quarta-feira, 17 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19688: Historiografia da presença portuguesa em África (159): Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
O Capitão Caetano Filipe de Sousa, que fora Administrador em Buba, recebeu a incumbência do Governador para se inteirar da sua situação que se vivia em Buba e no Forreá por diferentes razões: sequestro, tensões entre Fulas-Pretos e Fulas-Forros, sobretudo. Em documento à parte, que o capitão enviou à Sociedade de Geografia de Lisboa, dá-se conta da decadência das feitorias de Buba e do Forreá por razões de ganância dos feitores e pressão dos comerciantes franceses, na época a fazerem uma autêntica tenaz, às ordens de Paris, para comprimirem a presença portuguesa em Casamansa e junto do rio Nunes, no fundo estava a ser feito um molde do território de que resultará a Convenção Luso-Francesa de 1886, que reduziu a presença portuguesa da Senegâmbia.
É um relatório do maior interesse para se perceber como a invasão dos Fulas alterara toda a demografia da colónia, o Sul da Guiné passara a ser outra coisa.

Um abraço do
Mário


Relatório para o Sr. Governador da Guiné, assinado em Buba, em 6 de dezembro de 1882, pelo Capitão Caetano Filipe de Sousa (2)

Beja Santos

Esta documentação que se encontra nos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa é do maior interesse histórico, o Capitão Caetano Filipe de Sousa permite-nos compreender o porquê da perda de importância de Buba e as tensões existentes no Forreá, entre Fulas-Pretos e Fulas-Forros e as suas continuadas guerras, que se prolongaram por muito tempo. Ficamos igualmente a saber que se praticava, em doses moderadas, a escravatura.
No vasto conjunto desta documentação, encontramos um apêndice muito curioso: Instruções dadas pela secretaria do Governo em Bolama, em 3 de novembro de 1882, assina o Capitão Manuel José da Piedade Alvarez, reza o texto o seguinte:
“Ao Capitão sindicante em Buba, Caetano Filipe de Sousa,
Sua Excelência o Governador determina que além da comissão especial e da muita circunspecção de que vai encarregado, deve procurar informar-se: 1.º do estado de espírito dos Fulas-Pretos quanto à paz concedida aos Fulas-Forros; 2.º se os Fulas-Pretos pensam em retirar-se definitivamente para o Corubal, por terra, esperando embarcação do Governo no rio, para passar o rio, ou por mar, e quando; 3.º se pensam em abandonar completamente a tabanca que está próxima da praça de Buba; 4.º se algumas das famílias dos Fulas-Pretos desejam ficar pacificamente naquela tabanca lhe seja permitido em nome do Governo, ficarão responsáveis por qualquer acto de pilhagem que será devidamente castigado; 5.º fazer constar aos Fulas-Pretos que o Governo não lhes permite levantar outra tabanca, além daquela que tem construída; 6.º que o Governo considere como um acto hostil qualquer ataque às caravanas dos Fulas-Forros e Fulas-Pretos que se dirijam à praça; 7.º informa-se da grande satisfação em que o Mamadu Paté retire para o Forreá, com respeito à entrega da sua gente: se foi toda, ou quantos faltam ou o motivo; 8.º informar-se igualmente das disposições que os Fulas-Forros com respeito à época em que possam principiar o comércio do Futa; 9.º qual o indivíduo mais conspícuo para seguir até Futa em companhia de um emissário de Bacari Quidali para transmitir a notícia de paz aos Futa-Fulas e em que condições aceita ir; 10.º qual a disposição dos Mandingas que residem na praça com respeito às três raças, Futas, Fulas-Forros e Fulas-Pretos; 11.º informar-se, finalmente, de tudo quanto possa interessar ao Governo para o desenvolvimento do comércio de Futa e Buba e das mais prontas decisões para conseguir esta necessidade”.

Segue-se a assinatura do Capitão Alvarez.

E vem agora um importante documento intitulado Resumo do Relatório de Caetano Filipe de Sousa, escrito em Buba, em 25 de novembro de 1882:
“Excelentíssimo Senhor Governador,
Em cumprimento às instruções que Vossa Excelência se dignou dar-me em 3 do corrente mês, nas quais me ordena que faça consulta aos Fulas-Pretos a desejo do Governo, a seu respeito e em forma à resolução por eles tomada, assim como informo também alguma coisa sobre os meios a empregar para o engrandecimento do comércio de Buba e Futa, e ainda acerca dos Fulas-Forros e Mandingas, tenho a honra de dizer a V. Ex.ª o seguinte:
Os Fulas-Pretos pretendem retirar para o Corubal logo que o Governo lhes dê embarcação, isto sem referência aos Fulas que são do Corubal, Firdu e Badora, porquanto os que são do Forreá desejam ficar e pedem ao Governo que lhes permita o transporte de suas famílias para esta praça na embarcação que leva as suas companhias para o Corubal.
Este desejo dos Fulas-Pretos vai assim um pouco ao encontro do que V. Ex.ª determina naquelas instruções, porém, não me parece que isto seja contrário ao engrandecimento de Buba, pois tendo eles aqui as suas famílias, é suposto que vivam pacificamente; notando-se que, esta a minha esperança, está de acordo com Bacari Quidali. Diz ele: os Fulas-Pretos do Forreá podem ficar com as suas famílias; quanto aos que são do Corubal, Firdu e Badora, devem retirar-se sem perda de tempo.

A tabanca que os Fulas-Pretos têm, além da praça, não pode comportar todas as famílias desta tribo, e para não alterar o determinado por V. Ex.ª nas instruções referidas, dei-lhes licença para que possam construir casas dentro da praça e pelo lado do segundo caminho, formando assim um bairro que ficará denominado Bairro dos Fulas-Pretos. Esta minha concessão foi-lhes feita, dependendo da aprovação de V. Ex.ª; assim como lhes fiz ver que, a ficarem, têm que sujeitar-se à legislação portuguesa, serão punidos severamente caso cometam algum acto hostil contra os Fulas-Forros ou às caravanas que venham do Futa, Fuinhó ou Labé e se dirijam à praça; isto, tanto no que diz respeito aos que habitam na praça como aos que habitam na tabanca, a qual é considerada, para todos os efeitos, sob a acção e protecção do Governo.
Procurei também estudar o modo como eles consideram a paz dada aos Fulas-Forros, em 27 do mês findo. A este respeito, permita-me V. Ex.ª dizer duas palavras. Os Fulas-Pretos têm nome na história desta parte de África há muito, abraçam de preferência a rapinagem e ficam contentes quando têm ocasião de mostrar a sua habilidade nesta matéria; ora, como devem eles ficar contentes com a paz concedida aos Forros? Os Fulas-Pretos consideram ter relações amigáveis com o Governo de há muito tempo.

(Segue-se um parágrafo praticamente ilegível, oxalá que o investigador que se seguir saiba grafologia…)

A tribo dos Fulas-Forros é uma tribo simpática. O seu aparecimento data de 1851, vieram em pequeno número estabelecer-se no chão de Bolola (é como então se chamava ao que hoje é o Forreá), tiveram que pagar um pequeno imposto aos Beafadas.
Alguns Fulas-Pretos, naturalmente por simpatia, ligaram-se a esta gente, chamando-lhes ‘seus senhores’; isto pelo facto de os Fulas-Forros serem conhecidos por Fulas-Brancos e mesmo porque sendo os Fulas-Pretos de origem dos Beafadas, estes vendiam os seus irmãos aos Fulas-Forros que habitavam nos seus domicílios. Coitados, nem sequer se lembravam que estavam a cavar a sua ruína. O nome Fula-Preto é herdado do Fula-Forro e por isso que, sendo o Fula-Preto descendente do Beafada e vendido por este aos Fulas-Forros, foi por ali que tomara o nome de ‘seus senhores’ com a diferença que sendo estes claros e aqueles escuros, ‘o senhor’ é conhecido pelos Fulas-Forros e os Beafadas vendidos por seus parentes aos Forros, tomando nome ‘Fula-Preto’.”

(Continua)

Imagem dos rochedos do Futa-Djalon, em plena Guiné Conacri, imagem da Wikipedia. Os Fulas atravessaram este maciço rochoso, no século XIX, para entrar na Guiné, instalar-se no território, entrando em guerra com os Mandingas, impuseram-se e espalharam-se pela colónia portuguesa, impondo-se no Leste, sobretudo. A palavra Futa deve ser entendida como a região onde estavam acantonados sobretudo os Futa-Fulas, conhecidos pela sua cor de cobre.



Imagens das instruções assinadas pelo Capitão Alvarez e relatório escrito pelo capitão Caetano Filipe de Sousa, documentos que fazem parte dos Reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, com a devida vénia.
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Nota do editor

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