militar, e juntando tudo isso numa batedeira, acabei por o tirar de lá para fora, e fui buscá-lo a Espinho, já no meu novo carro acabado de comprar.
Não gosto de dizer isto e já disse, mas vai outra vez. O meu pai quando embarcou para Lourenço Marques já tinha o filho preso, não sei se podia ter pedido um adiamento e tratar do filho, mas foi no seu destino. Passados uns 2 meses mandou ir o resto da família, a minha mãe, e irmãos. O filho ficou na cadeia... Não percebo isto, nunca engoli este sapo.
Não partilhei muito o meu regresso, a não ser com a namorada, comecei logo a procurar trabalho, e a viver os fins de tarde com a minha namorada. Em 01nov69 já estava a trabalhar com os Suecos - os mesmos que financiavam o PAIGC - e bem me chateei com eles.
Como a vida não era cor de rosa, na nossa casa onde morava agora a minha irmã e marido, a fartura era nenhuma, e agora também tinha o meu irmão, sem emprego e sem salário e com apetite, e eu a gastar os meus últimos trocos.
Toca a marcar o casamento, agora já com a minha noiva, com ausencia total do resto da familia, que não gostaram nada, mas a vida era minha. Em 20mai70 casamos, numa segunda feira, o documento da Conservatória chegou no proprio dia, tivemos sorte, e casamos, com boda e algumas pessoas convidadas, no total fomos 19 pax, preço por pax 150$ com tudo incluindo uisques, bolos, dança, espumante e tudo o resto. Paguei com a gorgeta aos empregados a quantia de 3000$00 - três mil escudos, são 15 euros na moeda actual.
E fomos felizes para sempre.
Esqueci-me do nome,
Virgilio Teixeira
Em, 2018-11-22
Final comecei a contar a minha história, sem terminar desejando que agora 50 anos depois - eu faço para o ano de 2019 - a vida sorria, e nunca vamos esquecer aquela terra, seja pelo bem ou pelo mal, ou ambas as coisas.
Gosto de falar nisto, e não poupo palavras, não escondo nada, digo mais do que aquilo que devia, não guardo nem resguardo a família e familiares, não sou politicamente correcto, não estou aqui para me elevar nem promover, falo à moda do povo, mais propriamente, à moda do Porto. Mas com orgulho, sempre com muito orgulho por tudo o que fiz e passei. Não disse nem uma milésima parte do que teria para dizer.
Vamos vivendo esta vida que nos deram, e sem remorsos, sem rancores, afinal somos de uma geração que já não existe, não se fabrica mais, esgotou a semente.
Abraço Gaspar, o camarada Virgilio Teixeira
Em, 2018-11-22
VT.
Caros camaradas o meu NIM: 03163264 e a 3 de Maio de 1965 apresento-me no RI 5, em Caldas da Rainha para fazer o Curso de Sargentos Milicianos. Só a 10 de Janeiro de 1967 parto para a Guiné como Atirador e Curso de Minas e Armadilhas. Portanto nasci na Freguesia de Santa Maria, Concelho de Sintra a 9 de Abril de 1943. Isto para dizer que tenho já 75 anos e mais perto de fazer os 76. Perdi muito tempo da minha vida com o Serviço Militar Obrigatório que destruiu os meus sonhos. Sendo contrário à tropa, principalmente contra guerra senti-me na obrigação de cumprir essa nossa missão. Assumi, tudo fiz para ajudar esses Soldados-Heróis, os melhores Soldados do Mundo. Todos unidos saímos vivos, infelizmente tivemos 3 mortos. Para cúmulo sou Deficiente das Forças Armadas.
Cumprimentos de Mário Vitorino Gaspar
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