A inconfundível assinatura
do Alama Negreiros (1893 - 1970)
1. O Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, "Os Zorbas" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado, e colaborador sénior do nosso blogue (com cerca de 125 referências no nosso blogue),manda-nos um frase genial do nosso Almada Negreiros, a primeira que reprozimos a seguir...
Com tantos vendilhões do templo a impingir-nos verdades eternas e salvíticas nestra quadro do ano, ensombrada por um grave crise da humanidade (que não será primeira nem a última), é bom conhecer (e meditar em) o pensamento deste português, um dos grandes e últimos do império.
Almada Negreiros, juntamente com Fernando Pessoa, é um dos nomes maiores da nossa modernidade cultural ... É um filho bastardo do nosso império: nasceu na Roça da Saudade, freguesia da Trindade, São Tomé e Príncipe, em 1893, sendo o primeiro filho de António Lobo de Almada Negreiros, tenente de cavalaria, alentejano de Aljustrel, administrador do concelho de São Tomé, e de sua mulher Elvira Sobral de Almada Negreiros, uma mestiça com fortuna paterna, sã-tomense, falecida três anos depois, em 1896, uma mãe que ele invoca, evoca, interpela, nos seus escritos, mas de que pouco se podia lembrar!
Quando ele nasceu, numa antiga ilha esclavagista, já tinham nascido todos os grandes gurus da humanidade, de Buda a Confúcio, de Jesus Cristo a Maomé, de Lutero a Karl Marx... E em nome do mesmo Deus, continuamos a matar-nos uns aos outros. Basta percorrer as redes sociais: quantas frases de ódio e violência se irão escrever no dia de Natal de 2020 ?
2. Citações de A Invenção do Dia Claro [, 1924], de José de Almada Negreiros, selecioanadas por Mário Gaspar e Luís Graça:
(...) “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.” (...)
(...) “Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido.” (...)
(...) "Na montra estava um livro chamado «O leal conselheiro». Escrito antigamente por um Rei dos Portugueses! Escrito de uma só maneira para todas as espécies de seus vassalos! Bendito homem que foi na verdade Rei! O Mestre que quer que eu seja Mestre!" (..,)
(...) “Eu queria que os outros dissessem de mim: Olha um homem! Como se diz: Olha um cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma árvore! quando há uma árvore. Assim, inteiro, sem adjectivos, só de uma peça: Um homem!” (...)
(...)“Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são as mesmas que encontrei dentro do peito no fim da viagem que fiz pelo universo.” (...)
(...) “Mas eu andei a procurar por todas as vidas uma para copiar e nenhuma era para copiar.”(...)
(...) "Imaginava eu que havía tratados da vida das pessoas, como há tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecidos com o tratamento que há para os animaes domésticos, não é? Como os cavalos tão bem feitos que há"!
(...) "Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como há hóstias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma hóstia. Um livro pequenino, com duas páginas, como uma hóstia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia. "(...)
(...) "O pequeno é como o grande. O que está em cima é análogo ao que está em baixo. O interior é como o exterior das coisas.Tudo está em tudo. "(...)
(...) "Mulheres e homens são as duas metades da humanidade: a metade masculina e a metade feminina. Há coisas inteiras feitas de duas metades e aonde não se pode cortar ao meio para separar essas duas metades. Exemplo: a humanidade com a metade masculina e a metade feminina. São duas metades que deixam, cada uma, de ser uma metade se não houver a outra metade. "(...)
(...) "As mulheres e os homens estavam espalhados pela Terra. Uns estavam maravilhados, outros tinham-se cansado. Os que estavam maravilhados abriam a boca, os que se tinham cançado também abriam a boca. Ambos abriam a boca.
Houve um homem sosinho que se pôs a espreitar esta diferença: havia pessoas maravilhadas e outras que estavam cansadas. Depois ainda espreitou melhor: Todas as pessoas estavam maravilhadas, depois não sabiam aguentar-se maravilhadas e ficavam cansadas. As pessoas estavam tristes ou alegres conforme a luz para cada um: mais luz, alegres, menos luz, tristes.
O homem sosinho ficou a pensar n'esta diferença. Para não esquecer fez uns sinais numa pedra. Este homem sosinho era da minha raça: era um Egípcio! Os sinais que ele gravou na pedra para medir a luz por dentro das pessôas, chamaram-se hieroglifos.
Mais tarde veio outro homem sosinho que tornou estes sinhais ainda mais fáceis. Fez vinte e dois sinais que bastavam para todas as combinações que há ao Sol. Este homem sosinho era da minha raça: era um Fenicio! Cada um dos vinte e dois sinais era uma letra. Cada combinação de lettras uma palavra." (...)
(...) "Jesus Cristo desce sosinho por entre as duas grandes alas da humanidade. As duas grandes alas da humanidade estendem os braços para Jesus Cristo. Uma das duas alas acusa a outra ala, e esta acusa aquella.
Jesus Cristo desce sosinho por entre as duas grandes alas da humanidade, sem se aproximar de uma nem da outra. As duas grandes alas da humanidade. Jesus Christo acabou de passar por entre as duas grandes alas da humanidade, sem se ter approximado de uma nem da outra. As duas grandes alas da humanidade. Em baixo a Terra, em cima o Sol." (...)
(...) "Um dia foi a minha vez de ir a Paris. Foi necessário um passaporte. Pediram a minha profissão. Fiquei atrapalhado! Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Poeta! Não acceitaram. Tambem pediram o meu estado. Fiquei atrapalhado. Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Menino! Tambem não acceitaram. "(...)
(...) Mãe! dói-me o peito. Bati com o peito contra a estátua que tem em cima o verbo ganhar. Ainda não sei como foi. Eu ia tão contente! eu ia a pensar em ti e no verbo saber e no verbo ganhar. Estava tudo a ser tão fácil! Já estava a imaginar a tua alegria quando eu voltasse a casa com o verbo saber e o verbo ganhar, um em cada mão! Dói.me muito o peito, Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! (...)
(Revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG)
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Nota do editor:
Último poste da série > 8 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21621: Pensamento do dia (25): Grafito, logo existo... Ou a pandemia de Covid, romântica "ma non troppo"... Afinal, os grafiteiros das nossas cidades são uns meninos de coro quando comparados com alguns que se mudaram para as redes sociais...como o Facebook e o Twitter, diz o Jimmy Wales, o criador da Wikipedi
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Nota do editor:
Último poste da série > 8 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21621: Pensamento do dia (25): Grafito, logo existo... Ou a pandemia de Covid, romântica "ma non troppo"... Afinal, os grafiteiros das nossas cidades são uns meninos de coro quando comparados com alguns que se mudaram para as redes sociais...como o Facebook e o Twitter, diz o Jimmy Wales, o criador da Wikipedi
7 comentários:
http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/literatura-1/1191-1191/file.html
CANÇÃO DA SAUDADE
Se eu fosse cego amava toda a gente.
Não é por ti que dormes em meus braços que sinto amor. Eu amo a minha
irmã gemea que nasceu sem vida, e amo-a a fantazia-la viva na minha
edade.
Tu, meu amor, que nome é o teu? Dize onde vives, dize onde móras, dize se vives ou se já nasceste.
Eu amo aquella mão branca dependurada da amurada da galé que partia em busca de outras galés perdidas em mares longissimos.
Eu amo um sorriso que julgo ter visto em luz do fim-do-dia por entre as gentes apressadas.
Eu amo aquellas mulheres formosas que indiferentes passaram a meu lado e nunca mais os meus olhos pararam nelas.
Eu amo os cemiterios - as lágens são espessas vidraças transparentes, e
eu vejo deitadas em leitos florídos virgens núas, mulheres bellas
rindo-se para mim.
Eu amo a noite, porque na luz fugida as silhuetas indecisas das mulheres
são como as silhuetas indecisas das mulheres que vivem em meus sonhos.
Eu amo a lua do lado que eu nunca vi.
Se eu fosse cego amava toda a gente.
(Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1)
Almada Negreiros rotulado de fascista, quase acusado por ter nascido em S. Tomé, "uma ilha esclavagista." As coisas que continuo a desaprender com este blogue... A minha pobre alma pasma-se! E entristece.
Abraço,
António Graça de Abreu
...até parecia que não havia uma pra confusão.
O multifacetado, modernista e autodidata Almada nada tinha de fascista, até correu à biqueirada uns fascistas mussolinianos que por cá apareceram, era mais à moda do santacombaniano (como diria o Luís Lomba) e lá por ter sido delegado à câmara corporativa foi só para fazer uns desenhos para ganhar a vida. Aliás o seu próprio apelido é indicativo duma profissão liberal/artística de utilizador de crayon noir para fazer os seus desenhos.
Mas, de nada se pode perder de toda a sua excepcional obra produzida e quem for ver os painéis da Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa, pode apreciar como é quele se "multifacetou" nas imagens que os estrangeiros primeiro viam quando chegavam a Portugal.
Abracelos
Valdemar Queiroz
NOVAFCSH > + Lisboa
Nem o Estado Novo conseguiu reprimir Almada Negreiros
Diana Vicente
15 Março, 2018
Em março de 1934, Almada Negreiros insurge-se contra o uso da arte como propaganda dos regimes fascistas, numa altura em que os artistas, por falta de rendimentos, respondiam a encomendas do Estado Novo.
“Não se deixem inebriar pela sua capacidade de artifício, e antes encontrem a sua verdadeira e madura expressão individual.” Este foi o apelo de Almada Negreiros a um olhar diferente sobre a obra de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), considerado o pai do Futurismo.
O apelo foi feito na conferência “Cuidado com a Pintura!”, que decorreu na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em março de 1934, e muitos outros contra a apropriação política da arte se seguiram, como refere Mariana Pinto dos Santos, investigadora do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH, na edição especial da revista do Instituto (2014, p. 314-321) dedicada a este artista.
Em 1932, Almada Negreiros já tinha mostrado o seu desagrado face à instrumentalização da arte modernista num artigo publicado no Diário de Lisboa, intitulado “Um ponto no i do futurismo”. Contesta precisamente Marinetti numa acusação “de enorme violência e repulsa pela oficialização fascista de uma arte que Almada entendera ser uma profunda rutura com sistemas instituídos”, esclarece a investigadora.
Também no espólio da família foi encontrado um manuscrito de 1936 nunca publicado, no qual o artista critica António Ferro, Diretor do Secretariado da Propaganda Nacional. Com o título “Não, António Ferro, não”, nele Almada denuncia a “apropriação abusiva do modernismo como arte de Estado e a atitude de Ferro ao tomar para si, não menos abusivamente, os louros de uma posição de chefia do modernismo português”, afirma Mariana Pinto dos Santos.
De facto, os regimes fascistas emergentes apropriaram-se da arte modernista através da propaganda. A investigadora refere que vários artistas “responderam a encomendas do Estado Novo, situação aliás comum, uma vez que poucas outras fontes de rendimento haveria.”
Para Almada, contudo, a pintura era considerada “a mais excelente de todas as disciplinas individuais”, pois permitia-lhe ser livre. A liberdade era uma condição da modernidade, conseguida através do “fazer artístico, no estado de admiração permitido pela condição de ingenuidade, na capacidade de recuperar, com esse estado, o saber essencial da ordem do universo”.
Nessa condição, o artista procurou realizar trabalhos à margem, por ele considerados livres, sendo um dos mais icónicos o retrato de Fernando Pessoa, encomendado em 1964 pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Noutros trabalhos, realizados sob encomenda oficial, não deixou contudo de deixar marcas da sua liberdade criadora e interpretativa, como é o caso dos Painéis das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha de Conde Óbidos.(...)
Vá que os fascistas, melhor dizendo santacombacistas pra não aleijar suscetibilidades, se apropriaram dos modernistas e estes "responderam a encomendas do Estado Novo, situação aliás comum, uma vez que poucas outras fontes de rendimento haveria". E vai daí foi desenhar propaganda pra ganhar umas croinhas. Sempre foi melhor que a outra situação comum de fazer desenhos nas paredes das selas do Aljube, e até deu direito a ser delegado à câmara corporativa fascista, ou melhor santacombacista, como representante da classe dos artistas plásticos.
Mesmo assim, Almada Negreiros foi dos grandes artistas modernistas e faz parte dos grandes vultos da cultura portuguesa.
Que fique bem claro, e embora Almada nascesse em S. Tomé, o apelido Negreiros, de várias famílias portugueses, nada tem a ver com comércio ou transporte de escravos africanos (negreiros).
Valdemar Queiroz
Rectifico
Evidentemente que não se tratava 'selas', antes de celas do Aljube porventura sem selas.
Valdemar Queiroz
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