segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19236: Em bom português nos entendemos (17): os vocábulos "sinceno" e "sincelo" no nosso blogue e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa


Do sítio brunhoso.net (com a devida vénia...)

1. Caros/as leitores/as: o nosso blogue, a caminho dos 15 anos de idade, dos  20 mil postes publicados  e dos 11 milhões de visualizações de páginas, é uma fonte de informação e conhecimento sobre a Guiné-Bissau e a guerra colonial de 1961 a 1974... 

É um blogue coletivo de partilha de memórias (e de afetos), entre combatentes (de um lado... e do outro, se bem que mais de um lado do que do outro...). E edita-se em português. Tanto quanto possível, "em bom português"... E é visitado por gente de todo o mundo, e em especial do mundo lusófono, dos EUA à Austrália, de Portugal à China...De facto, é em português que nos entendemos, de Lisboa a Bissau, de Brasília a Luanda, da Praia a Maputo...

Não deixa de ser curioso assinalar que os nossos dicionários "on line" (ou em linha), como é o caso do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa também vêm "pescar nas nossas águas"... O nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné ou blogueforanadaevaotres.blogspot.com) é, com alguma frequência, citado pelo Priberam...

É o caso, por exemplo, do regionalismo "sinceno", usado num texto do nosso camarada Francisco Baptista sobre o Natal na sua terra, Brunhoso, concelho de Mogadouro, Trás-os-Montes (*).  Aqui fica o registo do vocábulo e o seu significado,,,, Outros exemplos se seguirão em futuros postes desta série. (**)



2.  Francisco Baptista > O Natal em Brunhoso  > ... as oliveiras cobertas de sinceno...

(...) No dia 24, dia de Consoada, segundo as leis da Santa Madre Igreja, que a terra acatava,  era dia de jejum e abstinência.

Por ser o tempo da apanha da azeitona, levantávamo-nos bem cedo, logo ao alvorecer e andávamos 3 ou 4 quilómetros até às arribas do Sabor onde se situavam os olivais, plantados em socalcos como as vinhas do Douro.

Dias frios, desagradáveis por vezes, pela humidade, pelo nevoeiro com as oliveiras cobertas de sinceno. Aguentávamos, que remédio, a colheita da azeitona tinha que ser feita,  fizesse calor ou frio. Não havia almoço ou merenda, era dia de jejum e abstinência. (...) (*)

3. Comentário dos nossos leitores (e camaradas da Guiné):

(i) Alberto (Abrunhosa) Branquinho: 

(...) Achei engraçada a referência ao "sinceno". É que na minha terra (Foz Côa) chamamos-lhe "sincelo". Consultando o Dicionário Porto Editora, constato que ambas as palavras designam o mesmo: " Pedaços de gelo suspensos das árvores e dos beirais dos telhados...". Só que não são "pedaços de gelo", são gotas e gotas congeladas, como que paradas no tempo e no espaço, à espera de caírem. Quem conheça o Alto Douro (agora Douro Superior...) só na Primavera e Verão, não imagina que isso acontece por aquelas terras. (...) (*)

(ii) Carvalho de Mampatá:

(...) Eu, apesar de ter já experimentado, durante uma semana, o trabalho de varejador de azeitona, em Souto da Velha, não conhecia o vocábulo "sinceno", mas tendo consultado o dicionário, fiquei a saber que não é coisa boa e que tive a sorte de o não apanhar, por lá. (...) (*)

4. O que diz o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

sinceno | s. m.

sin·ce·no |ê|

substantivo masculino

[Portugal: Trás-os-Montes] Pedaços de gelo suspensos dos beirais dos telhados, das árvores ou das plantas, resultantes da congelação da chuva ou do orvalho, geralmente em situações de nevoeiro. = SINCELO

"sinceno", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sinceno [consultado em 26-11-2018].

Esta palavra em blogues... Ver mais

... as oliveiras cobertas de sinceno .. Em blogueforanadaevaotres.blogspot.com

"sinceno", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sinceno [consultado em 26-11-2018].

sincelo | s. m.

sin·ce·lo |ê|
(origem obscura)

substantivo masculino

Pedaço de gelo suspenso dos beirais dos telhados, das árvores ou das plantas, resultante da congelação da chuva ou do orvalho, geralmente em situações de nevoeiro (ex.: a vegetação amanheceu toda coberta de sincelo). = CARAMBINA, SINCENHO, SINCENO

"sincelo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sincelo [consultado em 26-11-2018].

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12500: Conto de Natal (17): O Natal em Brunhoso, Mogadouro

(**) Último poste de 22 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18666: Em bom português nos entendemos (16): senhores dicionaristas, grafem lá o vocábulo "grã-tabanqueiro" ou simplesmente "tabanqueiro"... O nosso pequeno contributo para a celebração do dia 5 de Maio, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP...

11 comentários:

Luís Graça disse...

Com as mudanças climáticas de que tanto se fala, e cujas consequências estamos a sentir todos os dias, em todo o mundo - só o Trumpo que é "cego e surdo" mas não é mudo, é que não vê nem ouve... - , ainda iremos a tempo (?) de "ver" e "ouvir" o "sinceno" a cobrir a copa do nosso mágico, frondoso, secular e protetor poilão... LG

Alberto Branquinho disse...

Olá, Luís

O aspecto visual do sinceno/sincelo, observado de manhã cedinho é: Milhares - milhões? - de pingos de água congelados, agarrados e pedentes dos ramos das árvores (amendoeiras também) ao longo das encostas, batidos pelo sol acabado de nascer, transmitem a impressão de que estão todas em flor. Mas a "floração" desaparece logo que o sol aquece um pouco.

Abraço
Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

Lá em Candoz, na nossa quinta, também tenho às vezes o privilégio de ver esse espetáculo... Mas não sei se o pessoal do Marco do Canaveses (distrito do Porto / nos confins do Douro Litoral...), usa esse termo... Também não "regionalismos" com piada, por aquelas bandas..Uma delas é "freima", para significar "stress"...

Gosto em ler-te.Sei que fizeste um prefácio para o 3º livro do Zé Ferreira... E ele pediu-me um posfácio... Fará sentido ? Tenho que ler o qu escreveste... Ab,Luís

Anónimo disse...



Obrigado Luís por este registo enquadrado nesta época em que o sinceno aparecia embora as geadas este ano ainda não tenham surgido e já era tempo delas.Ajudariam a "curar" (enrijecer) as carnes do porco já cortado depois da matança(dizia-se desfeito, desfeito em partes: os presuntos, os toucinhos, etc.), parar com a humidade que não deixa secar o fumeiro: As geadas acabam por matar também as moscas, mosquitos e outros insectos que podem prejudicar as culturas que crescem no inverno.As alterações climáticas estão a baralhar tudo prejudicando os ritmos da vida nos campos que nós tal como os nossos antepassados conhecemos. O Trump é um produto das televisões e doutros meios de comunicação e nunca teve antepassados lavradores. O dicionário Priberam além do sinceno e do sincelo fala em carambina que não conheço. Em Brunhoso chamávamos carambelo a todo o gelo que se formava sobre as águas dos charcos, poços, e ribeiros.
Um abraço
Francisco Baptista

Alberto Branquinho disse...

Francisco Baptista

O Pocinho, onde passa o Douro e (agora) finda a Linha do Douro, é um lugar da minha Vila e fica-lhe a 3/4 Kms.. Assim, as nossas "santas tèrrinhas" até nem ficam muito longe uma da outra, apesar de o Douro as separar. "Atão", como é que:
- "sincelo" na minha, é "sinceno" na tua e
- "caramelo" na minha, é "carambelo" na tua?
Na minha, canta-se assim na igreja, pelo Natal:

"Ó meu Menino "Jasus"
ó meu menino tão belo
só Vós quisestes nascer
na noute do caramelo"

Mas... consultando o Dicionário da Porto Editora, está lá: "Caramelo: gelo". "Carambelo" não está. Toma lá esta!

Abraço
Alberto Branquinho

Anónimo disse...



Alberto Branquinho

A minha terra, vou-te lembrar pela segunda vez, está dividida entre o planalto de Miranda e a zona montanhosa do Nordeste Transmontano, situada já a cerca de setenta quilómetros do Pocinho, chama-se Brunhoso, tu que és Abrunhosa talvez tenhas lá raízes antigas. Tu sabes e eu sei que por vezes o vocabulário variava de terra para terra, por vezes bem próximas. Sem te puder dar grandes explicações, não sou professor, dir-te-ei que fiques lá com o caramelo que eu cá gosto mais do carambelo.
Tem piada que consultando o dicionário Priberam a palavra carambelo surge em alguns blogues da zona de Chaves, já bem longe das nossas terras. Fui agora à minha terra à procura de setas que não encontrei, encontrei sim muitos roclos, míscaros, uns e outros. Em "Faz Côa" pronúncia dos meus avós, as setas são sanchas e os roclos são frades.

Um abraço
Francisco Baptista

Luís Graça disse...

Francisco, e assim vamos enriquecimento o nosso léxico... POus em Candoz em veze de setas, dizemos "sentieiroos" ou "sentieiros"... Este ano cheguei tarde (finais de outubro), nãpo os vi, não os cheirei, não os comi...Abraço, LG

______________


seta | s. f.

se·ta |é|
substantivo feminino
1. Haste de madeira, armada de um ferro e que se atira por meio de arco ou besta. = FLECHA

2. Ponteiro das horas (nos relógios).

3. Dito satírico que fere a susceptibilidade de outrem.

4. [Botânica] Sagitária.

5. [Astronomia] Constelação, junto da Via Láctea. (Geralmente com inicial maiúscula.)

6. [Portugal: Trás-os-Montes] Cogumelo comestível.


"seta", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/seta [consultado em 27-11-2018].



sentieiro | s. m.

sen·ti·ei·ro
(origem obscura)
substantivo masculino
1. [Regionalismo] [Biologia] Cogumelo comestível (Macrolepiota procera), com chapéu com 10 a 30 centímetros, muito usado na alimentação. = CHAPÉU-DE-SOL, FRADE, MARIFUSA, PÚCARA, ROCO

2. [Regionalismo] Designação dada a vários cogumelos comestíveis, geralmente de cor amarelada. = MÍSCARO

Palavras relacionadas: marifusa, santieiro.

"sentieiro", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sentieiro [consultado em 27-11-2018].

Alberto Branquinho disse...

Bom dia, Francisco Baptista

BOA! "Faz-Côa". É isso mesmo.

"Míscaros" também são chamados assim na Beira Baixa, bem, bem baixa, para onde emigrei.
Não sabia o que são "setas", mas o Luís explicou. E "frades" não é o feijão frade, não? E "roclos"? Devem ser todos da família dos míscaros. Fruta deste tempo. Mais ou menos.
PORTANTO: tem cuidado no Inverno, quando fores à tua terra, não pises o carambelo, que podes escorregar; eu terei o mesmo cuidado com o caramelo quando for à minha.

Abraço
Alberto Branquinho

Fernando Gouveia disse...

Para que conste:

Na margem direita do rio Sabor, além de sinceno, também se diz carambelo...

Abraços
Fernando Gouveia

manuel carvalho disse...

Acerca do sinceno e para quem não sabe não devemos varejar as oliveiras com o sinceno porque as árvores quase que morrem, começam a definhar, não desenvolvem, nem produzem e só ao fim de alguns anos é que começam a recuperar mas muito lentamente.Há uns anos embora avisado fiz isso a algumas oliveiras e bem me arrependi.Dizem os Transmontanos que as oliveiras ficam "castigadas".Um abraço.

Manuel Carvalho

Anónimo disse...



Amigo e camarada Fernando Gouveia, nascido e criado no Nordeste Transmontano, escritor claro, elegante e despretensioso, já com três livros editados, uma das tuas terras de referência é Parada, terra duma grande poetisa, Regina Gouveia tua esposa, que fica distante da minha terra a pouco mais de um tiro de canhão. Suponho que na tua freguesia de nascimento Cardanha ou Adeganha ( agora estão juntas) a designação das geadas seja a mesma da Parada.
Amigo e camarada Manuel Carvalho, sei que falas de Soutelo, terra da tua esposa, terra do meu avô Francisco, grande homem e bom, que dista da minha terra pouco mais de uma légua recordo que com cuidado se ia varejando as oliveiras sem lhe provocar grandes estragos. Posso estar enganado Manuel porque as minhas recordações das oliveiras com sinceno são mais da idade de garoto.

Um abraço a ambos

Francisco Baptista