1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do
BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Memórias de Gabu
Recordando
O tempo passava por cuidados intensivos. Sair para o mato impunha precaução, quer a missão passasse por mais uma patrulha às tabancas onde a finalidade era efetuar a inevitável incumbência pela então chamada “psicó”, ou para a proteção de uma coluna, ou para mais uma noite passada no mato a contar as estrelinhas, sendo a guerra feita pelos zumbidos dos mosquitos que não davam tréguas ao sossego do militar prontinho a dormir mas… acordado.
Usufrui de profícuos conhecimentos obtidos em Penude, Lamego, Curso de Operações Especiais/Ranger, aquando a minha mobilização para a guerra acontecesse certamente jamais abdicaria do que me fora ensinado em pleno sopé da Serra das Meadas, a "bíblia sagrada" de todos os ranger’s.
O curso como instruendo fora, para todos, literalmente penoso, sendo que na condição de instrutor readquiri uma outra bagagem, esta acrescida como fundamental no momento áureo em que a guerra era uma verdade indesmentível. Estávamos, digamos, no auge de uma peleja que não dava descanso e as nossas mobilizações invariavelmente assumidas como certezas absolutas.
Havia preceitos, ordens e princípios básicos que impunham regras de autodefesa. Em Gabu conheci a realidade da guerrilha e aos poucos consegui introduzir no grupo a noção da responsabilidade. Uma veracidade que passava, naturalmente, pela preparação da saída. Nada de “baldas” e nem de facilitismos.
Ao cimo da parada do quartel em Nova Lamego, era comum o pessoal juntar-se de fronte a um casario com destinos diversos. O armazém do material de guerra ficava mesmo em frente. Ali o pessoal formava, distribuíam-se munições de entre outro material que porventura pudesse ser utilizado, organizavam-se as incumbências de cada militar, dirigiam-se umas palavras aos camaradas e lá partíamos para a forjada “paz” de um IN que não descurava um pequeno descuido do pessoal.
Um belo dia preparei a rapaziada, nada de gozos e nem tão-pouco falta de respeito, para um momento de todo impensável. Estávamos de partida para mais uma ida para o mato e por perto passava o capitão Rijo, comandante a nossa companhia, que esboçou a sua admiração com a inesperada postura do furriel.
Com o grupo formado e com o capitão Rijo a olhar a malta de soslaio, eis que solto um grito à ranger que se propagou exaustivamente por todo o recinto: dois passos em frente, bem trabalhados, os calcanhares e as solas dos pés a emitirem um som enorme, corpo hirto uma magistral paulada e do interior das minhas cordas vocais lá entoei “Vossa Excelência meu capitão dá-me licença que mande avançar o grupo!”.
Reparei que a sua primeira atitude foi de espanto. Ele que era capitão oriundo da GNR jamais lhe terá passado pela cabeça uma atitude tão autoritária de um mero furriel que entretanto levou o oficial a lisonjear-se com a bem-aventurada situação.
Lembro que a sua resposta à minha solicitação não foi imediata. Meditou e num curto espaço de segundos a sua resposta ao devolver-me a continência foi com a singela palavra “pode”.
A malta, sempre traquina, divertiu-se depois à fartazana com a “peça” que o furriel tinha feito ao capitão. Mas a “marca” estava dada para, em situações futuras, o capitão responder atempadamente ao monograma colorido de um ranger que se via a comandar um pelotão de valentes soldados.
Ali não existiam distinções, todos bebiam pelo mesmo cálice e comiam do mesmo prato. Um por todos, todos por um. Era assim a mensagem que diariamente proponha a uma rapaziada que ainda recordo com um respeito imenso.
Histórias avulsas, e sobretudo alegres, empreendidas no interior do arame farpado, mas com o devastador palco de guerra ali por perto.
Um
abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: ©
Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 comentários:
Zé Saúde, bela história.
Também, houve uma vez que meu Pelotão foi fazer o arriar da Bandeira em frente ao Quartel do Comando, de Nova Lamego, e fui eu o comandar o Pelotão, como já tinha acontecido noutra ocasião.
Antes do toque do clarim, apresentei o Pelotão ao Oficial de Dia e, como havia uma certa galhofa por o meu Pelotão ser de soldados africanos, mandei um 'dá-me licença meu ...' que se ouvi em todo o Gabu e arredores. Evidentemente, como te deves lembrar, aquele acontecimento diário era sempre feito com grande respeito por toda gente militar e civil. Toda a gente parava.
Outra coisa. Não consigo perceber a razão de se escrever Ranger's e não Rangers.
Julgo que este ...'s se refere a possessivo (pertença) e não como sendo o plural de Ranger. O Queen's Park quer dizer o Parque da Raínha e não as Raínhas do Parque.
É um facto que têm aparecido por cá umas Sapataria Pedro's, uns Café Sousa's pra se referirem a Sapataria com dois sócios Pedro e a Café da família Sousa, mas o quer dizer é Sapataria que pertnce ao Pedro e o Café que é do Sousa.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
Notável, Zé, 82 postes na série "Memórias de Gabu"... É uma bonita marca!...Continua.
E a propósito de furriéis, para mais "rangers", a comandar grupos de combate... Também na minha companhia acontecia isso. Com o destacamento de pessoal para os "reordenamentos"!, perdemos pessoal operacionaol: pelo menos um alferes, um furriel, um cabo ou ou dois e vários soldados... Resultado;: fazíamos a guerra desfalcados, e com a hierarqui subvertida: o alferes ranger a comandar a companhia, furriéis a desempenhar o papel dos alferes, os cabos e soldados (brancos e 1 guineense) a comandar secções...
Espero poder estar contigo no próximo dia 25 de Maio, em Monte Real, o centro geodésico da Tabanca Grande!... E traz mais um ou mais camaradas!
Luís Graça
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