Camaradas,
Não obstante a realidade atualmente vivida, covid-19, uma pandemia mundial
cujo inimigo é invisível, é tempo, tal como o tinha feito no texto anterior, em
trazer à estampa as mensagens natalícias que os nossos camaradas endossavam
para a Metrópole aquando se aproximavam as épocas de Natal e Ano
Novo.
Na RTP, único canal televisivo e com as imagens emitidas, a preto e branco,
a proliferar nesta Pátria lusitana, os familiares e amigos regozijavam-se com a
presença no pequeno ecrã dos nossos camaradas.
E foi precisamente com o objetivo em que jamais esqueceremos uma veracidade
que nos fora conhecida em tempos de uma guerra para a qual fomos atirados, que
lancei no meu último livro – “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau
1973/74” – o texto que a seguir transcrevo.
O tempo foi, é e será de uma efetiva Paz que a humanidade expressamente
muito aprecia e considera. Uns acreditam piamente no solene momento espiritual;
outros, guiam-se pelo inatingível “estrada de Santiago” mostrada no infatigável
horizonte boreal que os conduzem ao mundo das utopias.
Prezo a quadra mágica do Natal e do Novo Ano. Considero e respeito todas as
opiniões. Recordo, com um inabalável e contemplativo sentimento nostálgico, as
mensagens que os soldados fixados então nas três frentes de guerra – Angola,
Moçambique e Guiné - transmitiam aos seus familiares e amigos nestas épocas
festivas.
“Daqui
fala o soldado…” um combatente que transmitia à plebe que se “encontrava bem” e
lá ficavam os beijos e os abraços para que o povo, carente de sensível saudade,
descansasse a sua alma que se inseria num manto salpicado de tristeza. “O meu
rapaz está bem”, comentava uma desconhecida mãe no mais recôndito lugar nesta
pátria lusitana, mas que, entretanto, se mostrava refeita de uma desmedida
saudade pela ausência do caridoso fruto que colocara no mundo. Via-o na
televisão e logo o seu ânimo ressuscitava.
Nesta panóplia de infindáveis mensagens lá surgia um camarada que enviava
beijinhos para o seu recém-nascido filho ou filha, mas que por ora não
conhecia. Partiu para a guerra com o embrião aconchegado na barriga da sua
amorosa companheira.
As
imagens televisivas, onde o cenário de guerra mostrava jovens envergando os
seus camuflados e normalmente inseridos numa paisagem onde a vegetação de fundo
apontava para os gigantescos planos de uma África no seu melhor, eram
escolhidas a dedo, sendo que o repórter de imagem não corria um alegado risco
físico que interferisse com o bem-estar pessoal.
Em Gabu ocorreram reportagens “encaixadas” em tempos de conflito. Todavia,
as realidades da guerra eclipsavam-se por esses momentos de lazer. O combatente
sentia que o seu dever era transmitir que “estava bem” e tudo se confinava a
uma auréola de fértil esperança.
Da então Nova Lamego, agora Gabu, guardo réstias de memórias dos tempos em
que a televisão, a preto e branco, transmitia “Mensagens de Natal e de um Feliz
Ano Novo” de camaradas que se entregavam ao elevo de uma fantástica máquina de
filmar que lançava depois para o ar imagens de sonho e carregadas de
confiança.
Mas, tudo o que tem princípio tem um fim. Revejo, em lembrança, o período
das nossas comissões militares na Guiné, e das “escarpas” que tivemos de
ultrapassar, sendo algumas delas rotuladas de extrema dificuldade.
Uns partiram rumo a solo guineense e chegaram isentos de mazelas; outros,
infelizmente, morreram em combate, ou numa outra inusitada situação; mas
existem aqueles que revelam danos corporais que um dia levarão para a sua
derradeira morada, cuja consequência direta teve como origem uma mina
antipessoal, uma bala que lhe perfurou o corpo numa maldita emboscada, ou como
efeito uma improvável causa que entrementes lhe causou o desespero.
E é
com estas indesmentíveis realidades de guerra, sempre merecedoras de reparo,
que partilho pequenos escritos sobre o conflito na Guiné, onde fomos evidentes
protagonistas, uns como “heróis” no momento exato em que o combate acontecera,
admitindo, com convicção, que todos foram substancialmente “heróis”, alguns
deles vistos depois como “vilões” por força de um regime que libertou soldados
entregues à sorte nas antigas províncias ultramarinas.
Da Guiné, aquela em que todos nós combatemos, ficarão fundamentais retratos de homens que para além das suas mensagens natalícias, guardam nos seus baús pequenas cópias desses registos de guerra.
Um abraço, camaradas,José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:
Vd. também o
poste anterior deste autor:
1 comentário:
Acabei de telefonar ao Zé Saúde que é um homem feliz, apesar de todos os azares e agruras da vida... É um grande exemplo de resiliência e de superação das crises e obstáculos com que todos nós deparamos ao longo da vida (a morte e a doença dos que nos são queridos, a nossa própria doença, etc.).
Tem felizmente duas filhas, genros e netos encantadores e em breve vai morar com a Rita, a filha que é fisioterapeuta em Beja. (A outra mora no MOmtiho e trabalha na SATA.) Vai ser feliz na nova casa, a d Rita, que deve estar pronta em breve. E tem esta coisa, muito importante, a seu favor: escreve todos os dias, estava ao computador a ultimar uma crónica semanal que manda para o jornal da terra...
Gostei muito de falar com ele. E aproveito para mandar um abraço especial para o seu editor, o nosso Magalhães Ribeiro. LG
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