quarta-feira, 24 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19712: Historiografia da presença portuguesa em África (160): Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,

Trata-se de uma documentação de valor histórico apreciável. Em diferentes peças, o leitor ficará ciente de que chegara a hora da decadência de Buba e a perda de influência do Rio Grande, guerras étnicas devastam o Forreá, captura-se gente, levam-se reféns. O secretário do Governo envia instruções a Caetano Filipe de Sousa para proceder a um diagnóstico da situação, importa a todo o transe abrir o eixo comercial entre Buba e a região do Futa, estabelecer tratados de paz, fazer retirar os Fulas-Pretos para o Corubal, atrair os chefes do Futa, tratar com deferência o chefe Mamadu Paté, dar presentes, entre outras questões de grande pertinência.

Em termos historiográficos, são peças singulares que dão conta de que no momento em que a colónia da Guiné se autonomiza o Forreá revela uma grande instabilidade, a que não é alheia a pressão dos franceses, eles estão altamente interessados em comprimir o território da colónia, como o comprovará a Convecção Luso-Francesa em 1886. O testemunho de Caetano Filipe de Sousa fala por si.

Um abraço do
Mário


Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (3)

Beja Santos

Vamos hoje concluir o resumo do relatório de Caetano Filipe de Sousa, capitão e antigo administrador de Buba, escrito em Buba, em 25 de novembro de 1882 e que está depositado nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. Depois de uma longa dissertação sobre os Fulas-Forros e os Fulas-Pretos, prossegue o seu historial do seguinte modo:

“O primeiro chefe a quem os Fulas-Forros tiveram chamava-se Sambali. Todo o chão de Bolola, até 1869, era habitado pelos Beafadas, alguns Fulas-Pretos, antigos aliados dos Fulas-Forros e a pequena tribo Fula-Forro com os seus novos escravos. Um dos chefes dos Beafadas declarou guerra ao seu chefe principal e para o ajudar chamou Sambali. O chefe rebelde venceu a questão, porém, o seu partido entre os Beafadas era pequeníssimo, e Sambali aproveitou esta circunstância, declarou então guerra ao único chefe dos Beafadas que havia em Bolola, isto é, o chão que então era habitado pelos cativos, segundo as suas tradições ficavam entregues aos Forros. Sambali, logo que se estabeleceu, mostrou desejo de estar em boas relações com o Governo Português, realizando-se entre ele e o Governador um convénio que teve lugar no cais de Bolola, no Rio Grande, em 1869, e para cujo fim ali foi a escuna Bissau, havendo a seu bordo, além do Governador do distrito, os principais negociantes portugueses de Bolama e Rio Grande. Este convénio foi realizado com grande pompa que ainda hoje entre gentios e civilizados dá pelo nome de A Paz de Bolola.

Os Fulas-Pretos que habitavam no Forreá julgaram-se tributários dos Forros e assim estiveram sem se incomodar até 1879, data da primeira guerra entre eles. Os Fulas-Pretos julgaram-se com direito a possuir o Forreá porque o seu chefe descende por parte do pai do chefe principal dos Beafadas, e que tendo este perdido o Forreá, eles o pretendem como sua legítima. Há já três anos que esta guerra existe e eu estou convicto que ela não acaba tão depressa, e até mesmo creio que, à hora em que estou escrevendo este pequeno relatório, estão-se preparando nos limites do Forreá e Cadi grandes massas de homens para se baterem uns contra os outros.

O chefe Mamadu Paté recebeu toda a sua família, excepto um sobrinho de 10 anos de idade, que, por enquanto, não se sabe para onde foi levado; mostrou-se satisfeito e agradecido ao Governo o ter-lhe restituído a sua família, estabeleceu de novo a sua tabanca em Bolola.

O Bacari Quidali, que ainda está na praça, promete fazer encaminhar o comércio do Futa, Timbo e Labé para esta praça logo que os Fulas-Pretos retirem do Forreá.

Neste espírito também se me oferece dizer alguma coisa: o Bacari Quidali chamou em tempo gente do Futa para o ajudar numa guerra que tentava fazer contra os Fulas-Pretos no Corubal, Badora e Firdu, esta gente está a caminho do Forreá, isto é, está reunida em Cadé sobre as ordens do chefe do Futa. Os portadores deste chefe precisam da sua ordem para cumprimentar o Bacari Quidali na sua tabanca, porém, eu, sabedor disto, mandei ali portadores meus a comunicar-lhes para que venham a Buba, quero orientá-los num tratado de paz que acaba de ser realizado entre o Governo e os Fulas-Forros; depois, avisá-los e aconselhá-los a que não prossigam no seu propósito de guerrear os Fulas-Pretos, mas creio nada conseguir porquanto o chefe do Futa chamou para o seu partido a gente do chefe de Timbo, e este mandou o seu próprio filho, de modo que o chefe do Futa não desistirá para não o acusarem de cobarde, como entre eles é costume.

O Bacari Quidali, estou certo, não andou nisto de má-fé, todavia, achava-se já comprometido com o chefe do Futa e agora não sabe o modo de sair desse compromisso, por esta forma os caminhos do Futa para Buba continuarão a estar fechados e apresto-me a dizer a V. Ex.ª que teremos de nos limitar, por enquanto, ao comércio do Forreá, que é do cuidado de não se ofender directa ou indirectamente o Bacari Quidali, cujo melindre é bastante apurado.

Em Buba, não vejo mais que uma pessoa que deseja ir a Futa (pondo de parte o meu nome) e este indivíduo chama-se Pedro Lopes e reside nesta praça. Pela sua ida pede mil réis, acho porém que este sujeito não pode servir para ser representante do Governo aos chefes de Futa e Timbo.

Os Mandingas residentes na praça vivem bem com os Fulas-Pretos e Fulas-Forros, porém, outro tanto não sucede com os Futa-Fulas por serem inimigos, noto mesmo que sempre que lhes falo deles prometem ser implacáveis.

Finalmente diria a V. Ex.ª que me parece que o meio mais pronto para fazer chegar ao mercado de rua o comércio do Futa está em manter as melhores relações de amizade com o chefe daquela tribo. Este chefe é bastante moderado, pouco exigente e mostra simpatia pelos brancos (as pessoas civilizadas, seja qual for a sua cor, são designados pelo gentio pelo nome de Brancos).

Para conseguirmos a sua amizade, é necessário presentes anualmente e mesmo em épocas em que ele venha à praça. Calculo, para estes presentes, a soma 1.200$000 e nesta importância é incluído também o presente que costumamos dar ao Bacari Quidali. Estes presentes, bem entendido, não é para que nos não ataquem a praça de Buba, porque se o tentassem sentiriam os efeitos, Buba propriamente dita está bem defendida”.

Após a descrição dos efetivos na praça e a possibilidade de proteger qualquer feitoria do Rio Grande e depois ter dado informações que no Porto de Buba há uma lancha a vapor ao serviço da praça e do Rio Grande, despede-se nos seguintes termos:

“Com estes elementos, as feitorias têm mais alguma confiança na protecção do Governo, garantem que os chefes do Futa e Forreá façam com que o comércio dali se dirija a Buba e a seguir com que os caminhos do Forreá estejam abertos aos negociantes do Futa, sem que estes receiem perder as suas mercadorias. É este o exemplo que nos é dado pelo Governo Francês, é assim que pratica para com as tribos do rio Nuñes e para com a praça de Timbo”.

Procede a uma larga referência às taxas e impostos municipais e despede-se com a saudação: Deus guarde a Vossa Excelência, Buba, 25 de Novembro de 1882, assina e adiante pode ler-se que está conforme, e temos a data de Bolama, 4 de maio de 1883, Caetano Filipe de Sousa.



Imagens do relatório de Caetano Filipe de Sousa, constante dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, com a devida vénia.


Antigo Palácio do Governador, Ilha de Bubaque

Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
____________

Nota do editor

Postes anteriores de:

10 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19665: Historiografia da presença portuguesa em África (157): Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (1) (Mário Beja Santos)
e
17 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19688: Historiografia da presença portuguesa em África (158): Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Na ilha de Bubaque não havia pedra nem cimento nem cal, por iso só se construiu um palácio.

Não havia patacon para mais.